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Raimar Richers 2
Resumo
Na medida em que o mundo ingressa na era da informática e a sociedade industrial
se desfaz, alguns valores e princípios tendem a perder sua substância, credibilidade e
eficácia. Entre eles está o conceito de concorrência, como hoje é entendido nas ciências
sociais. Torna-se, então, imprescindível encontrar respostas inéditas a perguntas
antigas, o que tem obrigado os investigadores a olhar além dos campos restritos às
suas disciplinas. Este artigo oferece uma contribuição à tentativa de aproximação
interdisciplinar na área específica da concorrência - objeto de estudo de várias das
ciências sociais e exatas - à busca destas respostas. Sugere uma nova perspectiva de
abordagem aos pesquisadores que já fizeram tímidas incursões com este objetivo e,
entretanto, não produziram mais que meros ensaios tautológicos.
Mas, por que toda esta agressividade competitiva? Para eliminar o adversário da
"jogada"? Por temor ou desespero? Por crime ou ânsia de poder? Ou, simplesmente,
para ocupar mais espaço ou ser melhor sucedido? Indubitavelmente, cada um desses
motivos caracteriza uma dada situação competitiva, mas nada nos diz sobre o que elas
têm em comum. Algo devem ter, porque senão não poderíamos chamá-las a todas de
competitivas. O que será este denominador comum e o que ele nos revela sobre as
origens e a natureza da concorrência? Esta é a questão fundamental deste artigo.
1
Artigo publicado originalmente na revista Planejamento e Gestão, v. I, n. 3, junho 1990.
2
Professor fundador da EAESP/FGV, consultor e autor de inúmeras obras sobre Marketing e
Estratégia.
1
O pleito por uma nova interpretação da concorrência
Ao longo do tempo foram, sobretudo, os economistas e mais tarde também os
sociólogos, politólogos e psicólogos que, entre os cientistas sociais, mais se
preocuparam em responder à pergunta sobre a natureza da concorrência. As
suas respostas deram origem à formulação de incontáveis modelos teóricos e
diretrizes comportamentais em que a sociedade industrial moderna baseou os
mecanismos econômicos e legais que a orientam e regulam. Serviram também
como cavalo de batalha das duas principais ideologias dos últimos dois séculos: o
liberalismo e o socialismo que, através de suas infindáveis rixas e discordâncias
públicas, acabaram por se infiltrar nos sistemas de valores populares da maioria
das nações.
Hoje, até o mais humilde dos cidadãos tem ao menos uma noção sobre o que se
entende por slogans como "a concorrência deve ser livre" ou "cabe ao Estado
controlar os mecanismos da competição entre empresas". Mas, na medida em que
essas posições preconcebidas se desgastam, porque deixam de ser
significativas num mundo mais preocupado em salvar o meio ambiente do que
em medir as suas forças através de confrontos ideológicos, os conceitos
tradicionais da concorrência se esvaziam. Em seu lugar, surge a preocupação
com a busca de uma interpretação mais condizente com os sinais dos tempos e
menos voltada a aspectos circunstanciais, como o mecanismo de preços dos
economistas ou a explicação de desvios comportamentais nos conflitos humanos
que ocupam os sociólogos e psicólogos. Mesmo que não se abandone por
completo estas indagações - já que se revelaram úteis para lançar luz sobre
diversos tipos de relações comuns no convívio humano, bem como sobre
muitos problemas preocupantes da sociedade industrial - elas terão que abrir
espaço para novos enfoques.
Para começar, o próprio conceito da concorrência terá que ser revisto e ampliado
para poder cobrir uma gama mais ampla e complexa de problemas e situações que
as abordagens predominantemente uni-disciplinares da atualidade não são capazes
de dominar. Encarar a concorrência (e outras relações individuais e sociais) sob
enfoques exclusivamente econômicos, sociais, psicólogos, políticos ou culturais
não mais satisfará. As visões e interpretações terão que ser interdisciplinares,
pelo simples motivo de que o principal objetivo de sua investigação, as relações
com o meio ambiente, requer uma abordagem multifacetada.
Assim, por exemplo, as empresas terão que avaliar os seus planos estratégicos
não apenas em termos dos impactos que poderão causar no mercado ou de seus
retornos econômico-financeiros, mas também quanto aos efeitos de suas ações
sobre o meio ambiente, a saúde pública, a conservação de recursos naturais, a
reciclagem de materiais, o reaproveitamento de fontes energéticas e, certamente,
também quanto aos seus reflexos sobre a opinião pública.
Quando isto acontecer, o ambiente terá passado a ser um dos principais focos de
atenção do planeta Terra. Ele não só movimentará os partidos políticos e as
organizações de classe, os ecólogos, sociólogos, economistas, politólogos, juristas
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e os cientistas naturais, como ocupará uma parcela considerável do tempo dos
executivos, sem falar da exposição popular que receberá através dos meios de
comunicação.
Mas, vedete pública que se torne o ambiente, para o cientista do futuro ele será
apenas a parte visível do verdadeiro alvo de suas investigações. A parte menos
visível, mais abstrata, mas mais fundamental, será a natureza, a "mãe" e origem
da vida que precisa ser conservada e de quem o ambiente é apenas a expressão
externa e tangível.
A ânsia de sobreviver
A nossa principal tese pode ser enunciada em poucas palavras: todo
comportamento competitivo provém de uma só origem - da ânsia de sobreviver.
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sua prole. Ela não necessariamente implica um risco imediato de vida, mas leva
em conta a inevitabilidade da morte e o desejo inato a todos os seres vivos de
querer estender esse momento para o futuro mais remoto possível. Ou seja: a
ânsia de sobreviver é uma sensação biologicamente inerente a todos os seres
vivos, um sentimento de urgência que os deixa inseguros face aos riscos de vida,
mas não obrigatoriamente os coloca defronte a uma ameaça iminente e
desesperadora, nem necessariamente os enche de pavor.
Entre as características que mais destacam o ser humano de outras espécies está a
capacidade de criar organizações que combinam grande variedade de recursos e
instrumentos e que, desta forma, permitem a consecução de objetivos que os
indivíduos, isoladamente, não seriam capazes de atingir. Disto, um excelente
exemplo é a empresa, que provavelmente deve uma boa parte de seu
fenomenal crescimento numérico recente, bem como de seu tamanho e do
seu alto grau de sofisticação funcional e operacional, ao simples fato de
constituir um processo comum do homem moderno para atingir e manter o estado
de sobrevivência.
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(junto com a família) o seu principal foco de convívio social, e ainda lhe oferece
condições para angariar posições de destaque na comunidade em que vive. Não é
de estranhar, portanto, que o homem moderno se dedique à empresa com o
mesmo interesse, fervor até, com que a humanidade, antes da Revolução
Industrial, cultivava a terra ou como os membros de uma religião se identificam
com a sua igreja.
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Concorrentes podem interferir, e frequentemente interferem, nos esforços de
exploração desses potenciais, o que conduz invariavelmente ao confronto, por vezes
ao conflito. Mas é preciso distinguir entre o objetivo em si, que é o cliente, e o
conflito entre os concorrentes que resulta do cruzamento de caminhos, quando
dois ou mais rivais se dirigem ao mesmo objetivo. A diferença pode parecer
sutil e pouco significativa. A sua relevância surge, no entanto, quando
encaramos o problema sob o ângulo coletivo, sobretudo sob o enfoque da
motivação primordial, que envolve uma espécie inteira ou o conjunto das
empresas de um dado setor de atividades. Se todos os membros destas
coletividades tivessem como objetivo primordial a aniquilação de seus
concorrentes, pouco ou nada sobraria de sua espécie, não importa se vegetal,
animal ou humana.
Argumentamos que esta regra não vale apenas para as relações entre organismos
vivos na natureza em geral, como também para o confronto e convívio entre
seres humanos que se organizam, como nas empresas. Pretendemos demonstrar
porque isto é assim, analisando, passo a passo, cada um dos aspectos que
parecem pesar mais nas relações competitivas.
Se, no entanto, você se dispuser a olhar para trás à busca das origens
históricas do conceito concorrência, você encontrará um significado virtualmente
oposto a esta visão atual. Por concurrere os velhos romanos entendiam a união
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entre forças para assegurar o bom êxito de uma cooperação. Assim, o jovem e
ambicioso Júlio Cesar procurava a "concorrência" (isto é, adesão) de dois
influentes comandantes militares, Pompeus Magnus e Licinius Crassus, para
formar o poderoso triunvirato que passou a ser a primeira célula política de sua
carreira como conquistador e imperador plenipotenciário.
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maneira eficaz.
Em outras palavras, não há como fugir do fato da concorrência ser algo inato aos
próprios organismos, cuja origem não adianta querer combater, mas cujos
efeitos tornam-se mais facilmente controláveis a partir do conhecimento de suas
origens. Entre outros, isto implica na necessidade de encararmos a
concorrência da maneira mais neutra possível, isto é, isenta de contextos
valorativos a priori.
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a concorrência não é obrigatoriamente "pura" ou impura, nem "imperfeita”, nem
"feroz" ou conciliatória, ela simplesmente é.
Foi Freud quem quis nos convencer que o "homem não é um ente meigo e
amoroso, capaz apenas de se defender quando atacado, mas igualmente alguém que
conta com uma forte dose de agressividade como parte integrante de seus
talentos intuitivos". Daí, para Freud, o homem teria se tornado um lobo voraz:
“homo homini lupus: 3 quem ousaria contestar esta frase após tantas
experiências da vida e da história?” Não há dúvida, o homem pode ser cruel e
sanguinário, mas isto não é prova de que ele normalmente seja “(...) um
animal selvagem, que desconhece a proteção de sua própria espécie" (Freud, 1956,
p.149). Aqui, o pai da psicanálise tornou-se vítima de um grave exagero, mas de
fácil contestação, se bem que nem por isso amplamente aceito pela opinião
pública e mesmo por profissionais respeitados. Confundem dois aspectos
semelhantes, mas totalmente distintos quanto às suas origens e repercussões. Pois
uma coisa é condenar o homem quando se comporta como uma fera, outra, bem
distinta e incorreta, é acusá-lo de ser uma fera.
3
Em português, o homem é o lobo do homem. Nota da revisora.
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negociada de um território ou mercado. Claro, nada disto impede que cada
concorrente se esforce para levar vantagens sobre todos os outros.
Não há dúvida que a maioria de nós visa, em primeiro lugar, os seus próprios
interesses, ou seja, as melhores condições para assegurar a sua sobrevivência. Isto
nos torna egoístas e agressivos. Mas é preciso tomar cuidado com a maneira como
interpretamos estes dois termos: egoísmo e agressividade. Ambos passaram
ultimamente por uma espécie de processo de depuração conceitual destinado a
livrá-los de seus estigmas de puros malfeitores do comportamento humano. Mais
uma vez, foram representantes das ciências exatas que demonstraram que o ser
humano não é, normalmente, nem fera nem ovelha, nem diabo nem anjinho, mas
que procura conciliar estes extremos de suas inclinações comportamentais na
perseguição de seus interesses. Vejamos sumariamente o que estas
interpretações mais abrangentes e conciliatórias têm a nos dizer.
A nenhum deles em si, pois todos eles ocupam um espaço legítimo no conceito
da agressividade. O que caracteriza a agressão não é a sua intensidade, nem
mesmo o seu intuito primordial, mas a simples capacidade e disposição
comportamental de enfrentar os desafios e as diversidades do seu ambiente.
Mas, apesar de ser inata como capacidade e disposição, a agressão precisa ser
aprendida para poder se tornar útil ao indivíduo. A aprendizagem, por sua vez,
requer o contato e o convívio social, para que o indivíduo possa entender os
mecanismos da agressão, bem como para experimentar as suas vantagens e
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limitações. Assim, os animais que são criados sem companheiros costumam
demonstrar comportamentos agressivos anormais, em boa parte porque não
conseguem reação eficaz às demonstrações de ameaça.
Isto posto, praticamente impõe-se uma conclusão: nós somos todos mais ou
menos agressivos, mas isto não quer dizer que a vontade de destruir determine os
nossos atos de agressão. É antes o contrário: o que prevalece é a ponderação que
avalia situações, frequentemente com o intuito de alcançar alguma vantagem
pessoal, mas normalmente pouco propensa a provocar ou aceitar conflitos
diretos e desgastantes. Se isto se aplica às relações sociais humanas em geral, deve
valer também para as relações competitivas.
Foi W. D. Hamilton (1964) quem nos abriu uma nova maneira de ver as relações
entre o egoísmo, o altruísmo e o rancor ao demonstrar que a disposição de um
organismo de ser mais ou menos egoísta, altruísta ou rancoroso depende da sua
"capacitação total" (inclusive fitness), ou seja, de sua contribuição ao conjunto
genético, composto de seus genes e dos de seus parentes.
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aparentemente desinteressado. A ênfase aqui deve ser colocada na palavra
"aparentemente", pois, ao agirem de maneira altruísta em função dos interesses
da comunidade, os insetos inférteis contribuem ao objetivo egoísta e primordial de
promover a sobrevivência de seus genes.
Lições da natureza
São três as lições que podemos tirar dos ensinamentos da biologia.
Interdependentes que sejam, convém tratá-las separadamente, pois suas implicações
são distintas. A primeira é a observação de que o egoísmo e o altruísmo
costumam se entrelaçar no comportamento humano (portanto, também no
empresarial). Nós não somos totalmente "ferozes" nem totalmente "bonzinhos",
nem inteiramente egoístas (no sentido de querer tirar proveito de uma situação
em prejuízo de terceiros), nem integralmente altruístas (ou dispostos a ceder
vantagens a terceiros em detrimento próprio). O que costumamos fazer é
ponderar as situações e, em função desta avaliação, agir de maneira que pode
tender tanto para o lado egoísta quanto o altruísta, ou mesmo combinar as
duas atitudes.
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se trata de um desconhecido ou adversário; em outra parte, pelos benefícios que
esperamos poder tirar da situação: a disposição de sermos mais ou menos altruístas,
num dado momento, depende da expectativa de sermos compensados no futuro
pelas nossas ações. Em outras palavras: mesmo o altruísmo costuma conter um
elemento de "egoísmo" em seu bojo. É um altruísmo calculista: ele
temporariamente abre mão de uma vantagem na expectativa de ser
compensado, no futuro, por esse sacrifício. Assim, emprestamos dinheiro a
alguém sabendo que, mais tarde, vamos recebê-lo de volta com juros. Pode haver
uma vantagem nisso para “o outro”, mas nada faríamos sem uma compensação
nossa, ou seja: o egoísmo prevalece mesmo quando abrimos mão de vantagens
imediatas. Podemos, portanto, aventar a hipótese de que o altruísmo recíproco de
Trivers seja, na realidade, uma forma civilizada de se praticar o egoísmo através
da sua contemporização.
Intimamente ligada a esta tese sobre o egoísmo adiado está a nossa terceira
lição, que é a constatação pragmática, conhecida por qualquer indivíduo que age
racionalmente, de que as ações puramente egoístas quase nunca dão bons
resultados. A melhor demonstração desse princípio que vimos até hoje foi
dada por Robert Axelrod em sua fascinante obra The Evolution of Cooperation (1984).
Em poucas palavras, o que Axelrod fez foi aplicar a teoria dos jogos a uma
situação hipotética, onde dois prisioneiros, ambos condenados por vários
crimes, são confrontados numa série de "jogadas" em que se testa a sua
disposição de cooperar mutuamente. Ambos têm chances de receberem uma
sentença mais branda ou até de serem absolvidos, contanto que cooperem (isto é,
não informem sobre o oponente), mas eles não sabem disto. O que o jogo revela,
em última instância, é a validade da estratégia milenar "olho por olho, dente
por dente" que o autor rebatizou como "tit for tat" e que se revela
particularmente eficaz quando o jogador se comporta da seguinte maneira: ele
coopera na primeira jogada, depois segue fazendo o que o adversário fez:
coopera quando ele cooperou e o deserta quando o outro o desertou, mas isto
somente até que se vislumbre o fim do jogo; a partir daí, deserta, não importa o
que o outro faça.
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enfim, que o objetivo básico é ficar por cima na maioria das situações e que uma
boa "mistura" entre atitudes egoístas e altruístas é a melhor maneira de atingir
seus objetivos.
Convém manter esta regra empírica em mente, pois vamos precisar dela para
melhor compreender a natureza da ânsia de sobrevivência quando aplicada a
situações de competitividade entre concorrentes. Antes, porém, lancemos um
olhar sobre a maneira como os economistas costumam encarar a concorrência.
No caso, o edifício é uma imponente lei natural a que o analista pode recorrer a
qualquer instante: a lei da oferta e da procura. Das alturas de sua torre de
marfim, o economista vê a concorrência como um extenso e emaranhado
mecanismo, composto de uma infinidade de preços que se conjugam e adaptam
mutuamente, comandados pelos processos da razão e do egoísmo humano. Esses
mecanismos têm as vantagens de serem totalmente transparentes para quem
queira se informar a seu respeito. Eles sempre voltam ao estado de equilíbrio por
uma simples, mas irresistível razão: quem vende pede sempre o maior preço e
quem compra insiste, ao contrário, no menor; mas tanto o vendedor quanto o
comprador sabem que o "negócio" só se concretiza quando ambos cedem até
encontrarem um denominador comum. Isto faz com que os preços se
mantenham dentro de limites suportáveis para ambos os lados.
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Equilíbrio - Há sempre menos vendedores de um dado produto do que
compradores, de modo que estes tendem a exercer uma influência menor do que os
vendedores. Mas os compradores conseguem manter o equilíbrio no mercado
porque agem coletivamente: no momento em que o produtor aumenta os seus
preços acima dos padrões estabelecidos pelo sistema em vigor, muitos de seus
compradores o abandonam e passam a comprar de seus concorrentes. Daí os
preços caem e o equilíbrio é restabelecido.
Esses pontos são por demais conhecidos, mas não custa relembrá-los para
mostrar que, apesar de distintos entre si, giram em torno de uma só ideia central:
no sistema econômico, as coisas funcionam de maneira racional e sempre
tendendo ao equilíbrio entre forças competitivas, graças à atuação de uma
condição natural intransponível: a lei da oferta e da procura.
Ninguém em sã consciência contesta esta lei, o que não impede que se proteste
contra a maneira simplificada e até simplória de interpretá-la, adotada por muitos
economistas. Na realidade, os protestos surgiram com veemência logo após a
publicação da maior obra clássica do liberalismo econômico, que soube
apresentar o sistema acima resumido de uma maneira monumental: A Riqueza das
Nações, de Adam Smith. Para se ter uma ideia da intensidade das reações a essas
ideias liberais basta ler qualquer um dos livros de Charles Dickens, conterrâneo
de Smith, preocupado com a concentração de poderes e de renda da sociedade
britânica do século XVIII. Mais tarde, como sabemos, as reações se transformaram
em protestos acirrados, como comprova a obra de Karl Marx e sua influência sobre
os eventos políticos e econômicos do século passado.
Tudo isto, no entanto, não impediu que nos campi cercados das academias
continuassem os debates calorosos entre economistas ortodoxos e seus críticos
heterodoxos. São, sobretudo, dois tipos de objeções que mantêm aceso o fogo
desses debates: de um lado, o excesso de concentração de poderes em um
número limitado de empresas e do Estado, o que interferiria com os princípios e o
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funcionamento da livre iniciativa; e do outro lado, a contestação, pura e simples, de
que o mecanismo de preços seja capaz de regular as forças do mercado. A primeira
destas duas posições conduziu compreensivelmente a um pleito pela volta à
"liberdade", o que já surtiu efeitos bastante significativos nos mais diversos países,
como nos EUA através do "deregulation" e da Perestróica na União Soviética.
O que mais incomoda o Sr. Weaver e, com ele, uma verdadeira armada de
pensadores liberais, é a concentração de poderes de minorias influentes, que
interferem contínua e perniciosamente nos mecanismos de preço da sociedade
industrial. Mas, devemos nos perguntar, frente à mudança dos tempos e das
prioridades humanas, seriam estas distorções tão significativas assim? Não seriam
elas antes sintomas do fim de um estágio na evolução das civilizações, do que
os efeitos nocivos, mas reversíveis, de um sistema sob ameaça? Quem sabe se, a
partir do próximo século (ou antes, até) os apelos à "justiça" de um perfeito
mecanismo de preços venham a ser abandonados, porque a concentração do
poder corporativo e estatal tornou-se uma realidade irreversível, reconhecida
como tal, e porque as atenções da humanidade estarão mais voltadas aos
problemas da conservação da natureza do que à caça de ideais econômicos
inatingíveis?!
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econômicos. O ser humano, para Etzioni, é motivado por estímulos bem mais
amplos e altruístas do que nos querem fazer crer os economistas. Para ele,
esses estímulos são de ordem "normativo-afetiva", por compreenderem as
emoções e valores pessoais e, sobretudo, coletivos. Se as empresas atribuíssem
maior atenção a esses fatores afetivos, cometeriam menos erros e seriam melhor
sucedidas.
Etzioni é moderado nas suas colocações e seus pleitos. Ele não nega a existência
dos impulsos econômicos de índole egocêntrica nas decisões humanas, apenas
defende a posição que devem ser associados aos fatores de motivação, de caráter
cooperativo e social. Com um toque de humor, afirma que os paradigmas
econômicos neoclássicos "descrevem a metade do elefante e eu estou
descrevendo a outra metade. Juntas (o elefante) funcionam melhor" (Etzioni,
1988, p.17)
Será? Será que o elefante tem apenas duas partes? Acreditamos que não. Deve
ter pelo menos três: uma econômica, uma psicossocial e uma terceira, inata, que, para
simplificar, denominamos biológica.
Desde que Darwin publicou a sua monumental obra A Origem das Espécies
(1859), a concorrência passou a ocupar uma posição de muito destaque na
investigação de várias ciências experimentais. Entre elas figura não só a biologia,
como também a etologia, a fisiologia, a morfologia, a ecologia e até a física e a
medicina. Por que isto? Em poucas palavras, Darwin demonstrou que:
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sobrevivência, dada a escassez de recursos naturais (tanto de alimentos
quanto de ambientes propícios à reprodução).
Quando as populações crescem numa proporção maior do que a
disponibilidade de recursos, conflitos competitivos tornam-se inevitáveis,
tanto entre as diferentes espécies, quanto entre os membros de cada uma
das espécies.
Devido à competição, alguns indivíduos se reproduzem mais do que outros.
Os indivíduos que se adaptam melhor ao ambiente têm maior chance de
sobrevivência.
A maior (ou menor) capacidade de adaptação ambiental surge por acaso nos
indivíduos, mas é hereditária podendo, portanto, ser transferida de pais para
filhos.
A par das inúmeras outras lições significativas para o conhecimento sobre a vida
e sua evolução contidas nestas surpreendentes descobertas de Darwin, e que a
biologia moderna confirmou em sua íntegra, há um fator que surge e volta com
frequência no processo evolutivo da luta pela sobrevivência e que é de interesse
direto para nosso tema: a concorrência como uma constante na natureza. Ela
parece ser um fator inato e inevitável que acompanha e, frequentemente,
determina os resultados dos processos evolutivos e isto, aparentemente, por um
motivo muito elementar e simples: a presença, em todos os seres vivos, de uma
inescapável ânsia de sobreviver e de se reproduzir.
Mas, ao anunciarmos esta tese, surge logo uma dúvida: se a competição for,
realmente, uma compulsão biológica, como explicar que os membros de
diferentes espécies, ou mesmo da mesma espécie, conseguem conviver
pacificamente? Por que não estão continuamente envolvidos em conflitos mortais?
Algo, evidentemente, os impede de agir de maneira tão grosseiramente agressiva.
O que é este "algo"? Parece que é um misto entre razão e instinto que induz os
indivíduos a dosar a sua agressividade para evitar situações de excessivo desgaste
energético. Esta cautela relativa é facilmente observável no convívio diário dos
animais e dos seres humanos. Já nos referimos a algumas de suas manifestações.
Uma é o altruísmo recíproco motivado por uma "segunda intenção", de fundo
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egoísta, que se dispõe a abrir mão de uma vantagem imediata na expectativa de
um benefício maior no futuro. Outra é a precaução com que os seres inteligentes
costumam avaliar situações, optando frequentemente por ações apenas
moderadamente agressivas, sobretudo quando se apercebem de que um ato
impulsivo e precipitado implica em maiores riscos do que uma atitude prudente
perante um adversário. O raciocínio e a inteligência certamente têm algo a ver
com essa cautela e suas múltiplas manifestações e estágios de evolução, que vão
desde o recuo voluntário de um organismo assustado e indefeso, até as formas mais
complexas de planejamento e avaliação de alternativas estratégicas, que só o
homem a capaz de desenvolver e implementar. Mas, aparentemente, nem tudo é
inteligência e razão nestes comportamentos dominados pela ponderação. Há
também um elemento instintivo, de ordem biológica, que o influencia por vezes até de
forma dominante.
Para reconhecer este misto entre razão e instinto, basta observar atentamente uma
luta entre rivais, por exemplo, entre dois animais da mesma espécie ou entre dois
lutadores de boxe. A luta nunca é ininterrupta. De vez em quando surgem
momentos de descanso físico, mas que são normalmente usados para a
observação de uma oportunidade propícia ao ataque em que o adversário se
descuida e expõe. É este um comportamento nitidamente racional. Em outros
momentos os lutadores agem de maneira impulsiva, dominados por estímulos e
reflexos inconscientes, sobretudo nos movimentos rápidos de defesa. Nesta
hora é o instinto que domina.
Simples que seja este exemplo, ele nos ajuda a melhor compreender a natureza
ambivalente dos comportamentos competitivos. Eles são, em nosso entender, sempre
determinados por dois fatores conflitantes. Um espontâneo e impensado,
geralmente voltado a resolver uma divergência de uma só vez, frequentemente
através de um ato de intensa agressão. O outro invoca a cautela e ponderação,
que parecem querer aconselhar o indivíduo a não tomar riscos desmedidos e
desnecessários.
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dispêndio de energia e à maximização de retornos em termos de maior
facilidade de subsistência e reprodução. O que importa, em última instância, é
o grau de sucesso que o indivíduo atinge para sobreviver e contribuir à
reprodução de sua espécie.
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Tanto o conceito de personalidade quanto o de ambiente devem ser entendidos
em seus sentidos mais latos no presente contexto. A personalidade não só inclui a
formação biogenética e comportamental dos indivíduos, como também os
conhecimentos e as motivações que eles acumularam ao longo dos anos através da
aprendizagem, e ainda a sua maior ou menor disposição de se associarem a um
grupo de pessoas para decidir e atuar numa dada situação competitiva através do
consenso. Personalidade, finalmente, também pode ser entendida no sentido
coletivo como, por exemplo, a maneira como os executivos de uma empresa
agem e reagem a uma dada situação competitiva. O ambiente, por sua vez, envolve
tanto o espaço e os recursos disponíveis (como matérias-primas e a mão de obra),
quanto o tamanho do mercado (ou do território, em se tratando de animais), o
número de concorrentes e o poder de influência de cada um deles.
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negociação, em função da sua análise sobre qual atitude mais favorece as suas
chances de sobrevivência (no sentido lato antes exposto). Ele agride quando
acredita que assim pode tirar vantagens de uma situação, e quando recua o faz
pela mesma razão. Ele muda a sua tática com frequência, não só porque planeja e
aplica novas formas de ação estratégica, mas também porque o ambiente
encontra-se em constante flutuação. É isto que explica o movimento pendular
sugerido pela figura 1.
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lado direito.
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objetivo em si, mas surge como uma circunstância inevitável na perseguição de
um objetivo. Um corredor não entra numa competição para derrotar os seus
concorrentes, mas para ganhar a corrida. Apenas, para ganhá-la, terá de correr
mais rapidamente do que os seus adversários. Os rivais são, portanto, padrões de
seu sucesso, não os alvos primários de suas ambições. A derrota de um
concorrente forte pode facilitar o alcance de um objetivo estratégico, mas não
é, em si, uma condição suficiente para atingi-lo. Daí compreende-se que os
adversários de uma competição dedicam a essência de seus esforços à
consecução de seus objetivos e não ao combate de seus rivais.
Há situações, é claro, em que a ordem das prioridades precisa ser invertida porque
o ambiente é tão inóspito ou tão denso de rivais que esses têm que ser enfrentados
em primeiro lugar. Mas estas situações constituem a exceção, não a regra.
Ademais, quando ocorrem, costumam provocar a retirada de campo de alguns dos
concorrentes, diminuindo assim a pressão. Isto vale tanto para o animal, que
voluntariamente abandona o território muito ocupado, quanto para o ser
humano, que muda de profissão, ou para a empresa, que se dirige a um novo
nicho de mercado para não ter que competir frontalmente. Em todas essas situações
vale a mesma regra: atingir um dado objetivo é mais importante do que ocupar
uma posição competitiva confortável.
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ao perseguir esse alvo, você enfrenta dois obstáculos: as dúvidas do
consumidor e a ação dos concorrentes. É impossível determinar com precisão qual
desses dois obstáculos costuma ser o mais oneroso para ser removido, mas
ninguém duvida que os gastos demandados para "afastar" os compradores
dos concorrentes numa sociedade industrial competitiva equivalem ou até
superam as verbas destinadas a convencer o mercado da qualidade em si de
muitos produtos e serviços.
25
amigável".
Uma empresa, por ser uma instituição eminentemente política, tende para
decisões consensuais, que dificilmente convergem para um comportamento muito
agressivo. Há sempre alguém que aponta para os riscos inerentes às decisões
opressivas, como há sempre temores, não necessariamente explícitos, que induzem a
atitudes cautelosas. Mesmo que esses temores e cautelas não se imponham a um
grupo carregado de decisões estratégicas, costumam, no mínimo, aplicar um freio às
proposições mais ousadas. Ademais, no caso específico dos problemas
competitivos, a busca de soluções antes conciliatórias e as que evitam o confronto
direto com os rivais, normalmente, como vimos, são também as que surtem os
melhores resultados. Assim, a agremiação que pratica a cautela e ponderação
nas suas políticas competitivas talvez perca algumas boas oportunidades, mas,
na média das situações, é bem sucedida.
Considerações finais
Na medida em que a sociedade industrial se desfaz e o mundo vai ingressando na
era da informática, alguns dos nossos valores e princípios mais sagrados deverão
perder sua substância, credibilidade e eficácia. Entre eles estará o conceito da
concorrência, como hoje o entendemos nas ciências sociais.
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horizontes se destacará a criação de uma ampla rede de sistemas abertos, mas
integrados e interdependentes entre si e que, aos poucos, nos revelará alguns
dos segredos mais bem guardados da natureza, entre eles as maneiras como surgem
e são equacionados os seus conflitos.
27
Referências bibliográficas
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ETZIONI, A. The Moral Dimension: Toward a New Economics. The Free Press, 1988.
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