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1979 a 1984 - 4 ANOS de TRABALHO na B.O.O.

RUI VAZ

Aproveitando a ocasião do cinquentenário da B.O.O., acho que é altura propícia para, pela primeira vez em quatro anos de
trabalho, escrever um pouco sobre os meus objectivos, a minha experiência, as minhas dúvidas, as interrogações que, por
força das circunstâncias, surgiram da minha actividade e da actividade a que posso chamar pioneira do Grupo de Mulheres
da B.O.O., pelo menos com as características e orientação que tem seguido até agora. Espero que estas linhas possam trazer
aos sócios da Biblioteca interessados e inclusive ao próprio grupo, a discussão de alguns temas que só muito rara e
superficialmente têm sido abordados, mesmo no Cramol.
Antes de mais, devo dizer que a frequência do Seminário de Etnomusicologia em Maio deste ano, fez-me ver de outros
ângulos a actividade do grupo e veio colocar novas questões, porventura esclarecendo outras. Por outro lado, peço desculpa
à direcção da Biblioteca por não falar directamente sobre os temas propostos na circular que me foi entregue, tendo a
certeza porém, que a maior parte do que vou dizer, tem a ver com eles e talvez com outras questões que de certo interessam
ao futuro da B.O.O.
Comecemos pelo princípio. Quando o Domingos me convidou a fazer os ateliers de canto alentejano e canto de mulheres,
eu tinha ideias sobre o tratamento deste tipo de música, que de facto pouco tinham que ver com o carácter associativo do
local onde iria trabalhar. Na verdade eu nunca tinha trabalhado numa associação deste tipo, mas a palavra atelier continha o
conceito de aprendizagem e principalmente no que respeita ao canto alentejano, eu tinha ideias muito precisas sobre o que
ensinar. No fundamental tratava-se de, perante um grupo de pessoas mais ou menos afastadas culturalmente do local de
origem da música, ensinar um reportório tradicional, não por uma questão de moda, ou de regresso às origens, ou ainda em
nome de uma importância meio política meio social, não bem identificada, mas porque o reconhecimento neste tipo de
música de uma estrutura que considero complexa em relação à música debitada pelos grandes meios de informação,
exigiria a aprendizagem de técnicas conducentes à sua realização, conduzindo por sua vez a um enriquecimento cultural de
cada participante e precavendo-o face a um meio musical exterior agressivo. O método empregue era simples e complicado
ao mesmo tempo. Tentei fazer uma síntese das técnicas vocais tradicionais e para as levar à prática servi-me dos
conhecimentos adquiridos na minha prática coral e num pequeno curso de direcção coral em tempos frequentado, pois
verifiquei que muitas das técnicas aprendidas nesse tempo se aplicavam também no campo da música tradicional. O
aspecto técnico era para mim muito importante, pois em muitos livros sobre música tradicional, este aparecia como uma
coisa bela, frágil e ingénua ou então “singela na sua rudeza primitiva”, conceitos que colocavam os seus produtores num
plano inferior, como se duma espécie de mendigos se tratasse, a merecer carinho e compaixão. O homem urbano só poderia
apreciar a música tradicional de um ponto de vista académico, ou por uma questão de exotismo, ou pelo tal indefinido
regresso às origens. Por isso, na aprendizagem das canções, a última coisa a fazer seria ouvir a versão original.
Em resumo, o objectivo era provar que é possível neste tipo de música aproximar a sua forma original (porque rica do
ponto de vista musical), recusando a imitação pura e simples, que não levaria à compreensão profunda da sua estrutura e
que portanto não justificaria a palavra “atelier”.
E o esquema estava montado … Mas, falhou logo no princípio. No atelier de canto alentejano apareceram “alentejanos a
sério”e o edifício tão bem construidinho ruiu estrondosamente. De facto os alentejanos têm consciência de que o seu canto
não é coisa ligeira e que para cantar bem à alentejana é preciso aprender. Contudo, não possuem essa consciência a um
nível superficial como eu. Ela faz parte do seu carácter, não nasceu mas cresceu com eles, e aparece sob a forma de um
orgulho muito particular e característico da maneira de ser alentejana. Por outro lado a sua aprendizagem foi feita ouvindo,
vendo e vivendo o canto alentejano, pelo que logo de começo não poderiam compreender outra forma de o aprender, criada
pela impossibilidade de recriar, nas condições que tínhamos, as suas vivências. No entanto, foi cativante a sua imediata
simpatia por aquele punhado de gente que não sendo alentejana ou estando do Alentejo desligada, se reunia para cantar
como na sua terra, e prestaram-se a ensinar-nos (desta vez à sua maneira …) as suas modas. Pareceu-me nessa altura que
seria uma experiência mais rica, até porque nova para os próprios alentejanos, que o comando do barco passasse para eles,
e assim, daí para cá, nós os não alentejanos temos vivido dentro da dinâmica de um verdadeiro grupo alentejano, com altos
e baixos cujas razões nos deixam por vezes surpresos, mas fazem parte dessa dinâmica.
A lição deste pseudo falhanço só hoje provavelmente a estou a aproveitar no trabalho com o Grupo de Mulheres. Mas não
nos adiantemos. O que se passava entretanto com o atelier do Canto de Mulheres? Pode dizer-se que a actividade era
compensadora. O meu entusiasmo e o das pessoas que frequentavam o atelier era grande, e naquele ano foi o chamado
despejar do saco das ideias. No entanto, no fim desse ano começaram a surgir as primeiras questões. Tal facto reflectiu
quanto a mim, o peso que a B.O.O. crescentemente vinha tendo naquele grupo de pessoas, não só como estrutura
organizativa, mas também como associação para um fim colectivo, pois o ambiente era propício a que as pessoas tivessem
uma atitude crítica em relação a si próprias e ao próprio colectivo. Perto das férias (o fim do ano para qualquer associação,
a não ser que seja de nadadores salvadores…) sentiu-se a necessidade de continuar como grupo e aí a dimensão passou a
ser diferente. Começavam por essa altura a aparecer as primeiras reticências ao trabalho técnico exaustivo do grupo, que
quanto a mim tinham um certo paralelo com as dificuldades que muita gente sentia para conciliar todas as suas actividades
na Biblioteca. Na verdade, a imagem de actividade lúdica que a associação apresentava para o íntimo de cada participante,
desvanecia-se face ao aglomerado de tarefas e, no caso do grupo de mulheres, aos cansativos exercícios respiratórios
suportados no fim de um dia de trabalho. Mas é deste mesmo problema que pode nascer a maior força de uma associação
com a nossa. Muitas pessoas decerto compreenderam que entre os hábitos adquiridos numa sociedade desumanizada e a
vida na associação, existe um conflito permanente. Esta dinâmica que faz entrar colaboradores na Biblioteca e sair outros,
tem existido ao longo dos anos e existirá sempre e, quem dirige a Biblioteca deve ter consciência destes valores que se
opõem, e saber jogar com eles.
Em resumo, eu acredito que a biblioteca é um local onde um indivíduo é convidado a participar activamente na elaboração
das coisas, e não ser um mero espectador. E onde é possível trabalhar ainda, depois de um dia de trabalho, sem que o
cansaço e o aborrecimento se apoderem das pessoas, porque o cansaço e o aborrecimento são coisas da vida “lá fora”.
Acredito ainda que quando o cansaço e o aborrecimento aparecem no trabalho da associação, eles foram transportados cá
para dentro, mas não lhe pertencem. Se lhes pedirmos os cartões de sócios verificaremos que não pagam quotas desde que a
B.O.O. existe…
É dentro deste quadro, que eu hoje em dia vejo o Cramol. O mais importante não é a música, mas as pessoas que de certa
maneira nasceram antes dela. Hoje em dia, continuo a ter uma grande preocupação com a qualidade, que é subjectiva
evidentemente, não por qualquer razão de ordem estética ou purista, mas porque quanto melhor o grupo cantar, mais prazer
terão e mais enriquecidos ficarão os elementos que o formam. Outra coisa muito importante: esta qualidade de que falo não
está à venda. A qualidade tem para mim tanto peso como o facto de os elementos do grupo serem mulheres e participarem
uma noite por semana numa actividade que não é, nem tratar dos filhos, nem arrumar a casa, nem ver televisão. São dois
aspectos da mesma forma dos elementos do Cramol estarem na sua associação.
Em tempos colocou-se ao grupo a questão da independência ou não do grupo, face à Biblioteca. Se a princípio concordei
com a ideia da independência, hoje sou contrário a ela e acho até que faria o grupo seguir num sentido que o levaria
certamente à morte. De facto, existia a concepção de que o grupo deveria apresentar-se o mais possível em público,
aparecer nos meios de comunicação, tornar-se enfim mais conhecido do chamado grande público. E em nome de quê? “a
divulgação de um trabalho extremamente válido no campo da música popular portuguesa…” Eu pergunto quem, depois de
ter ouvido as participações públicas do Cramol em discos e na televisão, pensou em levantar-se do seu confortável sofá e
descer à rua, vir à Biblioteca ou à associação mais próxima e ter o prazer de fazer música em vez de se limitar a consumi-la.
Ou não será esse o nosso objectivo íntimo, o de querer que mais gente partilhe esse prazer connosco. Mesmo quando o
grupo prepara a sua apresentação pública, deve fazê-lo, quanto a mim, numa perspectiva de estímulo interno e externo à
criatividade, ou seja, como meio de mostrar aos outros e a nós próprios o que pode acontecer, quando um punhado de
pessoas que no fundo são como toda a gente, se juntam para cantar e para criar alguma coisa. De facto, “o grande público”,
esse amontoado de figuras de cêra, das quais só sabemos que ouvem x horas de rádio ou de televisão por dia, ou compram
x discos do artista tal, não nos deve interessar grandemente. A nós interessam-nos seres vivos. Alguns frequentam o mesmo
supermercado, ou apanham o mesmo combóio connosco todos os dias. Não temos culpa que a maior parte, pertença ao tal
“grande público …”
Chegado à conclusão de que, para mim, o importante neste grupo é realizar música, aparece a pergunta - Porquê música
tradicional?
Quando esta pergunta surgiu, depois de várias cabeçadas na parede, a melhor resposta parecia-me ser - Porque gostamos
dela. Continuo a crer nesta resposta, porque na verdade, todos nós percorremos o nosso caminho individual, até nos
encontrarmos por diversas razões na Biblioteca, há quatro anos. Isto é claro. No entanto, hoje em dia, talvez se possa dizer
mais qualquer coisa e até pôr em causa o que já se fez.
A música tradicional, ou rural, ou como lhe queiram chamar, é um exemplo ainda bastante próximo, daquilo que pode ser a
música dentro da sociedade, como parte da vida e não como objecto de consumo. É por isso que ela tem tanto a haver com
a nossa actividade na B.O.O. Não temos veleidades nem interesse em copiar as canções tradicionais, porque temos
consciência de que, pelo que foi dito, elas não podem desligar-se do seu suporte social. No entanto, nós não enterrámos a
música tradicional para fazer nascer aqui outra música. Nós tentámos compreendê-la, que é já uma necessidade associada
ao meio social onde vivemos, mas não é por isso que forçosamente temos de ter uma atitude exterior a ela. No futuro, as
canções poderão ser estas ou outras, mas terão a tal “qualidade” pela qual eu tenho lutado, pelo facto de a música poder
representar quando vimos à nossa associação tanto ou quase tanto como representava para as mulheres que cantavam estas
canções durante o trabalho do campo, ou nas suas festas. Claro que a nossa música será sempre diferente, mas eu creio que
uma sociedade mais “saudável” produzirá uma música mais “saudável”.
Dentro do Cramol, o caminhar neste sentido dentro da prática da música tradicional, tem trazido vários ensinamentos.
Pessoalmente, hoje ponho em dúvida o meu “método de ensino”. A partir de uma determinada altura, no fim do ano
passado, pareceu-me que o meu trabalho tinha chegado ao fim, que não tinha mais nada para ensinar às pessoas. De facto, a
partir dessa altura, não sei se por limitação minha, se da própria natureza do nosso trabalho, sinto que há necessidade de
ouvir música e de entrar em contacto com as pessoas que ainda a produzem. Penso que o grupo o fará com outros ouvidos e
outros olhos do que o faria há quatro anos. Não posso esquecer que o grupo está não só a cantar música tradicional, mas a
procurar vivê-la e pode ser que neste momento possa utilizar códigos de aprendizagem que lhe são próprios. Não nos
esqueçamos também que é segundo os valores da tal sociedade “urbana e industrial” que a tradição oral é considerada de
pouco valor e sem interesse para a chamada “CULTURA UNIVERSAL”.
Para terminar, que a escrita já vai longa, falando do futuro, eu acho que qualquer que seja a nossa actividade na Biblioteca,
quem nós queremos que leia livros, que cante, que faça teatro de fantoches, que faça o que lhe der na real gana, mas que
saia da passividade habitual, que se subverta a si próprio no fundo, são os nossos vizinhos, às vezes os nossos amigos, as
tais pessoas que encontramos no supermercado ou a entrar para o combóio. Se calhar é ao supermercado ou ao combóio
que os temos de ir buscar. E outra coisa, não vamos mais longe, a malta de Oeiras chega para pôr à prova a nossa
criatividade.

RUI VAZ

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