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Composto majoritariamente por textos escritos nesta primeira década do século, O guardador de segredos é dividido em três partes. Na primeira, "Poesia e segredo", Arrigucci renova sua aguda capacidade analítica na leitura cerrada de textos poéticos brasileiros. Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade dividem espaço com nomes menos canônicos como Roberto Piva e Sebastião Uchoa Leite. Em seguida, em "Prosa do sertão e da cidade", a ficção de João Guimarães Rosa baliza a rota interpretativa percorrida na abordagem de narradores como Rachel de Queiroz e Dyonelio Machado, assim como Juan Rulfo e Jorge Luis Borges. Na última parte, o autor analisa sua própria trajetória intelectual numa entrevista e em ensaios esclarecedores. Integrante de uma geração privilegiada pelo convívio com mestres como Gilda de Mello e Souza e Antonio Candido, Arrigucci revela nos textos sobre seus colegas e mestres a paixão pela experiência da literatura. Um texto magistral sobre o cinema de Alfred Hitchcock fecha o volume, reafirmando a amplitude da constelação de interesses que caracteriza a carreira intelectual de um dos críticos literários mais destacados do país.
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Composto majoritariamente por textos escritos nesta primeira década do século, O guardador de segredos é dividido em três partes. Na primeira, "Poesia e segredo", Arrigucci renova sua aguda capacidade analítica na leitura cerrada de textos poéticos brasileiros. Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade dividem espaço com nomes menos canônicos como Roberto Piva e Sebastião Uchoa Leite. Em seguida, em "Prosa do sertão e da cidade", a ficção de João Guimarães Rosa baliza a rota interpretativa percorrida na abordagem de narradores como Rachel de Queiroz e Dyonelio Machado, assim como Juan Rulfo e Jorge Luis Borges. Na última parte, o autor analisa sua própria trajetória intelectual numa entrevista e em ensaios esclarecedores. Integrante de uma geração privilegiada pelo convívio com mestres como Gilda de Mello e Souza e Antonio Candido, Arrigucci revela nos textos sobre seus colegas e mestres a paixão pela experiência da literatura. Um texto magistral sobre o cinema de Alfred Hitchcock fecha o volume, reafirmando a amplitude da constelação de interesses que caracteriza a carreira intelectual de um dos críticos literários mais destacados do país.
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Composto majoritariamente por textos escritos nesta primeira década do século, O guardador de segredos é dividido em três partes. Na primeira, "Poesia e segredo", Arrigucci renova sua aguda capacidade analítica na leitura cerrada de textos poéticos brasileiros. Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade dividem espaço com nomes menos canônicos como Roberto Piva e Sebastião Uchoa Leite. Em seguida, em "Prosa do sertão e da cidade", a ficção de João Guimarães Rosa baliza a rota interpretativa percorrida na abordagem de narradores como Rachel de Queiroz e Dyonelio Machado, assim como Juan Rulfo e Jorge Luis Borges. Na última parte, o autor analisa sua própria trajetória intelectual numa entrevista e em ensaios esclarecedores. Integrante de uma geração privilegiada pelo convívio com mestres como Gilda de Mello e Souza e Antonio Candido, Arrigucci revela nos textos sobre seus colegas e mestres a paixão pela experiência da literatura. Um texto magistral sobre o cinema de Alfred Hitchcock fecha o volume, reafirmando a amplitude da constelação de interesses que caracteriza a carreira intelectual de um dos críticos literários mais destacados do país.
O caso de Drummond, no entanto, mais complicado. Sua concepo do
potico exige a reflexo como mediao necessria para o encontro da poesia. Ora, essa modalidade de pensamento que a reflexo tem uma origem romntica. Os pr-romnticos alemes que desenvolveram esse tipo de pensamento reflexivo, que nasce como uma fantasia do Eu sobre o Eu, como uma forma de pensar sobre o pensar. um pensar sem fim que lembra o sonho, mediante o qual fundaram suas principais concepes. O dobrar-se do Eu sobre si mesmo, tal como o leitor se depara na obra drummondiana, parece evocar, ento, a meditao romntica centrada em si mesma, no prprio corao onde se acha o inalcanvel da reflexo. A frmula O meu corao maior que o mundo exprime essa tendncia do pensamento para o infinito e o que no se pode alcanar, a vastido impreenchvel do corao em que se perde o pensamento.
Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrs de mulheres. A tarde talvez fosse azul, no houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu corao. Porm meus olhos no perguntam nada. O homem atrs do bigode srio, simples e forte. Quase no conversa. Tem poucos, raros amigos
o homem atrs dos culos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu no era Deus, se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, no seria uma soluo. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto meu corao. Eu no devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo. Carlos Drummond de Andrade ANDRADE, C. D. Poesia at agora. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1948. A cada uma das sete estrofes, temos uma face nova e surpreendente, sem que se perceba de imediato a coerncia do conjunto p.12
O motivo das pernas contrasta com o tema meditativo do corao,
introduzido pelo verso longo da terceira estrofe. Esse corao interrogativo pergunta pelo que no tem resposta. O homem srio que de repente aparece em meio baguna dos desejos lembra a cara parada de outro cmico, Buster Keaton. Atrs de tudo, na defensiva, ele uma espcie de raisonneur da comdia clssica, personagem que se interroga sobre o sentido das coisas e faz as vezes do autor, constituindo um notvel contraponto desabalada corrida atrs das pernas. Ele corresponde ao corao interrogativo, como uma outra face do Eu; por meio dele, percebese como o poema vai se armando como a imagem projetiva do sujeito, como a cena urbana em que pululam os desejos em desacordo , como em Sentimental, um meio para a reflexo do Eu sobre o seu prprio sentimento de estar no mundo. O Poema de sete faces encarna o drama da expresso desse sentimento, cujo centro, o corao, fornece o caminho da reflexo e o princpio de coerncia estrutural: por essa via, as mltiplas faces se articulam na unidade.p.13
Essa relao particular e complexa com seu mundo, na qual a realidade do
sujeito como que se reencontra fora, o que o define e est latente em sua
atitude de provocao, que tambm de defensiva, como esturro de ona
acuada. P.28
Cermica Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xcara. Sem uso, Ela nos espia do aparador.
Sujeito e objeto romantismo
Por esse vnculo explcito com Mrio de Andrade se revela, na verdade, a herana mais profunda e importante de Piva: a da tradio romntica da meditao andarilha e da poesia itinerante,3 a que a cidade grande, desde Baudelaire, veio servir de quadro ideal no momento de constituio da modernidade, substituindo a paisagem natural pela nova paisagem urbana. O carter peculiar dessa modalidade de poesia que os romnticos inventaram precisamente a ligao entre corpo e mente num mesmo movimento que, por sua vez, propicia uma fuso particular entre sujeito e objeto, de modo que o espao se interioriza medida que se envolve nos rodopios da reflexo, ao mesmo tempo que por vezes se antropomorfiza e serve de correlato objetivo para as emoes da interioridade. Mrio praticou essa modalidade de poesia ao longo de toda a sua obra, em que so frequentes os poemas com caminhadas noturnas, marcadas pela inquietao e mesmo a angstia, como notou Antonio Candido.4