Вы находитесь на странице: 1из 28

O lado biológico da concorrência 1

2º colocado no Prêmio SPE (Sociedade Brasileira de Planejamento Estratégico) em 1989

Raimar Richers 2

"Se não tivéssemos a concorrência,


teríamos que inventar o seu equivalente".
Erwin Canham

Resumo
Na medida em que o mundo ingressa na era da informática e a sociedade industrial
se desfaz, alguns valores e princípios tendem a perder sua substância, credibilidade e
eficácia. Entre eles está o conceito de concorrência, como hoje é entendido nas ciências
sociais. Torna-se, então, imprescindível encontrar respostas inéditas a perguntas
antigas, o que tem obrigado os investigadores a olhar além dos campos restritos às
suas disciplinas. Este artigo oferece uma contribuição à tentativa de aproximação
interdisciplinar na área específica da concorrência - objeto de estudo de várias das
ciências sociais e exatas - à busca destas respostas. Sugere uma nova perspectiva de
abordagem aos pesquisadores que já fizeram tímidas incursões com este objetivo e,
entretanto, não produziram mais que meros ensaios tautológicos.

Onde há vida, há concorrência. A planta que absorve nutrientes do solo em


detrimento das suas vizinhas, está competindo. O leão que luta com outro macho da
sua manada pelos favores sexuais de uma fêmea, está competindo. O vírus da AIDS
que invade uma célula sadia do organismo humano, está competindo. A empresa que
fecha um contrato com uma agência de publicidade para divulgar as vantagens
diferenciais de seus produtos, está competindo... E assim por diante; os exemplos são
ilimitados.

Mas, por que toda esta agressividade competitiva? Para eliminar o adversário da
"jogada"? Por temor ou desespero? Por crime ou ânsia de poder? Ou, simplesmente,
para ocupar mais espaço ou ser melhor sucedido? Indubitavelmente, cada um desses
motivos caracteriza uma dada situação competitiva, mas nada nos diz sobre o que elas
têm em comum. Algo devem ter, porque senão não poderíamos chamá-las a todas de
competitivas. O que será este denominador comum e o que ele nos revela sobre as
origens e a natureza da concorrência? Esta é a questão fundamental deste artigo.

1
Artigo publicado originalmente na revista Planejamento e Gestão, v. I, n. 3, junho 1990.
2
Professor fundador da EAESP/FGV, consultor e autor de inúmeras obras sobre Marketing e
Estratégia.

1
O pleito por uma nova interpretação da concorrência
Ao longo do tempo foram, sobretudo, os economistas e mais tarde também os
sociólogos, politólogos e psicólogos que, entre os cientistas sociais, mais se
preocuparam em responder à pergunta sobre a natureza da concorrência. As
suas respostas deram origem à formulação de incontáveis modelos teóricos e
diretrizes comportamentais em que a sociedade industrial moderna baseou os
mecanismos econômicos e legais que a orientam e regulam. Serviram também
como cavalo de batalha das duas principais ideologias dos últimos dois séculos: o
liberalismo e o socialismo que, através de suas infindáveis rixas e discordâncias
públicas, acabaram por se infiltrar nos sistemas de valores populares da maioria
das nações.

Hoje, até o mais humilde dos cidadãos tem ao menos uma noção sobre o que se
entende por slogans como "a concorrência deve ser livre" ou "cabe ao Estado
controlar os mecanismos da competição entre empresas". Mas, na medida em que
essas posições preconcebidas se desgastam, porque deixam de ser
significativas num mundo mais preocupado em salvar o meio ambiente do que
em medir as suas forças através de confrontos ideológicos, os conceitos
tradicionais da concorrência se esvaziam. Em seu lugar, surge a preocupação
com a busca de uma interpretação mais condizente com os sinais dos tempos e
menos voltada a aspectos circunstanciais, como o mecanismo de preços dos
economistas ou a explicação de desvios comportamentais nos conflitos humanos
que ocupam os sociólogos e psicólogos. Mesmo que não se abandone por
completo estas indagações - já que se revelaram úteis para lançar luz sobre
diversos tipos de relações comuns no convívio humano, bem como sobre
muitos problemas preocupantes da sociedade industrial - elas terão que abrir
espaço para novos enfoques.

Para começar, o próprio conceito da concorrência terá que ser revisto e ampliado
para poder cobrir uma gama mais ampla e complexa de problemas e situações que
as abordagens predominantemente uni-disciplinares da atualidade não são capazes
de dominar. Encarar a concorrência (e outras relações individuais e sociais) sob
enfoques exclusivamente econômicos, sociais, psicólogos, políticos ou culturais
não mais satisfará. As visões e interpretações terão que ser interdisciplinares,
pelo simples motivo de que o principal objetivo de sua investigação, as relações
com o meio ambiente, requer uma abordagem multifacetada.

Assim, por exemplo, as empresas terão que avaliar os seus planos estratégicos
não apenas em termos dos impactos que poderão causar no mercado ou de seus
retornos econômico-financeiros, mas também quanto aos efeitos de suas ações
sobre o meio ambiente, a saúde pública, a conservação de recursos naturais, a
reciclagem de materiais, o reaproveitamento de fontes energéticas e, certamente,
também quanto aos seus reflexos sobre a opinião pública.

Quando isto acontecer, o ambiente terá passado a ser um dos principais focos de
atenção do planeta Terra. Ele não só movimentará os partidos políticos e as
organizações de classe, os ecólogos, sociólogos, economistas, politólogos, juristas

2
e os cientistas naturais, como ocupará uma parcela considerável do tempo dos
executivos, sem falar da exposição popular que receberá através dos meios de
comunicação.

Mas, vedete pública que se torne o ambiente, para o cientista do futuro ele será
apenas a parte visível do verdadeiro alvo de suas investigações. A parte menos
visível, mais abstrata, mas mais fundamental, será a natureza, a "mãe" e origem
da vida que precisa ser conservada e de quem o ambiente é apenas a expressão
externa e tangível.

Uma tese comportamental de cunho biológico


É da natureza que trata o presente artigo. Não no seu sentido multiabrangente
ou como denominador comum de tudo que nos cerca em termos de energia
renovadora. Falamos apenas de uma faceta desta força global: a que se refere às
relações competitivas entre organismos vivos, nisto compreendendo tanto as
plantas quanto os animais, mas sobretudo os seres humanos. Todos eles, no nosso
entender, têm traços em comum quando se trata da concorrência, traços esses
que foram, em boa parte, identificados por representantes das ciências exatas e
experimentais, sem a preocupação de dar-lhes uma conotação subjetiva ou
valorativa; apenas para entendê-los.

O que se pretende aqui é tirar proveito desses conhecimentos conquistados e


tentar aplicá-los às relações entre seres humanos em competição, sobretudo entre
organizações humanas formais e, em especial, entre empresas. Partimos da
premissa que, para se compreender a origem, as diversas modalidades e os
mecanismos funcionais da concorrência, convém analisar as relações competitivas
elementares que prevalecem na natureza e, a partir daí, verificar o que deste
ensinamento é aplicável à sociedade humana e suas instituições. Felizmente,
diversas das ciências naturais, em particular a biologia e a genética, evoluíram
muito no campo da investigação das relações competitivas entre organismos
vivos, o que nos facilita a tarefa de traçar paralelos e de tentar ampliar os
horizontes das ciências sociais. Isto se aplica também ao estudo da administração
de empresas, com o propósito de alcançar uma visão mais objetiva nessa área,
e, ao mesmo tempo, mais abrangente, como preparação para a sociedade pós-
industrial, cujo nascimento já se deu.

A ânsia de sobreviver
A nossa principal tese pode ser enunciada em poucas palavras: todo
comportamento competitivo provém de uma só origem - da ânsia de sobreviver.

Ao enunciar esta proposição convém, desde já, esclarecer um ponto fundamental


para a sua avaliação e compreensão. Usamos o termo sobrevivência no seu
sentido biológico e não dentro de sua conotação popular mais comum que a
restringe a situações de emergência, de ameaça de morte a um ser vivo. No
presente contexto, a sobrevivência deve ser entendida como o anseio pela
continuidade existencial, no espaço e no tempo, de um dado organismo e de

3
sua prole. Ela não necessariamente implica um risco imediato de vida, mas leva
em conta a inevitabilidade da morte e o desejo inato a todos os seres vivos de
querer estender esse momento para o futuro mais remoto possível. Ou seja: a
ânsia de sobreviver é uma sensação biologicamente inerente a todos os seres
vivos, um sentimento de urgência que os deixa inseguros face aos riscos de vida,
mas não obrigatoriamente os coloca defronte a uma ameaça iminente e
desesperadora, nem necessariamente os enche de pavor.

Provavelmente, a ânsia de sobreviver está na origem de uma multiplicidade de


emoções entre os seres vivos, que não só incluem os seus aspectos mais
evidentes, em particular o desejo de reprodução e o medo da morte, como
também outras sensações comuns, como os anseios de trabalhar e de produzir, ou
a disposição de se defender contra ameaças existenciais, mesmo que apenas
indiretas e não necessariamente iminentes.

A concorrência é frequentemente encarada pelo indivíduo como uma dessas


ameaças. Como ela resulta do encontro de dois ou mais oponentes voltados ao
mesmo alvo, que cada um deles considera importante para sua conservação e
sobrevivência, ela facilmente conduz ao confronto de intenções, por vezes, ao
conflito aberto. Ao longo do processo evolutivo, os organismos desenvolveram
meios para se defender contra eventuais predadores e adversários, como as
garras de um urso ou os sucos venenosos de uma planta. Alguns desses meios
são constituídos pelos próprios seres, como o casulo de uma lagarta ou o
ninho de um pássaro. Quanto mais evoluído for o organismo, tanto mais
sofisticados e eficazes se tornam esses meios. Assim, somente o homem foi
capaz de desenvolver instrumentos mais complexos de proteção, como a
vestimenta que o cobre, o prédio em que reside, os remédios destinados a
mantê-lo saudável e, em seu sentido mais amplo e geral, quaisquer produtos e
serviços de consumo que lhe fornecem maior comodidade ou o
resgua rdam de infortúnios e inimigos e, assim, aumentam as suas chances
de sobrevivência.

Entre as características que mais destacam o ser humano de outras espécies está a
capacidade de criar organizações que combinam grande variedade de recursos e
instrumentos e que, desta forma, permitem a consecução de objetivos que os
indivíduos, isoladamente, não seriam capazes de atingir. Disto, um excelente
exemplo é a empresa, que provavelmente deve uma boa parte de seu
fenomenal crescimento numérico recente, bem como de seu tamanho e do
seu alto grau de sofisticação funcional e operacional, ao simples fato de
constituir um processo comum do homem moderno para atingir e manter o estado
de sobrevivência.

É através da instituição empresa que o homem consegue satisfazer uma


série de necessidades de ordem fisiológica, econômica, social e até política. É ela
que lhe dá o emprego que necessita para gerar uma renda, que produz os
bens e serviços que consome, que lhe fornece um campo experimental fértil
para dar vazão às suas habilidades criativas, que normalmente representa

4
(junto com a família) o seu principal foco de convívio social, e ainda lhe oferece
condições para angariar posições de destaque na comunidade em que vive. Não é
de estranhar, portanto, que o homem moderno se dedique à empresa com o
mesmo interesse, fervor até, com que a humanidade, antes da Revolução
Industrial, cultivava a terra ou como os membros de uma religião se identificam
com a sua igreja.

Mas há um verso nesta medalha: o envolvimento do executivo moderno com


sua empresa tornou-se tão intenso que o colocou numa situação de dependência.
Assim, a sua sobrevivência pessoal passou a ser, em boa parte, uma função da
sobrevivência da instituição, o que explica porque muitos executivos se
dispõem a defender os interesses de sua empresa com (quase) a mesma
intensidade e o mesmo zelo com que defendem os seus interesses pessoais.

A concorrência faz parte desse jogo simbiótico de sobrevivência do homem e da


instituição e, por vezes, até representa o seu lado mais dramático e intenso.
Isto acontece quando o homem se vê oprimido por uma situação de
inferioridade em relação a outros contendentes pelos mesmos objetivos. Aí
aumenta a sua agressividade e disposição geral de luta. Normalmente, contudo,
não é esta a situação que predomina nas relações competitivas, seja na
natureza, seja entre as organizações humanas. Elas antes se caracterizam pelo
convívio atento entre rivais, em que cada um procura obter vantagens sobre
todos os outros, em que cada concorrente observa seus adversários para não ser
desagradavelmente surpreendido e só passa a agredi-los frontalmente quando
ocorre uma das duas seguintes situações: quando sente a sua superioridade e
procura tirar proveito imediato das vulnerabilidades alheias ou quando, ao
contrário, está encurralado e se vê obrigado a defender-se com todas as suas
forças contra uma forte ameaça de algum concorrente.

A maioria das situações competitivas, contudo, é bem menos agressiva. Talvez,


para manter seus adversários à distância, o leão rosne por entre os seus
dentes descobertos, como o homem faz declarações ousadas à imprensa sobre suas
intenções táticas destinadas a combater seus concorrentes; mas, no fundo, o que
preferem é sossego, a divisão territorial pacífica e o entendimento. Agir com um
mínimo de agressão implica em menores riscos, menor desgaste de recursos
energéticos e, sobretudo, melhores condições para se concentrar no essencial.

O que é o essencial? Atingir os objetivos para poder assegurar a sobrevivência,


não o combate aos concorrentes. Salvo raras exceções, os seres vivos, ao lutar pela
sua sobrevivência, dirigem seus esforços diretamente aos objetivos que
consideram essenciais para a sua sobrevivência. Entre os animais, o objeto
principal é um território ou espaço vital que Ihes assegure comida, proteção e
condições para procriar. Entre os homens em competição, o objeto principal é o
mercado no seu sentido amplo, incluindo o seu potencial, o poder aquisitivo dos
compradores e sua disposição de comprar, os recursos necessários à produção e as
oportunidades de emprego.

5
Concorrentes podem interferir, e frequentemente interferem, nos esforços de
exploração desses potenciais, o que conduz invariavelmente ao confronto, por vezes
ao conflito. Mas é preciso distinguir entre o objetivo em si, que é o cliente, e o
conflito entre os concorrentes que resulta do cruzamento de caminhos, quando
dois ou mais rivais se dirigem ao mesmo objetivo. A diferença pode parecer
sutil e pouco significativa. A sua relevância surge, no entanto, quando
encaramos o problema sob o ângulo coletivo, sobretudo sob o enfoque da
motivação primordial, que envolve uma espécie inteira ou o conjunto das
empresas de um dado setor de atividades. Se todos os membros destas
coletividades tivessem como objetivo primordial a aniquilação de seus
concorrentes, pouco ou nada sobraria de sua espécie, não importa se vegetal,
animal ou humana.

O que se pretende inferir destas condições é, sobretudo, o seguinte: a


concorrência entre seres vivos é antes circunstancial do que predatória. Ela é
apenas uma das modalidades, e raramente a principal, que o organismo escolhe
para assegurar a sua sobrevivência e reprodução. Na maioria das situações
ambientais ela é de ordem antes reativa do que proativa, ou seja, o grau de
agressão que um indivíduo ou grupo normal aplica para se impor aos seus rivais
num dado território ou mercado é antes uma função da intensidade com que se
sente ameaçado pelo ambiente em que vive e pretende progredir, do que de uma
intenção inata de afastar quaisquer concorrentes de sua área de atuação.
Resumindo: a luta pela sobrevivência se dá muito mais pela ação produtiva sobre os
organismos que estão num nível inferior da cadeia alimentar em que todos os seres
vivos estão inseridos, do que pela ação destrutiva sobre os organismos que estão
no mesmo nível. Exemplo: é mais "lucrativo" caçar e conquistar clientes do que
combater rivais ou concorrentes.

Argumentamos que esta regra não vale apenas para as relações entre organismos
vivos na natureza em geral, como também para o confronto e convívio entre
seres humanos que se organizam, como nas empresas. Pretendemos demonstrar
porque isto é assim, analisando, passo a passo, cada um dos aspectos que
parecem pesar mais nas relações competitivas.

A ambiguidade intrínseca da concorrência


Para começar, o que se entende por concorrência? Se você tomar o termo na
sua acepção mais em voga no momento, você o associará, obrigatoriamente, a
coisas como a preparação de agressivos planos estratégicos por parte de
ambiciosos capitães de indústria, ao movimento de tropas, a bem programadas
campanhas publicitárias para deslocar um concorrente do mercado ou mesmo a
lutas ferrenhas entre inimigos irreconciliáveis. Basta para isto citar dois livros da
área de administração que enfeitam as estantes de muitos executivos mais ou
menos crédulos: Ries e Trout (1986) e Ramsey (1987).

Se, no entanto, você se dispuser a olhar para trás à busca das origens
históricas do conceito concorrência, você encontrará um significado virtualmente
oposto a esta visão atual. Por concurrere os velhos romanos entendiam a união

6
entre forças para assegurar o bom êxito de uma cooperação. Assim, o jovem e
ambicioso Júlio Cesar procurava a "concorrência" (isto é, adesão) de dois
influentes comandantes militares, Pompeus Magnus e Licinius Crassus, para
formar o poderoso triunvirato que passou a ser a primeira célula política de sua
carreira como conquistador e imperador plenipotenciário.

A qual das duas interpretações devemos recorrer para o melhor entendimento da


concorrência, sobretudo ao se tratar das empresas? À primeira, diriam muitos, pois
a segunda está superada. Mas, neste caso, como explicar a permanência dos
oligopólios na sociedade industrial moderna ou, digamos, a formação de órgãos
de classe que congregam empresas do mesmo setor para tratar de interesses em
comum? Estariam eles perdendo o seu tempo ao se reunirem e conchavarem? Ou
estariam apenas exercendo uma série de papéis numa farsa destinada a iludir o
grande público e demonstrar a sua força a autoridades governamentais? Ou haveria
intenções mais circunspectas por trás destas uniões? Seja como for, não deixa de
ser um hábito curioso, o de nossos empresários, de se combaterem durante o dia e
de se reunirem à noite em torno de seus copos de whisky. Mas é esta a praxe e, se
quisermos entender a natureza da concorrência, precisamos tentar explicar a
aparente contradição comportamental dos que a utilizam como instrumento
estratégico.

Infelizmente, a concorrência se apresenta como um fenômeno extremamente


ambíguo, volátil até, a partir do momento em que você se dispuser a não
mais encará-la sob um dado enfoque predeterminado e valorativo, ao qual nos
acostumamos nas ciências sociais. Ela parece querer escapulir de suas mãos,
tomando formas e feições as mais diversas e controversas. No entanto, como
isto deve ter as suas razões, talvez seja precisamente esta ambiguidade que a
caracteriza, e em nada adianta tentar vesti-la com uma camisa de força
conceitual. Devemos procurar entendê-la como ela é e não como gostaríamos
que fosse.

Exemplifiquemos: a cartelização de empresas é uma constante no sistema


industrial moderno. Quem a pratica opera na penumbra. As informações a seu
respeito são escassas e imprecisas, mas ela sabe se proteger, internamente
pelo poder de seus líderes e externamente pela "perseguição" da lei que, ao
condená-la, a obriga a assumir uma posição defensiva, o que apenas reforça a
lealdade e os pactos de sigilo de seus membros. Ou seja: ao concentrar a atenção
pública nos aspectos éticos e legais dos cartéis, a sociedade involuntariamente
os reforça, apesar de visar precisamente o oposto. Não seria melhor se os
legisladores, os sociólogos, e em particular os defensores da livre iniciativa,
concentrassem suas atenções menos nos efeitos morais dos processos de
cartelização e mais numa melhor compreensão de seus fortes e fracos de
origem psicológica, estrutural e talvez até biológica? Um raciocínio
semelhante pode ser aplicado a outros "males" da nossa sociedade, como o
protecionismo econômico e o crescimento das economias informais. Todos eles
compartilham duas características comuns: interferem nos processos da
competição aberta, pois não há lei baixada pelo homem que os combata de

7
maneira eficaz.

Em outras palavras, não há como fugir do fato da concorrência ser algo inato aos
próprios organismos, cuja origem não adianta querer combater, mas cujos
efeitos tornam-se mais facilmente controláveis a partir do conhecimento de suas
origens. Entre outros, isto implica na necessidade de encararmos a
concorrência da maneira mais neutra possível, isto é, isenta de contextos
valorativos a priori.

Uma definição não-valorativa


Como praticar esta isenção? A nossa proposta é usar a abordagem analítica
"fria" das ciências exatas, com o intuito de não distorcer involuntariamente as
análises com os nossos preconceitos, seguindo o modelo adotado pela maioria dos
representantes das ciências experimentais em áreas como a biologia, genética,
química, física, fisiologia, ecologia, morfologia e até a medicina, por vezes de
uma maneira que deixa os cientistas sociais com água na boca, senão boquiabertos.

Eis um exemplo: nas Ilhas Galápagos, o superobservador Charles Darwin


constata uma enorme variedade de formatos nos bicos entre os pintassilgos da
região. Daí verifica que estas aves são consumidoras dos mais variados tipos de
alimentos: quebram sementes grossas, perfuram a casca de árvores, catam
insetos nos ares etc. Mais tarde, Darwin observa que muitos outros animais
também têm esta capacidade de adaptação fisiológica alimentar às condições
ambientais e disto deriva uma de suas imortais regras biológicas. Ela tomou o
nome de radiação adaptativa e refere-se ao processo pelo qual os organismos
ocupam espaços ambientais, através da sua gradativa adaptação às ameaças
e oportunidades de nichos ecológicos (por nicho ecológico, os biólogos
entendem o conjunto de funções que cada espécie exerce no ecossistema).

A radiação adaptativa é extremamente difundida no reino animal e constitui


uma das principais causas da sobrevivência de muitas espécies, como de peixes e
mesmo dos primatas, o que inclui a nós, o evoluído homo sapiens. Este,
inclusive, a utiliza de maneira consciente e planejada, entre outros nas
empresas, por exemplo, ao adotar políticas de marketing a partir da adaptação de
suas linhas de produtos às preferências de consumidores previamente
pesquisados.

Precisamos, portanto, de uma definição de concorrência que nos permita


descobrir novas formas de compreensão dos fenômenos competitivos e que
também nos proteja de posições preconcebidas. Ademais, ela terá que ser
simples e tão abrangente que possa incorporar qualquer situação, conhecida ou
não, da amplíssima gama competitiva. A partir desses preceitos, entendemos
concorrência como sendo a aspiração por um mesmo recurso ou espaço por
parte de dois ou mais pretendentes. É esta uma maneira bem próxima dos
biólogos e ecólogos entenderem a concorrência. Não se fala em confronto,
muito menos em conflito, mas apenas em intenções que se dirigem ao mesmo
alvo e que, evidentemente, podem resultar em choques. Ou seja, dentro desta visão

8
a concorrência não é obrigatoriamente "pura" ou impura, nem "imperfeita”, nem
"feroz" ou conciliatória, ela simplesmente é.

Sob certas circunstâncias, ela pode conduzir a confrontos entre inimigos


mortais, totalmente intransigentes, mas isto constitui a exceção. Bem mais
frequentes são as situações em que os adversários procuram o entendimento
mútuo e até a corporação, como veremos adiante.

O homem é ou não uma fera?


Ao pleitearmos que os cientistas sociais se identifiquem com o que
convencionamos chamar do lado biológico da concorrência, não propomos que
abandonem por completo as suas posições já assumidas. Apenas sugerimos que
ampliem os seus horizontes e expulsem os maus espíritos de suas posições valorativas
preconcebidas. Isto se aplica tanto aos economistas, quanto aos psicólogos e
sociólogos. Vejamos cada uma dessas posições quanto aos seus aspectos mais
pertinentes à concorrência, a começar pela psicologia, ou melhor, pela sua irmã
mais científica, a psicanálise.

Foi Freud quem quis nos convencer que o "homem não é um ente meigo e
amoroso, capaz apenas de se defender quando atacado, mas igualmente alguém que
conta com uma forte dose de agressividade como parte integrante de seus
talentos intuitivos". Daí, para Freud, o homem teria se tornado um lobo voraz:
“homo homini lupus: 3 quem ousaria contestar esta frase após tantas
experiências da vida e da história?” Não há dúvida, o homem pode ser cruel e
sanguinário, mas isto não é prova de que ele normalmente seja “(...) um
animal selvagem, que desconhece a proteção de sua própria espécie" (Freud, 1956,
p.149). Aqui, o pai da psicanálise tornou-se vítima de um grave exagero, mas de
fácil contestação, se bem que nem por isso amplamente aceito pela opinião
pública e mesmo por profissionais respeitados. Confundem dois aspectos
semelhantes, mas totalmente distintos quanto às suas origens e repercussões. Pois
uma coisa é condenar o homem quando se comporta como uma fera, outra, bem
distinta e incorreta, é acusá-lo de ser uma fera.

Se a forma comportamental do ser humano fosse a de ceder aos seus instintos de


agressão destrutiva, a ponto de querer dizimar a sua própria espécie, como afirma
Freud, não haveria mais gente no planeta Terra, pois a taxa líquida de
crescimento demográfico teria sido menor do que a de extermínio mútuo.
Portanto, o fato de haver guerras cruéis, de ocorrerem homicídios com
frequência e de aumentar o número de pessoas adeptas ao terrorismo, só
comprova que a agressão destrutiva existe, mas não que predomine nas
relações competitivas entre os seres humanos. Na realidade, o que prevalece
nestas relações é a cautela, a ponderação e até uma boa dose de respeito mútuo,
acoplado ao desejo intenso de encontrar uma maneira pacífica de conviver uns
com os outros. Aliado a este respeito está o conhecimento de que o conflito
aberto costuma ser mais desgastante e antieconômico do que a repartição

3
Em português, o homem é o lobo do homem. Nota da revisora.

9
negociada de um território ou mercado. Claro, nada disto impede que cada
concorrente se esforce para levar vantagens sobre todos os outros.

Não há dúvida que a maioria de nós visa, em primeiro lugar, os seus próprios
interesses, ou seja, as melhores condições para assegurar a sua sobrevivência. Isto
nos torna egoístas e agressivos. Mas é preciso tomar cuidado com a maneira como
interpretamos estes dois termos: egoísmo e agressividade. Ambos passaram
ultimamente por uma espécie de processo de depuração conceitual destinado a
livrá-los de seus estigmas de puros malfeitores do comportamento humano. Mais
uma vez, foram representantes das ciências exatas que demonstraram que o ser
humano não é, normalmente, nem fera nem ovelha, nem diabo nem anjinho, mas
que procura conciliar estes extremos de suas inclinações comportamentais na
perseguição de seus interesses. Vejamos sumariamente o que estas
interpretações mais abrangentes e conciliatórias têm a nos dizer.

As incontáveis facetas da agressão


Comecemos pela agressividade. Quem compete é, quase por definição,
agressivo. Mas, o que vem a ser agressão neste caso?

Poucos conceitos utilizados simultaneamente pelos cientistas sociais e exatos


têm provocado tanta celeuma como a agressividade. É que, em suas diversas
interpretações, a agressão comporta tanto uma visão de violência destinada a
machucar, quanto a simples ameaça que não passa de um aviso e até o
comportamento que resulta da coragem e disposição de luta de alguém que
procura atingir um dado objetivo, sem a intenção de provocar qualquer tipo
de dano pessoal. A qual desses conceitos devemos dar prioridade?

A nenhum deles em si, pois todos eles ocupam um espaço legítimo no conceito
da agressividade. O que caracteriza a agressão não é a sua intensidade, nem
mesmo o seu intuito primordial, mas a simples capacidade e disposição
comportamental de enfrentar os desafios e as diversidades do seu ambiente.

Em parte, esta disposição é inata, isto é, biologicamente determinada,


provocada, por exemplo, por hormônios (como a testosterona sexual masculina),
mas isto não quer dizer que a agressão seja um "impulso legítimo primário" ou
intuitivo, que se acumula nos animais (e seres humanos) para dar vazão
repentina, como argumentava o famoso etólogo Konrad Lorenz (1983, p.55).
Nem significa que haja determinismo biológico que obriga os organismos a se
envolverem em lutas ou outros tipos de conflitos abertos. Significa apenas que
a natureza mune os seres vivos com alguns recursos que facilitam a sua
adaptação ao meio ambiente e que se manifestam através de comportamentos
que convencionamos chamar de agressivos.

Mas, apesar de ser inata como capacidade e disposição, a agressão precisa ser
aprendida para poder se tornar útil ao indivíduo. A aprendizagem, por sua vez,
requer o contato e o convívio social, para que o indivíduo possa entender os
mecanismos da agressão, bem como para experimentar as suas vantagens e

10
limitações. Assim, os animais que são criados sem companheiros costumam
demonstrar comportamentos agressivos anormais, em boa parte porque não
conseguem reação eficaz às demonstrações de ameaça.

Conviver com e usar a agressividade se aprende desde os primeiros anos de vida


numa sociedade civilizada. Nela "as crianças aprendem o que é raiva, como
podem se tornar bravos e quando a sua raiva pode ser demonstrada; elas
aprendem como, quando e porque outros podem agir agressivamente, e
aprendem a lidar com a sua própria agressão e a de outras pessoas (...) elas
rapidamente passam a entender o que é gentil ou rude, justo ou injusto, moral
ou imoral, e até legal ou ilegal” (Klama, 1988, p.90). Normalmente, quanto mais
evoluída for a sociedade e seus sistemas de educação, tão mais controladas e
ordenadas tendem a ser as suas manifestações de agressividade. Considerações
de ordem social (como as possíveis reações de superiores ou colegas) e mesmo
de natureza pessoal e racional (como a avaliação das probabilidades de
retaliação) passam a pesar mais nas decisões que envolvem a agressividade do
que as reações espontâneas e impensadas. O elemento natural e biológico passa a
ser dominado pela prudência, sobretudo quando as decisões dependem da formação
de um consenso gerado entre membros de um grupo pensante, o que é o caso na
maioria das empresas.

Isto posto, praticamente impõe-se uma conclusão: nós somos todos mais ou
menos agressivos, mas isto não quer dizer que a vontade de destruir determine os
nossos atos de agressão. É antes o contrário: o que prevalece é a ponderação que
avalia situações, frequentemente com o intuito de alcançar alguma vantagem
pessoal, mas normalmente pouco propensa a provocar ou aceitar conflitos
diretos e desgastantes. Se isto se aplica às relações sociais humanas em geral, deve
valer também para as relações competitivas.

A quase-irmandade egoísmo / altruísmo


O outro conceito associado às relações entre seres humanos em concorrência,
e que convém ser encarado com uma boa dose de cautela, é o egoísmo.

Foi W. D. Hamilton (1964) quem nos abriu uma nova maneira de ver as relações
entre o egoísmo, o altruísmo e o rancor ao demonstrar que a disposição de um
organismo de ser mais ou menos egoísta, altruísta ou rancoroso depende da sua
"capacitação total" (inclusive fitness), ou seja, de sua contribuição ao conjunto
genético, composto de seus genes e dos de seus parentes.

Um exemplo: Darwin se preocupava muito com as operárias que, nas


comunidades dos insetos sociais (como das abelhas e formigas) eram quase
sempre estéreis, mas mantinham um comportamento altruísta para com as suas
colegas fecundas. Ele temia que a demonstração desse desinteresse pessoal colocasse
em risco toda a sua teoria de seleção natural. Mas, na realidade, não precisava ter se
preocupado, pois a tese de Hamilton explica o porquê do comportamento das
operárias: elas ajudam as suas irmãs férteis (as rainhas) a criar seus
descendentes, fortalecendo assim a espécie e a sociedade, através de um ato

11
aparentemente desinteressado. A ênfase aqui deve ser colocada na palavra
"aparentemente", pois, ao agirem de maneira altruísta em função dos interesses
da comunidade, os insetos inférteis contribuem ao objetivo egoísta e primordial de
promover a sobrevivência de seus genes.

Os seres humanos também agem assim, ao menos quando adotam um


comportamento racional. Isto é, quando são capazes e estão dispostos a avaliar os
prós e contras das diversas formas de atuação perante um dado problema e
quando optam por um caminho que promete maximizar os resultados de suas
ações. Em muitas situações, a maximização implica na combinação de atos egoístas e
altruístas. Por exemplo, durante as negociações com um poderoso fornecedor, uma
empresa industrial poderá fazer concessões quanto a certas exigências de efeito
imediato, com o intuito de ganhar tempo para executar uma manobra que lhe trará
maiores benefícios futuros do que sacrifícios no momento.

No reino animal, tão frequentemente taxado de "não inteligente", esse tipo de


comportamento ambíguo e conciliatório é bastante frequente. O controvertido
sociólogo Robert Trivers (1971) deu-lhe o nome sugestivo de altruísmo recíproco.
Trata-se da tendência de indivíduos concederem favores a outros indivíduos que
não são seus parentes, na expectativa de serem, mais tarde, compensados por
este ato. Assim, por exemplo, nas matas africanas que uma tropa de macacos
de uma dada espécie frequentemente ajuda macacos de outra espécie a
expulsar um bando de invasores de seu território.

No entanto, o altruísmo recíproco é muito menos comum entre os animais do que


entre os seres humanos, que o utilizam com grande frequência e de maneiras
diversas. Para Trivers "até mesmo as nossas interações econômicas foram
construídas em torno do sistema do altruísmo recíproco. A invenção do dinheiro (...) é
um exemplo.” (Trivers, 1986, p.110).

Lições da natureza
São três as lições que podemos tirar dos ensinamentos da biologia.
Interdependentes que sejam, convém tratá-las separadamente, pois suas implicações
são distintas. A primeira é a observação de que o egoísmo e o altruísmo
costumam se entrelaçar no comportamento humano (portanto, também no
empresarial). Nós não somos totalmente "ferozes" nem totalmente "bonzinhos",
nem inteiramente egoístas (no sentido de querer tirar proveito de uma situação
em prejuízo de terceiros), nem integralmente altruístas (ou dispostos a ceder
vantagens a terceiros em detrimento próprio). O que costumamos fazer é
ponderar as situações e, em função desta avaliação, agir de maneira que pode
tender tanto para o lado egoísta quanto o altruísta, ou mesmo combinar as
duas atitudes.

Em segundo lugar, a maneira como a relação egoísmo/altruísmo é dosada por um


indivíduo normal (e que aja racionalmente) parece ser primordialmente determinada
por dois fatores: em parte, por quem está "do outro lado da cerca"; quando se
trata de um parente ou amigo, tendemos mais para o altruísmo do que quando

12
se trata de um desconhecido ou adversário; em outra parte, pelos benefícios que
esperamos poder tirar da situação: a disposição de sermos mais ou menos altruístas,
num dado momento, depende da expectativa de sermos compensados no futuro
pelas nossas ações. Em outras palavras: mesmo o altruísmo costuma conter um
elemento de "egoísmo" em seu bojo. É um altruísmo calculista: ele
temporariamente abre mão de uma vantagem na expectativa de ser
compensado, no futuro, por esse sacrifício. Assim, emprestamos dinheiro a
alguém sabendo que, mais tarde, vamos recebê-lo de volta com juros. Pode haver
uma vantagem nisso para “o outro”, mas nada faríamos sem uma compensação
nossa, ou seja: o egoísmo prevalece mesmo quando abrimos mão de vantagens
imediatas. Podemos, portanto, aventar a hipótese de que o altruísmo recíproco de
Trivers seja, na realidade, uma forma civilizada de se praticar o egoísmo através
da sua contemporização.

Intimamente ligada a esta tese sobre o egoísmo adiado está a nossa terceira
lição, que é a constatação pragmática, conhecida por qualquer indivíduo que age
racionalmente, de que as ações puramente egoístas quase nunca dão bons
resultados. A melhor demonstração desse princípio que vimos até hoje foi
dada por Robert Axelrod em sua fascinante obra The Evolution of Cooperation (1984).

Em poucas palavras, o que Axelrod fez foi aplicar a teoria dos jogos a uma
situação hipotética, onde dois prisioneiros, ambos condenados por vários
crimes, são confrontados numa série de "jogadas" em que se testa a sua
disposição de cooperar mutuamente. Ambos têm chances de receberem uma
sentença mais branda ou até de serem absolvidos, contanto que cooperem (isto é,
não informem sobre o oponente), mas eles não sabem disto. O que o jogo revela,
em última instância, é a validade da estratégia milenar "olho por olho, dente
por dente" que o autor rebatizou como "tit for tat" e que se revela
particularmente eficaz quando o jogador se comporta da seguinte maneira: ele
coopera na primeira jogada, depois segue fazendo o que o adversário fez:
coopera quando ele cooperou e o deserta quando o outro o desertou, mas isto
somente até que se vislumbre o fim do jogo; a partir daí, deserta, não importa o
que o outro faça.

Além de ter descoberto uma excelente regra comportamental para o convívio


competitivo humano, Axelrod demonstrou, e isto estatisticamente, que quem tem o
hábito de se comportar sempre como egoísta tem muito menos chance de ser bem
sucedido do que quem aplica um misto de cooperação e traição. Em outras
palavras, na maioria das situações não vale a pena bancar o egoísta radical e
imediatista, tanto no confronto entre competidores quanto na vida em geral; quase
sempre, quando dois ou mais indivíduos ou grupos se confrontam visando os
mesmos objetivos, o entendimento, mesmo que não seja sempre e rigidamente
cumprido, produz os melhores resultados para todos os participantes do
"concurso". E para cada jogador individualmente vale a regra: coopere com o
adversário sempre que o resultado do confronto é imprevisível, mas traia-o
quando tiver plena certeza de ter maiores poderes do que ele e,
particularmente, quando espera nunca mais ter de confrontá-lo. Não esqueça,

13
enfim, que o objetivo básico é ficar por cima na maioria das situações e que uma
boa "mistura" entre atitudes egoístas e altruístas é a melhor maneira de atingir
seus objetivos.

Convém manter esta regra empírica em mente, pois vamos precisar dela para
melhor compreender a natureza da ânsia de sobrevivência quando aplicada a
situações de competitividade entre concorrentes. Antes, porém, lancemos um
olhar sobre a maneira como os economistas costumam encarar a concorrência.

Uma visão das alturas da torre de marfim


Mesmo quando ciente da amplitude e complexidade do conceito da
concorrência, o economista não costuma vacilar em isolar-se numa bem
protegida torre de marfim, de onde o mundo parece claro e ordenado, graças à
ilusão ótica da distância. O isolamento lhe permite desenvolver os seus raciocínios e
modelos com a isenção de ânimo dos que pouco participam dos processos
diretamente e que se sentem acobertados pelos muros de um edifício protetor.

No caso, o edifício é uma imponente lei natural a que o analista pode recorrer a
qualquer instante: a lei da oferta e da procura. Das alturas de sua torre de
marfim, o economista vê a concorrência como um extenso e emaranhado
mecanismo, composto de uma infinidade de preços que se conjugam e adaptam
mutuamente, comandados pelos processos da razão e do egoísmo humano. Esses
mecanismos têm as vantagens de serem totalmente transparentes para quem
queira se informar a seu respeito. Eles sempre voltam ao estado de equilíbrio por
uma simples, mas irresistível razão: quem vende pede sempre o maior preço e
quem compra insiste, ao contrário, no menor; mas tanto o vendedor quanto o
comprador sabem que o "negócio" só se concretiza quando ambos cedem até
encontrarem um denominador comum. Isto faz com que os preços se
mantenham dentro de limites suportáveis para ambos os lados.

Até aqui, tudo bem. Acontece, todavia, que os economistas partem de


algumas premissas que, no seu entender, prevalecem em praticamente todas as
situações de mercado, mas que não necessariamente convencem os outros mortais.
Essas premissas são, em resumo:

Similaridade - Todos os produtos e serviços destinados a um determinado fim


(não importa se automóveis ou letras de câmbio) são iguais ou, no mínimo,
facilmente comparáveis entre si em termos de sua qualidade e utilidade. É fácil,
portanto, perceber se o preço de um dado produto varia porque há uma maior
qualidade ou simplesmente porque o ofertante procura atingir um retorno
maior sem que haja uma diferenciação que justifique um preço maior.

Transparência - Há uma total transparência de informações no mercado: tanto


os produtores quanto os compradores sabem, a qualquer momento, o que está
sendo oferecido e sob que condições.

14
Equilíbrio - Há sempre menos vendedores de um dado produto do que
compradores, de modo que estes tendem a exercer uma influência menor do que os
vendedores. Mas os compradores conseguem manter o equilíbrio no mercado
porque agem coletivamente: no momento em que o produtor aumenta os seus
preços acima dos padrões estabelecidos pelo sistema em vigor, muitos de seus
compradores o abandonam e passam a comprar de seus concorrentes. Daí os
preços caem e o equilíbrio é restabelecido.

Concorrência - Na vida real, apesar da tendência ao equilíbrio, o mercado não


costuma atingi-lo. O que prevalece não é a concorrência perfeita (também
chamada pura), mas a imperfeita, onde há uma dominância, ao menos temporária,
por alguns poucos produtores sobre o mercado. Em casos excepcionais podem
ocorrer situações de oligopólio (muito poucos produtores) ou mesmo de
monopólio, mas elas são apenas transitórias, porque a "mão invisível" do
mecanismo de preços força a volta ao equilíbrio.

Esses pontos são por demais conhecidos, mas não custa relembrá-los para
mostrar que, apesar de distintos entre si, giram em torno de uma só ideia central:
no sistema econômico, as coisas funcionam de maneira racional e sempre
tendendo ao equilíbrio entre forças competitivas, graças à atuação de uma
condição natural intransponível: a lei da oferta e da procura.

Ninguém em sã consciência contesta esta lei, o que não impede que se proteste
contra a maneira simplificada e até simplória de interpretá-la, adotada por muitos
economistas. Na realidade, os protestos surgiram com veemência logo após a
publicação da maior obra clássica do liberalismo econômico, que soube
apresentar o sistema acima resumido de uma maneira monumental: A Riqueza das
Nações, de Adam Smith. Para se ter uma ideia da intensidade das reações a essas
ideias liberais basta ler qualquer um dos livros de Charles Dickens, conterrâneo
de Smith, preocupado com a concentração de poderes e de renda da sociedade
britânica do século XVIII. Mais tarde, como sabemos, as reações se transformaram
em protestos acirrados, como comprova a obra de Karl Marx e sua influência sobre
os eventos políticos e econômicos do século passado.

Hoje, as águas estão se acalmando no cenário das ideologias políticas


tradicionais. Tanto o liberalismo quanto o socialismo (que, ironicamente, ainda há
pouco se alimentavam mutuamente graças a seus confrontos incessantes e
barulhentos) estão ameaçados de esgotar o seu arsenal de armas e de serem
atropelados por preocupações mais significativas para a espécie humana, como a
conservação do planeta Terra e a rivalidade entre o individualismo ocidental e o
cooperativismo oriental.

Tudo isto, no entanto, não impediu que nos campi cercados das academias
continuassem os debates calorosos entre economistas ortodoxos e seus críticos
heterodoxos. São, sobretudo, dois tipos de objeções que mantêm aceso o fogo
desses debates: de um lado, o excesso de concentração de poderes em um
número limitado de empresas e do Estado, o que interferiria com os princípios e o

15
funcionamento da livre iniciativa; e do outro lado, a contestação, pura e simples, de
que o mecanismo de preços seja capaz de regular as forças do mercado. A primeira
destas duas posições conduziu compreensivelmente a um pleito pela volta à
"liberdade", o que já surtiu efeitos bastante significativos nos mais diversos países,
como nos EUA através do "deregulation" e da Perestróica na União Soviética.

Menos perceptíveis talvez, mas de efeitos potenciais mais profundos e duradouros,


são os debates em torno do poder e das limitações da economia como
instrumento regulador da sociedade. Divergências à parte, o que parece surgir como
uma luz no horizonte destas discussões é a possibilidade de uma crescente
aproximação entre as ciências sociais e até a perspectiva de uma grande síntese.

A corporação suicida e as dimensões do elefante


Comentamos, sumariamente, dois trabalhos recentes que se ocupam com cada
uma destas posições problemáticas. O primeiro deles é o livro combativo e pleno
de exemplos dramáticos de Paul Weaver (1988), A Corporação Suicida, que
defende a tese de que a empresa moderna estaria se autodestruindo por
excesso de zelo e pela sua busca incessante do crescimento, da eficiência, dos
lucros, de controles intermináveis e da racionalidade científica. Para Weaver,

A corporação acredita em administrar mercados ao invés de liberá-los; em


moldar as regras dos jogos em seu benefício, ao invés de competir sob regras
estabelecidas por outros; em cercar um mercado novo protegido ou um nicho,
ao invés de competir frente a frente com outros produtores do mesmo produto
(Weaver, 1988, p.19).

O que mais incomoda o Sr. Weaver e, com ele, uma verdadeira armada de
pensadores liberais, é a concentração de poderes de minorias influentes, que
interferem contínua e perniciosamente nos mecanismos de preço da sociedade
industrial. Mas, devemos nos perguntar, frente à mudança dos tempos e das
prioridades humanas, seriam estas distorções tão significativas assim? Não seriam
elas antes sintomas do fim de um estágio na evolução das civilizações, do que
os efeitos nocivos, mas reversíveis, de um sistema sob ameaça? Quem sabe se, a
partir do próximo século (ou antes, até) os apelos à "justiça" de um perfeito
mecanismo de preços venham a ser abandonados, porque a concentração do
poder corporativo e estatal tornou-se uma realidade irreversível, reconhecida
como tal, e porque as atenções da humanidade estarão mais voltadas aos
problemas da conservação da natureza do que à caça de ideais econômicos
inatingíveis?!

Menos dramático, mas potencialmente mais influente, é o segundo tipo de


objeção crítica a que acima nos referimos. Ele se dirige diretamente ao pensamento
econômico ortodoxo e lhe nega a capacidade de regulamentação dos mecanismos de
preço no mercado. Esse tipo de posicionamento foi recentemente defendido,
mais uma vez, pelo sociólogo Amitai Etzioni em seu livro A Dimensão Moral
(1988), que se volta contra a posição supostamente simplista dos economistas
que acham que as pessoas "maximizam as suas utilidades" ao agirem como entes

16
econômicos. O ser humano, para Etzioni, é motivado por estímulos bem mais
amplos e altruístas do que nos querem fazer crer os economistas. Para ele,
esses estímulos são de ordem "normativo-afetiva", por compreenderem as
emoções e valores pessoais e, sobretudo, coletivos. Se as empresas atribuíssem
maior atenção a esses fatores afetivos, cometeriam menos erros e seriam melhor
sucedidas.

Etzioni é moderado nas suas colocações e seus pleitos. Ele não nega a existência
dos impulsos econômicos de índole egocêntrica nas decisões humanas, apenas
defende a posição que devem ser associados aos fatores de motivação, de caráter
cooperativo e social. Com um toque de humor, afirma que os paradigmas
econômicos neoclássicos "descrevem a metade do elefante e eu estou
descrevendo a outra metade. Juntas (o elefante) funcionam melhor" (Etzioni,
1988, p.17)

Será? Será que o elefante tem apenas duas partes? Acreditamos que não. Deve
ter pelo menos três: uma econômica, uma psicossocial e uma terceira, inata, que, para
simplificar, denominamos biológica.

Vejamos como esta última das três "metades" do elefante influencia o


comportamento competitivo.

Competir: uma imposição biológica


Para começar, o que vem a ser esta parte inata do comportamento competitivo?
Em poucas palavras: é a disposição para a luta pela sobrevivência, que a natureza
nos dita como regra máxima de todos os nossos comportamentos e que nos
acompanha 24 horas por dia. Nem tudo nesta disposição se dirige ao confronto
entre adversários que competem entre si por uma dada causa ou objetivo, mas
quase sempre uma parcela elevada das energias despendidas para sobreviver é
de ordem competitiva. A consequência imediata disto é que somos forçados a
competir, pouco importa se isto nos agrada ou não.

O que nos obriga a competir? Um conjunto de variáveis e estímulos de efeito


psicológico, mas de origem provavelmente biológica, que alguns cientistas,
inspirados por Charles Darwin, conseguiram identificar através de um minucioso
trabalho de pesquisa ao longo de um século e meio, e que ainda continua a nos
revelar fatos e relações surpreendentes em vigor na natureza.

Desde que Darwin publicou a sua monumental obra A Origem das Espécies
(1859), a concorrência passou a ocupar uma posição de muito destaque na
investigação de várias ciências experimentais. Entre elas figura não só a biologia,
como também a etologia, a fisiologia, a morfologia, a ecologia e até a física e a
medicina. Por que isto? Em poucas palavras, Darwin demonstrou que:

 Os organismos têm uma capacidade quase que ilimitada de reprodução.


 A rápida reprodução da maioria das espécies provoca uma luta pela

17
sobrevivência, dada a escassez de recursos naturais (tanto de alimentos
quanto de ambientes propícios à reprodução).
 Quando as populações crescem numa proporção maior do que a
disponibilidade de recursos, conflitos competitivos tornam-se inevitáveis,
tanto entre as diferentes espécies, quanto entre os membros de cada uma
das espécies.
 Devido à competição, alguns indivíduos se reproduzem mais do que outros.
 Os indivíduos que se adaptam melhor ao ambiente têm maior chance de
sobrevivência.
 A maior (ou menor) capacidade de adaptação ambiental surge por acaso nos
indivíduos, mas é hereditária podendo, portanto, ser transferida de pais para
filhos.

A par das inúmeras outras lições significativas para o conhecimento sobre a vida
e sua evolução contidas nestas surpreendentes descobertas de Darwin, e que a
biologia moderna confirmou em sua íntegra, há um fator que surge e volta com
frequência no processo evolutivo da luta pela sobrevivência e que é de interesse
direto para nosso tema: a concorrência como uma constante na natureza. Ela
parece ser um fator inato e inevitável que acompanha e, frequentemente,
determina os resultados dos processos evolutivos e isto, aparentemente, por um
motivo muito elementar e simples: a presença, em todos os seres vivos, de uma
inescapável ânsia de sobreviver e de se reproduzir.

De onde provém essa força elementar da ânsia de sobreviver? Não o sabemos e


talvez jamais descubramos as suas causas. De alguma forma está associada ao
medo da morte e do reconhecimento, inclusive fisiológico, de que a nossa
perpetuação, mesmo arduamente desejada, não é viável e que a única maneira
de atingi-la é por meios indiretos, através do aumento de nossa aptidão genética.

A Síndrome A/C como guia do comportamento competitivo


Do acima exposto podemos extrapolar uma conclusão bastante significativa:
somos geneticamente obrigados a competir.

Mas, ao anunciarmos esta tese, surge logo uma dúvida: se a competição for,
realmente, uma compulsão biológica, como explicar que os membros de
diferentes espécies, ou mesmo da mesma espécie, conseguem conviver
pacificamente? Por que não estão continuamente envolvidos em conflitos mortais?
Algo, evidentemente, os impede de agir de maneira tão grosseiramente agressiva.

O que é este "algo"? Parece que é um misto entre razão e instinto que induz os
indivíduos a dosar a sua agressividade para evitar situações de excessivo desgaste
energético. Esta cautela relativa é facilmente observável no convívio diário dos
animais e dos seres humanos. Já nos referimos a algumas de suas manifestações.
Uma é o altruísmo recíproco motivado por uma "segunda intenção", de fundo

18
egoísta, que se dispõe a abrir mão de uma vantagem imediata na expectativa de
um benefício maior no futuro. Outra é a precaução com que os seres inteligentes
costumam avaliar situações, optando frequentemente por ações apenas
moderadamente agressivas, sobretudo quando se apercebem de que um ato
impulsivo e precipitado implica em maiores riscos do que uma atitude prudente
perante um adversário. O raciocínio e a inteligência certamente têm algo a ver
com essa cautela e suas múltiplas manifestações e estágios de evolução, que vão
desde o recuo voluntário de um organismo assustado e indefeso, até as formas mais
complexas de planejamento e avaliação de alternativas estratégicas, que só o
homem a capaz de desenvolver e implementar. Mas, aparentemente, nem tudo é
inteligência e razão nestes comportamentos dominados pela ponderação. Há
também um elemento instintivo, de ordem biológica, que o influencia por vezes até de
forma dominante.

Para reconhecer este misto entre razão e instinto, basta observar atentamente uma
luta entre rivais, por exemplo, entre dois animais da mesma espécie ou entre dois
lutadores de boxe. A luta nunca é ininterrupta. De vez em quando surgem
momentos de descanso físico, mas que são normalmente usados para a
observação de uma oportunidade propícia ao ataque em que o adversário se
descuida e expõe. É este um comportamento nitidamente racional. Em outros
momentos os lutadores agem de maneira impulsiva, dominados por estímulos e
reflexos inconscientes, sobretudo nos movimentos rápidos de defesa. Nesta
hora é o instinto que domina.

Simples que seja este exemplo, ele nos ajuda a melhor compreender a natureza
ambivalente dos comportamentos competitivos. Eles são, em nosso entender, sempre
determinados por dois fatores conflitantes. Um espontâneo e impensado,
geralmente voltado a resolver uma divergência de uma só vez, frequentemente
através de um ato de intensa agressão. O outro invoca a cautela e ponderação,
que parecem querer aconselhar o indivíduo a não tomar riscos desmedidos e
desnecessários.

Provavelmente ambos são impulsos de origem biológica, porque visam o


mesmo objetivo primordial: ajudar o indivíduo a fortalecer a sua posição
competitiva e, assim, contribuir à sua sobrevivência. Apenas os meios para
atingir esse mesmo objetivo são distintos, podendo até ser diametralmente
opostos em suas manifestações mais puras e radicais.

Chamaremos esta condição de ambiguidade comportamental de Síndrome A/C,


onde o A representa o grau de agressividade dos concorrentes, e o C a sua maior
ou menor inclinação para a cooptação. Como todos os participantes do jogo
competitivo estão sujeitos às influências deste constante vaivém entre o A e o C, as
relações entre os concorrentes mantêm-se num fluxo contínuo entre
tentativas de aniquilar o adversário e a busca do entendimento mútuo. Mas, por
mais errático e descontrolado que possa parecer esse movimento pulsatório, ele
não é de ordem aleatória ou casual. Ele é dirigido por um princípio de ordem, ao
mesmo tempo biológica e econômica, voltado à minimização de esforços de

19
dispêndio de energia e à maximização de retornos em termos de maior
facilidade de subsistência e reprodução. O que importa, em última instância, é
o grau de sucesso que o indivíduo atinge para sobreviver e contribuir à
reprodução de sua espécie.

Os biólogos chamam essa qualidade reprodutiva, como já vimos, de capacitação


(fitness). Ela faz parte do genótipo de um indivíduo e se propaga, quando atua, à
próxima geração através dos genes. Quanto maior a capacitação de um
organismo, tanto mais se qualifica para o sucesso na seleção natural. Os
economistas operam com um conceito semelhante quando falam da
maximização dos lucros, ou seja, do ponto de cruzamento entre custos e
receitas marginais. O que os dois enfoques, o biológico e o econômico, têm em
comum, é a validade de uma lei natural. Ela nos mostra que todos os processos
evolutivos e produtivos tendem para aquele ponto em que a relação entre os
resultados de um dado esforço e os dispêndios energéticos para obtê-los seja o mais
favorável.

O indivíduo que age econômica ou biologicamente procura sempre atingir esse


ponto máximo, se bem que só raras vezes o consegue. Ele se empenha para
alcançar resultados os mais satisfatórios possíveis, mas, ao se empenhar,
procura não desperdiçar recursos. A natureza nos dita esse tipo de
comportamento ao mostrar-nos que as consequências de atitudes e ações
desleixadas podem ser desastrosas para a sobrevivência e a reprodução.

Os caminhos para alcançar uma relação ótima custo/benefício são múltiplos e


variados. Os processos que envolvem relações competitivas parecem ser
determinados por opções que se colocam entre dois extremos de uma escala: de
um lado, a agressividade disposta até a destruir o adversário, do outro lado, a
inclinação ao pacifismo incondicional. Só raras vezes um indivíduo ou os membros
de uma espécie ou grupo optam por um ou outro destes extremos, porque, na
maioria das situações, não só há latitude suficiente para se agir de maneira que
evite exageros, mas também porque as decisões de ordem competitiva são quase
sempre caracterizadas por comportamentos ponderados.

Até que ponto os indivíduos ou os grupos se inclinam mais para o lado da


agressividade ou mais para a busca de concessões na relação A/C depende de
duas variáveis: da personalidade dos que participam do jogo e da constelação
ambiental. Simbolicamente, podemos representar estas relações através do
seguinte esquema:

20
Tanto o conceito de personalidade quanto o de ambiente devem ser entendidos
em seus sentidos mais latos no presente contexto. A personalidade não só inclui a
formação biogenética e comportamental dos indivíduos, como também os
conhecimentos e as motivações que eles acumularam ao longo dos anos através da
aprendizagem, e ainda a sua maior ou menor disposição de se associarem a um
grupo de pessoas para decidir e atuar numa dada situação competitiva através do
consenso. Personalidade, finalmente, também pode ser entendida no sentido
coletivo como, por exemplo, a maneira como os executivos de uma empresa
agem e reagem a uma dada situação competitiva. O ambiente, por sua vez, envolve
tanto o espaço e os recursos disponíveis (como matérias-primas e a mão de obra),
quanto o tamanho do mercado (ou do território, em se tratando de animais), o
número de concorrentes e o poder de influência de cada um deles.

Quanto mais fortes e ambiciosas forem as personalidades que ocupam as posições


de liderança numa empresa, tanto mais esta se inclinará à adoção de políticas
agressivas por personalidades de índoles diferenciadas e, sobretudo, devido à forte
influência da constelação ambiental. Todos e cada um dos concorrentes gostariam
de assumir uma posição avantajada no mercado e todos procuram ser o
suficientemente agressivos para atingi-la, mas os impedimentos de ordem
econômica, política ou psicológica costumam ser muitos, o que torna os executivos
precavidos e frequentemente indecisos. No fundo, todos querem a mesma coisa:
ocupar um espaço que Ihes permita sobreviver, isto é, abastecer-se dos recursos
necessários para poder produzir (ou reproduzir) e, se possível, crescer e se
multiplicar. Acontece que ao procurar os seus caminhos de sobrevivência e
evolução surgem obstáculos, frequentemente na forma de adversários que
ambicionam os mesmos alvos e meios para alcançá-los.

O movimento pendular da concorrência


Podemos representar de maneira gráfica o que acima constatamos, como na
fig.1. Através dela pretendemos demonstrar que todas as atitudes competitivas
decorrem das expectativas quanto aos efeitos de um determinado ato competitivo,
usando a sobrevivência sempre como referencial básico. Assim, um indivíduo assume
posições mais ou menos agressivas ou fica mais ou menos propenso à

21
negociação, em função da sua análise sobre qual atitude mais favorece as suas
chances de sobrevivência (no sentido lato antes exposto). Ele agride quando
acredita que assim pode tirar vantagens de uma situação, e quando recua o faz
pela mesma razão. Ele muda a sua tática com frequência, não só porque planeja e
aplica novas formas de ação estratégica, mas também porque o ambiente
encontra-se em constante flutuação. É isto que explica o movimento pendular
sugerido pela figura 1.

A figura, em si, pretende ser apenas ilustrativa de uma situação na realidade


muitas vezes mais complexa e variada. Ela destaca o que pode, mas não
necessariamente deve acontecer, quando o pêndulo se dirige para um ou outro dos
dois extremos e quando permanece próximo a uma situação intermediária.
Entenda-se que a ilustração seja aplicável tanto às relações entre os seres vivos
em geral, quanto às relações entre grupos de indivíduos, como entre empresas.

Para melhor esclarecer o que o quadro procura transmitir, tomemos o exemplo de


um setor imaginário de atividades empresariais, que opera num mercado
relativamente estreito e muito concorrido por empresas ansiosas em aumentar a
sua participação, mas onde nenhuma delas conseguiu atingir uma posição de
liderança. No passado recente havia um respeito mútuo entre os rivais e cada uma
das empresas procurava buscar os seus resultados através do aumento da eficácia
e de uma política competitiva própria que evitava a agressão direta.

Em suma: neste caso, o pêndulo "balançava" em torno da posição central


intermediária entre os dois extremos da escala. A partir daí, imaginemos o que
tenderia a acontecer na seguinte hipótese: em decorrência de uma recessão, a
demanda global do setor se contrai e obriga as empresas a reavaliar a sua ação
estratégica. Esta reavaliação se inclinará para uma de duas direções opostas: ou para
uma intensificação da agressividade (que, por exemplo, poderia gerar uma guerra
de preços, ataques publicitários ofensivos, a aceleração de lançamentos de
produtos novos); ou, pelo contrário, para uma maior aproximação entre os rivais
com o intuito de evitar o desgaste mútuo. Em ambos os casos o pêndulo oscilaria
mais do que na situação anterior. O lado para o qual tenderia depende de uma
série de fatores, como a gravidade da recessão, o fôlego financeiro das
empresas, eventuais diferenças no seu avanço tecnológico, as personalidades e o
relacionamento pessoal entre os executivos mais influentes do setor etc. Mas,
por mais influentes que sejam esses fatores numa dada situação, as relações
competitivas entre os membros de duas ou mais espécies ou organizações
humanas serão sempre denominadas por duas regras fundamentais.

A primeira dessas regras estabelece que os indivíduos ou grupos em


competição preferem sempre aquelas opções que lhes parecem ser as mais
propícias para otimizar sua capacitação pela sobrevivência, ajam eles de maneira
predominantemente racional ou intuitiva. A segunda regra afirma que o pêndulo
das relações competitivas, ou seja, a síndrome A/C, tende mais para o lado da
cooptação do que da agressão. É como se o relógio a que pertence o pêndulo
estivesse pendurado de maneira torta na parede, ligeiramente mais baixo no seu

22
lado direito.

Figura 1. O Movimento Pendular das Relações Competitivas entre Empresas do


Mesmo Setor

O viés do pêndulo competitivo


A que atribuir essa tendência em sentido contrário à agressão? Ela parece
contradizer a opinião popular que vê a competição como uma sequência de atos
mais ou menos voluntariosos, cometidos por adversários que se abominam
mutuamente e se perseguem com afinco. A realidade, contudo, contradiz esta
imagem belicosa, o que pode ser demonstrado através de uma série de argumentos
e ilustrações. Vejamos esses argumentos:

O alcance do objetivo - Combater um concorrente quase nunca é um

23
objetivo em si, mas surge como uma circunstância inevitável na perseguição de
um objetivo. Um corredor não entra numa competição para derrotar os seus
concorrentes, mas para ganhar a corrida. Apenas, para ganhá-la, terá de correr
mais rapidamente do que os seus adversários. Os rivais são, portanto, padrões de
seu sucesso, não os alvos primários de suas ambições. A derrota de um
concorrente forte pode facilitar o alcance de um objetivo estratégico, mas não
é, em si, uma condição suficiente para atingi-lo. Daí compreende-se que os
adversários de uma competição dedicam a essência de seus esforços à
consecução de seus objetivos e não ao combate de seus rivais.

Há situações, é claro, em que a ordem das prioridades precisa ser invertida porque
o ambiente é tão inóspito ou tão denso de rivais que esses têm que ser enfrentados
em primeiro lugar. Mas estas situações constituem a exceção, não a regra.
Ademais, quando ocorrem, costumam provocar a retirada de campo de alguns dos
concorrentes, diminuindo assim a pressão. Isto vale tanto para o animal, que
voluntariamente abandona o território muito ocupado, quanto para o ser
humano, que muda de profissão, ou para a empresa, que se dirige a um novo
nicho de mercado para não ter que competir frontalmente. Em todas essas situações
vale a mesma regra: atingir um dado objetivo é mais importante do que ocupar
uma posição competitiva confortável.

Respeito às regras do jogo - Enfrentar um adversário sempre envolve algum risco


que tende a aumentar na medida em que você se mostra mais agressivo. Quem
agride, provoca; quem provoca, convida a revides.

Se você consegue surpreender e intimidar o adversário com um ato incisivo e


inesperado, você terá boas chances de vencê-lo rapidamente. Mas o que acontece
normalmente no mundo dos interesses conflitivos é que avanços repentinos são
esperados pelos concorrentes e, quando ocorrem, são recebidos com golpes de
retaliação. E, na medida em que o conflito se intensifica, torna-se mais
desgastante para todos os envolvidos. Quem age racionalmente, e isto inclui a
grande maioria das empresas, sabe desse desgaste, geralmente infrutífero e,
portanto, o evita. É por esta razão que a maioria das empresas recua frente à
adoção de medidas competitivas muito arriscadas, como a espionagem
industrial ou a acusação pública. Onde e quando, por exemplo, já se ouviu de uma
empresa que tivesse incendiado as instalações de uma concorrente ou tentado
destruir à força o seu patrimônio?

Há regras no jogo competitivo e algumas delas estabelecem limites quanto ao


grau de agressão entre os competidores. Essas regras são quase sempre
respeitadas, muito menos pelo temor de sanções legais ou sociais, ou mesmo por
restrições de ordem ética, do que pela convicção de que os atos de vandalismo
não compensam na esfera empresarial.

Obstáculos a superar - Ao competir você é obrigado a desviar recursos valiosos e


tempo útil de seu objetivo principal. O que você quer, acima de tudo, é
convencer o máximo de consumidores potenciais a comprar o seu produto, mas,

24
ao perseguir esse alvo, você enfrenta dois obstáculos: as dúvidas do
consumidor e a ação dos concorrentes. É impossível determinar com precisão qual
desses dois obstáculos costuma ser o mais oneroso para ser removido, mas
ninguém duvida que os gastos demandados para "afastar" os compradores
dos concorrentes numa sociedade industrial competitiva equivalem ou até
superam as verbas destinadas a convencer o mercado da qualidade em si de
muitos produtos e serviços.

Há quem se pergunte se todos esses esforços e dispêndios se justificam


economicamente. Provavelmente não, mas há outro ângulo: o da conservação de
um mecanismo, o da livre iniciativa, pelo qual as sociedades do chamado
"mundo livre" estão dispostas a arcar com um custo economicamente exorbitante,
mas ideologicamente indispensável. Acontece que ninguém até hoje descobriu uma
fórmula que, ao mesmo tempo, preservasse o capitalismo e conseguisse cortar
seus excessos e desperdícios econômicos e sociais pela raiz.

Efeitos do confronto - Existem inúmeras maneiras de competir, mas todas elas se


valem de caminhos indiretos. Desafiar um concorrente com vigor equivale, quase
sempre, a um convite à briga. As empresas não gostam nem costumam agir assim
porque, além dos riscos que correm ao provocar, sabem que o confronto direto
costuma produzir mais efeitos negativos do que positivos. Em outras palavras, a
“lei dos meandros”, assunto de outro trabalho (Richers, 1987), aplica-se
também às relações entre competidores.

De vez em quando surgem tentativas no meio empresarial em que um


concorrente procura desacreditar outro diretamente. Provavelmente, o exemplo
mais famoso é o das intermináveis "guerras" entre as Colas: a Coca e a Pepsi.
Mas, mesmo neste caso, é justo perguntar-se o que deve ser debitado na conta
difamação e o que constitui antes um meio hábil e aconchavado para manter a
palavra Cola na boca do p o v o .

T e n d ê n c i a a o c o n c h a v o – O f a t o d e a l g u é m e s t a r envolvido numa luta


competitiva não significa que a concorrência estimula a quem a pratica e que é
benéfico para o sistema econômico que a endossa. Ela diminui injustiças e reduz
os riscos de dominância predatória sobre os mais fracos. Certamente há muitos
méritos nestas afirmações quando encaradas do ponto de vista comunitário e
social. Acontece, todavia, que numa sociedade que adota o liberalismo como
filosofia de vida, as empresas costumam endossar essa posição oficialmente, mas
preferem se comportar como se o princípio não valesse.

Competir de verdade é extenuante. Quem já viveu uma competição real sabe


disso e prefere formar acordos táticos ou explícitos com seus rivais, ao invés de
medir as suas forças em batalhas onerosas e desgastantes. Uma coisa, portanto,
é a máscara que você usa publicamente para endossar os preceitos da livre iniciativa,
outra bem distinta, é a maneira como você age efetivamente, sobretudo após
ter sofrido o impacto de uma ação eficaz de seu principal concorrente ou ao ser
por ele discretamente consultado sobre as possibilidades de uma "conversa

25
amigável".

Moderação x radicalismo - Em qualquer agremiação de entes racionais, as


decisões moderadas costumam se impor às proposições radicais. A não ser em
ambientes muito tensos, as maiorias não toleram a imposição de soluções
extremadas ou mesmo pouco usuais. Mesmo assim, é preciso a presença de um
líder muito influente para desviar as maiorias de sua inclinação para o
compromisso.

Uma empresa, por ser uma instituição eminentemente política, tende para
decisões consensuais, que dificilmente convergem para um comportamento muito
agressivo. Há sempre alguém que aponta para os riscos inerentes às decisões
opressivas, como há sempre temores, não necessariamente explícitos, que induzem a
atitudes cautelosas. Mesmo que esses temores e cautelas não se imponham a um
grupo carregado de decisões estratégicas, costumam, no mínimo, aplicar um freio às
proposições mais ousadas. Ademais, no caso específico dos problemas
competitivos, a busca de soluções antes conciliatórias e as que evitam o confronto
direto com os rivais, normalmente, como vimos, são também as que surtem os
melhores resultados. Assim, a agremiação que pratica a cautela e ponderação
nas suas políticas competitivas talvez perca algumas boas oportunidades, mas,
na média das situações, é bem sucedida.

Ao encararmos estas seis regras em seu conjunto, entendemos porque o pêndulo


dos movimentos competitivos se inclina facilmente para o lado conciliatório das
relações entre rivais, por mais que a literatura popular e até técnica sobre o
assunto se negue a aceitar esta realidade. Quem compete costuma entender, seja
instintivamente ou através dos caminhos da experiência e da razão, que as
melhores chances para assegurar a sobrevivência e o sucesso decorrem antes
do aproveitamento racional das oportunidades que o ambiente nos oferece do
que do combate aos adversários que ambicionam as mesmas oportunidades.

Considerações finais
Na medida em que a sociedade industrial se desfaz e o mundo vai ingressando na
era da informática, alguns dos nossos valores e princípios mais sagrados deverão
perder sua substância, credibilidade e eficácia. Entre eles estará o conceito da
concorrência, como hoje o entendemos nas ciências sociais.

A transição, todavia, não se dará por processos adaptativos macios de


reavaliação e complementação aos conhecimentos já adquiridos, como, por
exemplo, através da criação de novos modelos econométricos ou mesmo por
meio de teorias psicossociais. Ela será, acreditamos, bem mais radical e
revolucionária. Entre outros, obrigará os investigadores das ciências sociais a
olhar além dos campos restritos de suas disciplinas, no afã de descobrir respostas
inéditas a perguntas antigas. Muitas destas respostas resultarão de esforços
consecutivos de entrosamentos interdisciplinares entre as ciências exatas e sociais.

Entre os incontáveis benefícios que podemos esperar desta abertura de

26
horizontes se destacará a criação de uma ampla rede de sistemas abertos, mas
integrados e interdependentes entre si e que, aos poucos, nos revelará alguns
dos segredos mais bem guardados da natureza, entre eles as maneiras como surgem
e são equacionados os seus conflitos.

A concorrência certamente exercerá um papel significativo nas explanações dos


mecanismos que movem esses sistemas, por ser biologicamente inerente à
natureza. Ela é uma das principais variáveis que por vezes freiam, por vezes
aceleram os processos de evolução dos organismos. Ao encará-la sob este enfoque
evolutivo, ela perderá o seu estigma de força predominantemente beligerante e
destrutiva e passará a ser entendida e usada como um meio de adaptação
ambiental, que os organismos utilizam para aumentar as suas chances de
sobrevivência.

27
Referências bibliográficas
AXELROD, R. The Evolution of Cooperation. Basic Books, 1984.
ETZIONI, A. The Moral Dimension: Toward a New Economics. The Free Press, 1988.
FREUD, S. Das Unbenhagen in der Kultur. Fischer, Frankfurt am Main, 1956.
HAMILTON, William D. The Genetical Evolution of Social Behaviour I & II. Journal of
Theoretical Biology, 7(1): 1-52, 1964.
HUTCHINSON, G.E. Circular Casual Systems in Ecology. Annals of The New York Academy
of Sciences, 50(4): 221-246, 1948.
KLAMA, John. Agression, The Myth of the Beast Within. John Wiley, 1988.
KURT, F. Das Management von Mutter Natur. Deutscher Taschenbuch Verlag,
München, 1985.
LORENZ, Konrad. Das Sogenannte Böse: Zur Naturgeschichte der Aggression. DTV:
Munich, 1983.
PEACOCK, A.D.; A.T. Baxter. Studies in Pharaoh's At. Entomologist's Monthly Magazine,
86: 171-78, 1950.
RAMSEY, D.K. The Corporate Warriors. Houghton Mifflin, New York, 1987
RICHERS, R. Decisões Empresariais e a Lei dos Meandros. Revista Senhor, 08/12/1987
RIES, A.; J. Trout. Marketing Warfare. McGraw-Hill: New York, 1986.
SCHERER, K.R. et alii. Psychobiologie. Deutscher Taschenbuch Verlag, München, 1987.
TERBORGH, J.W. Ecology, 66: 1237-1246, 1985.
TRIVERS, R.L. The Evolution of Reciprocal Altruism. Quarterly Review of Biology, 46(4):
35-57, 1971.
TRIVERS, R.L. Interview. Omni 8 (10): 77-111, 1986.
WEAVER, P.H. The Suicidal Corporation: How Big Business Fails America. Simon and
Schuster, New York, 1988.
WILSON, E.O. Sociobiology. The Belknap Press, Cambridge and London, 1980. Versão
abreviada.

28

Вам также может понравиться