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danielomarperez@hotmail.com
RESUMO: Este trabalho visa apresentar uma leitura do lugar do sentimento moral
elaborado na filosofia transcendental a partir da crítica que Kant realiza contra o
sensualismo moral inglês (expresso nas obras de Hutcheson e Adam Smith). Observar-se-á
que numa reapropriação da noção em questão, se transformará numa peça chave da moral
kantiana em favor de uma leitura semântica da tarefa crítica.
1. Introdução
textos tem sido decididamente marcada na nossa literatura, a saber: aquela que declara o
formalismo do nosso autor como o específico no âmbito da razão prática. Este tipo e
interpretação é bem comum tanto no interior dos estudos kantianos, quanto nas críticas
externas ao kantismo de Hegel a Lacan. Por tal motivo não enumerarei aqui exemplos que
já são bem conhecidos. Assim sendo, abordaremos diretamente a operação que origina este
tipo de leituras.
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Este trabalho, com alterações, foi apresentado na forma de uma conferência no III Coloquio Kant 2001
organizado pela Sociedade Kant Brasileira – sede Unicamp e é parte de uma pesquisa mais ampla sobre o
sentido das proposições sintéticas em Kant aberto a partir descobertas do Prof. Loparic sobre semântica
kantiana. Ver Loparic: 1982, 1999. Alguns resultados alcançados nas minhas pesquisas foram publicados ,
outros estão ainda em andamento. Ver Perez,DO. 1997, 1998, 1998b, 1999, 2000, 2000b.
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Professor de Filosofia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná e doutorando em filosofia da
Universidade Estadual de Campinas.
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A interpretação em questão considera o imperativo categórico como uma grelha
que permitiria realizar um teste de universalização das máximas de nosso agir. Assim
sendo, o aparelho da razão prática funcionaria do seguinte modo, para que uma máxima
seja considerada como moralmente boa ou má, deveria ser referida ao enunciado da lei
moral como o único requisito necessário: sua universalização. Esta linha de leitura, que
leva em conta apenas uma parte do funcionamento prático da razão kantiana, encontra-se
com um grande obstáculo para poder ser admitida sem objeções, a saber: a distinção
moral/direito; legislação interna/legislação externa; agir pela lei ou conforme a lei. Estas
distinções, essenciais para entender não só a Crítica da razão prática senão também a
própria Metafísica dos costumes, ficam apagadas naquela interpretação “formalista”. Nessa
apenas a um princípio de universalização, então não haveria qualquer diferença entre moral
prática localiza-se no sentimento moral, defendendo assim uma tese que interpreta a
introduzido por Kant em várias de suas obras, primeiramente ligado à teoria de Hutcheson
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O texto não visa dirimir uma disputa exegética, mas contribuir a uma reflexão sobre
o âmbito da ética.
fórmula do dever (sollen). Esse expressar (aussprechen) comporta uma dupla significação,
Cito:
Cito:
(eines geschickten Verhaltens). Kant explicita ainda que as próprias lições de moral, onde
se prescreve aquilo que deve ser feito para favorecer a felicidade, não se diferenciam em
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nada da geometria por exemplo, onde se enunciam passo a passo as ordens para a execução
de uma figura. A segunda espécie de necessidade designaria sim uma obrigação como fim
primeiro princípio formal do agir, enunciado em sua dupla forma, segundo a obrigação de
Este princípio é enunciado sem qualquer dedução. Sua justificação se sustenta por
ser um fim em si mesmo e não uma regra de habilidade. Entretanto, como princípio formal,
não indicaria nenhuma ação exatamente determinada, do tipo “faz X”. Sua validade,
bem.
Escreve Kant:
A operação funciona do seguinte modo, uma regra, dita material, subsume-se sob
uma regra suprema, dita formal, segundo um sentimento moral, outorgando, deste modo,
um sentido prático á ação. Sendo assim, temos um sentimento (e o nome associado a este
elemento é o de Hutcheson), que outorga sentido à relação entre a regra (menor) material e
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A argumentação kantiana visa um paralelo entre o funcionamento cognitivo e o
funcionamento prático, onde, em cada caso, existiria uma parte intelectual ou conceptual e
aprofundará e desenvolverá vinte anos mais tarde, quando retomará os temas morais. O
paralelo e a diferença entre o cognitivo e o moral, a distinção entre agir pragmático e agir
moral e a reflexão sobre o sentimento são temas que desenham a sistemática do filósofo.
filosofia prática, o conceito de dever. “Dever (Pflicht) –diz Kant- é a necessidade de uma
ação por respeito (Achtung) à lei” (KANT,I. 1983, vol 6, p. 14). E ainda explicita:
se de uma atividade da razão e não dos sentidos, mas é um tipo de atividade que determina
a própria vontade a se submeter à lei por respeito a essa mesma lei. Quando Kant
especifica ainda mais a questão do respeito diz que se trata de um “sentimento oriundo de
um conceito de razão” (KANT,I. 1983, vol 6, p. 14). Quer dizer, um sentimento que não é
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compreensível no domínio teórico, um sentimento prático que não é objeto de inclinação
(Neigung) nem de temor (Furcht) “ainda -diz Kant- quando tem algo análogo com ambos”
(KANT,I. 1983, vol 6, p. 14). Análogo à inclinação, mas oriundo de outra fonte que
por um sentimento de respeito, mas, esse respeito é um efeito da lei, “efeito subjetivo que
exerce a lei sobre a vontade” (KANT,I. 1983, vol 6, p. 122). O próprio Kant reconhece a
Com efeito, há uma relação decisiva entre a lei e esse sentimento “prático” que me
permite reconhecer (erkennen) a lei como lei, querer (wollen) a lei enquanto lei pelo dever
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universalização das máximas temos a sensação da lei. Entretanto a origem da lei é-nos
Hutcheson abre uma linha de reflexão sobre problemas morais que terá como ponto
Hume.
considerando esta como um tipo de determinação material do agir humano, e, portanto, não
A pretensão de fundar uma máxima do agir num sentimento seria buscar uma
determinação empírica do ato. Esta operação, como sabemos, pertence ao domínio teórico,
operação onde os conceitos fazem sentido na medida em que são referidos a intuições
da mesma forma que os conceitos teóricos, não só devem ser logicamente possíveis, mas
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Em outro lugar tentei trabalhar a interpretação freudiana sobre a “origem” da lei moral e do sentimento
moral mostrando, por um lado, como Freud funda a origem da lei em um mito, e, por outro lado, como lê a
filosofia transcendental a partir de um modelo psicologista, transformando as “condições de possibilidade do
juízo sintético” em um problema de internalizações psíquicas. ( La ley moral de Freud a Kant. Conferência
apresentada no Simposio de pensamiento contemporáneo. Univ. Nac. de Rosario-Arg. 2∕5∕2001)
5
Ver Loparic,Z. 1999.
6
Existem interpretações que consideram essas passagens do texto kantiano como confusas e avaliam a teoria
do sentimento moral ou como um desvio empirista ou como uma regressão pré-crítica. Ver Allison,H.E.
1996; Almeida, G.A.de 1999.
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também devem ter um sentido efetivo7. Devem existir. Esse é o problema que Kant
poderíamos dizer que resolve naquele escrito. No decorrer do texto é colocada a questão da
imperativo categórico, enuncia a sua forma, mas não mostra a sua efetividade, senão
apenas por momentos e de modo pouco claro. O texto parece levar paralelamente a
elaboração da pergunta pela efetividade da lei e a resposta a essa pergunta, sem conseguir
CRPr, quando Kant aborde o problema dos Triebfedern da razão prática pura.
lei e moralidade. Um ato conforme com a lei é legal, mas não necessariamente moral. A
diferença está no fundamento de determinação. Para que um ato seja moral a máxima que
enuncia esse ato não só deve ser conforme a lei, senão também não motivada por qualquer
fundamento alheio. A vontade só deve ser determinada pela lei. Cito Kant:
... o motor da vontade humana não pode ser outro que a lei moral e,
por conseguinte, o fundamento objetivo de determinação tem de ser
sempre o fundamento subjetivo suficiente de determinação da ação,
se é que esta não responderá apenas à letra da lei, sem conter o
espírito da mesma. (KANT,I. 1983, vol 6, CRPr A 127)
A distinção entre espírito (ou força) e letra8 coloca a marca da distinção entre
moralidade e legalidade, legislação interna e legislação externa, virtude e direito. Para que
uma ação seja considerada moral a determinação da mesma dever conter o espírito (ou
7
Ver Loparic,Z. 1999.
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Kant utiliza a palavra Geist (espírito) para opor a Buchstabe (letra).
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força) da lei. Neste ponto é preciso perguntar que significa aqui conter o espírito (ou força)
da lei? Que significa agir pela lei? De que modo a lei é Triebfeder? Que é aquilo que a lei,
sendo Triebfeder, efetua no espírito (ou no pensamento), ou melhor, deve efetuar (wirken
muβt) no pensamento (KANT,I. 1983, vol 6, CRPr A 128). A resposta de Kant é clara. A
determinação que a lei exerce sobre a vontade opera contra as inclinações dos impulsos
sensíveis. E acaba por provocar (bewirken) outro sentimento (Gefühl). Uma citação do
A lei moral tem um lado negativo e outro positivo. Por um lado, (o lado negativo)
fere as inclinações (sensíveis) do amor a si mesmo; por outro lado, (o lado positivo) produz
(Achtung). (KANT,I. 1983, vol 6, CRPr A 130-133) Trata-se assim, de um sentimento que
surge por ocasião da consciência da lei. A lei moral provoca e evoca o sentimento moral.
Provoca, porque o sentimento moral não pode estar antes da lei. Isso o tornaria em um
fundamento material semelhante aos que Kant rejeita. Evoca, porque a lei manda, e não
apenas pela letra, senão também pelo espírito, pela intenção, pela força da humilhação
(Demütigung é a palavra de Kant) (KANT,I. 1983, vol 6, CRPr A 133). A lei é motor,
produz um sentimento que provoca (beförderlich ist) a influência da lei sobre a vontade”9
9
A lei é triebfeder para a ação moral, mas o sentimento moral é a moralidade mesma
(Sittlichkeit selbst) considerada subjetivamente como triebfeder (KANT,I. 1983, vol 6,
CRPr A 134).
9
(KANT,I. 1983, vol 6, CRPr A 134-5). De acordo com Kant esse sentimento (o
sentimento moral) tem como condição o “sentimento sensível” (das sinnliche Gefühl), mas
a causa da determinação está na razão prática. O que está em questão aqui é a supremacia
da lei por sobre os impulsos sensíveis. Essa supremacia se dá não apenas, e nem
lei através do sentimento moral. Com efeito, a lei moral é reconhecida em seu caráter
imperativo (isto é, entanto que lei), ou por outras palavras, a letra do enunciado se torna
efetivamente imperativa porque impõe respeito a um ser finito cujos impulsos deve
reconsiderar. Kant é claro nesse ponto, um ser racional livre de sensibilidade não teria
qualquer respeito pela lei porque não teria qualquer chance, no ser supremo vontade e lei
coincidem (KANT,I. 1983, vol 6, CRPr A 135). Entretanto, o sentimento moral “está
inseparavelmente ligado com a representação da lei moral em todo ser finito” (KANT,I.
um ser finito exige o sentimento de respeito (KANT,I. 1983, vol 6, CRPr A 144).
6. Conclusão
sentimento moral, por vários motivos, um deles, tal vez o menos importante, é a
2- O sentimento moral não pode ser visto como uma regressão pré-crítica, porque
comparado efetivamente com o único texto pré-crítico que fala sobre esse
3- O sentimento moral não pode ser interpretado como um desvio empírico porque
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4- Neste sentido, também não pode ser esclarecido nem por uma psicologia, nem
Referências Bibliográficas
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SMITH, ADAM. 1999: Teoria dos Sentimentos Morais ou Ensaio para uma análise dos
princípios pelos quais os homens naturalmente julgam a conduta e o caráter,
primeiro de seus próximos, depois de si mesmos. São Paulo: Martins Fontes.
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