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Acúrsio
Évora, 1992
ACÚRSIO.
Diálogo entre
um astrólogo,
um discípulo,
um doido com certificado
e um alveitar e etólogo.
PARTE PRIMEIRA.
- Seja, então.
Disse lacónico o Damião e passámos a dispor os
aprestos para a odisseia, quando o horizonte se começava a
tomar de um verde cristalino apenas raiado de um vermelho
breve, que anunciava o estertor do crepúsculo e a súbita
ocorrência das trevas. O fulgor estonteante da lua em
plenitude insinuava-se então a Oriente e inundava de
reflexos prateados e fogos fátuos bem uma metade da
abóbada.
Bem montados em duas soberbas mulas de estampa,
arreadas com sobriedade mas conforto, o velho Damião e o
Acúrsio distinguiam-se do doudo, que cavalgava
descontraído e satisfeito um jerico de aspecto renitente e
bacoco, que levava como adereços um chapéu de palha e
uma manta de cores garridas a servir de assento. Para o
dirigir, uma vez que nem lhe botara uma cabeçada a enfeitar
as orelhas, o tonto dava-lhe ordens lacónicas mas incisivas,
sem contudo parecer fazer questão de ser obedecido. De
resto, o desejo do asno de usufruír do cómodo da palha
macia na cocheira aliviava ao alienado da responsabilidade
de lhe transmitir qualquer direcção.
- Parece tonto.