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Uma outra contribuição para esse mesmo debate vem de Persicano (em Bartucci
(2002), lembrando que a criação, no campo da ciência, é sublimação, tal como as artes e
as formações do inconsciente. O trabalho terapêutico é, por parte do clínico, um
exercício sublimatório, e deve manter esse caráter também no momento em que o
“estudo de caso” é construído. Ao contrário do que propõe Freud (1910) no seu trabalho
sobre Leonardo da Vinci, Persicano afirma que a invenção científica (e a matemática
nesse conjunto) não é um substituto da criação, ela é criação por excelência. Afirmar
que a ciência é criação não significa afirmar que esteja acima e além das injunções
históricas e sociais, mas, justamente, mostrar que toda criação surge em um contexto e é
esse contexto que concede nitidez e legitimidade a sua existência.
Galileu resumiu com presteza o método que marca uma nova era na história da
humanidade, o método científico, construído por dois pilares: experiência + matemática.
É nessa direção que se pode retomar o conceito de “experiência”, quando se trata
de refletir sobre a experiência da clinica. Nossa questão pode ser formulada assim: pode
a matemática contribuir para a sistematização do cuidado terapêutico? Se a matemática
não se resume à aritmética nem à estatística, quais outros recursos poderiam evidenciar
a transformatividade operada na condução de um caso clínico? A topologia lacaniana
lança mão de símbolos matemáticos originários da geometria e da topologia
matemática: seriam legítimos como recurso para dar conta da experiência clínica?
Também voltados para o mesmo objetivo, encontrei apoio no campo da
Etnomatemática, principalmente nos estudos de Denise Vilella, Vera Lúcia S.
Halmenschager (2001), Carraher (1995), além dos comentários sobre Godel e Cantor,
no intuito de demonstrar o equívoco da suposição de que um estudo fundamentado
matemáticamente deve, necessariamente, incluir dados realizados com números inteiros
e cálculos estatísticos.
Durante um ano e meio organizei supervisões a uma equipe de cuidadores em
uma instituição para adolescentes que cumprem medida sócio-educativa. Há mais de 20
anos existe essa instituição, sem que nenhum evento tenha sido realizado procurando
sistematizar o trabalho – realmente indescritível – ali realizado, no encalço à
socialização de adolescentes que cometeram atos de gravidade variável.
Os cuidadores não pareciam interessados em anotar ou organizar suas práticas,
nem mesmo as questões dali surgidas lhes pareciam relevantes, passíveis de superação.
Meu susto diante da resistência da equipe para teorizar seguiu-se a uma solidariedade
irrestrita, ao ser compreendida essa resistência como recusa aos modelos hegemônicos
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“matematização”, não pelo uso dos números, mas pela busca de concisão e “poiesis”,
caminhos por onde a verdade do processo pode ser compartilhada, escapando-se das
formulações totalitárias, que pretendem tudo dizer. Se o acontecimento é o que
interrompe a repetição, ele é indecidível, mas é compartilhável, na direção apontada por
Di Matteo, por uma racionalidade comunicativa. Deixar que o cuidador permita a
reverberação da verdade durante o atendimento é condição para que esteja livre e atento
para o que realmente interessa no processo, ao invés de dirigir sua atenção às respostas
pré-estabelecidas.
Escapando da dicotomia entre métodos quantitativo e qualitativo, essa maneira de
ver o cuidado lembra que toda “qualidade”, por ser recortável de uma superfície, torna-
se, inevitavelmente quantificável. Não são, portanto, operações antagônicas. Não é
proibido, então, usar a aritmética, gráficos e estatística, desde que o educador chegue até
esses recursos em função de uma experiência de verdade. Para dizer breve: é preciso
escapar da obrigação de quantificar, de tal modo que se pode lançar mão de qualquer
coisa para descrever um processo de cuidado, até mesmo a quantificação!
Nas palavras de Badiou (1994, p. 2): “O fato de que o evento é indecidível obriga a
que apareça um sujeito do evento. Um sujeito é constituído por um enunciado em forma
de aposta, enunciado que é o seguinte: Deu-se isto, que eu não posso calcular,nem
mostrar, mas a que permanecerei fiel.”
O processo de verificação do verdadeiro é infinito, e como o provérbio, lembra que
“o melhor da festa é esperar por ela”, ou como resume Renée Klee: Há que “ser do
pulo, não do festim, seu epílogo.” O processo é, ele mesmo, o objetivo.
A proposta então é de retomar o caráter lúdico e criativo da matemática. A surpresa
dos números primos, a mágica das dízimas periódicas, a transformação da álgebra e da
geometria, a novidade da topologia. Além de D.Vilella e V. Halmenschlager, essa
proposta encontra esteio em Lacan, A.Badiou, Natalie Charraud e Mônica Jacob:
matemática é um espaço da formalização fundada no só-depois da experiência, ao invés
de constituir uma relação bi-unívoca entre realidade e número.
Denise Vilela, em sua tese de doutorado sobre Filosofia da Matemática, enfatiza a
importância da etnomatemática, modulada pelos “jogos de linguagem” de Wittgenstein.
Vilela propõe que não existe uma matemática pura e destituída das adjetivações que
proliferam em nossos dias: matemática “de rua”, “financeira”, “acadêmica”, cada uma
delas definindo suas grandezas e delimitando um campo de atuação. Para Vilela (2007
p.6) os “jogos de linguagem” permitem uma compreensão da proliferação dos sentidos,
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- Badiou, Alain – “Verdade e sujeito” - Estudos Avançados, vol.8 nº 21 S.Paulo: 1994
- Birman, Joel – Palestra no Café Filosófico,TV Cultura. S.Paulo, setembro, 2009.
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- Correia Krutzen, Eugênia - “Do risco à escritura: oficinas de histórias com crianças e
adolescentes em situação de risco social”. Tese de doutorado. Orientador: Norberto
Abreu e Silva, UnB, 1999.
- Dunker, Christian – “Apresentação de “A paixão do negativo – Lacan e a dialética
de Vladimir Safatle” – Revista Acheronta, WWW.psicomundo.com, nº 23, Buenos
Aires: 2006.
- Halmenschlager, Vera Lucia S. – Etnomatemática: uma experiência educacional.
S.Paulo: Summus, 2001
- Lacan, J. – Autres Écrits. Paris: Seuil, 2001.
- Onfray, Michel – Les Sagesses antiques: contre-histoire de La philosophie. Paris:
Grasset& Fraschelle, 2006.
- Percicano, L. - Bartucci, Giovanna – Psicanálise, Cinema e estéticas da subjetivação.
S.Paulo: Imago, 2005.
- Queiroz, Edilene - “O estatuto do caso clínico” - Revista Pulsional, ano XV, nº 157, pp
33-40, S.Paulo: Pulsional, 2001.
- R.Rorty, “Filosofia analítica, filosofia transformadora” (s/d) (Portal Brasileiro de
Filosofia)
- Saflate, Vladimir – A paixão do negativo: Lacan e a dialética. S.Paulo: UNESP, 2006
- Schliemann, Ana Lúcia D. e Carraher, Terezinha – Na rua dez, na escola zero.
S.Paulo: Cortez, 1994.
- Vilella, Denise – Matemática nos usos e jogos de linguagem: ampliando concepções
na educação matemática – Tese de Doutorado – Faculdade de Educação, UNICAMP,
S.Paulo: 2007