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ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW ARTICLE / DISCUSIÓN CRÍTICA

Espiritualidade na enfermagem brasileira: retrospectiva histórica


Spirituality in brazilian nursing: a historical retrospect
Espiritualidad en la enfermería brasileña: una retrospectiva histórica

Ana Cristina de Sá*


Luciane Lúcio Pereira**

RESUMO: A espiritualidade é um tema que permeia a literatura de enfermagem desde Florence Nightingale. No Brasil, a primeira publi-
cação científica data de 1947 e persiste até hoje representada pela Revista Brasileira de Enfermagem. Este periódico reflete as tendências
do pensar em enfermagem no país, pois publica os trabalhos melhor avaliados no Congresso Brasileiro de Enfermagem, evento anual
da Associação Brasileira de Enfermagem que ocorre desde a mesma época. Procurou-se, dessa forma, fazer uma revisão histórica do
pensamento da enfermagem brasileira no que se refere à espiritualidade a partir da busca ativa de artigos publicados na referida revista
desde a década de 50 até o ano de 1999. Foram encontrados 57 artigos sobre o tema, os quais foram classificados em 9 categorias, a
saber: espiritualidade como parte do caráter e da moral do indivíduo que escolhe fazer enfermagem; espiritualidade como filosofia de
trabalho do enfermeiro; espiritualidade como parte do currículo e formação do enfermeiro; espiritualidade na assistência ao paciente,
como necessidade humana básica; significado da espiritualidade para quem é cuidado (paciente/cliente); significado da espiritualidade
para aquele que cuida; espiritualidade e humanização; espiritualidade e morte e morrer; e espiritualidade sob a luz da Ética e da Bioé-
tica. Concluiu-se que o pensamento dos enfermeiros no decorrer das décadas sofreu variações em número e categorias, que refletem a
evolução da ciência e os questionamentos que esta gera.
PALAVRAS-CHAVE: Espiritualidade. Enfermagem. Enfermagem-literatura.
ABSTRACT: Spirituality is a subject present in nursing literature since Florence Nightingale. In Brazil, the first scientific publication
appeared in 1947 and is now represented by the Revista Brasileira de Enfermagem [Brazilian Journal of Nursing]. This periodic reflects
the trends of thinking about nursing in the country, for it publishes the better evaluated works presented in the Congresso Brasileiro de
Enfermagem [Brazilian Congress of Nursing], a yearly event of Associação Brasileira de Enfermagem [Brazilian Association of Nursing]
that happens since then. We did a historical survey of Brazilian nursing thought about spirituality from an active search of articles
published by the said Journal from the decade of 1950 to the year 1999. 57 articles about the subject were found, and classified in 9
categories, namely: spirituality as part of the character and morality of the individual that chooses to study nursing; spirituality as a
philosophy of work of nurses; spirituality as part of the curriculum and education of nurses; spirituality in patient assistance as a basic
human necessity; the meaning of spirituality for those who are taken care of (patient/client); the meaning of spirituality for those
who take care of; spirituality and humanization; spirituality, death and dying; and spirituality according to Ethics and Bioethics. One
concluded that the thought of nurses in through these decades passed to variations in number and categories that reflect the evolution
of science and the questions this generates.
KEYWORDS: Spirituality. Nursing. Nursing–literature.
ABSTRACT: La espiritualidad es un tema presente en la literatura de enfermería desde Florence Nightingale. En Brasil, la primera publi-
cación científica apareció en 1947 y ahora es representada por la Revista Brasileira de Enfermagem [Revista Brasileña de Enfermería]. Ese
periódico refleja las tendencias del pensamiento de enfermería en el país, porque publica los trabajos mejor evaluados presentados en
el Congresso Brasileiro de Enfermagem [Congreso Brasileño de Enfermería], un evento anual de la Associação Brasileira de Enfermagem
[Asociación Brasileña de Enfermería] que sucede desde entonces. Hicimos un examen histórico del pensamiento brasileño de enfermería
sobre la espiritualidad mediante una búsqueda activa de artículos publicados por la Revista a partir de la década de 1950 hacia el año
1999. 57 artículos acerca del tema fueron encontrados, y clasificados en 9 categorías, a saber: espiritualidad como parte del carácter
y de la moralidad del individuo que elige estudiar enfermería; espiritualidad como filosofía del trabajo de enfermeros; espiritualidad
como parte del plan de estudios y de la educación de enfermeros; espiritualidad en la ayuda al paciente como necesidad humana básica;
el significado de la espiritualidad para los de quienes son cuidados (pacientes/clientes); el significado de la espiritualidad para quienes
cuidan; espiritualidad y humanización; espiritualidad, la muerte y el morir; y espiritualidad según la ética y la bioética. Se concluyó
que el pensamiento de la enfermería en estas décadas ha pasado por variaciones en número y categorías que reflejan la evolución de la
ciencia y de las cuestiones que esto genera.
PALABRAS LLAVE: Espiritualidad. Enfermería. Enfermería–literatura.

* Enfermeira, pedagoga e psicóloga. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.
Docente do Mestrado em Bioética e Membro do Núcleo de Bioética do Centro Universitário São Camilo. E-mail: anacrispsicoenf@uol.com.br
** Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Docente do Mestrado em Bioética e
Membro do Núcleo de Bioética do Centro Universitário São Camilo. Membro da Sociedade Brasileira de Educação Continuada em Enfermagem.
Pró-reitora acadêmica do Centro Universitário São Camilo. E-mail: luciane@scamilo.edu.br

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ESPIRITUALIDADE NA ENFERMAGEM BRASILEIRA: RETROSPECTIVA HISTÓRICA

Introdução Florence nos deixou, dentre vá- publicações de enfermagem no Bra-


rios, esse legado para aqueles que sil, no que se refere ao tema Espiri-
O nascimento da Enfermagem escolhem a Enfermagem como tualidade, tendo como referencial os
Científica data de pouco mais de profissão: enxergar o ser humano artigos publicados na Revista Brasi-
200 anos, com Florence Nightin- de forma holística, ou seja, como leira de Enfermagem (REBEn).
gale, que, desde 1854, leva 38 en- um ser biopsico-sócio-espiritual, A REBEn, além de ter sido o pri-
fermeiras voluntárias à Guerra da que transcende o aspecto físico meiro periódico em publicações de
Criméia, na Turquia, no hospital de (Nightingale, 1989). caráter científico em enfermagem,
Scutari, com o intuito de cuidar dos No final da década de 60 e início sempre representou as tendências
soldados ingleses feridos em bata- da década de 70, surgem as Teorias do pensamento e atuação na área
lha (Gill, 2004).
de Enfermagem, quase todas tendo em âmbito nacional por publicar
Florence fazia questão de ofere-
como referencial teórico a Teoria de os trabalhos melhor avaliados por
cer, pessoalmente, especial atenção
Sistemas de Bertalanfy, reforçando ocasião do Congresso Brasileiro de
aos doentes em fase terminal ou
a visão holística de ser humano no Enfermagem, organizado pela As-
mais gravemente feridos, lendo-
que se refere ao cuidar. sociação Brasileira de Enfermagem
lhes trechos da bíblia ou trazen-
No Brasil, Wanda de Aguiar (ABEn) e que ocorre no país anual-
do-lhes conforto em suas palavras
Horta, enfermeira e filósofa, dou- mente desde 1947.
e visitas à noite. Nessas ocasiões,
tora em enfermagem pela Univer- A primeira edição deste perió-
carregava consigo uma lamparina
sidade de São Paulo, defende e pu- dico data de 1932 e, nessa época,
de óleo para iluminar sua ronda,
gesto pelo qual passou a ser cha- blica sua Teoria das Necessidades era denominado “Anais de Enfer-
mada carinhosamente pelos sol- Humanas Básicas colocando a Espi- magem”, que, em 1955, passa a ser
dados e pela imprensa inglesa por ritualidade como uma necessidade denominado “Revista Brasileira de
Dama da Lâmpada e do qual deriva básica do ser humano a ser obser- Enfermagem”.
a lâmpada de óleo como símbolo da vada e cuidada pelo enfermeiro em Historicamente, fica explícito
enfermagem mundial (Turkiewicz, seu planejamento de assistência nos artigos até os anos 60 que hou-
1995). (Horta, 1970). ve uma entidade, a União Católica
Florence Nigthingale era uma Nas décadas de 80 e 90, teoris- de Enfermeiros do Brasil (UCEB),
dama da corte inglesa e, como tal, tas de enfermagem, como Martha que tinha como objetivo a “recris-
vivia num mundo em que o con- Elizabeth Rogers, Margareth New- tianização da sociedade no setor
tato com doentes ou soldados era man, Rosemary Rizzo Parse e Jean da enfermagem”. Essa entidade
um ato inadmissível do ponto de Watson, escrevem sobre a Espiri- sobreviveu de 1944 até os anos 60
vista social, pois feria a hierarquia tualidade Humana como dimensão com influência bastante presente
de classes inglesa. Mesmo assim, essencial do cuidado e do cuidar na ABEn e no pensamento que do-
Florence dizia ter recebido um em enfermagem, teorias das quais minava os cursos de enfermagem
“chamado de Deus” que a levou a derivam dissertações de mestrado no país, no que se refere à espiri-
concretizar os ensinamentos mais e teses de doutorado sobre o tema tualidade, atrelando o espiritual à
belos que o Cristo nos deixou, tais em termos mundiais (Tomey et al, moral cristã e aos valores da Igreja
como a tolerância, a compaixão 2001; George, 2003). Católica (Germano, 2007).
pelo ser humano, a destituição de Atualmente, nos âmbitos nacio-
preconceitos e o respeito pelo outro nal e internacional, não há evento Metodologia
e pela vida humana, além da ma- na área de enfermagem em que não
nutenção da dignidade no cuidar se aborde os temas Bioética, Finitu- Foi realizada busca ativa por ar-
do ser que sofre. Mais que isso, ela de, Compaixão e Espiritualidade. tigos que versassem sobre o tema
conseguiu vencer a rígida hierar- Assim, na literatura de enfer- Espiritualidade em todo o acervo
quia médica dos hospitais militares, magem desde o século passado, esta da REBEn presente na Biblioteca
que não admitia mulheres nem a área profissional vem se mostrando da Escola de Enfermagem da Uni-
assistência digna aos soldados ra- pioneira e corajosa em abordar a es- versidade de São Paulo, por ser esta
sos, demonstrando que o cuidar piritualidade como preocupação de uma biblioteca especializada e re-
com base científica trazia sucessos quem cuida dos seres humanos. ferência sul-americana em perió-
garantidos de sobrevida, diminuin- Esta pesquisa, transversal, des- dicos de Enfermagem. Este acervo
do drasticamente a mortalidade no critiva, de caráter bibliográfico re- remonta às publicações da REBEn
hospital em Scutari (Dornelles et al, trospectivo, tem por objetivo deli- desde a década de 50 (século XX)
1995; Miranda, 1996). near as tendências apresentadas nas até o ano de 1999.

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Foram encontrados artigos de característica ética e moral que serve evangélico foi a sua semente (…);
interesse para esta pesquisa, em de critério para admissão dos candi- suas enfermeiras são como os após-
números absolutos por década, 07 datos tanto aos cursos de enferma- tolos da caridade”.
artigos na década de 50; 12 na dé- gem quanto a vagas em empregos.
cada de 60; 13 na década de 70, 05 Fala-se, ainda, da importância dos 2) espiritualidade como filosofia
na década de 80 e 10 na década de valores espirituais e cristãos que o de trabalho do enfermeiro; e 3)
90, perfazendo o total de 57. docente de enfermagem deve pos- espiritualidade como parte do
Os artigos foram, então, classifi- suir e ensinar aos discentes. currículo e formação do enfermeiro.
cados pelas autoras de acordo com Essas características também Em 1956, o artigo de uma do-
categorias (nove ao todo), que re- aparecem nas publicações dos anos cente de História da Enfermagem (10)

velam a tendência do conteúdo, a 40, mas infelizmente não tivemos traz ainda alguns trechos interes-
saber: 1) espiritualidade como parte acesso aos textos; apenas a artigos santes sobre o pensamento da épo-
do caráter e da moral do indivíduo citados por autores em edições de ca, no que se refere ao ensino da
que escolhe fazer enfermagem; 2) anos posteriores. Ética e quanto a características das
espiritualidade como filosofia de Isolamos as categorias 1, 2, 3, 5 “moças” que optam por fazer en-
trabalho do enfermeiro; 3) espiri- e 9: espiritualidade como parte do fermagem: “desde seu início, as es-
tualidade como parte do currículo e caráter e da moral do indivíduo que colas de enfermagem se preocupam
formação do enfermeiro; 4) espiri- escolhe fazer enfermagem; espiri- com o valor moral de suas alunas”.
tualidade na assistência ao paciente, tualidade como filosofia de traba- A autora frisa, porém, que a moral
como necessidade humana básica; lho do enfermeiro; espiritualidade pode ainda ser aperfeiçoada durante
5) significado da espiritualidade para como parte do currículo e formação o curso: “algumas alunas resistirão
quem é cuidado (paciente/cliente); do enfermeiro; significado da espi- a essa boa influência (a da forma-
6) significado da espiritualidade para ritualidade para quem é cuidado ção moral cristã), mas a maioria
aquele que cuida; 7) espiritualidade (paciente/cliente) e espiritualidade se deixará por ela influenciar”. E
e humanização; 8) espiritualidade e sob a luz da Ética e da Bioética. completa: “para que esse ambiente
morte e morrer; 9) espiritualidade se estabeleça e se mantenha, é de
sob a luz da Ética e da Bioética. 1) espiritualidade como parte do grande importância a eleição do
Apesar dessas categorias se caráter e da moral do indivíduo que corpo docente e das chefes de ser-
mesclarem quando se pensa os escolhe fazer enfermagem. viço onde estagiam as alunas”.
conteúdos da Ética, da Bioética e Alguns artigos trazem a questão Em artigo que discorre sobre a
da Humanização, elas se destacam da espiritualidade como um valor interferência do pensamento cató-
nos textos dos artigos de forma bem que assegure a missão caritativa e lico na origem das escolas de enfer-
distinta. quase sobre-humana que permeia magem no Brasil, um discurso do
Procuramos comentar as cate- o ser enfermeiro. Prof. Almeida Júnior quando para-
gorias surgidas por década deno- Paixão (1956) afirma sobre seu ninfo da primeira turma da então
tando a tendência dos autores ao artigo que “a filosofia que orienta Escola Paulista de Enfermagem em
se referirem à questão da espiri- este pequeno trabalho é a cristã, que ressalta “se, de um lado, nós da
tualidade humana e destacamos diametralmente oposta à mate- Escola (de Medicina) nos interessá-
alguns trechos de artigos para que rialista”. A autora coloca, ainda, o vamos pela face técnico-científica
o leitor possa compreender essa escolher enfermagem como uma da enfermagem, outra entidade
tendência. espécie de “missão calcada em va- havia em São Paulo que se preo-
lores espirituais”, como se perce- cupava com o aspecto espiritual da
Tendências detectadas be no trecho a seguir: “de estrita profissão (…) e a necessidade de
justiça é ainda o dever de assistir o consolidar em nosso meio a tradi-
década a década
doente, mesmo com algum sacrifí- ção hospitalar dos primórdios do
cio do próprio tempo, das próprias cristianismo” (Forjaz, 1959).
Década de 50 forças ou dos próprios planos, não Albold (1957) cita a espiri-
Dos 07 artigos avaliados nesta o deixando sem assegurar-lhe (…) tualidade como parte da visão de
década, denota-se que a preocupa- a continuidade dessa assistência”. mundo a ser ensinada nos currí-
ção principal dos autores enfoca a Forjaz (1959) assinala: “real- culos, definindo enfermagem nas
formação do profissional, tendo a mente, a Escola de Enfermeiras do palavras da Irmã Olívia da Uni-
espiritualidade implícita no que de- Hospital São Paulo tem qualquer versidade Católica de Washington
nominam “formação cristã” e como coisa de excepcional; o espírito como “uma arte e uma ciência que

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visa ao indivíduo como um todo: a enfermagem uma missão divina ministrados separadamente, exceto
corpo, mente e espírito; promove e da necessidade das enfermeiras por alguns cursos que ainda minis-
a saúde espiritual, mental e física (no feminino, porque até então, tram os cursos atrelados ao ensi-
pelo ensino e pelo exemplo (…); o gênero masculino parece estar no da Legislação de Enfermagem.
envolve o cuidado com o ambiente fora do ser enfermeiro) possuírem Quanto à prática, diz que “a enfer-
social, espiritual e físico do pacien- uma formação moral calcada nos meira não responde somente pelo
te, família e comunidade”. princípios cristãos da caridade, da que é material em sua atenção com
A autora reforça a necessidade compaixão e da misericórdia. Há o paciente, mas por um ser que tem
de inclusão no currículo das escolas artigos, em sua maioria escritos por vida e que sofre no seu todo: corpo,
de enfermagem do cuidado espi- padres e freiras, que alertam sobre mente e espírito”. Enfim, quando
ritual e mental além do físico em a maleficência que o materialismo se refere ao “bom exemplo”, coloca
todo o artigo, além da preocupação pode trazer e da importância de que “os mais antigos na profissão
com uma formação moral “alicer- formar enfermeiras que têm como devem ser pontos de apoio para
çada” no que denomina “princípios missão servir à humanidade. Em aquele que inicia a luta pela con-
cristãos” (grifos da autora). 1961, o tema do Congresso Brasi- quista de um ideal”.
Forjaz (1957) reforça em arti- leiro de Enfermagem foi “O sentido Em 1965, estudantes de enfer-
go seu sobre o ensino clínico em cristão de servir”, o que fica claro magem publicam artigo denomi-
enfermagem a questão de visão nas publicações da REBEn. nado “a formação moral do estu-
de mundo do enfermeiro de uma Dos 12 artigos isolados para a dante de enfermagem”(Duarte,
forma holística, ou seja, o ser hu- década de 60 (século XX), as cate- Pereira 1965), em que reforçam
mano deve ser avaliado em toda a gorias que surgiram foram: 1, 2, 3, os aspectos já abordados, além de
sua complexidade, incluindo corpo 4 e 9. reivindicar que é fator importante
e alma. ensinar ao estudante de enferma-
1) espiritualidade como parte do caráter gem “a compreensão da linguagem
9) formação do enfermeiro e e da moral do indivíduo que escolhe austera e mística do sofrimento” e
espiritualidade sob a luz da Ética fazer enfermagem; 9) espiritualidade fazem uma lista das “vantagens do
e da Bioética. sob a luz da Ética e da Bioética (as duas paciente quando a enfermeira é
Um trecho do artigo de Paixão categorias foram colocadas juntamente assim formada”, a saber: fazer com
(1956) mostra claramente diferen- pelo fato da questão moral estar ainda que o paciente saiba aceitar a situa-
tes concepções dos debates atuais muito associada aos conceitos de Ética ção; apaziguar o sofrimento do pa-
entre os bioeticistas sobre dilemas da época). ciente; enfrentar diretamente esta
éticos: Em seu artigo “Formação moral situação, combatendo suas próprias
Para não falar senão no respeito da enfermeira”, Bockwinkel (1962) emoções e seus conflitos pessoais.
à vida, quantas mentalidades e afirma que a formação moral da Interessante que alguns livros
consciências já vêm à escola de- enfermeira deverá conter três as- atuais colocam algumas dessas
formadas (grifo nosso) pela acei- pectos: teóricos, práticos e pelo ações como caminhos para se es-
tação do aborto terapêutico e bom exemplo. No primeiro aspec- timular a espiritualidade (Black,
das práticas anticoncepcionais! to, ou seja, teórico, coloca que a en- 1996; Hudak, Gallo, 1997).
Portanto, o programa de Ética fermeira “traz consigo qualidades Corroborando esses pensamen-
deve necessariamente contar naturais e morais que devem ser tos, outra autora reforça que “a
(18)

uma parte preliminar referente aperfeiçoadas pelo estudo profundo caridade é a vida de amor ao pró-
à moral geral (…) Isso inclui- da religião e da ética profissional”, ximo e a enfermeira busca na cari-
ria o direito à vida, de proprie- pois (…) “sem religião – e em algu- dade evangélica a água que vivifica
dade, à verdade e à boa fama, mas escolas esse ensino é facultati- sua vida espiritual”.
liberdade de pensamento e de vo – não pode haver boa formação Quanto aos dilemas Éticos e
associação e respeito às convic- do caráter”. Complementa que “as Bioéticos, um artigo chama a aten-
ções alheias e reconhecimento aulas de ética profissional devem ção ao discutir o sentido cristão
da primazia dos valores espirituais complementar o curso de religião, da enfermeira em servir à famí-
(grifo nosso). fazendo aplicação dos pontos de lia. Varilas,Molina,Linares, Ferro
moral que dizem respeito à profis- (1961), além de afirmarem que “o
Década de 60 são de enfermagem”. E assim foi materialismo obscurece a luz da
Nos anos 60, ainda se faz pre- por muitos anos. Hoje, os cursos de razão” e há “a necessidade de que
sente nos artigos a afirmação de ser Ética e Bioética nos currículos são as questões do espírito voltem a

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dominar as da matéria para que o tido cristão de servir no Hospital, Caridade? Nosso temor é que o
mundo continue sua marcha para a ou seja, no ambiente de trabalho. espírito do mundo moderno,
luz da verdade”, colocam a atuação A autora inova em sua fala ao di- materialista e mercenário te-
da enfermeira que trabalha com zer que, embasada dessa parábola, nha penetrado em nossas esco-
puericultura e pediatria em saúde enfermagem é “servir, indepen- las para destruir o ideal e aviltar
pública, no que se refere à contra- dentemente de credo ou de raças, uma vocação tão digna e nobi-
cepção que “a enfermeira nunca porque a caridade é universal, isto litante. Serão nossas alunas, no
poderá instruir os outros acerca da é, a caridade não cria para si depar- futuro, enfermeiras segundo
anticoncepção. Esse ato constituir- tamentos em que possa atuar. Eu o Coração do Cristo, ou me-
se-ia uma colaboração formal para me fiz para todos, é o lema de Cristo e ras empregadas de hospitais e
a ação de um pecado”. Quanto a é esse o espírito cristão da enferma- agências de saúde, preocupadas
dilemas, como o aborto, por exem- gem”. A autora faz uma colocação apenas com o aspecto pecuni-
plo, o artigo orienta a enfermeira mais moderna, mais revolucionária ário da profissão (…)? Os ob-
a “buscar ajuda espiritual de um e que afasta a exclusão social que jetivos de uma escola de enfer-
padre para atender a casos difíceis, os artigos até então analisados pa- magem não devem nem podem
pois poderá ter a sorte de salvar a recem revelar, como se a caridade ser somente o desenvolvimento
alma de uma mãe e de uma criança cristã fosse restrita a uma ou outra intelectual e o preparo técnico
a partir de um simples e inspirado doutrina apenas. das alunas. (…) Dessa forma,
conselho”. uma sã filosofia de educação da
Turkiewicz (1965) faz um es- 3) espiritualidade como parte do educação de enfermeiras deve
tudo retrospectivo do ensino da currículo e formação do enfermeiro. levar em conta todos os aspec-
Ética nas escolas de enfermagem Viegas (1961) coloca ser a filo- tos da vida da aluna: espiritual,
em seu artigo intitulado “o primado sofia cristã a base da educação da moral, intelectual, social e físico
do espírito na profissão” e comenta enfermeira, sendo, assim, “essen- (Viegas, 1961).
que até então há primazia do espí- cialmente uma profissão de carida- Um frei capuchinho escreveu
rito sobre a matéria como preocu- de, cuja mais direta manifestação se um artigo em que fala da sacrali-
pação desta disciplina e dos CBEns dá pela benaventurança”, ou seja, dade do corpo, denominado “teo-
nas décadas de 40 e 50. Finaliza pela forma como a caridade cristã se logia do corpo humano” e de como
comentando a evolução do pensar evidencia pelo trabalho desempe- a enfermeira é o profissional que
nessa área a partir de meados da nhado pela enfermeira”. A autora zela por ele (Zanini, 1967). O arti-
década de 60, recomendando aos completa que “a fonte dos motivos go em si é quase poético e lembra
enfermeiros e escolas de enferma- sobrenaturais da enfermeira cristã as palavras de Boff (2000) sobre
gem que seja dada continuidade no brota do amor de Deus e do pró- o cuidado e o cuidar. Compara a
trabalho iniciado por Glete Alcân- ximo” que para ela é o seu seme- enfermeira à “Mãe de Jesus, que
tara, primeira catedrática de Ética e lhante que necessita de cuidados. leva o corpo de Seu Filho morto na
História da Enfermagem do Brasil, Assim, a enfermeira cristã tomará cruz, perfumando-o, cobre-o com
que propõe uma revisão dos currí- Cristo como seu modelo e procura- roupas brancas, prepara-o para a
culos quanto a esta disciplina. rá modelar sua atitude pela atitude Ressurreição! Então, a enfermeira
A catedrática propõe a forma- de Cristo para com os doentes. Cita irá escutar um dia estas palavras de
ção de enfermeiros capazes de re- que “sua ternura e sua caridade (da vida eterna: Eu estava doente e tu cui-
solver problemas pela aplicação de enfermeira) serão como a d´Ele e daste do meu corpo. Vem bendita para
princípios e não apenas aptidões sua maneira de viver será a signifi- o Reino de meu Pai, que está preparado
para serviços de rotina; o desen- cação real do mandamento “Ama desde sempre para ti”.
volvimento de valores morais; o teu próximo”.
respeito aos princípios da Ética e aos A autora, então, se pergunta: 4) espiritualidade na assistência ao
princípios democráticos e aceitação das Estaremos nós, educadoras de paciente, como necessidade humana
mudanças sociais (grifo nosso). enfermeiras no Brasil, forman- básica.
do nossas alunas nesta sã filoso- Um artigo se destaca nessa dé-
2) espiritualidade como filosofia de fia cristã? Estaremos moldando cada e nesta categoria, pois trata
trabalho do enfermeiro. em nossas futuras enfermeiras das necessidades religiosas do pa-
Um dos artigos da década esta figura do Cristo para que ciente israelita hospitalizado (Go-
(Costa, 1961) traz a parábola do sa- possam cumprir como cristãs doy, 1962). A autora lembra o lei-
maritano para exemplificar o sen- os deveres de uma profissão de tor sobre a diversidade de pacien-

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tes e igualmente diversos credos terizam em seu início por temas esses valores como um lamento ou
ou religiões com que o enfermeiro como a importância de uma filo- uma falha dos tempos tecnológicos
se depara em seu dia-a-dia. Toma sofia e moral cristãs a serem segui- e o advento da era técnico-científi-
como verdade básica a concepção das pelos enfermeiros. Aparece a ca. Uma proposta interessante das
espiritualista dual do ser humano questão da humanização, tema até autoras é:
de que ele é constituído por alma então não citado, além da preocu- Se na aplicação e modernização
ou espírito e corpo ou matéria. pação dos autores com a tecnologia das técnicas nós (enfermeiras)
Afirma que, para o atendimento e o racionalismo e materialismo da nos preocupamos com a evolu-
do paciente em suas necessidades era moderna em detrimento dos ção da ciência médica e a ela nos
espirituais, a enfermeira obriga-se valores espirituais. Em meados ajustamos para o bom desem-
a conhecer os princípios básicos de dos anos 70, começa a aparecer o penho de nossas funções, por
cada religião. gênero masculino para designar o que também não observamos
Outro artigo, de Moura (1963) profissional de enfermagem (enfer- as profundas mudanças que se
relata a diversidade de religiões e meiro). Reforça-se a espiritualidade processam na sociedade a fim
credos que uma irmã encontrou como Necessidade Humana Básica. de sabermos que atitudes e em
quando foi para a África. A auto- Surgem, ao final da década (1978 que medida devemos exigir do
ra, Moura, cita que “a maior parte e 1979), os primeiros questiona- enfermeiro atual e em forma-
do povo é fetichista (crê no poder mentos quanto a ser a enfermagem ção? (March, Borges e Bonfim,
dos feitiços). O restante se divide uma área profissional dissociada da 1973).
entre muçulmanos, católicos, pro- caridade e mais voltada à ciência e As autoras colocam a tecnologia
testantes e uma pequena minoria à necessidade de reflexão sobre como fator favorável à humaniza-
de seráficos (grifo do autor), religião adaptar o progresso técnico-cientí- ção: “aliou-se a técnica ao espírito de
pregada por um pobre homem que fico à espiritualidade em prol do ser servir (grifo das autoras) ditado pe-
se diz papa e enviado de Deus”. humano, em dois artigos absoluta- las leis cristãs. (…) resta-nos, ainda,
Ambos os artigos passam então mente visionários, um da autoria no âmbito de formação profissio-
à narrativa de rituais próprios dos de Lygia Paim (1979)e outro da au- nal, promover o desenvolvimento
credos/religiões citados e o quan- toria de Maria José Arléo Barbosa de qualidades porventura latentes,
to é importante para o enfermeiro Amorim. despertando sentimentos capazes
conhecer essas diferenças, mas com As categorias que emergiram de atender aos reclamos que ora
diferentes concepções de mundo. nesta década foram praticamente são feitos” (sobre o afastamento
No primeiro, a autora frisa os as- todas, menos a categoria 5 (signifi- dos enfermeiros da espiritualidade
pectos de importância de se respei- cado da espiritualidade para quem e do caráter humanitário de sua
tar os rituais de outras religiões. No é cuidado — paciente/cliente), ou profissão, além do crescente indi-
segundo, a autora comenta sobre os seja, 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9. vidualismo da sociedade).
credos que acompanhou na África, No mesmo ano, 1973, Amália
solicitando que “as que estão aqui 1) espiritualidade como parte do Correa de Carvalho (1973) retoma
(no Brasil) se entusiasmem a fazer caráter e da moral do indivíduo a característica quase religiosa que
algo em favor dessas almas que não que escolhe fazer enfermagem; seria necessário ao enfermeiro de-
conhecem a Deus e que, embora 2) espiritualidade como filosofia senvolver em seu caráter e em sua
faça parte do Corpo Místico de Cris- de trabalho do enfermeiro; 3) práxis no artigo intitulado “A do-
to, é atacada de atrofia espiritual” espiritualidade como parte do cente de enfermagem como mode-
(Godoy, 1962; Moura, 1963). currículo e formação do enfermeiro lo a ser imitado”. Critica o fato das
Resende(1964) fala dos sacra- (agrupamos as três categorias porque enfermeiras nos campos de prática
mentos católicos e a necessidade do assim aparecem representadas nos de ensino estarem se voltando ao
enfermeiro conhecer seu significa- artigos). aspecto burocrático e como diante
do e lembra o leitor que “faz parte O artigo de March, Borges e deste quadro, as docentes necessi-
do cuidado básico de enfermagem Bonfim (1973) traça um paralelo tam ser o modelo a ser imitado e
respeitar os anseios espirituais do da formação até então exigida no o ponto de referência “no que se
paciente”. que se refere a atributos morais e relaciona à sua competência pro-
humanitários (“amor, pena e com- fissional, mas principalmente, em
Década de 70 paixão”) para se exercer a enferma- relação às suas atitudes e valores
Totalizando 13 artigos, esta é gem, sem pretender colocar o dis- morais e sócio-profissionais” (…)
uma década cujos artigos se carac- tanciamento da época em relação a com “a preservação dos princípios

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ESPIRITUALIDADE NA ENFERMAGEM BRASILEIRA: RETROSPECTIVA HISTÓRICA

cristãos de amor e dedicação aos tido como um dos melhores méto- 3 e 4 por se preocupar com a for-
que sofrem, simpatia para com os dos de aprendizagem para a área da mação do enfermeiro no campo
infelizes e tolerância para com to- saúde, sob o nome de Ensino por espiritual e em reforçar a espiri-
dos, sãos e doentes (…) enfermeiras Problematização, para que o aca- tualidade como uma Necessidade
que ajam em conformidade com o dêmico possa discutir a situação Humana Básica. As autoras alertam
que ensinam e pregam”. A autora relacionada às necessidades psico- que “muito pouco tem sido realiza-
comenta que “a displicência, o con- espirituais da clientela e procure se do em termos das necessidades es-
formismo, a acomodação e a rotina sentir no papel do ser humano a ser pirituais”, o que as levou a realizar
são o resultado de uma orientação cuidado nessas ocasiões. esta pesquisa junto a acadêmicos
defeituosa” e recomenda que “as de enfermagem do primeiro ano
qualidades que completam a ima- 4) espiritualidade na assistência ao de quatro faculdades de enferma-
gem da professora boa e eficiente paciente, como necessidade humana gem da cidade de São Paulo. Eram
são: espírito de liderança, habilida- básica. apresentadas palavras relaciona-
de na comunicação e no inter-re- Em artigo sob o título “necessi- das à espiritualidade (alma, corpo,
lacionamento pessoal, assiduidade dade psico-espiritual do paciente”, Deus, morte, religião, prece, vida
e pontualidade nos compromissos, o autor discorre sobre reflexões a e sacerdote) e as acadêmicas atri-
entusiasmo e gosto pela enferma- respeito da existência, da concei- buíam significados a partir de pala-
gem (…) da educação moral, social tuação da necessidade psico-espi- vras, que correspondessem àquele
e estética”. ritual e suas possíveis semelhanças termo. Concluíram que:
Em 1976, artigos voltam a com as necessidades psicológicas As estudantes ingressantes tra-
discutir o papel do enfermeiro dos pacientes (Gelain, 1974).O zem consigo comportamentos
no mundo moderno e como tra- autor, ex-padre e escritor de um verbais estereotipados (quanto
zer a tecnociência a favor da espi- dos primeiros livros de ética para ao significado atribuído às pa-
ritualidade,visto esta “ter sido con- profissionais da saúde, a partir de lavras pesquisadas); quanto à
quistada pelo homem, mas este pesquisa de campo, levanta dados palavra Morte, houve alto ín-
conhecimento foi consentido ser importantes de informação ao en- dice de contradição interna; a
alcançado por Deus” e deve “con- fermeiro sobre o que vem a ser dar variável Religião parece ser um
tribuir ao progresso sem egoísmo atendimento psico-espiritual: fator importante no significado
seguindo o chamado interno que Saciar, da melhor forma possí- psicológico atribuído às pala-
levará o ser humano à busca da vel sua fome metafísica; saber vras relacionadas aos valores
verdade, do bem, da sensação de atender e analisar o problema; religiosos, principalmente em
participar da Criação, que traga saber ouvir os questionamen- uma das escolas, que é protes-
evolução ao saber, que cure os en- tos, as dúvidas, as angústias; co- tante Horta, Araújo (1978).
fermos, que alivie a dor daquele nhecer o campo espiritual para Paim (1979) critica o enxergar
que sofre, que console o solitário não fugir quando solicitado ou da espiritualidade como parte de
e que dê esperança ao que se sen- quando for detectado o proble- uma listagem de necessidades hu-
te perdido” (Paim, 1979; Amorim, ma; dialogar sobre este assunto; manas básicas. A autora diz:
1979; Dora, Donoso, 1976). mostrar compreensão e interes- Em verdade, na nossa opinião,
O artigo, ainda, coloca a necessi- se por este problema, no outro; os homens convivem, pressen-
dade da enfermeira definir sua po- providenciar meios para o aten- tem e sentem, por si sós, quais
sição filosófica diante da vida, defi- dimento; não transferir proble- são as suas autênticas neces-
nindo uma escala clara de valores, mas de ordem espiritual; estar sidades e as dos outros, inde-
sabendo concatenar a tecnologia ao atento a qualquer manifestação pendentemente da adoção de
bem-estar da humanidade (o que do problema (Gelain, 1974). qualquer classificação prévia
requer por parte dela conhecimen- relacionada com as necessida-
tos e habilidades) e, por fim, “a en- 6) significado da espiritualidade para des humanas. É por esse moti-
fermeira cristã deve marcar seus atos quem é cuidado (paciente/cliente). vo que achamos que a validez
profissionais como um autêntico Horta, Araújo (1978) trazem da resolução de um problema
testemunho de fé vivida, espalhan- pesquisa sobre o significado psico- pertinente ao tema em questão
do uma mensagem de esperança e lógico de palavras relacionadas a não depende propriamente ou
amor”(Dora, Donoso, 1976). valores espirituais entre estudantes tão somente do conhecimento
Paim (1979) propõe o método de enfermagem. O artigo poderia de listagens das necessidades
de resolução de problemas, hoje ser encaixado ainda nas categorias humanas, tal como encontra-

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ESPIRITUALIDADE NA ENFERMAGEM BRASILEIRA: RETROSPECTIVA HISTÓRICA

mos em livros-texto que habi- do para poder atender a essa ne- tes da Resolução 196/96, que ins-
tualmente consultamos. (…) o cessidade do outro. Fala do cuidar titui a Comissão Nacional de Ética
assunto não se constitui absolu- do cuidador e o quanto estar em em Pesquisa, mostra o pioneirismo
tamente numa “novidade”, mas contato com essas necessidades do desta publicação no que se refere
notamos também que o mesmo paciente asseguram ao próprio en- ao assunto.
não tem recebido a valorização fermeiro um significado maior para Paim (1979) e Amorim (1979)
devida no que tange aos trata- a vida, enquanto pessoa. fazem uma crítica quanto a omis-
mentos de enfermagem (Paim, Amorim (1979) corrobora ao são do tratamento de enfermagem
1979). dizer que “é evidente a redução no campo psico-espiritual equiva-
da solidariedade humana e de es- le, do ponto de vista de uma visão
7) espiritualidade e humanização. piritualidade, tão necessárias a sistêmica e holística como prega a
Dois artigos se destacam no ano uma civilização” e questiona se o enfermagem ter, um caso de negli-
de 1979 em várias categorias, que enfermeiro tem se alheado da hu- gência que contraria o Código de
são os escritos por Paim e Amorim manização em seus atos pelo avan- Ética da profissão, como também
(Paim, 1979; Amorim, 1979). ço acelerado da tecnologia, ou por “os imperativos categóricos da Cons-
As autoras lembram, com mui- tensões causadas pelas dificuldades ciência Moral” (Paim, 1979) pois,
ta propriedade, que há necessidade decorrentes da própria existência, “quando se nega o apoio, nega-se
premente de se levantar tese em fa- ou por problemas relacionados à a sua humanidade (…) e o indiví-
vor da humanização das Institui- sua formação e reflete até se a so- duo como ser humano quando é
ções de Saúde existentes no país, ciedade mercantil violenta teria al- despercebido a tal ponto que sua
visto que os padrões de atendimen- guma influência sobre o fato. presença se torna ignorada, (…)
to já não satisfazem as demandas tem sensação de menosprezo e de
da sociedade. 8) espiritualidade e morte e morrer. falta de respeito à sua dignidade”
É feito um alerta em que “há Esta categoria vem implícita nos (Amorim, 1979) A autora fala,
.

que se mudar a atitude profissio- discursos da maioria dos autores da ainda, sobre o descompromisso do
nal, tal como deve ser entendida, época Paim, 1979, Amorim, 1979, homem diante das necessidades
face às necessidades psico-sociais Gelain, 1974, Araújo, Horta, 1978), do outro e compara este descom-
e psico-espirituais do paciente, os quais comentam a falta de preparo promisso a uma “rejeição e uma
enquanto que o outro caracteriza para lidar com as questões da morte negação da liberdade de opção,
a conduta profissional apropriada e do morrer pelos enfermeiros. levando o enfermeiro a uma vida
ao atendimento dessas mesmas de acomodação, de conformismo e
necessidades” (Paim, 1979). A au- 9) espiritualidade sob a luz da Ética e sem ao menos um toque de sensi-
tora reforça, ainda, que o enfermei- da Bioética. bilidade”. (Amorim,1979) Apenas
ro necessita estar preparado para Um artigo chamou atenção na como curiosidade, surge o termo
atender a essa necessidade e huma- década de 70 pela preocupação “enfermeiro” para designar tanto
nizar o atendimento: em discorrer sobre aspectos éticos enfermeiras quanto enfermeiros.
permitindo com segurança as e religiosos na pesquisa científica. Percebe-se na fala das autoras
expressões de sofrimento e A autora e colaboradores (Rojas, a preocupação com as questões da
tensão a que muitos indivíduos 1976) colocam que “a pesquisa Bioética, principalmente no que
têm que se entregar, antes mes- científica na área da saúde (…) se refere à autonomia, direito à
mo que se disponham a efetuar pretende encontrar soluções para identidade e à dignidade, do com-
qualquer tentativa de reformu- os problemas existentes, mas é promisso com os direitos e deveres
lação emocional ou atitudinal. realizada pelo homem e para o para com a vida (Paim, 1979; Amo-
Sem conhecimento de causa, homem. Assim, aquele que realiza rim, 1979).
sem preparo ou atenção para a pesquisa deve levar em conta a
os perigos de envolvimento ou totalidade do ser juntamente com Década de 80
identificação emocional, não os aspectos humanos, éticos e reli- Foram encontrados apenas
será possível dar suporte ou giosos”. A partir daí, relata todos os cinco artigos relacionados ao tema
fiança às necessidades psico-so- cuidados éticos e bioéticos em rela- espiritualidade. Ao examinarmos o
ciais e psico-espirituais a quem ção aos cuidados que o enfermeiro contexto das REBEn em que esses
quer que seja (Paim, 1979) deve ter na realização de pesquisas poucos artigos aparecem, percebe-
Paim (1979) coloca ser essencial com seres humanos. Se pensarmos mos uma atenção bastante voltada
que o profissional esteja equilibra- que este artigo data de 20 anos an- à tecnologia e especialidades, como

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ESPIRITUALIDADE NA ENFERMAGEM BRASILEIRA: RETROSPECTIVA HISTÓRICA

UTIs, Unidades Coronarianas, en- hospitalar. Três outros artigos, no da área de oncologia sobre a pro-
tre outras. entanto, chamam a atenção por se- ximidade com a morte. Um artigo
As categorias que aparecem rem bem específicos. Um fala dos que também fala da humanização
são: 4, 5, 6, 7, 8, 9. As categorias 7, problemas psicossocio-espirituais em UTI e da morte e morrer, an-
8 e 9 aparecem agrupadas pela ca- de pacientes coronarianos, outro tecipa conceitos hoje amplamente
racterística dos artigos que nelas se das implicações éticas, incluindo discutidos na Bioética, ficando a
enquadram simultaneamente. o respeito à espiritualidade do pa- discussão deste artigo na próxima
ciente internado em UTI, e outro categoria (Noronha, Sá, Assini,
4) espiritualidade na assistência ao da espiritualidade no contexto da Castelo Branco, 1985).
paciente como necessidade humana experiência do paciente cirúrgico Propõe o incentivo à espiritua-
básica. (Barbato et al, 1982; Noronha, Sá, lidade como forma de individua-
Interessante que os artigos da Assini, Castelo Branco, 1985; Hen- lizar e humanizar a assistência.
década falam da questão da espi- se, 1988). Os discursos de profissionais vêm
ritualidade em situações especiais Há falas que particularizam essa sempre com a mensagem da di-
não como necessidade humana clientela quanto à importância do ficuldade de agir nessa esfera do
básica, mas como problema de apoio do enfermeiro no âmbito da cuidar, inclusive alegando “falta de
enfermagem, sendo que, concei- espiritualidade: tempo” ou de “formação específica
tualmente, esta seria uma questão Especificamente com pacien- para oferecer esse tipo de suporte”.
de estar essa necessidade afetada. tes enfartados, chama-se muito a É interessante verificar as palavras
Assim, qualificamos apenas um dos atenção sobre os problemas psicos- que surgem nas pesquisas quanto
trabalhos nesta categoria, pois vê a sócio-espirituais desses pacientes, aos sentimentos e significados atri-
espiritualidade como necessidade e entretanto pouco ou nenhum tra- buídos ao estar junto ao paciente
não a partir daquilo que a afeta. balho escrito, com dados objetivos a terminal, como: “sentimento de
Ferraz, Carvalho, Costa ,Carva- respeito do assunto é encontrado . (37)
impotência, tristeza, depressão,
lho (1986) abordam a assistência Ainda como implicação ética liga- compaixão, desorientação quanto
de enfermagem a pacientes em fase da à privacidade, não podemos nos à melhor atitude a ser tomada, de
terminal e o fazem tendo como re- esquecer que devemos respeitar os desconforto com a situação, senti-
ferencial teórico para as ações e valores religiosos do paciente, per- mento ruim, sentimento de dever
cuidados dos enfermeiros a relação mitindo a entrada na UTI do padre, cumprido, nenhum sentimento”
de necessidades humanas básicas pastor, pai de santo, espiritualista (Cheida, Christofoli, 1984).
preconizada por Wanda de Aguiar (…) a fim de satisfazer as necessi-
Horta, ressaltando nas psicoespiri- dades religiosas afetadas (Noronha, 9) espiritualidade sob a luz da Ética e
tuais a questão da segurança espi- Sá, Assini, Castelo Branco, 1985). da Bioética.
ritual. Em pesquisa realizada com Um artigo se destaca na década
pacientes e profissionais da en- 6) significado da espiritualidade para sob o título de “implicações éticas
fermagem, de 124 entrevistas, 42 aquele que cuida; 7) humanização; 8) na assistência de enfermagem ao
mencionam ações e cuidados ine- espiritualidade e morte e morrer. paciente crítico”(Noronha, Sá, As-
rentes à assistência espiritual. Re- Os artigos que se enquadram sini, Castelo Branco, 1985).
forçam o respeito às crenças indivi- nestas categorias são pesquisas de O artigo critica que com o ad-
duais quando o enfermeiro atende campo, em que os autores foram vento da evolução técnico-cientí-
a essa necessidade e da importância pesquisar junto à equipe de enfer- fica e da criação das UTIs que “per-
e responsabilidade do enfermeiro e magem e à própria clientela quais mitem a manutenção e o prolon-
da equipe em identificar e procurar os significados, sentimentos e pro- gamento da vida (…) deixando de
atendê-la de alguma forma. postas de atuação junto ao pacien- enxergar o ser humano como um
te, relativos à espiritualidade, mais todo em seus aspectos humanos,
5) significado da espiritualidade para especificamente na esfera da morte dando mais importância à maquina
quem é cuidado (paciente/cliente). e do morrer, além de trazerem a do que ao próprio homem, trazen-
Não há dúvida de que o tra- discussão dos cuidados paliativos do preocupações com os assuntos
balho citado na categoria anterior já na década em questão. ligados à humanização, à Ética e à
aqui também se encaixa, visto que Os autores Ferraz et al,1986; religiosidade”. Faz menção à perda
coleta o discurso da clientela sobre Cheida, Christofoli, 1984) pro- de autonomia do cliente da UTI:
quais as suas necessidade espiri- curam trazer os discursos de pa- Assim que chega à unidade, é
tuais quando de sua internação cientes e equipe de enfermagem cateterizado (…) um aparelho res-

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ESPIRITUALIDADE NA ENFERMAGEM BRASILEIRA: RETROSPECTIVA HISTÓRICA

pira por ele; o enfermeiro e o médico Década de 90 piritual que trazem os sentimentos
pensam, agem e decidem por ele (grifo Esta é uma década que apresen- de perda e pesar diante da morte,
nosso). Despojado até do direito de ta uma característica interessante: a como “ah!, é triste demais, sinto
pensar, o paciente, de uma manei- grande maioria dos artigos se volta muita saudade” e que atribuem a
ra geral, somente tem uma opção: para os sentimentos da própria ca- Deus seu sofrimento: “foi por Deus;
entregar-se (Noronha, Sá, Assini, tegoria profissional, ou seja, para ninguém teve culpa”. As autoras
Castelo Branco, 1985). a compreensão de significados, recomendam ações por parte da
O artigo aborda a importância principalmente aqueles ligados ao equipe de enfermagem que refor-
da reflexão sobre os meios artifi- processo de morte e morrer, para os cem a fé e a esperança ao recomen-
ciais de manutenção da vida e apa- próprios enfermeiros. darem que se possa “ajudar a mãe
rece pela primeira vez num artigo Não sabemos se o que ocorre na expressão desse desejo (de ver o
da REBEn as palavras eutanásia e é um momento em que nasce a corpo do recém-nascido) e no for-
distanásia. As autoras abordam necessidade de reflexão sobre os talecimento da coragem que refere
também a questão dos cuidados nossos próprios medos e ansieda- necessitar; (…) encorajar a mãe a
paliativos, diante da iminência da des relacionados à espiritualidade expressar sentimentos de pesar e
terminalidade, como no trecho a humana, pelo distanciamento que de religiosidade e resignação” sem
seguir: a era moderna traz junto ao outro, que essa ação seja entendida como
A enfermeira deverá utilizar ou se trata-se de uma caracterís- inculcação de valores do enfermei-
todas as medidas de que dispõe, a tica egocêntrica, narcísica e hedo- ro (Popim, Barbieri, 1990).
fim de que o paciente possa viver nista, condizente com o pós-mo- O segundo artigo de Rezende et
seus últimos dias dentro do máxi- dernismo. Pode ser que signifique al (1995) coloca a necessidade de
mo conforto e dignidade possíveis, apenas a necessidade do enfermei- conhecimento e compreensão dos
livre de ansiedade e dor, sem per- ro voltar-se para suas próprias re- ritos de morte, visto que:
der sua identidade, seu sentimento flexões, como parte do fenômeno, A formação profissional, mar-
de valor pessoal e sua sensação de numa tentativa de, pelo contrário, cada pelo modelo médico-biológico
posse. A atuação da enfermeira é, recolocar-se próximo ao ser huma- hegemônico, confere aos profissio-
até certo ponto, responsável por no de quem cuida. O fato é que esse nais de saúde algum poder explica-
essa maneira de viver essa última aspecto chama a atenção do leitor tivo sobre os fenômenos da saúde-
experiência humana, zelando pela da REBEn na década de 90. doença, vida e morte, mas não fa-
paz e dignidade com que o pacien- Chama a atenção, também, o cilita a sua compreensão (Rezende
te enfrentará a morte (…) Não grande número agora de pesquisas et al, 1995).
cabe ao enfermeiro a decisão de de campo de caráter qualitativo, As autoras finalizam o artigo com
aplicar uma ou outra forma de eu- denotando o quanto as pesquisas uma frase bela: “na curva do tempo
tanásia, mas isso não impede que em enfermagem vêm valorizando vivido, os sujeitos nos mostraram ca-
ele, sendo participante da equipe este método. rinhosamente, que a morte é dizível
de saúde, dê sua colaboração com As categorias surgidas são 5, 6, e que os ritos falam dela, mesmo no
sugestões e idéias próprias, e nada 8 e 9. silêncio imposto pela racionalidade”
pode obrigá-lo, também, a parti- (Rezende et al, 1995).
cipar em métodos que vão de en- 5) significado da espiritualidade para
contro à sua concepção de certo e quem é cuidado (paciente/cliente). 6) significado da espiritualidade para
errado ou firam sua consciência Dois artigos foram enquadrados aquele que cuida; 8) espiritualidade e
moral (Noronha, Sá, Assini, Cas- nesta categoria, juntamente com a morte e morrer.
telo Branco, 1985). categoria 8) espiritualidade e morte Conforme comentário anterior,
O artigo é complexo. Fala des- e morrer, mas vamos comentar estas categorias aparecem juntas na
de a privacidade e autonomia, até aqui apenas a categoria 5. grande maioria dos trabalhos publi-
a manutenção artificial da vida Um aborda o significado da cados na REBEn nos anos 90.
(eutanásia e distanásia), critérios morte perinatal para mães que es- Dos dez artigos, cinco se enqua-
de reanimação cárdio-respiratória tão vivenciando esta situação (Po- dram na categoria 6 e oito (a quase
(critérios de morte), cuidados na pim, Barbieri, 1990) e o outro trata totalidade) na categoria 8, deno-
terminalidade, cuidados com a ex- dos ritos de morte na lembrança de tando a preocupação dos autores
perimentação em seres vivos e doa- velhos (Rezende et al, 1995). na compreensão desse processo.
ção de órgãos e tecidos (Noronha, No primeiro artigo (Popim, Bar- Não sabemos se o que ocorre
Sá, Assini, Castelo Branco, 1985). bieri, 1990) há falas do aspecto es- é um momento em que nasce a

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ESPIRITUALIDADE NA ENFERMAGEM BRASILEIRA: RETROSPECTIVA HISTÓRICA

necessidade de reflexão sobre os de não cumprimento do dever para da espiritualidade não somente
nossos próprios medos e ansieda- com a pessoa humana, inclusive ci- como necessidade humana básica
des relacionados à espiritualidade tando a necessidade de se cuidar do da clientela, mas do ponto de vista
humana, pelo distanciamento que cuidador (Silva et al, 1998; Spíndo- do próprio profissional.
a era moderna traz junto ao outro, la, Macedo, 1996; Martins, 1992). O estudo dos artigos revela-se
ou se trata-se de uma caracterís- Infelizmente, o artigo citado (Men- fascinante, principalmente pelo
tica egocêntrica, narcísica e hedo- des, Linhares, 1996) não explicita fato de termos encontrado refe-
nista, condizente com o pós-mo- em que cidade ou estado brasileiro rências a temas bastante atuais em
dernismo. Pode ser que signifique foi realizado o estudo, pois talvez artigos que datam de 20 a 30 anos
apenas a necessidade do enfermei- carregue consigo um aspecto cultu- atrás. Textos nos quais os enfermei-
ro voltar-se para suas próprias re- ral, cuja falta de dados mais especí- ros já se preocupavam em discutir
flexões, como parte do fenômeno, ficos na metodologia nos impossi- cuidados de qualidade ao ser hu-
numa tentativa de, pelo contrário, bilita uma melhor avaliação. mano em terminalidade (hoje de-
re-colocar-se próximo ao ser hu- nominados de cuidados paliativos);
mano de quem cuida. O fato é que 9) espiritualidade sob a luz da Ética e o rever dos currículos de enferma-
esse aspecto chama a atenção do da Bioética. gem com o intuito de desenvolver
leitor da REBEn na década de 90. Martins (1992) fala de sua ex- uma formação mais holística e ge-
Os nomes dados aos artigos periência ao trabalhar em UTI e neralista; temas da Bioética como
chamam a atenção do leitor para comenta aspectos éticos contidos a distanásia, a eutanásia, a defesa e
esses aspectos, como por exemplo, nesse trabalho. Miranda (1993) em manutenção da dignidade, a defesa
“sofrimento psíquico dos enfer- artigo intitulado “a enfermagem e a da autonomia e da identidade do
meiros que lidam com pacientes crise atual: ética, compromisso e so- cliente, entre outros.
oncológicos” (Silva, Kirschbaum, lidariedade”, traz inquietações sobre As tendências identificadas
1998)ou “reações e sentimentos do a pós-modernidade e sobre o surgi- quanto à espiritualidade mostram
profissional de enfermagem diante mento de um certo descompromisso a complexidade do assunto: espi-
da morte” (Martins et al, 1999). em relação ao outro por parte do en- ritualidade como parte do caráter
Um dos artigos associa o dis- fermeiro e de sua equipe e o quanto e da moral do indivíduo que esco-
tanciamento do profissional dos a solidariedade é um caminho para lhe fazer enfermagem; espirituali-
pacientes em situação de termi- sanar esse problema, reflexão que dade como filosofia de trabalho do
nalidade como um mecanismo de aparece num dos artigos da década enfermeiro; espiritualidade como
defesa “saudável” para manter a de 70 (Amorim, 1979). parte do currículo e formação do
integridade psíquica do cuidador, enfermeiro; espiritualidade na as-
mais especificamente na ambiência Considerações finais sistência ao paciente, como neces-
da UTI (Mender, Linhares, 1996). sidade humana básica; significado
Tal colocação aparece num senti- Tivemos como objetivo, ao ini- da espiritualidade para quem é cui-
do diametralmente oposto ao que ciar esta pesquisa histórica, delinear dado (paciente/cliente); significado
a maioria dos autores dos demais quais as tendências do pensamento da espiritualidade para aquele que
artigos coloca, pois, tal atitude e do agir dos enfermeiros no que se cuida; espiritualidade e humaniza-
contrapõe-se à humanização e fa- refere à espiritualidade retratados ção; espiritualidade e morte e mor-
vorece o olhar materialista que a na REBEn da década de 50 até a rer; e espiritualidade sob a luz da
tecnologia traz, que é um receio de 90. Ética e da Bioética.
apontado neste artigo pelos autores Identificamos tendências nessa A pesquisa não se esgota aqui,
comentados em décadas anteriores esfera que denotam uma espiritua- em absoluto. Esta foi apenas uma
(Paim, 1979; Amorim, 1979; Dora lidade mais atrelada à religião nas primeira análise mais classificatória
et al, 1976; Noronha et al, 1985). primeiras duas décadas analisadas desses artigos, que merecem um es-
Depoimentos coletados em e que, ao longo das demais, acres- tudo mais aprofundado e reflexivo,
outras pesquisas trazem que este centa reflexões de caráter ético, além de instigar as pesquisadoras
distanciamento causa desconfor- bioético, filosófico e de tentativa a continuar a pesquisa pelos anos
to, sentimento de culpa e sensação de compreensão dos fenômenos 2000 adentro até a atualidade.

O MUNDO DA SAÚDE São Paulo: 2007: abr/jun 31(2):225-237 235


ESPIRITUALIDADE NA ENFERMAGEM BRASILEIRA: RETROSPECTIVA HISTÓRICA

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Recebido em 13 de fevereiro de 2007


Aprovado em 27 de fevereiro de 2007

O MUNDO DA SAÚDE São Paulo: 2007: abr/jun 31(2):225-237 237

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