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Carlos Biasotti

Da Presunção de Inocência
(Doutrina e Jurisprudência)

2020
São Paulo, Brasil
O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado
de São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB,
AASP, IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia
Brasileira de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte,
Cultura e História, etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor
de Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos
Advogados Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), além
de numerosos artigos jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo


(nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento, em
14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honorícos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros de
São Paulo; medalha cultural “ Brasil 500 anos”; medalha “ Prof. Dr.
Antonio Chaves”, etc.
Da Presunção de Inocência
(Doutrina e Jurisprudência)
Carlos Biasotti

Da Presunção de Inocência
(Doutrina e Jurisprudência)

2020
São Paulo, Brasil
Índice

I. Preâmbulo........................................................................11
II. Presunção de Inocência: Ementas (Doutrina e
Jurisprudência)................................................................15
III. Casos Especiais (Reprodução integral do voto)...........33
IV. Presunção: Acepções do Termo.....................................89
V. Presunção: Jurisprudência, Máximas e Aforismos.......93
VI. Lei, Justiça e Bom-Senso...............................................111
VII. Prova para Condenação Penal.....................................121
VIII. Crime, Rigor da Lei e Clemência................................127
I. Preâmbulo

É princípio de direito, exaltado à categoria de dogma


constitucional, esse da presunção de inocência do acusado,
“princípio de eterna justiça”, na eloquente expressão de
Carrara (1).
Consagrado na Declaração Universal dos Direitos do
Homem, da ONU, em 1948, e na de Virgínia (1776), a
Constituição Federal de 1988 transladou-o no inciso LVII
de seu art. 5º: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória”.
Somente o selo da “res judicata” (coisa julgada) pode,
com efeito, imprimir na fronte do réu o estigma de
culpado.
Graças, pois, ao legislador constituinte, que
incorporou à Magna Carta de 1988 a sabedoria do
postulado, segundo o qual toda a pessoa acusada de crime
tem o direito de considerar-se inocente enquanto não
liquidada sua culpa em processo regular!

(1) Apud Pedro Paulo Filho, Grandes Advogados, Grandes Julgamentos, 4a. ed., p. 218.
12

Corre todavia lição em contrário, admitindo a


presunção de inocência desde que não confirmada a
sentença condenatória na instância recursal; porque
daí avante prevalecerá a regra da presunção de
culpabilidade.
Tal exegese traz, ao presente, o cunho de
jurisprudência dominante.
Deveras, ao julgar o “Habeas Corpus” nº 126.292-SP, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal, intérprete máximo
da Constituição — considerando que, “em país nenhum do
mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição a execução
de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte
Suprema” —, propôs orientação que restaurou tradicional
entendimento a respeito do ponto, a saber: “A execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de
apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário,
não compromete o princípio constitucional da presunção de
inocência” (2).
No julgamento do Agravo Regimental nº 964.246-SP,
em 11.11.2016, o Pretório Excelso, por maioria de votos,
reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria,
vencidos os Ministros Celso de Mello, Dias Toffoli, Marco
Aurélio e Ricardo Lewandowski. Não se manifestou a
Ministra Rosa Weber.

(2) STF; HC nº 126.292-SP; Plenário; rel. Min. Teori Zavascki; j. 17.2.2016.


13

Foi relator do acórdão o eminente Ministro Teori


Zavascki, tendo-o acompanhado os Ministros Edson
Fachin, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e
Cármen Lúcia (presidente).
A conclusão do ven. aresto rezou que “a reafirmação
da atual jurisprudência desta Corte, fixando, para efeitos de
repercussão geral, a tese de que a execução provisória de acórdão
penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito
a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio
da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, inc. LVII, da
Constituição Federal” (3).
Ao pio e inocente leitor ofereço este livrinho (ia
quase a dizer livreco), na esperança de que lhe agrade e
aproveite.
O Autor

(3) STF; ARE nº 964.246-SP; Plenário; rel. Min. Teori Zavascki; j. 11.11.2016; m.v.).
Ementário Forense
(Votos que, em matéria criminal, proferiu o
Desembargador Carlos Biasotti, do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo. Veja a íntegra
dos votos no Portal do Tribunal de Justiça:
http://www.tjsp.jus.br).

II. Presunção de Inocência


(Art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.)

Voto nº 12.081

Recurso em Sentido Estrito nº 990.09.111538-0


Art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal;
art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.

– Nos Tribunais predomina hoje a inteligência de que, se ausentes os


requisitos que lhe justificam a decretação da prisão preventiva, tem o
réu o direito de defender-se em liberdade (art. 310, parág. único, do Cód.
Proc. Penal).
– Todo ato criminoso é passível de repúdio, mas cumpre atender também
ao preceito do art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.: “Ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
– Não há “perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus,
enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito” (Rui, Oração aos
Moços, 1a. ed., p. 42).
–“Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação
cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de
necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou
a subsistência da prisão preventiva (...)” (STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 180,
pp. 262-264.
16

Voto nº 9723

“Habeas Corpus” nº 1.165.962-3/7-00


Arts. 29 e 311, “caput”, do Cód. Penal;
arts. 310, parág. único, e 312 do Cód. Proc. Penal;
art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.

– De presente, por força do princípio da presunção de inocência (art. 5º,


nº LVII, da Const. Fed.), prevalece nos Tribunais o entendimento de que
a prisão cautelar somente se legitima se determinada por inelutável
necessidade e conveniência de ordem pública. Necessidade é a razão
que se funda na gravidade extrema do crime e na periculosidade do
agente, circunstâncias que o obrigam a segregar-se da comunhão social.
– Se ausentes os pressupostos legais da decretação da prisão preventiva,
tem direito a liberdade provisória o réu que, primário e de bons
antecedentes, responde a processo por crime cometido sem violência
(art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).
– Conforme a comum opinião dos doutores, toda prisão cautelar, que se
não sustente em indeclinável necessidade, passa por abusiva e ilegítima
e, pois, quer-se revogada. Nesse número merecem contados os casos de
encarceramento de réu, quando ausentes os requisitos da decretação da
prisão preventiva (art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).
–“Liberdade provisória. Embora preso em flagrante por crime inafiançável,
pode o réu ser libertado provisoriamente, desde que inocorram razões para sua
prisão preventiva” (TJSP; Rev. Tribs., vol. 523, p. 376; apud Damásio
E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 22a. ed., p. 246).
–“Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação
cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de
necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou
a subsistência da prisão preventiva (...)” (STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 180,
pp. 262-264; rel. Min. Celso de Mello).
17

Voto nº 1005

Apelação Criminal nº 1.103.365/4


Art. 157, § 2º, ns. I, II e V, do Cód. Penal

– Repugna à razão isto de alguém aguardar, com resignação de Jó,


o momento do interrogatório judicial, para só então lavrar seu
eloquente protesto de inocência. O que prefere o silêncio — aliás,
direito que a Constituição da República assegura a todo o acusado
(art. 5º, nº LXIII) — é certo que não confessa a autoria do delito, mas
também não a nega.
– Postergar a autodefesa é risco tão grande, que somente correm
aqueles que, bem cientes de sua culpa, nada ou pouco se lhes dá que
a própria liberdade se deite a perder. O homem inocente e que
se acha em seu acordo e razão, esse não espera pela undécima
hora: apenas o acusem injustamente, logo se defende com todo o
vigor de sua palavra. Donde o haverem os romanos cunhado a
sentenciúncula: “qui tacet, consentire videtur” (o que, vertido em vulgar,
soa: quem cala, consente).
– Fugir é, por excelência, o verbo dos culpados. Disse-o elegantemente
o clássico Antônio Ferreira: “não foge nem se teme a inocência da justiça”
(Castro, 1974, p. 147).
– Palavra de vítima, não há desprezá-la em princípio. Deveras, quem
mais abalizado para discorrer de um fato senão aquele que lhe foi o
protagonista? Exceto na hipótese (mui rara) de mentira ou erro, suas
declarações bastam a acreditar um termo de condenação.
– Outro tanto em relação ao testemunho policial: não merece a nota
universal de tendencioso e suspeito; unicamente em face de
contradição aberta e inverossímil com o conjunto probatório é que
se lhe deve dar de mão.
18

Voto nº 1006
Apelação Criminal nº 1.097.559/7
Art. 155, § 2º, nº I, do Cód. Penal

– O reconhecimento fotográfico é idôneo para legitimar um edito


condenatório, sobretudo quando conjugado com outros elementos de
convicção.
– Concede-se que permanecer calado é direito de todo o réu,
solenemente consagrado pela Constituição da República (art. 5º, nº
LXIII). No entanto, há invencível implicância lógica entre o silêncio e o
estado de inocência perante o injusto acusador. É que a razão natural
pôs preceito que, injustamente acusado, nenhum homem deixasse de
defender-se com energia e sem tréguas.

Voto nº 1255

Apelação Criminal nº 1.104.737/9


Arts. 155, “caput”, e 14, nº II, do Cód. Penal;
art. 155, § 2º, do Cód. Penal

– “Se o sujeito comete uma infração penal sob efeito de embriaguez voluntária
ou culposa, não há exclusão da imputabilidade e, por consequência, não fica
excluída a culpabilidade. Ele responde pelo crime” (Damásio E. de Jesus,
Código Penal Anotado, 8a. ed., p. 116).
– Em obséquio ao princípio da presunção de não-culpabilidade que,
entre nós, tem a consagração de garantia constitucional (art. 5º, nº LVII,
da Const. da República), processos em curso não se consideram maus
antecedentes porque, ao fim, poderá o réu ser absolvido.
19

Voto nº 1352

Revisão Criminal nº 335.394/1


Arts. 171 e 14, nº II, do Cód. Penal

– É orientação do Colendo Supremo Tribunal Federal que o inquérito


policial e o processo-crime em andamento não configuram maus
antecedentes do réu e, pois, não servem de circunstância judicial que
lhe justifique a fixação da pena-base além do mínimo. Defender o
contrário fora desfazer no princípio da presunção de inocência, que,
entre nós, tem a consagração de garantia constitucional (art. 5º, nº LVII,
da Const. Fed.).

Voto nº 1386

Apelação Criminal nº 1.144.159/8


Art. 155, § 4º, ns. III e IV, do Cód. Penal

– Inquestionável é a força probante dos indícios; mas, para que


autorizem edito condenatório, é mister que, em apoio recíproco,
por forma inequívoca e concludente, incriminem o acusado, com
exclusão de toda a hipótese que o favoreça (cf. Rev. Tribs., vol. 169,
p. 76).
– Na dúvida, o Julgador deve decidir conforme o estalão da prudência (o
qual, unicamente, o guardará das insídias do erro judiciário) e absolver
o réu.
– “A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a verdade ou a certeza, e
somente esta autoriza uma sentença condenatória. Condenar um possível
delinquente é condenar um possível inocente” (Nélson Hungria, Comentários
ao Código Penal, 6a. ed., vol. V, p. 65).
20

Voto nº 2498

“Habeas Corpus” nº 371.692/2


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
art. 312 do Cód. Proc. Penal

– Embora o princípio da presunção de inocência tenha sido exaltado


à categoria de dogma constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), não
há postergar os direitos e interesses da sociedade, entre os quais figura o
de exigir a segregação do agente pernicioso que pretenda subverter-lhe
os fundamentos e pôr em risco a segurança de seus membros.
– Não entra em dúvida que a preservação do estado de liberdade do
indivíduo é preocupação principal da ordem jurídica. Sob pena de
incorrer em arbitrariedade e abuso, a ninguém é lícito privá-lo do
direito de locomoção, exceto nos casos previstos em lei.
– Somente o excesso de prazo provocado, sem justificação, pelo Juiz
ou pelo Promotor de Justiça enseja a alegação de constrangimento ilegal
remediável por “habeas corpus”. Sempre com discrição, pequena demora
na instrução da causa deve ser relevada, pois em todo o processo com
vários acusados não raro incidem obstáculos difíceis de atalhar e
prevenir.
21

Voto nº 4173

Apelação Criminal nº 1.317.333/9


Art. 157, § 2º, nº I, do Cód. Penal

– Protestos de inocência que irrompem somente em Juízo, durante o


interrogatório, são pelo comum notados de insinceros e suspeitos,
porque, se verdadeiros, já os haveria o réu formulado na ocasião mesma
em que, chamado a contas pela autoridade policial, preferiu retrair-se a
cômodo e extraordinário silêncio.
– As palavras da vítima bastam a firmar a certeza da autoria do roubo:
personagem principal do evento delituoso, foi quem esteve em contacto
direto com o rapinador, e somente incriminará aquele de quem puder
reaver suas coisas roubadas.

Voto nº 4458

“Habeas Corpus” nº 435.882/0


Art. 155, § 4º, ns. I e IV, do Cód. Penal;
art. 118, nº II, da Lei de Execução Penal;
art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.

– Não é óbice à análise de pedido de progressão de regime isto de ter o


sentenciado processo em andamento, pois, em caso de condenação,
estará sujeito à forma regressiva (art. 118, nº II, da Lei de Execução Penal);
ao demais, inteligência diversa implicará violação do princípio de
inocência, consagrado pela Constituição da República (art. 5º, nº LVII).
22

Voto nº 4304

“Habeas Corpus” nº 428.398/3


Art. 157, “caput”, do Cód. Penal;
art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal

– Inscreve-se entre os mais estimáveis direitos do réu preso o de ser


processado, rigorosamente, nos prazos previstos em lei. É que, privado
da liberdade — bem preciosíssimo do homem —, não parecera lícito
agravar-lhe o sofrimento, dilatando os dias de sua permanência no
cárcere.
– É inteligência consolidada em todos os Tribunais de Justiça do
País que somente o excesso de prazo injustificado constitui
constrangimento ilegal, não a demora decorrente da ausência de
testemunhas, se intimadas na forma da lei, pois não está nas mãos de
Juiz, ainda o mais diligente, prevenir motivos de força maior que
obstam à realização do ato processual.
–“Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento
por excesso de prazo” (Súmula nº 52 do STJ).
– Não tem jus à liberdade provisória o autor de roubo, pela falta de
condição intrínseca: inocorrência de hipótese que autorize a prisão
preventiva (art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).
– A natureza e a gravidade do crime de roubo impedem se outorgue a seu
autor, ainda que primário e de bons antecedentes, o benefício da
liberdade provisória. A defesa dos direitos e interesses da sociedade é
que reclama a segregação, até a decisão final de mérito, daquele que
violou profundamente a ordem jurídica.
23

Voto nº 4316

“Habeas Corpus” nº 430.030/1


Art. 155, § 4º, ns. I e IV, do Cód. Penal;
art. 648, nº I, do Cód. Proc. Penal

– Segundo a nova ordem jurídica do País — que deu dignidade


constitucional ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, nº LVII)
—, é regra defender-se o réu em liberdade. A exegese do referido
dispositivo da Carta Magna, no entanto, está obrigada ao texto do art.
310, parág, único, do Cód. Proc. Penal, que é o assento legal da concessão
de liberdade provisória, nos casos de réu preso em flagrante delito.
– Prisão por força de flagrante formalmente em ordem não se relaxa
senão após o exame de mérito do fato típico e da culpabilidade do
agente, na fase própria da prolação da sentença.

Voto nº 4432

Apelação Criminal nº 1.348.489/8


Art. 157, § 2º, nº I, do Cód. Penal

– O réu inocente responde logo à injusta acusação, como o determina a


própria razão natural; não se chama ao silêncio, que este é o refúgio
comum dos culpados.
– A palavra da vítima passa por excelente meio de prova e autoriza
decreto condenatório, se em conformidade com os outros elementos
de convicção reunidos no processado.
24

Voto nº 4543

Apelação Criminal nº 1.365.141/9


Art. 157, § 2º, ns. I, II e V, do Cód. Penal

– O réu inocente já o declara no inquérito policial, quando arguido pela


autoridade a respeito da imputação; o que se mantém em silêncio (bem
que direito seu), nisso mesmo dá a conhecer sua culpa. É que repugna
ao bom senso nada responda o inocente a grave e injusta acusação.
– Se arrimada a outros elementos de convicção, constitui a fotografia
prova idônea para justificar edito condenatório porque, em princípio,
reproduz os caracteres fundamentais extrínsecos do indivíduo, sendo-
lhe não raro a cópia fiel.
– A imobilização da vítima pelo agente, que a amarra para facilitar a
perpetração do roubo, compreende-se na extensão do termo violência,
que é um de seus atributos: não constitui a causa de agravação especial
da pena prevista no inc. V do § 2º do art. 157 do Cód. Penal (restrição da
liberdade do sujeito passivo).
– A só presença de duas qualificadoras não obriga ao aumento da pena
do roubo além do mínimo legal de 1/3, o que apenas se justifica nos
casos em que praticado por grupo numeroso de agentes, mediante
emprego de armas de extraordinário poder vulnerante.
25

Voto nº 4600

Apelação Criminal nº 1.346.811/0


Art. 302 do Código de Trânsito

– Em obséquio ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, nº LVII,


da Const. Fed.) e do devido processo legal (nº LV), não é defeso à
Segunda Instância conhecer do recurso do réu, ainda que intempestivo,
se o despacho de prelibação (ou admissibilidade) do Juízo da
condenação lhe determinou o regular processamento.
– É grave, e portanto passível do rigor da lei, a culpa do motorista que,
trafegando com seu veículo em condições precárias de manutenção,
colide-o com outro, por falha no sistema de freios, e provoca acidente
fatal (art. 302 do Cód. Trânsito).
26

Voto nº 4709

Apelação Criminal nº 1.378.199/6


Art. 157, “caput”; arts. 61, nº I, e 71 do Cód. Penal

– Não admira que réus permaneçam calados na Polícia: é comum o


silêncio naqueles que, tocados da evidência de sua culpa, têm por
desarrazoada e baldia outra sorte de linguagem.
– Aquele, em cujo poder foi apreendida coisa que acabara de subtrair, já
não pode esperar que a Justiça lhe proclame a inocência, pois que
manifesta sua culpabilidade.
– Conforme iterativa jurisprudência dos Tribunais, a palavra da vítima,
se ajustada aos mais elementos do processo, justifica decreto
condenatório.
– Há tentativa de roubo se o agente, logo perseguido e preso, não teve a
posse tranquila da coisa subtraída, recuperada afinal pela vítima.
–“Se o agente foi de imediato perseguido e preso em flagrante, retomado o bem,
não se efetivou a subtração da coisa à esfera de vigilância do dono, tratando-se,
pois, de crime tentado” (STF; RE nº 100.771/1-São Paulo; rel. Min. Rafael
Mayer; j. 5.12.83; in JTACrSP, vol. 77, p. 446).
27

Voto nº 4880

“Habeas Corpus” nº 447.150/7


Art. 157, § 2º, ns. I e II, do Cód. Penal;
arts. 310, parág. único, e 648, nº I, do Cód. Proc. Penal

– É verdade que, à luz do princípio da presunção de inocência (art. 5º, nº


LVII, da Const. Fed.), ninguém será havido na conta de culpado senão
após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Esse
mandamento, contudo, não importa a concessão indiscriminada de
liberdade provisória a réu preso em flagrante. Tal sucede apenas
naqueles casos em que se não achem presentes os requisitos que
autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 310, parág. único, do
Cód. Proc. Penal).
– Todo o acusado de roubo tem contra si a presunção de periculosidade.
É que, delito que repugna fortemente à consciência popular, somente o
pratica sujeito cuja personalidade se deformou no atrito com a vida
infamante de crimes. A sociedade mesma, portanto, como forma de
defesa legítima, é a que exige a segregação daqueles que não trepidam
em cometer roubos.
– A decretação da prisão preventiva, por amor da ordem pública, não
arma ao efeito somente de prevenir a reiteração da prática de delitos,
mas também acautelar o organismo social e a própria credibilidade da
Justiça, agravados pela exacerbação da delinquência.
28

Voto nº 4884

Apelação Criminal nº 1.385.603/1


Art. 157, § 2º, nº I, do Cód. Penal

– A palavra da vítima, nos crimes de roubo, tem inquestionável


importância e pode ensejar decreto condenatório, se em harmonia com
as mais provas dos autos. Sua força está na circunstância de ter saído dos
lábios da pessoa que sofreu a violência ou grave ameaça e, pois, está em
melhor condição de identificar seu ofensor.
– Contra decisão condenatória nada pode simples protesto de inocência
do réu, se em franca rebeldia com as provas dos autos, que
implacavelmente o incriminam de roubo.

Voto nº 9589

“Habeas Corpus” nº 1.147.413-3/2-00


Art. 171, “caput”, do Cód. Penal;
arts. 393, nº I, e 594 do Cód. Proc. Penal

– Se o acusado respondeu preso ao processo-crime, será verdadeira


abusão lógica deferir-lhe o benefício da liberdade provisória após sua
condenação, pois entre os efeitos da sentença condenatória recorrível
inclui-se precisamente o de “ser o réu conservado na prisão” (art. 393, nº I,
do Cód. Proc. Penal).
– Se a Justiça o não reputou digno do benefício da liberdade, quando
ainda contava ser absolvido, com mais forte razão carecerá o acusado
de requisito subjetivo depois de condenado, quando a presunção de
inocência terá cedido à de sua culpabilidade.
–“Não pode ser concedida liberdade provisória para apelar se o réu já se
encontrava preso preventivamente ou em razão de flagrante ou de pronúncia”
(Julio Fabbrini Mirabete, Código de Processo Penal Interpretado, 4a. ed.,
p. 687).
29

Voto nº 9719

Apelação Criminal nº 858.025-3/7-00


Arts. 155, § 4º, ns. II e IV; 168 e 107, nº IV, do Cód. Penal;
arts. 383 e 384, parág. único, do Cód. Proc. Penal;
art. 1º da Lei nº 2.252/54

–“Não é inepta a denúncia que proporciona ao acusado a plena defesa assegurada


pela Constituição Federal” (STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 85, p. 70).
– Sem violar o princípio da congruência — “sententia debet esse conformis
libello” —, pode o Juiz, nos termos do art. 383 do Cód. Proc. Penal (que lhe
autoriza a “emendatio libelli”), reconhecer qualificadora não capitulada na
denúncia, desde que nela descrita, porque se defende o réu dos fatos,
não de sua qualificação legal.
–“Para os chamados penalistas práticos, a confissão do acusado se equiparava à
própria coisa julgada, como ensinava Farinácio: Confessio habet vim rei
judicatae” (José Frederico Marques, Estudos de Direito Processual Penal,
1a. ed., p. 290).
– Destituído de natureza formal, o crime de corrupção de menores (art.
1º da Lei nº 2.252/54) não se caracteriza sem a prova da inocência do
sujeito passivo, que não se presume. Só a inocência não vê a serpente
debaixo das flores!
– A prescrição intercorrente (art. 110, § 1º, do Cód. Penal) “constitui forma
de prescrição da pretensão punitiva (da ação), que rescinde a própria sentença
condenatória” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed.,
p. 358).
– Decretada a extinção da punibilidade do apelante pela prescrição da
pretensão punitiva estatal, já nenhuma outra matéria poderá ser
objeto de exame ou deliberação.
30

Voto nº 9822

“Habeas Corpus” nº 1.164.520-3/3-00


Arts. 157, § 2º, ns. I e II, e 29 do Cód. Penal;
arts. 310, parág. único, e 312 do Cód. Proc. Penal;
art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.

– À luz da nova ordem constitucional instaurada no País, a regra geral


é que se defenda o réu em liberdade. Consectário do princípio do
estado de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), só por exceção deve
o acusado responder preso ao processo.
– Conforme a comum opinião dos doutores, toda prisão cautelar, que se
não sustente em indeclinável necessidade, passa por abusiva e ilegítima
e, pois, quer-se revogada. Nesse número merecem contados os casos de
encarceramento de réu, quando ausentes os requisitos da decretação da
prisão preventiva (art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).
31

Voto nº 11.609

“Habeas Corpus” nº 990.09.025043-7


Arts. 121, § 2º, ns. I e IV, e 14, nº II, do Cód. Penal;
arts. 580, 310, parág. único, e 312 do Cód. Proc. Penal;
art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.

– À luz da nova ordem constitucional instaurada no País, a regra geral é


que se defenda o réu em liberdade. Consectário do princípio do
estado de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), só por exceção deve
o acusado responder preso ao processo.
– Conforme a comum opinião dos doutores, toda prisão cautelar, que se
não sustente em indeclinável necessidade, passa por abusiva e ilegítima
e, pois, quer-se revogada. Nesse número merecem contados os casos de
encarceramento de réu, quando ausentes os requisitos da decretação da
prisão preventiva (art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).
– Passa por iniquidade manter preso, enquanto lhe tramita o processo,
réu que poderá, no caso de condenação, ter cumprido já a máxima parte
de sua pena. Ao demais, ninguém ignora que o cárcere é o pior lugar
do mundo antes do cemitério, tendo-lhe Dostoiévski chamado, com
propriedade, a “casa dos mortos”.
–“É justo que, em caso igual, a mim e aos outros se aplique o mesmo direito”
(Demóstenes, A Oração da Coroa, 1877, p. 25; trad. Latino Coelho).
III. Casos Especiais
(Reprodução integral do voto)
PODER JUDICIÁRIO

1
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA – SEÇÃO CRIMINAL

“Habeas Corpus” nº 990.09.025043-7


Comarca: São Paulo
Impetrante: Dr. João Pidori Junior
Paciente: CCS

Voto nº 11.609
Relator

– À luz da nova ordem constitucional instaurada


no País, a regra geral é que se defenda o réu em
liberdade. Consectário do princípio do estado
de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), só
por exceção deve o acusado responder preso ao
processo.

– Conforme a comum opinião dos doutores, toda


prisão cautelar, que se não sustente em
indeclinável necessidade, passa por abusiva
e ilegítima e, pois, quer-se revogada. Nesse
número merecem contados os casos de
encarceramento de réu, quando ausentes os
requisitos da decretação da prisão preventiva
(art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).
36

– Passa por iniquidade manter preso, enquanto


lhe tramita o processo, réu que poderá, no caso
de condenação, ter cumprido já a máxima parte
de sua pena. Ao demais, ninguém ignora que o
cárcere é o pior lugar do mundo antes do
cemitério, tendo-lhe Dostoiévski chamado,
com propriedade, a “casa dos mortos”.

–“É justo que, em caso igual, a mim e aos outros


se aplique o mesmo direito” (Demóstenes, A
Oração da Coroa, 1877, p. 25; trad. Latino
Coelho).

1. O ilustre advogado Dr. João Pidori Júnior impetra a


este Egrégio Tribunal ordem de “Habeas Corpus”, com pedido
de liminar, em prol de CCS, sob o argumento de que
padece constrangimento ilegítimo da parte do MM. Juízo
de Direito do 3º Tribunal do Júri da Comarca da Capital.

Afirma, na petição de fls. 2/7, que o paciente se acha


preso e recolhido pela prática de homicídio; faltava-lhe,
porém, justa causa para a custódia cautelar, por ausentes os
requisitos legais que a poderiam justificar, e por deficiente
a fundamentação do despacho que a decretou.

Acrescenta o digno impetrante que o paciente fazia


jus ao benefício da liberdade provisória, que lhe devia ser
dispensado, não se convertesse a custódia cautelar em ato
de arbítrio e ilegalidade.
37

Pleiteia, por isso, à colenda Câmara tenha a bem


conceder ordem de “habeas corpus” ao paciente, a fim de
revogar-lhe a prisão preventiva, com expedição de alvará
de soltura.

Instruiu o pedido com cópias de peças dos autos da


ação penal (fls. 8/40).

O despacho de fls. 42/45 indeferiu a medida liminar


pleiteada.

A mui digna autoridade judiciária indicada como


coatora prestou as informações de estilo nas quais
esclareceu que o paciente foi pronunciado por infração dos
arts. 121, § 2º, ns. I e IV, combinado com o art. 14, nº II, na
forma do art. 69, e 155, § 4º, nº IV, do Código Penal.

Informou ainda que o paciente interpôs Recurso em


Sentido Estrito da decisão de pronúncia (fls. 50/51).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer


firme e objetivo do Dr. Armando Padilha Júnior, opina
pela concessão da ordem (fls. 63/65).

É o relatório.
38

2. Consta dos autos que, no dia 22 de outubro de 2007,


na Rua Tadao Inauê, nesta Capital, o paciente, obrando em
concurso e unidade de propósitos com JS e LCS, tentara
matar Marcos Pedro Ferreira, Alex Santos Desidério e
um terceiro indivíduo não-identificado, somente o não
conseguindo por circunstâncias alheias à sua vontade.

Reza ainda a denúncia que o paciente e os corréus


subtraíram, para si, objetos e documentos pessoais
pertencentes à vítima Alex Santos Desidério.

Instaurada a “persecutio criminis in judicio”, foi o


paciente denunciado e, após regular instrução processual,
pronunciado como incurso nas penas dos arts. 121, § 2º,
ns. I e IV, combinado com o art. 14, nº II, na forma do
art. 69, e 155, § 4º, nº IV, do Código Penal.

Negou-lhe a r. sentença o direito de recorrer em


liberdade.

Comparece agora o paciente perante esta colenda


Corte de Justiça, em busca de remédio que lhe ponha
cobro ao constrangimento ilegal que afirma está a
padecer por falta de justa causa.
39

3. Em que pese aos talentos e virtudes da distinta


Magistrada prolatora da decisão impugnada, tenho por mui
digno de acolher o pedido de “habeas corpus” impetrado
em nome do paciente, sem violar o Direito Positivo nem
ofender o zelo da Justiça, antes com bom crédito seu.

De feito, à luz da nova ordem constitucional instaurada


no País, a regra geral é que se defenda o réu em liberdade.
Consectário do princípio do estado de inocência (art. 5º
nº LVII, da Const. Fed.), só por exceção deve o acusado
responder preso ao processo.

Donde a lição do preclaro Antonio Magalhães Gomes


Filho:

“(...) não é legítima a prisão anterior à condenação transitada


em julgado, senão por exigências cautelares indeclináveis
de natureza instrumental ou final, e depois de efetiva
apreciação judicial, que deve vir expressa através de decisão
motivada” (Presunção de Inocência e Prisão Cautelar, 1991,
p. 86).

Isto mesmo tem preconizado a jurisprudência de


nossos Tribunais:
40

“Se a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei


penal não correm perigo, deve a liberdade provisória ser
concedida a acusado preso em flagrante, nos termos do art.
310, parág. único, do Cód. Proc. Penal. A gravidade do
crime imputado desvinculada de razões sérias e fundadas,
devidamente especificadas, não justifica sua custódia
provisória” (Rev. Tribs., vol. 593, p. 367; rel. Ercílio
Sampaio).

Ao demais, passa por ilegítima e abusiva toda a prisão


cautelar que se não apoie em indeclinável necessidade:

a) “A restrição ao exercício do direito de liberdade é medida


excepcional. Além dos requisitos expressos no art. 312
do Código de Processo Penal, impõe-se evidenciar a
necessidade. Toda prisão, penal ou cautelar, só se justifica
configurado o interesse público” (STJ; RHC nº 5.963;
rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro; DJU 3.3.97,
p. 4.710);

b) “A simples qualificação dos fatos delituosos descritos na


denúncia, por si só, não basta para decretação da custódia
preventiva, pois cabe ao juiz verificar a necessidade da
medida, ainda que verse a acusação crime tido por
hediondo” (Rev. Tribs., vol. 746, p. 597; rel. Djalma
Lofrano).
41

Além disso — e observou-o com rara penetração o


douto subscritor do parecer da Procuradoria-Geral de Justiça
(fl. 75) —, “(...) o paciente e o corréu permaneceram presos durante
a instrução criminal pelos mesmos motivos, não existindo razão
jurídica relevante para a liberação de um e a manutenção
da custódia de outro, notadamente porque se encontram na
mesma situação processual, inclusive por ter sido reconhecida a
primariedade e os bons antecedentes de ambos. E as ameaças
referidas pela vítima Alex, fato que motivou a manutenção
da custódia (fls. 34), teriam ocorrido em 2002 e 2003, cf. fls. 27,
não constituindo óbice à soltura para possibilitar o recurso em
liberdade” (fl. 47).

A essa conta, configurava iniquidade mantê-lo no


cárcere enquanto lhe tramitava o processo, pois já ninguém
ignora ser a prisão o pior lugar do mundo antes do
cemitério! “Casa dos mortos” chamou-lhe Dostoiévski!

À derradeira, desde a mais remota antiguidade ressoa


este pregão de justiça:

“É justo que, em caso igual, a mim e aos outros se aplique


o mesmo direito” (Demóstenes, A Oração da Coroa,
1877, p. 25; trad. Latino Coelho).
42

Idêntica à situação do corréu Júnio — a quem o


MM. Juízo facultou o direito de “aguardar em liberdade o
julgamento” (fl. 34) —, é a do paciente CCS: pelo
que, estendo-lhe os efeitos daquela decisão, aplicada
analogicamente a regra do art. 580 do Código de Processo
Penal, conforme a orientação de nossas Cortes de Justiça
(cf. STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 101, p. 127; STJ; Rev. Tribs.,
vol. 764, p. 504; apud Damásio E. de Jesus, Código de
Processo Penal Anotado, 23a. ed., p. 465).

Em face do que levo expendido, e havendo


consideração às forçosas razões que constam da petição de
“habeas corpus” e do abalizado parecer da Procuradoria-Geral
de Justiça, defiro ao paciente liberdade provisória, “mediante
termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de
revogação” (art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).

4. Pelo exposto, concedo ordem de “habeas corpus” ao


paciente para deferir-lhe liberdade provisória, “mediante
termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena
de revogação” (art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).
Expeça-se-lhe alvará de soltura, se por al não estiver
preso.

São Paulo, 17 de abril de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

2
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA – SEÇÃO CRIMINAL

“Habeas Corpus” nº 1.165.962-3/7-00


Comarca: Santa Bárbara D’Oeste
Impetrante: Dra. Maria Olívia Guisso
Paciente: WVP

Voto nº 9723
Relator

– De presente, por força do princípio da


presunção de inocência (art. 5º, nº LVII,
da Const. Fed.), prevalece nos Tribunais o
entendimento de que a prisão cautelar
somente se legitima se determinada por
inelutável necessidade e conveniência de
ordem pública. Necessidade é a razão que se
funda na gravidade extrema do crime e na
periculosidade do agente, circunstâncias que
o obrigam a segregar-se da comunhão social.

– Se ausentes os pressupostos legais da


decretação da prisão preventiva, tem direito a
liberdade provisória o réu que, primário e de
bons antecedentes, responde a processo por
crime cometido sem violência (art. 310, parág.
único, do Cód. Proc. Penal).
44

– Conforme a comum opinião dos doutores,


toda prisão cautelar, que se não sustente em
indeclinável necessidade, passa por abusiva e
ilegítima e, pois, quer-se revogada. Nesse
número merecem contados os casos de
encarceramento de réu, quando ausentes os
requisitos da decretação da prisão preventiva
(art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).

–“Liberdade provisória. Embora preso em flagrante


por crime inafiançável, pode o réu ser libertado
provisoriamente, desde que inocorram razões para
sua prisão preventiva” (TJSP; Rev.Tribs., vol.
523, p. 376; apud Damásio E. de Jesus, Código
de Processo Penal Anotado, 22a. ed., p. 246).

–“Sem que se caracterize situação de real necessidade,


não se legitima a privação cautelar da liberdade
individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões
de necessidade, revela-se incabível, ante a sua
excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da
prisão preventiva (...)” (STF; Rev. Trim. Jurisp.,
vol. 180, pp. 262-264; rel. Min. Celso de
Mello).

1. A ilustre advogada Dra. Maria Olívia Guisso impetra


a este Egrégio Tribunal ordem de “Habeas Corpus”, com
pedido liminar, em prol de WVP, sob o argumento de que
padece constrangimento ilegítimo da parte do MM. Juízo
de Direito da 1a. Vara Criminal da Comarca de Santa
Bárbara d’Oeste.
45

Afirma, na petição de fls. 2/10, que, preso em


flagrante por infração do art. 311, “caput”, do Código Penal
(adulteração de sinal identificador de veículo automotor), era
manifesta a coação ilegítima que padecia.

Alega mais que, ao indeferir-lhe o MM. Juízo o


benefício da liberdade provisória, ofendera de frente
a lei positiva, sobretudo porque não fundamentara
adequadamente sua decisão.

Assim, a permanência do paciente no cárcere, ao


aviso da impetrante, constituía ilegalidade que cumpria
reparar pela concessão do remédio jurídico do “habeas
corpus”.

Requer, destarte, à colenda Câmara seja servida


conceder-lhe ordem de “habeas corpus”, a fim de que
possa defender-se em liberdade no processo-crime a
que responde.

Instruiu o pedido com cópias de peças dos autos da


ação penal (fls. 11/180).

O despacho de fls. 182/185 indeferiu a medida


liminar.
46

A mui digna autoridade judiciária apontada como


coatora prestou as informações de praxe, nas quais
esclareceu ter sido o paciente denunciado por infração
do art. 311, conjugado com o art. 29, do Código Penal.

Rematou Sua Excelência ter indeferido pedido de


liberdade formulado em nome do paciente (fls. 199/200).

O ofício de informações acompanha-se de cópias de


peças da ação penal (fls. 201/206).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


minucioso e abalizado parecer do Dr. Marco Vinicio
Petrelluzzi, opina pela concessão da ordem (fls. 192/197).

É o relatório.

2. Reza a denúncia, juntada a estes autos por cópia


(fls. 20/21), que, no dia 24 de abril de 2007, na Rua
da Agricultura, em Santa Bárbara d’Oeste, o paciente,
obrando em concurso e unidade de propósitos com três
outros indivíduos, suprimiu os sinais identificadores do
veículo VW/Parati, de placa DHY-2712, subtraído, na
mesma data, na Comarca de Campinas.

Instaurada a “persecutio criminis”, entrou o feito a


correr os seus trâmites.
47

A Defesa requereu, sem êxito feliz, a liberdade


provisória do paciente.

Agora, assistido de combativo patrono, comparece


perante esta colenda Corte de Justiça, com o intuito de
alcançar o benefício que lhe foi negado em Primeira
Instância.

3. Em que pese aos talentos e virtudes da distinta


Magistrada prolatora da decisão impugnada, tenho por
mui digno de acolher o pedido de liberdade provisória
formulado em nome do paciente, sem violar o Direito
Positivo nem ofender o zelo da Justiça, antes com bom
crédito seu.

Na real verdade, como toda infração penal, é grave


aquela imputada ao paciente, pois implicou notável
ruptura da ordem jurídica e social.

Mas, de presente, o princípio que prepondera em


pontos de prisão cautelar é o de que apenas cabe quando
determinada por inelutável necessidade e conveniência.

Necessidade é a razão que se funda na gravidade


extrema do crime e na periculosidade do agente,
circunstâncias que o obrigariam a segregar-se da comunhão
social.
48

O delito por que fora denunciado, não o praticara o


paciente mediante violência. Além de que — e notou-o
com assaz de razão o douto parecer da Procuradoria-Geral
de Justiça —, “o impetrante fez prova de que o paciente possui
residência fixa e tem ocupação definida. A primariedade do
paciente é admitida no despacho que indeferiu a liberdade
provisória. A circunstância de o paciente responder a outro
processo na mesma Vara, esse por receptação, em meu
entendimento não impede a concessão de liberdade provisória”
(fl. 193).

Ora, dispõe o art. 310, parág. único, do Código de


Processo Penal que, se ausentes os pressupostos que
autorizam a prisão preventiva, pode o Juiz deferir ao réu
preso o benefício da liberdade provisória.

Tal faculdade, quando presentes os requisitos legais,


interpreta-a a jurisprudência dos Tribunais como direito
público subjetivo do réu:

a) “Se a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da


lei penal não correm perigo, deve a liberdade provisória
ser concedida a acusado preso em flagrante, nos termos do
art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal. A gravidade
do crime imputado desvinculada de razões sérias e
fundadas, devidamente especificadas, não justifica sua
custódia provisória” (Rev. Tribs., vol. 593, p. 367; rel.
Ercílio Sampaio);
49

b) “A conservação de um homem na prisão requer mais que


um simples pronunciamento jurisdicional. A restrição ao
estado de liberdade impõe ato decisório suficientemente
fundamentado, que encontre suporte em fatos concretos”
(TJSP; Rec. nº 178.590-3; rel. Irineu Pedrotti; apud
Alberto Silva Franco et alii, Código de Processo Penal
e sua Interpretação Jurisprudencial, 1999, vol. II,
pp. 2.040 e 2.043).

Defiro, pois, ao paciente liberdade provisória. Faço-o após


detido exame das circunstâncias do caso, na conformidade
da jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal,
de que é paradigma o ven. aresto a seguir reproduzido por
sua ementa:

“(...) A privação cautelar da liberdade individual reveste-se


de caráter excepcional, somente devendo ser decretada
em situações de absoluta necesssidade.

A prisão preventiva para legitimar-se em face do nosso


sistema jurídico, impõe — além da satisfação dos
pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova
da existência material do crime e indício suficiente
de autoria) — que se evidenciem, com fundamento
em base empírica idônea, razões justificadoras da
imprescindibilidade dessa extraordinária medida
cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.
50

Sem que se caracterize situação de real necessidade,


não se legitima a privação cautelar da liberdade
individual do indiciado ou do réu. Ausentes
razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua
excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da
prisão preventiva (...)” (Rev. Trim. Jurisp., vol. 180,
pp. 262-264; rel. Min. Celso de Mello).

No particular, mesmo que, ao cabo da instrução


criminal, venha o paciente a ser condenado, decerto se lhe
não recusará o benefício do regime aberto. Examinada a
questão sob essa luz, também parecera desaconselhável sua
custódia provisória.

4. Pelo exposto, concedo a ordem de “habeas corpus” para


deferir ao paciente liberdade provisória, nos termos do art.
310, parág. único, do Cód. Proc. Penal. Expeça-se-lhe alvará
de soltura, se por al não estiver preso.

São Paulo, 29 de janeiro de 2008


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

3
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA – SEÇÃO CRIMINAL

Apelação Criminal nº 858.025-3/7-00


Comarca: São Paulo
Apelantes: MRC, CF e Ministério Público
Apelados: Os mesmos

Voto nº 9719
Relator

– “Não é inepta a denúncia que proporciona ao


acusado a plena defesa assegurada pela
Constituição Federal” (STF; Rev. Trim. Jurisp.,
vol. 85, p. 70).

– Sem violar o princípio da congruência —


“sententia debet esse conformis libello” —, pode o
Juiz, nos termos do art. 383 do Cód. Proc.
Penal (que lhe autoriza a “emendatio libelli”),
reconhecer qualificadora não capitulada na
denúncia, desde que nela descrita, porque
se defende o réu dos fatos, não de sua
qualificação legal.
52

–“Para os chamados penalistas práticos, a confissão do


acusado se equiparava à própria coisa julgada,
como ensinava Farinácio: Confessio habet vim rei
judicatae” (José Frederico Marques, Estudos de
Direito Processual Penal, 1a. ed., p. 290).

– Destituído de natureza formal, o crime de


corrupção de menores (art. 1º da Lei nº
2.252/54) não se caracteriza sem a prova da
inocência do sujeito passivo, que não se
presume. Só a inocência não vê a serpente
debaixo das flores!

– A prescrição intercorrente (art. 110, § 1º, do


Cód. Penal) “constitui forma de prescrição da
pretensão punitiva (da ação), que rescinde a própria
sentença condenatória” (Damásio E. de Jesus,
Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 358).

– Decretada a extinção da punibilidade do


apelante pela prescrição da pretensão punitiva
estatal, já nenhuma outra matéria poderá ser
objeto de exame ou deliberação.

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 24a. Vara Criminal da Comarca da Capital,
condenando-os à pena de 4 anos de reclusão e 20 dias-
-multa, por infração do art. 155, § 4º, ns. II e IV, conjugado
com o art. 70, do Código Penal, e absolvendo-os da
imputação de infratores do art. 1º da Lei nº 2.252/54, os
réus interpuseram recurso de Apelação para este Egrégio
Tribunal, no intuito de reformá-la; também o ilustre
representante do Ministério Público apelou.
53

a) MRC, nas razões de recurso elaboradas por seu


esforçado patrono, alega que o conjunto probatório, frágil
e precário, não lhe autorizava a condenação.

Pelo que, era força absolvê-lo; subsidiariamente,


requer a redução da pena imposta (fls. 309/310);

b) A Defesa de CF, patrocinada por diligente e culto


advogado (fls. 287/292), argui preliminar de inépcia da
denúncia, por inadequação de seu proceder ao tipo penal.

No mérito, pleiteia absolvição, em face da que


denomina fragilidade probatória.

Mas, a confirmar-se o edito condenatório, requer a


desclassificação do crime para o tipo do art. 168 do Código
Penal (apropriação indébita);

c) O Ministério Público, em esmeradas razões (fls.


258/263), esse propugna a condenação dos réus na forma
da denúncia, i.e., por infração também do art. 1º da Lei
nº 2.252/54 (corrupção de menores).

As partes contrariaram os recursos (fls. 276/277,


293/296, 298/302 e 312/317).
54

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


percuciente e abalizado parecer do Dr. Fernando Sergio
Barone Nucci, opina pelo provimento do recurso do
Ministério Público, improvidos os da Defesa (fls.
319/323).

É o relatório.

2. O órgão do Ministério Público deu denúncia contra


os réus porque, no dia 16.10.2000, pelas 15h, na
confluência da Rua Luis Góis e Rua Jureia, nesta Capital,
obrando em concurso e unidade de propósitos com INV
e o adolescente RAMM, mediante fraude, subtraíram para
si um malote com documentos, e valores em cheques
(R$ 45.000,00), duplicatas e dinheiro (R$ 5.000,00),
pertencentes à empresa “Vivat le Roi”.

Reza também a denúncia que, nas mesmas condições


de tempo e lugar, previamente ajustados e com identidade
de propósitos, os réus facilitaram a corrupção do
adolescente RAMM para a prática de furto.

Dela consta ainda que, em 16.10.2000, pelas 15h17,


nas dependências do 16º Distrito Policial, nesta Capital,
INV provocou a ação da autoridade, comunicando-lhe
falsamente a ocorrência de roubo, que sabia não se
verificara.
55

Instaurada a persecução penal, entrou o processo a


correr seus trâmites; ao cabo, a r. sentença de fls. 245/251
julgou procedente a denúncia e condenou os réus como
incursos nas sanções do 155, § 4º, ns. II e IV, conjugado com
os arts. 70 e 29 do Código Penal, e absolveu-os da imputação
de infratores do art. 1º da Lei nº 2.252/54.

Malcontentes com o desfecho da causa-crime,


comparecem as partes perante esta augusta Corte de
Justiça: os réus, na expectativa de absolvição; o Ministério
Público, para pleitear-lhes a condenação pelo delito de
corrupção de menores.

3. No que respeita à alegação de inépcia da denúncia,


carecem de razão, “data venia”, os réus-apelantes.

É que, no caso, não somente articularam, por seus


dignos patronos, defesa integral, senão que — e aqui bate o
ponto — puderam fazê-lo com inexcedível proficiência.

Vem a talho o magistério de nossos Tribunais:

a) “Não é inepta a denúncia que proporciona ao acusado


a plena defesa assegurada pela Constituição Federal”
(cf. STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 85, p. 70);
56

b) “Defende-se o réu dos fatos descritos na denúncia, e não


da capitulação nela contida. Assim, estando descrita
a agravante reconhecida pela sentença, embora não
inicialmente capitulada pelo Ministério Público, o
reconhecimento não acarreta nulidade, verificando-se,
então a emendatio libelli, expressamente permitida pelo
art. 383 do Cód. Proc. Penal, e não a mutatio libelli,
referida pelo art. 384, parág. único, do referido Código.
Desnecessária, assim, a baixa dos autos para o
aditamento à denúncia, com posterior manifestação
da defesa” (JTACrSP, vol. 79, p. 12; rel. Lourenço
Filho).

Afasto, pois, a prejudicial suscitada, uma vez que a r.


decisão recorrida não violou o princípio da congruência
(“sententia debet esse conformis libello”).

4. Os protestos de inocência dos réus apenas se admitem


em obséquio ao soberano princípio da ampla defesa; não
podem, entretanto, ser acolhidos, já que em contradição
com os elementos de prova dos autos.

Em verdade, ouvido na quadra inquisitorial, MRC


confessou, sem ambages nem rebuços, a autoria do delito
(fls. 12/13).
57

Tais declarações não ficaram insuladas no ventre dos


autos, antes foram roboradas por valiosos elementos de
prova.

É certo que, em seu interrogatório judicial (fls.


128/132), ensaiou versão escusatória, com dizer que,
chamado para um serviço de entrega, não tinha ciência
de que se tratava de furto.

Não no comprovou, porém. Pelo que, sua afirmação


— uma vez se acha às testilhas com a regra jurídica do
ônus da prova — passa por simples “flatus vocis”. De feito,
alegar, e não provar o alegado, é uma só e a mesma coisa.

Com suas palavras conforma-se a mais prova oral dos


autos, sobretudo o depoimento do corréu CF, do qual se
extrai que todos os participantes da empreitada tinham
conhecimento de que perpetrariam furto; até combinaram
a falsa comunicação do roubo à Polícia (fl. 168).

A circunstância — aliás, notável! — de que estavam


juntos e haviam concordado com a subtração das coisas,
não consente dúvida acerca do vínculo subjetivo que os
associara na prática do delito. “Arcades ambo” !

E, pois que houve confissão judicial, a autoria do fato


criminoso acha-se além de toda a dúvida.
58

De feito, é a confissão “a prova mais peremptória, aquela


que esclarece, convence e satisfaz, no mais alto grau, a consciência
do Juiz: omnium probationum maxima. Neste caso, é um raio da
luz divina lançado no meio das obscuridades e das insuficiências
dos juízos humanos, podendo, então, exclamar-se com Ulpiano:
Post confessionem rei, nihil amplius quaeritur” (Cons. Vicente
Alves de Paula Pessoa, Processo Criminal de Primeira
Instância, 1882, p. 157).

As provas dos autos, não há negá-lo, ostentam o


caráter daquelas a que Beccaria chamava provas perfeitas:
“demonstram, de maneira positiva, que é impossível ser o acusado
inocente” (Dos Delitos e das Penas, § VII; trad. Torrieri
Guimarães).

A condenação dos réus, portanto, à luz do princípio


da responsabilidade solidária (art. 29 do Cód. Penal), era o
êxito natural da causa.

Isto de haver o corréu Maciel repudiado, em Juízo,


a confissão policial não desmerece a convicção da sua
culpabilidade, sobretudo porque o conteúdo da confissão
na Polícia é que se mostra verossímil.

À derradeira, na conformidade da melhor doutrina,


vale a confissão pelo que encerra, não pelo lugar onde é
feita:
59

“A confissão vale não pelo lugar em que é prestada, mas


pela força de convencimento que contém; assim, sendo
corroborada pelas demais provas do processo, aquela
realizada quando do inquérito policial deve ter
valor reconhecido” (RJTACrSP, vol. 29, p. 194; rel.
Lourenço Filho).

Não é fora de propósito ressaltar que repugna à razão


lógica deixar à sombra confissão apenas porque proferida
na Polícia e repudiada em Juízo, máxime quando — sendo
este o caso dos autos — refere pormenores tais, que
somente quem os praticou estaria em condições de dá-los
a conhecer.

5. A tese da apropriação indébita, a que se arrojara a


defesa, não merece acolhida, visto ausente o elemento
nuclear do tipo, isto é, a posse autorizada.

Ficou bem caracterizado o furto, e este na forma


qualificada, porque o perpetraram os apelantes com o
concurso de INV e o menor RAMM, e com abuso de
confiança; valeram-se de meio enganoso para iludir a
vigilância com o fito de mais facilmente subtrair o malote
de valores.
60

6. A despeito dos talentos e clara noção do dever


funcional que exornam seu subscritor, estou em que as
razões de apelação da Promotoria de Justiça não se
avantajam àquelas expostas na sentença: não se aperfeiçoou
o crime de corrupção de menores (art. 1º da Lei nº 2.252/54).

No caso sujeito — o que não escapou ao reparo da


r. sentença —, a iniciativa da ação delituosa coubera ao
“acusado Ivan, o que afasta a possibilidade da aferição do poder
de coerção dos acusados” sobre os menores. Ainda: estes
“aderiram livremente ao convite” (fl. 250).

Faz ao intento, por isso, a jurisprudência dos


Tribunais:

a) “Para a caracterização do crime de corrupção de


menores, previsto na Lei nº 2.252/54, é preciso prova
da conduta pretérita do menor e mesmo do efetivo
resultado lesivo à formação moral do jovem, não
bastando a prática do delito em sua companhia para
que se tenha, ipso facto, demonstrado que este suportou
a corrupção” (TJSP; rel. Walter Guilherme; Rev.
Tribs., vol. 771, p. 595);

b) “Corrupção de menores — Não-caracterização —


Delito de natureza não-formal, a exigir prova de
efetiva corrupção — Absolvição decretada” (JTJ, vol.
127, p. 268).
61

A pena-base foi-lhes fixada segundo critério legítimo


e justo: no mínimo legal, atenta a primariedade,
menoridade relativa e confissão espontânea dos réus
(fl. 250).

Como a r. sentença considerou praticados os furtos


“em concurso formal” (fl. 249), cumpria aumentar a pena de
um deles em 1/6, de que resultariam 2 anos e 4 meses
de reclusão e 20 dias-multa (e não 4 anos).

7. As penas impostas aos réus, contudo, já o Estado não


pode executar, que alcançadas pela prescrição.

Deveras, desde a publicação da r. sentença —


13.5.2004 (fl. 252) — até aqui decorreu lapso de tempo
superior a 3 anos.

Ainda:

“No concurso formal, para efeito de prescrição da pretensão


punitiva, cada delito componente conserva sua autonomia,
desprezando-se a causa de aumento de pena prevista no
art. 70 do CP” (Damásio E. de Jesus, Prescrição Penal,
9a. ed., p. 67).
62

Ora, a pena de 2 anos, conforme a regra do art. 109, nº


V, do Código Penal, prescreve em 4, prazo que se reduz de
metade se, ao tempo do crime, o réu era menor de 21 anos,
como no particular em julgamento (fls. 18 e 24).

É força, portanto, nos termos dos arts. 107, nº IV,


109, nº V, 110, § 1º, e 115 do Código Penal, julgar extinta a
punibilidade dos réus pela prescrição intercorrente, que
“constitui forma de prescrição da pretensão punitiva (da ação),
que rescinde a própria sentença condenatória” (Damásio E. de
Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 358).

Realmente:

“(...) a partir da publicação da decisão condenatória,


aplicado exclusivamente o § 1º do art. 110, teremos a
incidência da extinção da punibilidade pela prescrição
da pretensão punitiva (ação penal). Não subsistem a
sentença nem seus efeitos principais e acessórios. E o
Tribunal não precisa apreciar o mérito, ficando
prejudicada a apelação” (Damásio E. de Jesus,
Prescrição Penal, 9a. ed., p. 49).

Vem aqui a ponto o ven. acórdão a seguir


reproduzido por sua ementa:
63

“A extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão


punitiva precede e afasta qualquer outra questão. Por
isso, depois do seu reconhecimento, não há que se emitir
juízo sobre qualquer outra matéria, preliminar ou de
mérito” (RJDTACrimSP, vol. 11, p. 121; rel. S. C.
Garcia).

8. Pelo exposto, nego provimento aos recursos e,


de ofício, declaro extinta a punibilidade dos réus pela
prescrição intercorrente da pretensão punitiva estatal, com
fundamento nos arts. 107, nº IV, 109, nº V, 110, § 1º, e 115
do Cód. Penal.

São Paulo, 26 de janeiro de 2008


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

4
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.317.333/9


Comarca: Cubatão
Apelante: JNP
Apelado: Ministério Público

Voto nº 4173
Relator

– Protestos de inocência que irrompem somente


em Juízo, durante o interrogatório, são pelo
comum notados de insinceros e suspeitos,
porque, se verdadeiros, já os haveria o réu
formulado na ocasião mesma em que,
chamado a contas pela autoridade policial,
preferiu retrair-se a cômodo e extraordinário
silêncio.

– As palavras da vítima bastam a firmar a certeza


da autoria do roubo: personagem principal do
evento delituoso, foi quem esteve em contacto
direto com o rapinador, e somente incriminará
aquele de quem puder reaver suas coisas
roubadas.
65

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da 2a. Vara da Comarca de Cubatão, condenando-o a
cumprir, sob o regime fechado, a pena de 6 anos e 8 meses
de reclusão, além de 15 dias-multa, por infração do art. 157,
§ 2º, nº I, do Código Penal, interpôs recurso para este Egrégio
Tribunal, no intento de reformá-la, JNP.

Em suas razões de recurso, afirma que o conjunto


probatório, em extremo frágil, não lhe autorizava a
condenação.

Acentua mais que não houve testemunha ocular dos


fatos; assim, pelo princípio geral de interpretação da
dúvida, era força absolvê-lo (fls. 138/142).

Apresentou contrarrazões de recurso a douta


Promotoria de Justiça: repeliu a pretensão da nobre Defesa
e ressaltou os grandes méritos da r. sentença, digna, a seu
aviso, de subsistir incólume (fls. 144/148).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


refletido e abalizado parecer do Dr. José Roberto Castilho,
opina pelo improvimento do recurso (fls. 159/161).

É o relatório.
66

2. Deu denúncia contra o réu o órgão do Ministério


Público porque, no dia 7 de junho de 1999, pelas 8h, no
interior do estabelecimento comercial “Minimercado Bela
Vista”, situado na Rodovia Pe. Manuel da Nóbrega, na
cidade de Cubatão, mediante grave ameaça exercida com
emprego de arma de fogo contra a vítima Elidimar Alves
da Silva, subtraiu para si a importância de R$ 100,00, em
dinheiro, e vários pacotes de cigarros, de propriedade da
empresa-vítima.

Rezam os autos que, no dia dos fatos, entrou o


acusado no estabelecimento comercial e, a pouco trecho,
sacou de arma de fogo, apontando-a para a vítima
Elidimar, a quem exigiu lhe entregasse o dinheiro e pacotes
de cigarros.

Em seguida, de novo ameaçou de morte a vítima e


rompeu em fuga.

Instaurada a persecução criminal, transcorreu o


processo na forma da lei; ao cabo, a r. sentença de fls.
128/129 julgou procedente a pretensão punitiva e
decretou a condenação do réu, o qual, insatisfeito,
comparece perante esta augusta Corte de Justiça, na
expectativa de alcançar absolvição.
67

3. Não obstante louvável o esforço de seu patrono,


promovendo-lhe com denodo a defesa dos direitos e
interesses, a pretensão do réu não se mostra atendível.

A razão é que a prova dos autos, ao revés do que


inculca a digna Defesa, era a que bastava para estruturar o
edito condenatório.

De feito, a vítima Elidimar declarou, na instrução da


causa, que reconhecera, na Delegacia de Polícia, por
fotografia, aquele que a ameaçara de morte e roubara o
dinheiro do estabelecimento comercial.

Acrescentou que já o conhecia, por haver passado de


bicicleta pelo local. Descreveu ainda, com minúcias, a ação
do réu.

De outra parte, a testemunha Agrimaldo Damião da


Silva, proprietário do mercado-vítima, soube do roubo em
seu estabelecimento.

O argumento da nobre Defesa, derredor da


fragilidade da prova, não merece o relevo que lhe conferiu.

Com efeito, nas mais das vezes, é o roubo cometido


clandestinamente, longe da vista das pessoas, circunstância
de que o malfeitor fia o bom êxito da empreitada
criminosa.
68

Eis a razão por que a gente antiga cunhara o adágio:


“O crime procura a sombra” (Caldas Aulete, Dic.).

A firmeza com que a vítima o reconheceu torna


escusados e baldios os protestos de inocência do réu,
formalizados em seu interrogatório judicial (fl. 70 v.).

Fosse deveras inocente, já o teria proclamado na


primeira oportunidade que teve de autodefesa. Mas, sem
explicação razoável, preferiu, na fase do inquérito policial,
obrar segundo os culpados: recolheu-se a profundo e
enigmático silêncio (fl. 19).

À derradeira, a vasta e atormentada folha de


antecedentes do réu desacredita-lhe a alegação de pessoa
inocente (fls. 51/53).

Deveras, notável prestígio tem granjeado a palavra da


vítima no âmbito dos Tribunais, como expressão da
verdade processual:

“Em crimes tocados de clandestinidade, como é o roubo,


sua palavra assume relevante significado probatório,
sendo que o reconhecimento pessoal do agente do delito,
quando feito com segurança e presteza e em harmonia
com outras provas, é fonte segura de prova da autoria”
(RJDTACrimSP, vol. 18, p. 126; rel. S. C. Garcia).
69

A pretensão absolutória do apelante, a essa conta,


excede o campo da prova.

4. As penas, aplicadas alguma coisa acima do mínimo


legal, atenderam às circunstâncias pessoais do réu que,
embora primário, conta já 5 condenações com trânsito em
julgado, por crimes contra o patrimônio.

O regime prisional (fechado) responde à gravidade do


crime e à personalidade do réu, sujeito infenso às regras
que disciplinam o convívio social.

Merece confirmada, portanto, por seus próprios e


jurídicos fundamentos, a r. sentença que proferiu o Dr.
Mário Roberto Negreiros Velloso.

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 24 de outubro de 2002


Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

5
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUINTA CÂMARA – SEÇÃO CRIMINAL

Recurso em Sentido Estrito nº 990.09.111538-0


Comarca: Amparo
Recorrente: Ministério Público
Recorrido: MRAP

Voto nº 12.081
Relator

– Nos Tribunais predomina hoje a inteligência


de que, se ausentes os requisitos que lhe
justificam a decretação da prisão preventiva,
tem o réu o direito de defender-se em
liberdade (art. 310, parág. único, do Cód. Proc.
Penal).

– Todo ato criminoso é passível de repúdio,


mas cumpre atender também ao preceito do
art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.: “Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”.
71

– Não há “perder de vista a presunção de inocência,


comum a todos os réus, enquanto não liquidada a
prova e reconhecido o delito” (Rui, Oração aos
Moços, 1a. ed., p. 42).

–“Sem que se caracterize situação de real necessidade,


não se legitima a privação cautelar da liberdade
individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões
de necessidade, revela-se incabível, ante a sua
excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da
prisão preventiva (...)” (STF; Rev. Trim. Jurisp.,
vol. 180, pp. 262-264; rel. Min. Celso de
Mello).

1. Da r. decisão do MM. Juízo de Direito da 2a. Vara da


Comarca de Amparo, concedendo liberdade provisória a
MRAP, interpôs Recurso em Sentido Estrito, levando em vista
reformá-la, o digno representante do Ministério Público.

Nas razões de recurso de fls. 2/6, afirma que, ao revés


do que sentiu o nobre Magistrado, concorriam na espécie
elementos suficientes para justificar a manutenção do réu
no cárcere; pelo que, não havia conceder-lhe o benefício da
liberdade provisória.

Assim, firme na lição da Jurisprudência, espera o


provimento do recurso para que, reformada a r. decisão de
Primeiro Grau, seja restabelecida a custódia provisória do
réu, expedindo-se-lhe mandado de prisão.
72

A nobre Defesa apresentou contrarrazões de recurso,


nas quais repeliu os argumentos da douta Promotoria de
Justiça e propugnou a mantença da r. decisão atacada (fls.
7/14).

O r. despacho de fl. 15 manteve, por seus próprios


fundamentos, a r. decisão recorrida.

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em incisivo


e abalizado parecer do Dr. Pedro Henrique Demercian,
opina pelo desprovimento do recurso (fls. 120/121).

É o relatório.

2. Foi instaurada persecução penal contra o recorrido


porque, no dia 13 de julho de 2008, pelas 18h45, na
Rodovia SP 352 (km 147,5), em Amparo, obrando em
concurso e unidade de propósitos com dois outros
indivíduos, por motivo torpe e mediante utilização de
recurso que dificultou a defesa da vítima, desferiu socos e
pontapés em José Ailton Cavalcanti, nele provocando os
ferimentos descritos no laudo pericial, que lhe foram a
causa da morte.
73

O r. despacho recorrido de fls. 46/48, tendo para si


“que apesar de provada a materialidade os indícios de autoria
que pesam sobre Marcos não são suficientes à manutenção da
prisão cautelar” (fl. 47), concedeu-lhe liberdade provisória,
e mandou expedir-lhe alvará de soltura.

O nobre e diligente Dr. Promotor de Justiça,


entretanto, não esteve pela conclusão de Sua Excelência e
manifestou recurso para esta Superior Instância, armando
ao fito de restaurar a prisão do réu.

3. Ainda que digno de elogio o empenho da douta


Promotoria de Justiça, não se avantajam suas razões às que
deram peso e força à r. decisão de Primeiro Grau, superior
a toda a crítica e que diz em crédito de sua ilustre
prolatora.

Deveras, conforme a comum opinião dos doutores,


toda prisão cautelar que se não apoie em indeclinável
necessidade tem-se por abusiva e ilegítima. Nesse número
merecem contados os casos de encarceramento de réu, se
ausentes os requisitos da decretação da prisão preventiva
(art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).

A necessidade da prisão, reclamada pelo interesse


público, sói aferir-se pela periculosidade do agente e pelas
circunstâncias do crime, nas mais das vezes repugnante ao
tipo comum de sensibilidade éticossocial.
74

De presente, por força do dogma constitucional da


não-culpabilidade do réu (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.),
que informa o processo penal, a prisão cautelar (para que
não seja expressão de arbítrio e insigne violência ao estado
de liberdade do indivíduo) somente se justifica em
circunstâncias excepcionais, determinadas por poderosas
razões de ordem pública, ou manifesta periculosidade do
agente.

Isto mesmo tem preconizado a jurisprudência de


nossos Tribunais:

“Se a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei


penal não correm perigo, deve a liberdade provisória ser
concedida a acusado preso em flagrante, nos termos do art.
310, parág. único, do Cód. Proc. Penal. A gravidade do
crime imputado desvinculada de razões sérias e fundadas,
devidamente especificadas, não justifica sua custódia
provisória” (Rev. Tribs., vol. 593, p. 367; rel. Ercílio
Sampaio).

Era, portanto, de revogar a prisão preventiva do réu,


como o preceitua o art. 310, parágrafo único, do Código de
Processo Penal.
75

De feito:

“(...) a manutenção da custódia decorrente do flagrante


somente tem lugar quando positivada a existência do
periculum in mora que autoriza a decretação da prisão
preventiva; a pedra de toque da liberdade provisória
é, assim, a desnecessidade da medida” (Antonio
Magalhães Gomes Filho, Presunção de Inocência e
Prisão Cautelar, 1991, p. 64).

Este é o entendimento consagrado por nossas Cortes


de Justiça em mais que muitos arestos:

a) “Caso não ocorra a possibilidade de decretação da


prisão preventiva, obrigatório (e não facultativo), o
relaxamento da prisão em flagrante, porque assim o
impõe, taxativamente, a regra do parág. único do
art. 310 do Cód. Proc. Penal” (JTACrimSP, vol. 62,
p. 90);

b) “Sem que se caracterize situação de real necessidade, não


se legitima a privação cautelar da liberdade individual
do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade,
revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a
decretação ou a subsistência da prisão preventiva (...)”
(Rev. Trim. Jurisp., vol. 180, pp. 262-264; rel. Min.
Celso de Mello).
76

Em suma: por seus lógicos e jurídicos fundamentos,


merece confirmada a r. decisão que proferiu a distinta e
culta Magistrada Dra. Fabíola Brito do Amaral.

4. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 11 de agosto de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

6
TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL

DÉCIMA QUINTA CÂMARA

Apelação Criminal nº 1.346.811/0


Comarca: Santos
Apelante: ESC
Apelado: Ministério Público

Voto nº 4600
Relator

– Em obséquio ao princípio da presunção de


inocência (art. 5º, nº LVIII, da Const. Fed.) e do
devido processo legal (nº LV), não é defeso
à Segunda Instância conhecer do recurso do
réu, ainda que intempestivo, se o despacho
de prelibação (ou admissibilidade) do Juízo
da condenação lhe determinou o regular
processamento.

– É grave, e portanto passível do rigor da lei,


a culpa do motorista que, trafegando com
seu veículo em condições precárias de
manutenção, colide-o com outro, por falha
no sistema de freios, e provoca acidente fatal
(art. 302 do Cód. Trânsito).
78

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 3a. Vara Criminal da Comarca de Santos,
condenando-o à pena de 2 anos de detenção, substituída
por restritivas de direitos (limitação de fim de semana e
prestação de serviços à comunidade), além da suspensão
da habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de
2 meses, por infração dos art. 302, “caput”, do Código de
Trânsito, interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com
o intuito de reformá-la, ESC.

Alega, nas razões de recurso, que, a despeito dos


atributos que a exornam, a sentença rendia ensejo a reparo,
pois fulminou condenação a um inocente.

Acrescenta que, no particular, a manobra efetuada


por seu veículo era a que mais se apropriava às
circunstâncias locais.

Assim, era força absolvê-lo, pela inexigibilidade de


conduta diversa, ou até por efeito da aplicação do princípio
universal de interpretação da dúvida (“in dubio pro reo”).

Reclama, em suma, absolvição, como medida de


justiça (fls. 318/324).

Apresentou a douta Promotoria de Justiça


contrarrazões de recurso: arguiu preliminar de não-
-conhecimento do recurso, por intempestivo.
79

Pelo que respeita ao mérito, repeliu a pretensão da


Defesa e propugnou a manutenção da r. sentença de
Primeiro Grau (fls. 327/333).

Também a assistente da Acusação encareceu os


méritos da r. sentença e impugnou a pretensão do apelante
(fls. 335/337).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em


criterioso e firme parecer da Dra. Sonia Etuko Oda, opina
pelo conhecimento do recurso e por seu improvimento
(fls. 342/347).

É o relatório.

2. Foi trazido o réu à barra da Justiça Criminal porque,


no dia 30 de março de 1998, pelas 12h10, na cidade de
Santos, conduzindo o veículo caminhão-trator, da marca
“Fiat FNM”, placa KO-6646/Cubatão, que tracionava a
carreta basculante, de 3 eixos, placa BTB-7415/Osasco,
pela Rodovia Côn. Domenico Rangoni, no sentido
Cubatão-Guarujá, perto do Posto Rodoviário, culposamente
deu causa a colisão com o veículo caminhão marca “Ford”,
tipo F-7000, ano 79, placa WM-6698/Guarujá, conduzido
por Jurandir Natal Batista e, em consequência, ofendeu a
integridade física do policial rodoviário Alberto de Oliveira
Santos, causando-lhe a morte.
80

Foi o caso que — reza a denúncia —, no dia dos


fatos, o veículo do réu e o de Jurandir Natal Batista
pararam na confluência da Rodovia Rio-Santos, em virtude
do sinal semafórico vermelho.

Com a abertura do semáforo, ambos os veículos


tornaram a trafegar. Defronte do Posto da Polícia Rodoviária,
a vítima Alberto de Oliveira Santos, sargento da Polícia
Rodoviária, determinou a Jurandir Natal Batista passasse
ao acostamento e ali estacionasse o caminhão, o que fez. A
vítima, essa entrou a vistoriar os pneus do caminhão e o
sistema elétrico. Nesse ponto, o caminhão de ESC, sem
freio, foi de encontro à carroceria daquele dirigido por
Jurandir. Na colisão, prensada entre os veículos, sofreu a
vítima Alberto de Oliveira Santos lesões corporais que lhe
foram a causa da morte.

Constou mais da denúncia que o veículo caminhão e


a carreta basculante, conduzidos pelo réu, estavam em
péssimas condições. A buzina mostrava-se inoperante, o
que impossibilitou advertir a vítima da situação de
extremo risco fatal.

À derradeira, nos termos da denúncia, dera-se o


evento “em razão de ter o veículo ficado sem freios, pois já
preexistia defeito no diafragma”.
81

A peça acusatória imputou ao réu a responsabilidade


na causação do acidente, por sua imprudência, uma vez
trafegava pela via pública com veículos pesados, “sem
providenciar a devida manutenção”.

Instaurada a persecução criminal, transcorreu o


processo na forma da lei; ao cabo, a r. sentença de fls.
287/309 decretou a condenação do réu, o qual, insatisfeito
com o desfecho da lide penal, comparece a esta augusta
Corte de Justiça, reclamando absolvição.

3. A preliminar de não-conhecimento do recurso, por


intempestivo, embora suscitada com brilho e eficiência
pela douta Promotoria de Justiça, tenho-a por
improcedente, “data venia”.

Deveras, conforme ponderou o douto parecer da


Procuradoria-Geral de Justiça, o advogado que assistia o
réu renunciara ao mandato (fl. 313) ainda na fluência do
prazo para eventual interposição de recurso.

Ao réu, no entanto, foi nomeado novo patrono, da


Procuradoria de Assistência Judiciária (fl. 317), que lhe
apresentou razões de recurso (fls. 318/324), dentro no
prazo legal (contado em dobro, na espécie).

Ao demais, o r. despacho de prelibação de fl. 317


admitiu o processamento do apelo interposto.
82

Por último, em obséquio ao princípio da presunção


de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.) e do devido
processo legal (nº LV), não é defeso à Segunda Instância
conhecer do recurso recebido pelo Juízo “a quo”.

Tal exegese tem-na adotado, em casos análogos, o


Colendo Superior Tribunal de Justiça, como o persuade o
ven. aresto abaixo transcrito por sua ementa:

“O princípio da presunção de inocência, hoje, está


literalmente consagrado na Constituição da República
(art. 5º, LVII). Não pode haver, assim, antes desse
termo final, cumprimento da sanção penal. As cautelas
processuais penais buscam, no correr do processo, prevenir
o interesse público. A Carta Política, outrossim, registra o
devido processo legal; compreende o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Não se
pode condicionar o exercício de direito constitucional —
ampla defesa e duplo grau de jurisdição — ao
cumprimento da cautela processual. Impossibilidade de
não receber a apelação, ou declará-la deserta porque o
réu está foragido. Releitura do art. 594 do Cód. Penal
em face à Constituição” (STJ; RHC nº 6.110-SP;
rel. Anselmo Santiago; apud Alberto Silva Franco
et alii, Código de Processo Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial, 1999, vol. II, p. 2.875).

Rejeito, pois, a questão prejudicial.


83

4. Ante a culpa manifesta com que o réu atuou, o


pedido de absolvição formulado pela combativa Defesa
ultrapassa a meta dos possíveis.

Com efeito, as provas dos autos revelam, sem falta,


que se houve o réu com imensa culpa: conduzia em alta
velocidade pesado veículo (uma carreta) e colidiu-o com o
caminhão dirigido por Jurandir Natal Batista, parado no
acostamento da Rodovia Côn. Domenico Rangoni, de que
resultou a morte da vítima, sargento da Polícia Rodoviária,
prensada entre os dois veículos.

A tese a que se abraça a digna Defesa —


imprevisibilidade do evento — não pode ser acolhida sem
manifesta repugnância da prova e do direito.

Em verdade, o acervo de provas, máxime a


constituída pela perícia (fls. 23/25), revelou que o
caminhão dirigido pelo réu apresentava defeitos
preexistentes no sistema de freios, o que lhe impediu
deter a marcha ao aproximar-se daquele que se achava
estacionado. Também carecia de buzina, circunstância que
não permitiu ao motorista advertir da sua presença e do
perigo o policial que se encontrava na rodovia.
84

O depoimento do policial rodoviário Ricardo Correia


de Almeida acrescentou prestígio à pretensão punitiva:
tendo presenciado a aproximação do veículo e o embate,
no acostamento, com o do outro motorista (ocasião em
que ficou esmagada a vítima), informou que, pelos modos
e expressão do réu, este não pudera dominar a carreta por
falha dos freios (fl. 227).

Pelo mesmo teor, o depoimento de Marcos Sales,


testemunha ocular dos fatos. Inquirida em Juízo, narrou as
circunstâncias do fato: segundo a voz geral, estava o
caminhão do réu sem freios (fls. 231/235).

Mas — e aqui bate o ponto —, o próprio réu, em seu


interrogatório judicial, não teve mão em si que não
admitisse, às expressas, não tivera tempo de parar o veículo
porque lhe falharam os freios (fls. 174/175).

Assim, embora intentasse evitar a colisão, não o


conseguiu por desarranjo mecânico.

Esta, a razão por que o laudo pericial de fls. 22/25


concluiu que dos elementos encontrados no local, nos
veículos e nas informações colhidas, “o condutor do veículo
Fiat/FNM com a carreta, não conseguindo frear, veio a colidir
com o lado esquerdo de sua cabina com a região posterior direita
da carroceria do Ford, prensando a vítima entre ambos”.
85

Perfeita síntese das circunstâncias antecedentes do


fato, vem a ponto reproduzir aqui este lugar do lúcido
parecer da Procuradoria-Geral de Justiça:

“(...) o laudo pericial de fls. 22/35 e o depoimento de fls.


204 indicam que o apelante deu causa ao evento
culposamente, porque o sistema de freio apresentava
defeito no diafragma, havendo vazamento de ar e a
mangueira flexível da roda dianteira esquerda do
caminhão-trator estava isolada, isto é, não atuaria na
frenagem.

Referido problema era preexistente, tanto que havia


um ajuste, colocação de parafuso na mangueira flexível
para impedir o vazamento, portanto estava isolada e não
rompida.

Faltou ao apelante o dever de cuidado em conduzir o


veículo sem submetê-lo à necessária manutenção; agiu
com culpa, de forma imprudente. Houve a imprevisão do
previsível” (fl. 346).

A foto dos veículos acidentados, em que se veem


danos de alta monta (fls. 31/34), e o laudo do Instituto de
Criminalística (fls. 22/25) são provas eloquentes da
imprudência do réu.
86

Procedeu, portanto, na expressão da r. sentença, com


culpa, visto que, “muito embora não quisesse o resultado e nem
assumisse o risco de produzi-lo, contribuiu para o ocorrido na
medida em que trafegava com o caminhão sem que este estivesse
em plenas condições para trafegar, por não estar recebendo a
devida manutenção de rotina” (fl. 302).

Motorista que dirige por esse feitio, com menoscabo


das normas de trânsito e das cautelas mais vulgares, por
força que incorre nas penas da lei, se dá causa a acidente
que provoque ofensa à integridade física de outrem.

Esta é a lição da Jurisprudência:

a) “Age com manifesta imprudência o motorista que põe


em circulação veículo que sabe encontrar-se com freios
ineficazes, pois jamais poderá detê-lo na iminência de
acidente” (JTACrSP, vol. 24, p. 379; rel. Sabino
Neto);

b) “Não exclui a culpabilidade do condutor a alegação de


imperfeita atuação dos freios do veículo, por ser
obrigação elementar daquele a plena ciência do
funcionamento do sistema de segurança e controle,
ainda mais quando se trata de coletivo ou de
caminhão” (TACrimSP; Ap. nº 266.044; rel.
Nogueira Camargo; apud, Alberto Silva Franco et
alii, Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial,
6a. ed., vol. I, t. II, p. 1.985).
87

Em suma: a condenação do réu não foi menos justa


que necessária.

A pena está correta, uma vez que fixada dentro nos


limites legais e com seguro critério. Sua substituição por
penas restritivas de direitos aproveita ao réu, à comunidade
e diz em crédito da ilustre Magistrada que proferiu a
sentença, Dra. Rosana Moreno Santiso.

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 24 de abril de 2003


Carlos Biasotti
Relator
IV. Presunção: Acepções do Termo

Empregado amiúde na terminologia jurídica, o


vocábulo presunção — conforme De Plácido e Silva —
exprime “a dedução, a conclusão ou a consequência, que se tira
de um fato conhecido, para se admitir como certa, verdadeira e
provada a existência de um fato desconhecido ou duvidoso”(1).
De três ordens são as presunções: 1. de direito
(“praesumptiones juris”); 2. de fato (“praesumptiones facti”) e 3.
do homem (“praesumptiones hominis”). As de direito (ou
jurídicas) são as presunções estabelecidas por lei. Dividem-
-se em absolutas (ou presunções “juris et de jure”) e em
relativas, condicionais ou presunções “juris tantum”).
A presunção de fato (ou comum) é a “deduzida da natureza
de certos fatos que demonstram a veracidade de outro”. A
presunção do homem é “a consequência que ele próprio tirou de
um fato conhecido para demonstrar outro desconhecido ou
duvidoso”.
Na linguagem do foro, as presunções de fato e do homem
entendem-se propriamente por indícios. O que sejam estes,
enfaticamente o define o art. 239 do Código de Processo
Penal: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada,
que, tendo relação com o fato, autoriza, por indução, concluir-se a
existência de outra ou outras circunstâncias”(2).
A presunção “juris tantum” — denominada também
condicional, relativa ou simples — prevalece até que se
demonstre o contrário. (A voz latina “tantum” significa tão
somente).
90

“Presunção juris et de jure” (de direito e por direito),


instituída por lei como verdade, não admite prova em
contrário. É a presunção absoluta. Eis sua fórmula em
latim: “Praesumptio juris et de jure probationem in contrarium
non admittit”. Exemplo típico de “presunção absoluta ou juris
et de jure” traz o art. 1.597 do Código Civil: “Presumem-se
concebidos na constância do casamento os filhos nascidos 180
(cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal”.

Notas:

(1) Vocabulário Jurídico, 3a. ed., t. III; v. presunção; Editora


Forense. Foi a seu autor, já reputado clássico — Oscar
Joseph De Plácido e Silva (1892-1963) — que tomei
por guia e referência, elaborando este singelo artigo. À
licença de citá-lo em plenitude somei a ousadia de
transcrever-lhe, “ipsis litteris virgulisque”, vários passos de
sua inestimável obra. Nem saberia, tratando-se de
conceitos e definições, escusar termos próprios e
lapidares em favor de outros, que os haveria decerto no
cabedal da língua, porém imprecisos e equívocos. Foi-
me forçoso, por isso, recorrer servilmente à lição do
egrégio vocabulista. Em todo o caso, dei curso à prática
vulgar, inspirada na metáfora da abelha, que recolhe,
nos luxuriantes jardins, a matéria-prima com que irá
deleitar o gosto a terceiros. É o que lhe quisera oferecer,
amável leitor!
91

(2) Nisto de indício (falho, porém) depara-nos a literatura


amostra frisante: O Caso do Padeirinho de Veneza.
Refere-o, em livro notável assim pela substância como
pela forma, o eminente Des. João Martins de Oliveira,
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“Em 1507, pela madrugada, foi assassinado um homem em
Veneza e seu cadáver estava na rua. Passando pelo local, o
moço Pedro Faciol, modesto padeiro, viu o corpo e ficou a
admirar o punhal manchado de sangue. A arma era rica.
Apoderou-se dela e ia retirar-se, quando soldados que se
aproximavam e o viram inclinado junto ao cadáver o
perseguiram e prenderam, encontrando o instrumento do
crime em seu poder. À vista do flagrante, foi submetido a
tormento, confessou o assassinato e foi enforcado a 22 de
março de 1507. Descobriu-se, depois, o verdadeiro autor do
crime. Diz-se que, por causa deste erro, a administração local
mandou escrever, em tinta vermelha, na parede da sala dos
julgamentos, a frase: Ricordatevi del povero fornaio
(Recordai-vos do pobre padeiro), e estas palavras eram
repetidas, em voz alta, por um funcionário, antes dos
pronunciamentos dos julgadores” (Revisão Criminal, 1a. ed.,
p. 45; Sugestões Literárias S.A.; São Paulo). Ainda:
Giuseppe Fumagalli, Chi l’ha detto?, 1994, p. 170;
Editore Ulrico Hoepli; Milano.
V. Presunção: Jurisprudência,
Máximas e Aforismos

Extenso e variado é o número de prolóquios e


expressões que respeitam às ideias de presunção, inocência,
dúvida, certeza, absolvição, etc. Deles vai aqui abreviado rol:
1. “Praesumptio cedit veritati”. A presunção cede à
verdade.
2. “Quivis praesumitur bonus, donec probetur malus”. Todo
indivíduo se presume bom enquanto se não prove
que é mau.
3. “Não perder de vista a presunção de inocência comum
a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e
reconhecido o delito” (Rui Barbosa, Oração aos Moços,
1a. ed., p. 42).
4. “Enquanto a acusação não prova, presume-se a inocência
do acusado. Sobre isto não há contestação em escola
alguma” (Rui Barbosa, Obras Completas, vol. XXVIII,
t. I, p. 197).
5. “O crime é a presunção juris et de jure, a presunção contra
a qual não se tolera defesa, nas sociedades oprimidas e
acovardadas. Nas sociedades regidas segundo a lei a
presunção é, ao revés, a de inocência” (Rui Barbosa,
Obras Completas, vol. XXIV, t. III, p. 87).
6. “A acusação é apenas um infortúnio, enquanto não
verificada pela prova. Daí esse prolóquio sublime, com que
a magistratura orna os seus brasões, desde que a justiça
94

criminal deixou de ser a arte de perder inocentes: Res sacra


reus. O acusado é uma entidade sagrada” (Rui Barbosa,
Obras Completas, vol. XIX, t. III, p. 113).
7. “Nemo innocens si accusare sufficit”. Ninguém seria
inocente se bastasse acusar.
8. “Nenhuma presunção, por mais veemente que seja, dará
motivo para imposição de pena” (art. 36 do Cód.
Criminal do Império do Brasil).
9. “A verossimilhnça, por maior que seja, não é jamais a
verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença
condenatória. Condenar um possível delinquente é
condenar um possível inocente” (Nélson Hungria,
Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 61).
10. “Ainda que sejas casta como o gelo e pura como a neve, não
escaparás à calúnia” (William Shakespeare, Hamlet,
Príncipe da Dinamarca, p. 83; trad. Carlos Alberto
Nunes).
11. “Facile est opprimere innocentem”. É fácil oprimir o
inocente (Fedro, Fábulas, liv. I, 1).
12. Só os inocentes podem ser acusados de tudo.
13. A inocência não vê a serpente debaixo das flores.
14. Todo ato criminoso é passível de repúdio, mas
cumpre atender também ao preceito do art. 5º,
nº LVII, da Constituição Federal: “Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”.
95

15. Em obséquio ao princípio da presunção de não-


-culpabilidade, que, entre nós, tem a consagração de
garantia constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const.
da República), processos em curso não se consideram
maus antecedentes porque, ao fim, o réu poderá ser
absolvido.
16. Embora o princípio da presunção de inocência tenha
sido exaltado à categoria de dogma constitucional
(art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), não há postergar os
direitos e interesses da sociedade, entre os quais
figura o de exigir a segregação do agente pernicioso
que pretende subverter-lhe os fundamentos e pôr em
risco a segurança de seus membros.
17. Segundo a nova ordem jurídica do País — que deu
dignidade constitucional ao princípio da presunção
de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.) —, é
regra defender-se o réu em liberdade.
18. Em obséquio ao princípio da presunção de inocência
(art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), e do devido processo
legal (nº LV), não é defeso à Segunda Instância
conhecer do recurso do réu, ainda que intempestivo,
se o despacho de prelibação (ou admissibilidade) do
Juízo da condenação lhe determinou o regular
processamento.
19. Contra decisão condenatória nada pode simples
protesto de inocência do réu, se em franca rebeldia
com as provas dos autos, que implacavelmente o
incriminam de roubo.
96

20. É verdade que, à luz do princípio da presunção de


inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), ninguém
será havido na conta de culpado senão após o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Esse mandamento, contudo, não importa licença
para a concessão indiscriminada de liberdade
provisória a réu preso em flagrante; tal sucede
apenas naqueles casos em que se não achem
presentes os requisitos que autorizam a decretação
da prisão preventiva (art. 310, parág. único, do Cód.
Proc. Penal).
21. À vista da nova ordem constitucional instaurada no
País, a regra geral é que se defenda o réu em
liberdade. Consectário do princípio do estado de
inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), só por
exceção deve o acusado responder preso ao processo.
22. Destituído de natureza formal, o crime de corrupção
de menores (art. 1º da Lei nº 2.252/54) não se
caracteriza sem a prova da inocência do sujeito
passivo, que não se presume. Só a inocência não vê a
serpente debaixo das flores!
23. Se o réu nega com veemência a imputação de
larápio, que assenta em declarações vagas e
imprecisas, tem a Justiça de respeitar-lhe o direito de
inculcar-se inocente.
24. Por simples presunção ninguém pode decair de seu
estado de inocência.
97

25. Inquestionável é a força probante dos indícios; mas,


para que autorizem edito condenatório, é mister
que, em apoio recíproco, por forma inequívoca e
concludente, incriminem o acusado, com exclusão
de toda a hipótese que o favoreça (cf. Rev. Tribs., vol.
169, p. 76).
26. É velho preceito de sabedoria que, no caso de dúvida
acerca da culpabilidade do réu, deve o Juiz
pronunciar o “non liquet” e mandá-lo em paz.
27. Do Ministério Público é o ônus de provar
suficientemente a acusação deduzida na denúncia.
Desde que o não faça, ao Magistrado cumpre julgá-la
improcedente, por amor do princípio da presunção
de inocência, que entre nós granjeou nomeada
constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.).
28. A perplexidade que domina e constrange o ânimo
do Julgador não há de incliná-lo senão para o
desfecho absolutório, conforme o preceito comum
de interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.
29. “Não pode haver condenação sem prova plena do crime e de
sua autoria. Indícios, ainda que veementes, desautorizam-
-na” (Rev. Tribs., vol. 181, p. 89).
30. Os tratadistas da prova conferem grande valor aos
indícios. Chama-lhes Mittermayer, elegantemente, as
“testemunhas mudas colocadas pelo dedo de Deus” (apud
Mário Guimarães, O Juiz e a Função Jurisdicional,
1958, p. 311). Mas só têm peso e força se vários e
concludentes.
98

31. “Um decreto condenatório deve repousar em prova certa e


segura, não o autorizando apenas indícios, presunções e
suspeitas” (JTACrSP, vol. 65, p. 241).
32. O indício pode levar à condenação, desde que
veemente. Diz-se veemente o indício que, por sua
natureza, “permite razoavelmente afastar todas as
hipóteses favoráveis ao acusado” (Camargo Aranha, Da
Prova no Processo Penal, 3a. ed., p. 169).
33. Prudente é o Juiz que absolve o réu, quando
inconclusiva, dúbia e coxa a prova; decidir o
contrário fora imolar na ara da presunção, o
gravíssimo dos pecados de quem julga.
34. “Na dúvida, deverá o Juiz recorrer ao meio ordinário e
admitir como verdadeira a versão mais favorável ao réu”
(Mittermayer, Tratado da Prova em Matéria Criminal,
1871, t. II, p. 177; trad. Alberto Antônio Soares).
35. “Confissão extrajudicial pode gerar forte presunção em
desfavor do confitente, mas não a certeza da autoria
necessária para embasar decreto condenatório” (JTACrSP,
vol. 54, p. 423).
36. “Os indícios têm força convincente, quando muitos,
concordes, concludentes. Indícios que permitem explicação
diferente apenas levantam suspeitas. Não são aptos para
conduzir à certeza” (Mário Guimarães, O Juiz e a
Função Jurisdicional, 1958, p. 311).
37. É princípio de doutrina, consagrado pela jurisprudência
de todos os Tribunais, que, duvidosa a prova da
99

autoria do fato arguido, cumpre decidir em prol do


acusado.
38. “A defesa tem direitos superiores aos da acusação, porque,
enquanto houver uma dúvida, por mínima que seja,
ninguém pode conscientemente condenar o seu semelhante”
(João Mendes Júnior, Processo Criminal Brasileiro, 4a.
ed., p. 388).
39. Beneficiado pela dúvida que se afigure atendível,
tem jus o acusado à solução preconizada pelo
venerando aforismo “In dubio pro reo”.
40. “Um Tribunal não pode condenar, sem a convicção íntima
da criminalidade do réu, e se há sombra de uma dúvida,
não há certeza possível para o Juiz” (Cons. Paula Pessoa,
Código de Processo Criminal, 1882, p. 147).
41. Não basta para a condenação penal a suspeita de que
o réu cometeu crime; é mister prová-lo acima de
toda a dúvida sensata.
42. Segundo princípio de aceitação universal, não há
condenar ninguém sem prova plena e cabal de sua
culpabilidade. Alguma dúvida que a tal respeito
exista é a que basta para impor ao Juiz, por atalhar
possível erro judiciário, a pensão de pronuciar o “non
liquet” e absolver o réu.
43. De todas as máximas que devem inspirar o Julgador,
nenhuma se tem por mais respeitável que esta:
Condenação exige certeza. Dúvida, em Direito Penal, é
o outro nome da falta de prova.
100

44. Desde que os autos lhe deparem dúvida, não fará


melhor o Juiz que absolver o acusado, em obséquio
ao princípio geral, vigorante nas legislações dos
povos cultos: “In dubio pro reo”.
45. É princípio, que remonta à primeira antiguidade do
Direito, esse de que ninguém pode ser punido
por pensar (ou, na sentença clássica de Ulpiano:
“Cogitationis poenam nemo patitur”).
46. “O valor probante dos indícios e presunções, no sistema de
livre convencimento que o Código adota, é em tudo igual
ao das provas diretas”, conforme lição memorável
de José Frederico Marques (Elementos de Direito
Processual Penal, 2a. ed., vol. II, p. 378). Mas, para
que sirvam de sustentáculo a um edito condenatório,
devem ser numerosos, coesos e harmônicos.
47. Das máximas que a sabedoria cunhou para guiar os
Juízes em suas decisões é esta, sem falta, a capital:
Condenação exige certeza. Na dúvida, será força decidir
em prol do acusado, por amor do velho aforismo “In
dubio pro reo”.
48. É não só injusta mas ainda injurídica a sentença
condenatória que não se baseou na certeza da autoria
da infração penal.
49. Em obséquio ao princípio comum de interpretação
da dúvida e aos conselhos da prudência, é força
absolver o réu da acusação de roubo, se a vítima, cuja
palavra constitui relevante meio de prova, lhe
proclamou a inocência.
101

50. É princípio solenemente consagrado pela consciência


jurídica dos povos cultos que a prova para
condenação deve ser plena e incontroversa. Uma
dúvida, que se levante no espírito do Julgador, é a
que basta a recomendar a absolvição, por força do
preceito universal do “In dubio pro reo”.
51. “Julgar por livre convicção não é julgar livremente, sem
atenção à vida expressiva dos elementos comprobatórios ou
indiciários e sem consulta à realidade dos fatos” (STF; RE
nº 8.232; rel. Min. Orosimbo Nonato; DJU 15.12.49,
p. 4.289).
52. Em caso de dúvida, só a absolvição exprime o bom
direito e a realização da justiça.
53. Se frágil a prova da autoria do crime, cumpre ao Juiz
absolver o réu, num tributo ao cânon venerável de
interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.
54. “E deve, para haver condenação nos crimes, ser a prova
mais clara que a luz do meio-dia” (Alexandre Caetano
Gomes, Manual Prático Judicial, 1820, p. 247).
55. Para justificar decreto absolutório basta a dúvida
razoável, pois que esta, como a pedra que tomba do
rochedo e muda o curso do rio, é apta a desviar da
cabeça do réu o gládio inflamado da Justiça Penal.
56. A precariedade da prova, fonte natural de dúvida no
espírito do Juiz, deve ser interpretada em prol do
réu, à luz do preceito de alcance universal: “In dubio
pro reo”.
102

57. Dúvida, em Direito Penal, equivale a ausência de


prova.
58. Desde que nos autos triunfe dúvida invencível
acerca da culpabilidade do acusado, será força
absolvê-lo por amor do princípio de nomeada
universal “In dubio pro reo”.
59. Embora direito que a Constituição da República
reconhece a todo o acusado (art. 5º, nº LXIII), ficar
em silêncio perante injusto acusador passa por
prodígio de tal ordem, que a experiência vulgar o
tem reputado irmão gêmeo da culpa (“Qui tacet,
consentire videtur”).
60. Entre os princípios que informam o processo penal
sobreleva o de que somente a certeza é base legítima
de condenação. Na dúvida, ou falta de prova da
autoria, o único desfecho admissível para o feito-
crime é a absolvição do réu, em obséquio à regra
jurídica de cunho universal: “In dubio pro reo”.
61. Se a prova dos autos não lhe permite abraçar, com
segurança e motivação lógica, a proposta acusatória,
deve o Juiz inclinar-se, prudentemente, à solução
que favorecer o réu.
62. Na dúvida, o Julgador deve decidir conforme o
estalão da prudência (o qual, unicamente, o guardará
das insídias do erro judiciário) e absolver o réu.
103

63. No comum sentir dos doutores, não há condenar


(ainda o pior facínora) sem prova plena e
incontroversa da materialidade da infração penal
e de sua autoria.
64. Isto de condenação exige prova plena e cabal, assim
da autoria como da materialidade do fato e
da culpabilidade do agente. A dúvida, segundo
princípio universalmente recebido, fala em benefício
do réu: “In dubio pro reo”.
65. “No processo acusatório, o Juiz só tem a decidir qual das
alegações é bem fundada: se as do acusador, se as do
acusado; e não provando o primeiro plenamente as suas, a
absolvição é a consequência incontestável” (Mittermayer,
Tratado da Prova em Matéria Criminal, 1871, t. II,
p. 285; trad. Alberto Antônio Soares).
66. “Se o réu nega o que a testemunha afirma, nada há de certo
e a Justiça tem o dever de respeitar o direito de cada um de
considerar-se inocente” (cf. César Beccaria, Dos Delitos e
das Penas, § VIII).
67. Ao absolvê-lo por falta de prova, o Magistrado como
que dá seu testemunho a favor do réu, de tal arte que
a absolvição já não se ampara unicamente em
argumento lógico, mas na própria força moral do
julgado.
68. No Direito Penal, em pontos de dúvida, prevalece o
prolóquio sublime inscrito nos emblemas da Justiça
Criminal: “In dubio pro reo”.
104

69. “À Acusação é que incumbe provar todas as condições que a


lei exige para a incriminação do fato arguido” (Inocêncio
Borges da Rosa, Processo Penal Brasileiro, vol. I,
p. 415).
70. É doutrina de alçada universal que apenas a certeza
da autoria do crime permite a condenação do réu.
Dúvida, em Direito Penal, outra coisa não é
que ausência de prova, o que impede solução
condenatória.
71. Mais que simples referência à materialidade da
infração penal, importa que a prova reunida na
instrução evidencie a culpabilidade do acusado. Em
isto faltando, será imperioso absolvê-lo, por amor
daquele princípio comum de interpretação da
dúvida, recebido por todas as civilizações que se
regem segundo a Lei e o Direito: “In dubio pro reo”.
72. Sem prova plena e cabal de sua culpabilidade não há
condenar o acusado, ainda que o pior dos facínoras.
73. Em bom direito, é ponto vitorioso que, sem a certeza
da materialidade e da autoria da infração penal,
ninguém pode ser condenado. Esta é a regra de ouro
de todo o julgador.
74. É princípio fundamental em Direito que, se o autor
não prova, absolve-se o réu (“Actore non probante, reus
absolvitur”).
105

75. Na falta de comprovação da conduta criminosa


do réu, será força absolvê-lo em homenagem ao
preceito comum de interpretação da dúvida (art. 386,
nº VII, do Cód. Proc. Penal).
76. Pelas consequências graves que sói acarretar ao
indivíduo, uma condenação apenas se decreta em
face da certeza de que é culpado.
77. Se a prova dos autos não desfaz a dúvida quanto
à culpabilidade do agente, será bem que o Juiz o
absolva, por amor do princípio de curso universal:
“In dubio pro reo”. Mais que probabilidade da autoria
do crime, a condenação reclama certeza, que é sua
única base legítima.
78. Se precária a prova da autoria do furto imputado a
surdo-mudo, será força que o Juiz pronuncie o “non
liquet” e o absolva. Já assinalado pela mão de Deus,
seria impiedade, mais que injustiça, acrescentar-lhe o
infortúnio.
79. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor senão
justiça” (Teodomiro Dias; apud Odilon da Costa
Manso, Letras Jurídicas, 1971, p. 111).
80. Se o conjunto probatório enseja dúvida acerca da
imputação do elemento subjetivo do tipo, o desfecho
mais consentâneo com as regras do Direito é
pronunciar o Juiz o “non liquet” e mandar o réu em
paz.
106

81. Se da prova dos autos é possível extrair duas


conclusões lógicas, deve o Juiz preferir a que
favorece o acusado, em razão do princípio geral de
interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.
82. Mais de um caso têm recenseado os anais forenses de
decisões que, louvando-se em meros indícios, foram
motivo e ocasião de deploráveis erros judiciários.
83. Na dúvida, a máxima de jurisprudência “In dubio pro
reo” é o farol que deve guiar o Juiz na decisão da
causa, sob pena de cair em erro grave (art. 386,
nº VII, do Cód. Proc. Penal).
84. Por prevenir injustiças, a sabedoria das nações
confiou à eternidade do bronze e à prudência dos
julgadores o clássico preceito: “In dubio pro reo”.
85. Muito para meditadas são estas palavras do velho
Min. Cândido Lobo: “Só condeno por prova que me
deixe a consciência tranquila” (apud Heleno Cláudio
Fragoso, Jurisprudência Criminal, 1973, vol. II,
p. 469).
86. Se os autos deparam ao Juiz indícios da
culpabilidade do réu, sem no entanto afastar-lhe
de todo a possibilidade de inocência, é caso de
absolvição, em obséquio ao venerando princípio que
informa os processos criminais: “In dubio pro reo”.
107

87. A codenação, ainda que de indivíduo de sombria


nomeada nas expansões da criminalidade, requer
prova plena e cabal da existência do fato e certeza de
sua autoria. Neste ponto, deve o Juiz timbrar de
escrúpulos, não venha a condenar alguém com base
em vagos e remotos indícios, fonte de clamorosos
erros judiciários.
88. É princípio geralmente recebido que apenas a
certeza autoriza a condenação do réu. Em caso de
dúvida — presente, por força, no processo-crime
onde o réu nega o que a vítima afirma —, a solução
mais prudente será a que o absolver por insuficiência
de prova (art. 386, nº VII, do Cód. Proc. Penal).
89. A integração do tipo do art. 173 do Cód. Penal (abuso
de incapazes) requer prova boa da falta de higidez
mental da vítima, poderosa a incapacitá-la para
deliberar segundo as leis da razão. Do contrário,
justifica-se a absolvição do réu à luz do princípio
tutelar da inocência: “In dubio pro reo”.
90. “No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve
ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como
qualquer expressão algébrica” (Rev. Tribs., vol. 6l9,
p. 267).
91. Mais que meras conjecturas acerca da culpabilidade
do acusado, são necessárias, para sua condenação,
provas tão claras como a luz meridiana: “(…)
probationes luce meridiana clariores” (cf. Giovanni
108

Brichetti, L’Evidenza nel Diritto Processuale Penale,


1950, p. 111).
92. “O que se passa no foro íntimo de uma pessoa não é dos
domínios do Direito Penal. Persiste ainda hoje a máxima
de Ulpiano: Cogitationis poenam nemo patitur. Ou,
como falam os italianos: Pensiero non paga gabella (o
pensamento não paga imposto ou direito). Em intenção
todos podem cometer crimes” (E. Magalhães Noronha,
Direito Penal, 1963, vol. I, p. 154).
93. “Dúvida, in poenalibus, deve ser decidida pro libertate”
(Nélson Hungria; apud J. Didier Filho, Direito Penal
Aplicado, 1957, p. 8).
94. Na dúvida se o acusado é traficante ou usuário de
droga, deve prevalecer a hipótese mais favorável do
art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Tóxicos), em
atenção ao princípio “In dubio pro reo”, que preside
soberanamente as decisões da Justiça Criminal.
95. Ainda que, ao aviso de Malatesta, o espírito humano,
limitado em suas percepções, não alcance a verdade,
nas mais das vezes, senão por via indireta — “Lo
spirito umano, limitato nelle sue percezioni, non arriva il
più spesso, alla verità che per via indiretta” (La Logica
delle Prove in Criminale, 1895, vol. I, p. 43) —, não
parece de bom exemplo suprir pela força do
raciocínio a lacuna da prova.
109

96. “Sêneca, que viveu e floresceu três séculos antes de Cristo,


deixou, entre outros, este pensamento admirável: julgar
alguém sem ouvi-lo, é fazer-lhe injustiça, ainda que a
sentença seja justa” (Vicente de Azevedo, Curso de
Direito Judiciário Penal, 1958, vol. I, p. 93).
97. “Os indícios não têm a necessária consistência e força
persuasiva da verdadeira prova, pelo que não bastam para
justificar qualquer sentença condenatória” (Auto Fortes,
Questões Criminais, 1a. ed., p. 123).
98. A biografia social do indivíduo, ainda que
verdadeiro sudário de crimes, não basta para
imprimir-lhe na fronte o estigma de culpado; para
sua punição faz-se mister prova maior de toda a
dúvida.
99. É lei de todos os tempos que condenação exige
certeza. Dúvida, em questões criminais, interpreta-se
por falta de prova, o que impede condenação.
Sentença que absolve o réu, porque frágil e precária
a prova, é desfecho razoável para a causa e lance de
prudência humana, apanágio de todo julgador (art.
386, nº VII, do Cód. Proc. Penal).
100. “Na interpretação das leis, mais importante do que o
rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos
preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é,
necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa
e humana solução” (Goffredo Telles Junior, A Folha
Dobrada, 1999, p. 163).
VI. Lei, Justiça e Bom-Senso

1. “Uma norma é a sua interpretação”, escreveu Miguel


Reale, um dos mais altos espíritos de que justamente se
orgulha e envaidece a cultura jurídica do País(1).
Ora:
“Interpretar, no sentido jurídico, é procurar o pensamento
contido na lei, a significação das palavras, o alcance do texto, a
explicação da frase”(2).
As mais das vezes a lei, de tão claros seus termos,
escusa interpretação ou exegese: não há senão aplicá-la ao
caso concreto. “In claris cessat interpretatio”, reza o retrilhado
adágio latino, à maneira de advertência de que se não deve
perverter o raciocínio, pois a ninguém é lícito negar o que
a evidência mostra. Não é mister trazer o Sol ao meio do
firmamento para que todos o vejam!
Mas, ainda quando clara como água de regato, pode
dar-se o caso que a lei não seja de per si justa (e sequer,
deitando a barra mais longe, lídima expressão da vontade
popular). Eis por que infinito número delas não resiste à
arguição de inconstitucionalidade nem se exime da tacha
ou eiva de injustas, já que atentatórias dos princípios que
regem as sociedades civilizadas.
Sobretudo na esfera criminal — que é o lugar próprio
à reparação do direito violado por ofensa a bem jurídico
penalmente protegido —, a função do juiz resume-se em
dar a cada um o que lhe cabe. Encerrada a instrução do
112

devido processo legal, se não liquidada sua culpa, é o réu


absolvido e mandado em paz; se, ao revés, a prova obtida
com estrita observância das regras do contraditório
processual e da plenitude do direito de defesa(3) não pôde
menos de demonstrar-lhe a responsabilidade criminal, em
vão pelejará contra o gládio implacável da Justiça. Não há
aí que objetar. Tome a mão sobre o árduo assunto o
preclaro Nélson Hungria, autor do Código Penal e seu
mais abalizado exegeta: “A pena traduz primacialmente um
princípio humano por excelência, que é o da justa recompensa:
cada um deve ter o que merece”(4).
A essa conta, ninguém — exceto se penalmente
inimputável — poderá forrar-se ao rigor da lei, que a
todos iguala.
É de ciência vulgar (isto se aprende não só nos bancos
acadêmicos mas também à porta do Fórum) que a
impunidade passa pelo mais poderoso estímulo do crime.
Atraiu, por isso, ultimamente, acerbas críticas a tese
de que, por amor do princípio constitucional da presunção
de inocência, ou da não-culpabilidade (art. 5º, nº LVII, da
Const. Fed.), a pena imposta ao réu só era possível executar
após o trânsito em julgado da decisão penal condenatória.
Tal prática, a darmos crédito a resenhas que parecem
fidedignas, somente o Brasil adota!
Embora nem sempre seja o número o melhor critério
da verdade, essa estonteante exceção faz grande abalo em
todo ânimo imparcial e avisado!
113

Tratando-se de autêntica “vexata quaestio”, àquele que


a pretender desatar (o juiz, em especial) cumprirá eleger
primeiro o padrão exegético por onde os sujeitos mais
acreditados em saber e virtudes costumavam agitá-la.
Faz ao intento a soberba lição que, em livro a mais
de um respeito admirável e digníssimo de ler (e ainda
recomendar), ministrou o Prof. Goffredo Telles Junior:
deve o juiz “interpretar as leis com a lógica do jurista”.
Advertiu, porém, o saudoso mestre das Arcadas: a lógica do
jurista “não deve ser sempre a lógica do racional. Frequentemente,
deve o jurista, em nome da justiça, substituir os rigores dessa
lógica pela lógica do razoável, como bem ensinou Luiz Recasens
Siches”(5).
Ora, descendo ao particular, teria foros de
razoabilidade a decisão que, imolando na ara da presunção de
inocência, obstasse a execução da pena do réu logo após o
julgamento da causa-crime pelo Juízo de 2º Grau de
Jurisdição?!
Seria sensato afirmá-lo, se, falando pela via ordinária,
o argumento da inocência presumida cede, após a
condenação do réu, ao da presunção de sua culpabilidade?!
Conformar-se-ia com os ditames da reta razão isto de
se desconsiderarem os efeitos do julgado de 2a. Instância
— derradeira etapa de análise da prova com cognição
plena — e remeter-se a solução do litígio aos Tribunais
Superiores, que já não versam matéria de fato, mas apenas
de direito?!
114

Era decoroso fazer alguém tábua rasa de acórdão que,


no julgamento de apelação (da Defesa ou da Acusação),
proferiu o Tribunal de Justiça — órgão de exaurimento
da jurisdição ordinária, com apuração inteira da
responsabilidade criminal do réu — e, destarte, protrair
“ad infinitum” o deslinde da controvérsia entretida nos
autos do processo?!
Frisaria com a gravidade dos negócios da Justiça
desfazer em decisão colegiada, proferida com escrupulosa
observância do devido processo legal, para (em liberdade o
réu, nada obstante condenado a penas extremadas)
aguardar, não raro com insofrível delonga, a chancela da
Superior Instância, que sói confirmá-la?! As reformas dos
julgados inferiores na perspectiva do mérito, com efeito,
segundo os cálculos mais favoráveis, não excedem o
percentual ínfimo (1%)!
Procederia com discrição aquele que, mentindo à sua
particular e honrosa condição de aplicador da lei, tivesse
em pouco o princípio da tutela judicial efetiva, tornando
desta sorte írrita a resposta penal do Estado?!
Atenderia, em suma, aos conselhos da prudência o
que, só por generosa (e quiçá mal compreendida)
inteligência do texto da lei, fizesse mais caso e cabedal da
exceção do que da regra geral?!
Perguntadas sobre esses quesitos, as pessoas de
alguma ilustração e decerto probas — de boas entranhas,
diriam nossos maiores — não hesitariam em enunciar a
115

resposta curial e aceitável, e isto com argumentos mui


atendíveis.

2. Está além de toda a dúvida que, fenômeno intelectual


inerente à condição humana, a variedade de opiniões tem
entre nós a força e a eficácia de postulado ou garantia
fundamental: “É livre a manifestação do pensamento”, dispõe a
Constituição da República (art. 5º, nº IV).
A ciência da Filosofia patenteia o substrato dessa
diversidade, e até antagonismo de ideias(6); é a área do
Direito, no entanto, a que lhe depara maior voga e
desembaraço. Com efeito, entre os que professam as
carreiras jurídicas, máxime os investidos de função
judicante, passa por moeda corrente o conhecido brocardo
“cada cabeça, cada sentença” (“quot capita, tot sententiae”)(7).
Ser constante em suas opiniões e fiel aos seus pontos
de vista, eis a pedra de toque do homem honrado. Todavia,
“porque para saber e acertar não há mais que um caminho, e
para errar infinitos”, conforme aquilo do profundo Vieira(8),
poderá suceder que somente lá para o diante caiamos na
conta que o melhor alvitre era haver tomado por outra
direção.
Matéria não é essa para escrúpulos, nem pode meter
em confusão caracteres sem jaça: afinal, mudar de parecer
(“para melhor”, fique entendido) é próprio do sábio(9).
Nas tenazes desse dilema esteve por vezes também o
mais eminente dos brasileiros: Rui Barbosa. O teor de seu
116

proceder, nessas conjunturas, qual foi? Conheçamo-lo por


inteiro:
“Felizes os que variam da ignorância para a ciência, do erro
para a verdade. Afortunado o que, pecando um dia contra a
verdade, ou contra a justiça, acorda, a tempo, do seu engano, e se
retrata ainda utilmente do seu desvio. Benditas as mudanças de
opinião, quando se operam neste sentido. Elas não abalam a
consideração pública a quem a merecer. Antes recomendam à
estima, ao respeito e à confiança de seus semelhantes o homem,
que não se desdoire de as confessar, e sem rubor pratique a nobre
ação de se desdizer abertamente, pondo a consciência acima do
interesse, o dever acima da vaidade, antes que o desacerto,
circulando abonado com o prestígio de um nome autorizado,
comece a produzir consequências malfazejas” (Obras Completas,
vol. XLV, t. IV, p. 213).
Feriu de novo o ponto num de seus mais reputados
livros:
“Pelo que toca ao variar das opiniões, deixem-me ter, mais
uma vez, o consolo de trazer à praça como coisa de que me prezo,
e não me pesa, a deliciosa culpa dos homens de consciência, a
única em que hei de morrer impenitente. Beata, beata, beatissima
culpa! Não mo tenham a mal os imutáveis. Deus os desencrue.
Deus os reverta da pedra e cal em homens. Deus os ensine a
mudar. Porque todo o aprender, todo o melhorar, todo o viver é
mudar. De mudar nem mesmo o céu, o inferno ou a morte
escapam. Mudar é a glória dos que ignoravam, e sabem, dos que
eram maus, e querem ser justos, dos que não se conheciam a si
mesmos, e já melhor se conhecem, ou começam a conhecer-se” (Rui
Barbosa, Queda do Império, 1921, t. I, p. LXXX).
117

3. Quanto lhe custa, ao que muda de opinião, o


renunciar a primitivas e inveteradas convicções, bem se
adivinha. Ao discursar do tema, observou muito de estudo
Orosimbo Nonato, provecto e laborioso ministro do
Supremo Tribunal Federal:
“Todos os homens erramos. Ninguém possui a pedra lídia
da verdade. (…) Ao juiz, essa confissão se torna penosa não
apenas por afeição paternal que dedicamos aos partos do nosso
entendimento, como dizia frei Luís de Sousa, senão ainda pelo
reconhecimento dos grandes males suscitados pelas oscilações de
uma jurisprudência voltária e flexível, matriz de inseguranças
perturbadoras do comércio jurídico e das relações do consórcio
civil.
Mas, a verdadeira coerência é a moral, e tributo constante e
infalível só é devido à verdade que o juiz julga identificar em face
de novos estudos retificadores de erros passados. Se a consciência
dessa situação se lhe impõe com as cores da evidência, todas as
demais considerações se dissipam e se evaporam: confessará ele o
engano e decidirá de modo diferente em obséquio à verdade”
(Revista Forense, vol. 177, p. 143).
Isto mesmo sentiu o culto e austero ministro Carlos
Maximiliano, como revelam as memoráveis palavras que
pronunciou na oração de despedida do Supremo Tribunal
Federal: “Não trepidei em mudar de voto, pública e
declaradamente, toda vez que novos argumentos ou provas
concludentes me convenceram do desacerto do veredictum
anterior: acima do melindre pessoal de cada um está a sacrossanta
causa da Justiça” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a.
ed., p. 377; Editora Forense).
118

Tais exemplos de dignidade de inteligência deram,


pouco há, Ministros do Supremo Tribunal: obrando com
bom-senso — que é a estrela-guia do Direito —, e
imbuídos de altiva e desusada coragem moral, tomaram a
seu cargo interpretar embaraçosos textos de lei segundo a
craveira do razoável(10). Sobre fazer justiça, como é de regra,
realçaram o lustre da veneranda Instituição e avigoraram a
confiança que nela deve ter o povo. Conspiraram, ao
demais, para segurar a Pátria contra o execrando agente
que a estiola e desfibra: a corrupção.
Animados de igual propósito, já tocaram a rebate,
com boa fortuna, e levantaram-se em benemérita cruzada,
para pôr cobro às graves mazelas que afligem os brasileiros,
os briosos patrícios Ives Gandra da Silva Martins, Miguel
Reale Júnior, Hélio Bicudo, Janaína Paschoal, Modesto
Carvalhosa, Luís Carlos Crema, Laercio Laurelli, Carlos
Velloso, Joaquim Barbosa, Aloísio de Toledo César,
Roberto Livianu, Augusto Nunes, Felipe Moura Brasil,
José Maria Trindade, Claudio Tognolli, Carlos Andreazza,
Marcelo Madureira, José Paulo de Andrade, Salomão
Ésper, Rafael Colombo, Carlos Alberto Di Franco (por
nomear apenas alguns dentre os principais).
A quantos — nos circuitos da Justiça, do Direito e da
Imprensa — tiveram a honra e a glória de merecê-los,
convêm conscientes aplausos, não apenas a simpatia e o
incentivo dos homens de bem, que amam o Brasil,
praticam a Justiça e professam a Verdade!
119

Notas

(1) Filosofia do Direito, 2016, p. 571; Editora Saraiva.


(2) Vicente de Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal,
1958, vol. I, p. 74.
(3) “(…) só merece o nome de defesa a que for livre e completa”
(José Soares de Mello, O Júri, 1941, p. 16).
(4) Novas Questões Jurídico-Penais, p. 131.
(5) Goffredo Telles Junior, A Folha Dobrada, 1999,
p. 161; Editora Nova Fronteira.
(6) “(…) até entre os anjos pode haver variedade de opiniões,
sem menoscabo de sua sabedoria nem de sua santidade”,
pregou o eloquente Vieira (Sermões, 1959, t. IV,
p. 216; Porto).
(7) O vulgo profano, cuja malícia e criatividade
sobreexcedem a toda medida, cunhou o anexim:
“Duas coisas em que se não pode confiar: b. de criança e
cabeça de juiz” (cf. Rubem Alves, Ostra Feliz não Faz
Pérola, 2008, p. 33; Editora Planeta do Brasil).
(8) Op. cit., t. VIII, p. 209.
(9) “Sapientis est mutare consilium”, afiança o prolóquio.
(10) O estado da questão. A execução provisória da pena
repugna ao princípio da presunção de inocência (art.
5º, nº LVII, da Const. Fed.)? O tema foi exposto em
toda a luz pelo Plenário do Supremo Tribunal
Federal, intérprete máximo da Constituição, no
julgamento do “Habeas Corpus” nº 126.292-SP. Após
considerar que, “em país nenhum do mundo, depois de
observado o duplo grau de jurisdição a execução de uma
120

condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte


Suprema”, propôs orientação que restaurou tradicional
entendimento a respeito do ponto especial, isto é: “A
execução provisória de acórdão penal condenatório proferido
em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio constitucional
da presunção de inocência” (STF; HC nº 126.292-SP;
Plenário; rel. Min. Teori Zavascki; 17.2.2016).
Ao julgar o Agravo Regimental nº 964.246-SP, o
Pretório Excelso, por maioria de votos, reafirmou a
jurisprudência dominante sobre a matéria. Contém a
conclusão do aresto a seguinte substância: “(…) a
reafirmação da atual jurisprudência desta Corte, fixando,
para efeitos de repercussão geral, a tese de que a execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau
recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio da presunção
de inocência afirmado pelo art. 5º, inc. LVII, da
Constituição Federal” (STF; ARE nº 964.246-SP;
Plenário; rel. Min. Teori Zavascki; j. 11.11.2016).
Dessa jurisprudência delirou, entretanto, a
Suprema Instância, ao julgar procedente, em
7.11.2019, a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº
43-DF (STF; Plenário; rel. Min. Marco Aurélio),
contra os votos dos Ministros Edson Fachin,
Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e
Cármen Lúcia. (Não seja matéria de indecoro
assentar em papel a memória dos vencidos, que a
mereciam gravada em bronze…!).
VII. Prova para Condenação Penal

1. Na teoria do processo penal avultam dois princípios,


sobre todos venerandos, a saber: a certeza é a única base
legítima de condenação; a dúvida aproveita sempre ao
acusado.
Atentas suas consequências deletérias, e pelo comum
irreparáveis, uma decisão condenatória deverá apoiar-se
em prova plena e cabal da materialidade do fato criminoso,
de sua autoria e da culpabilidade do agente.
Não há que opor a essa providencial cautela. Eis por
que, ao tratar da condenação, a unanimidade dos juristas
faz caso e cabedal da prova excelente.
Cai a ponto a antiga fórmula, de voga desembaraçada
nos pretórios da Justiça Criminal: “E deve, para haver
condenação nos crimes, ser a prova mais clara que a luz do
meio-dia” (Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático
Judicial, 1820, p. 247).
Destarte, pela razão contrária, desde que inidônea a
prova a que se abordoe a pretensão punitiva, será força
absolver o acusado, em obséquio à máxima de jurisdição
universal: “In dubio pro reo” (na dúvida, a favor do réu).
A lição do maior de nossos penalistas é, a esse
respeito, constantemente rememorada:
“A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a
verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença
condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar um
122

possível inocente” (Nélson Hungria, Comentários ao Código


Penal, 1981, vol. V, p. 65).
Aqui entra, como em seu lugar, um elemento
inerente à função judicante: apurado senso ético ou
dignidade de inteligência do magistrado, em que reside sua
força moral(1).
Da mesma sorte que lhe é defeso desconhecer nas
hipóteses que o autorizam a cláusula salutar do “In dubio
pro reo”, também lhe não cabe invocar o vetusto e
retrilhado aforismo jurídico por âncora de salvação do
culpado.

2. Muita vez, a imposição da pena — que Platão


chamava de medicina da alma — será inelutável, pois
“traduz, primacialmente, um princípio humano por excelência,
que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que merece”
(Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-Penais, 1945,
p. 131).
Ao demais, não é para esquecer que, segundo
doutrina altamente reputada, “o valor probante dos indícios e
presunções, no sistema do livre convencimento que o Código
adota, é em tudo igual ao das provas diretas” (José Frederico
Marques, Elementos de Direito Processual, 1a. ed., vol. II, p.
378).
Vigente a regra de direito “Nemo tenetur se ipsum
accusare” (ninguém é obrigado a acusar-se), a verdade
raramente chega ao templo da Justiça pela boca do réu;
aliás, quando este entra a falar, parece que é para
123

acrescentar o prestígio daquele prolóquio atribuído a


Talleyrand, ministro de Napoleão: “A palavra foi dada ao
homem para esconder o pensamento” (apud Nélson Hungria,
Novas Questões Jurídico-Penais, 1945, p. 233).
Na apuração da verdade real — alma e escopo do
processo — todo elemento de convicção se mostra
atendível, nenhum é excluído “a priori”.
A advertência de Bento de Faria (1876 –1959),
preclaro ministro do Supremo Tribunal Federal, faz ao
nosso intento:
“Se o espírito humano, consoante a observação de
Framarino, na maioria das vezes não atinge a verdade senão por
via indireta (Lógica das Provas, I, p. 1, cap. III), esse fato mais
acentuadamente se observa nos Juízos criminais onde cada vez
mais a inteligência, a prudência, a cautela do criminoso tornam
difícil a prova direta” (Código de Processo Penal, 1960, vol. II,
p. 125).

3. À derradeira, versando a questão jurídica da


simulação, discorreu por este feitio o consagrado jurista José
Beleza dos Santos:
“Raras vezes se pode obter uma prova direta da simulação,
porque aqueles que efetuam contratos simulados, em regra,
ocultam cuidadosamente o seu propósito procurando as trevas,
como já diziam os velhos praxistas”.
E logo mais abaixo diz que:
124

“Produzidas todas as provas com que possa demonstrar-se a


simulação, é do seu exame ponderado e escrupuloso que o Juiz
pode concluir se o ato jurídico foi ou não simulado.
E para chegar a uma conclusão vedadeira, que o possa
conduzir a uma decisão justa, mais que as regras formuladas pela
doutrina, podem auxiliá-lo a sua experiência dos homens e das
coisas, o seu desejo de julgar honestamente, e esse obscuro
sentimento da justiça que é, na bela frase de Maeterlinck, uma
estrela que se forma na nebulosa dos nossos instintos e da nossa
vida incompreensível” (A Simulação em Direito Civil, 1999,
pp. 441 e 454; Lejus; São Paulo).
Em suma: ao Juiz cabe não só proclamar a inocência
do réu, se incomprovada sua acusação, mas também
decretar-lhe a condenação quando o incriminarem com
segurança as provas dos autos.
A quebra de tal preceito implicará por força
aberração: no primeiro caso, por iniquidade e arbítrio do
juízo; no segundo, à conta de lassidão e pusilanimidade do
aplicador da lei e executor de sua vontade.
A toga do Magistrado converter-se-á, então, em
sudário; a Justiça (alento e esperança dos fracos e
oprimidos), essa decairá da confiança do povo, que já não
saberá recomendar bem aqueles que a administram.

Nota

(1) Reza o art. 137 do Regimento Interno do Tribunal


de Justiça do Estado de São Paulo: “O novo
125

desembargador, antes de tomar assento, prestará perante o


Presidente, o compromisso formal de cumprir com retidão,
amor à Justiça e fidelidade às leis e instituições vigentes, os
deveres do cargo (…)”.
VIII. Crime, Rigor da Lei e Clemência

Em erudito ensaio, que lhe descobre para logo a


segurança da ciência do Direito e acrisoladas noções de
Moral Prática, propõe o autor (Juiz Alexandre Semedo
de Oliveira) engenhosa questão, a saber: é compatível
com o ofício de julgar o sentimento de misericórdia e
indulgência?
Para indicar a matriz de seu pensamento, declara
formar entre aqueles que proclamam não haver lugar para
misericórdia e perdão “sob a toga de um juiz”. Tudo isto diz
o ilustre articulista, forte no simbolismo da Cruz e na
celebração da Páscoa.
Peço-lhe vênia para, terceiro interessado, chegar a seu
pé e tomar a mão sobre tema de tanto alcance.
Da função precípua do juiz tratou já, nos albores da
era cristã, o guapíssimo jurisconsulto Ulpiano, em cláusula
que a posteridade conservou entre os seus maiores
tesouros: “Jus suum cuique tribuere” (Dig. 1.1.10.1).
Na esfera criminal, levando a mira em reparar o
direito violado, resume-se a função judicante, de ordinário,
em infligir o castigo ao infrator. E não há que objetar. Fale
por todos o Pontífice Máximo do Direito Penal Brasileiro:
“A pena traduz primacialmente um princípio humano por
excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que
merece” (Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-Penais,
p. 131).
128

A essa conta, nenhum sujeito imputável haverá de


subtrair-se ao rigor da lei, formoso corolário de premissa
lógica reproduzido pelo Des. Volney Corrêa Leite de
Moraes Jr., saudoso colega e amigo (citado pelo autor do
ensaio), em livro bem reputado e de muita originalidade(1):
“Todo homem deve saber do fundo de seu coração o que é certo e o
que é errado (Alberto Oliva, filósofo)”.
Em pontos de criminalidade, não transigia realmente
Volney com os postulados — que denominava “laxismo
penal” — que figuram em barda nas cartilhas espúrias e
contrafeitas de pseudodireitos humanos(2).
Ninguém ignora, salvo se inteiramente hóspede na
sociologia jurídica e refratário às chispas do bom-senso,
que a impunidade é poderoso incentivo do crime.
Suposto seja a pena o estipêndio do delito, não parece
bem deva sempre o magistrado agravá-la. Eis por que,
segundo tradicional usança, provectos e honrados Juízes —
quando acertava punirem delinquentes (empedernidos até)
— nunca lhes esquecia ponderar, nas conchas da balança
de Têmis, assim as partes positivas e boas como as
negativas e iníquas.
Que outra coisa, com efeito, ensinou o eloquente
Cícero à Humanidade, quando gravou com estilete o
imortal prolóquio “Summum jus, summa injuria”(3), senão
que o exagero punitivo contravém de rosto ao ideal de
justiça, e que, pelo contrário, ao justo concreto não
repugna alguma vez o estalão da indulgência?!
129

Poderá o juiz, dado que concorram circunstâncias ou


razões particulares de vulto, assentar na fronte do réu o
ferrete do castigo sem, todavia, recusar-lhe um como
galardão de merecimento.
Aliás, a letra mesma da lei é a que o obriga (não
só lhe inculca) dispensar benefício ao réu que
espontaneamente confessa a autoria do crime (art. 65,
nº III, alínea d, do Cód. Penal).
Há, deveras, alguma coisa de nobre e louvável nisto
de o réu, perante o magistrado que o interroga, preferir —
ainda que com prejuízo para si mesmo e sem alegar
com o prestígio de causa descriminante — pôr-se ao lago
da Justiça e, sem rebuços nem ambages, confessar,
arrependido, a prática do ilícito penal que lhe imputa o
órgão da Acusação!
Terá jus não só à redução da pena: será força que dele
também se amerceie a Justiça e lhe defira benefícios
(“verbi gratia”: regime especial de cumprimento de pena,
substituição da pena privativa de liberdade, etc.).
Aqui me pedirá o inteligente e amável leitor lhe exiba
a carta credencial para a outorga de semelhantes obséquios.
Desço, pois, ao particular e transcrevo, por amor
de aplacar possíveis escrúpulos da crítica severa, estas
sublimes palavras de um de nossos maiores processualistas:
“É certo que o juiz tem, diante de si, a lei. Mas a dificuldade
não termina aí; ao contrário, aí é que ela começa: primeiro
porque a lei procura ser igual para todos, mas as condições
pessoais exigem tratamento individualizado, que só o juiz
130

pode dar. A lei não pode existir intuitu personae, mas a


sentença pode. A lei põe o problema em equação; mas quem
dá o valor das incógnitas é o juiz. Só ele pode estabelecer
a real, e não apenas fictícia, igualdade de tratamento,
nivelando o poderoso e o deserdado, o rico e o pobre. A
igualdade perante a lei é puramente lírica se não se
concretiza na atuação judicial” (Hélio Tornaghi, Curso
de Processo Penal, 1980, vol. I, p. XII).

Com a excelência desta doutrina concerta a lição do


venerando Magistrado Eliézer Rosa, a quem os colegas
reconhecem e proclamam como seu muito vivo paradigma:
“Daí a necessidade de o Juiz do nosso tempo e para o nosso
tempo saber que deve praticar o razoável e não o puramente
racional” (Dicionário de Processo Civil, 2a. ed., p. 261).

E mais estas, dignas só de um elevado espírito, como


foi Goffredo Telles Junior, mestre em Direito e sábio:
“Na interpretação das leis, mais importante do que o
rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos
preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é,
necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa e
humana solução” (A Folha Dobrada, 1999, p. 163).

Ajunto ainda este florilégio de conceitos, por onde se


conhecerá que, na judicatura criminal — ressalvadas e
atentas algumas circunstâncias de peso —, moderação e
castigo não são ideias que se implicam:

I. “Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se


acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há
131

nada menos nobre e aplausível que agenciar uma


reputação malignamente obtida em prejuízo da verdadeira
inteligência dos textos legais” (Rui Barbosa, Oração aos
Moços, 1a. ed., p. 43).
II. “Nenhum homem deve envergonhar-se de ter coração! Não
fica mal a juízes mostrar que o têm! Julgar o contrário
leva a muitas vaidades e inconcebíveis erros!” (Pedro
Eurico, Figuras do Passado, 1915; Lisboa. Pedro
Eurico era o pseudônimo do insigne juiz português
Augusto Carlos Cardoso Pinto Osório (1840-1920),
presidente do Supremo Tribunal de Justiça).
III. “Deve o rigor do castigo temperar-se sempre com a
moderação da clemência” (Manuel Bernardes, Nova
Floresta, 1728, t. V, p. 466).
IV. “Não há realmente Justiça sem Piedade! (Eliézer Rosa,
Romeiro Neto, o Último Romântico da Advocacia
Criminal, 1984, p. 26).
V. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor, senão
justiça” (Teodomiro Dias: apud Odilon Costa Manso,
Letras Jurídicas, 1971, p. 111).
VI. “A interpretação das leis não deve ser formal, mas sim,
antes de tudo, real, humana, socialmente útil. (…). Se o
juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei,
julgando contra legem, pode e deve, por outro lado, optar
pela interpretação que mais atenda às aspirações da justiça
e do bem comum” (Min. Sálvio de Figueiredo, Revista do
Superior Tribunal de Justiça, vol. 26, p. 384).
132

Aqui faço ponto, meu caro Alexandre Semedo de


Oliveira, não entre a fatigá-lo com estas pífias e insípidas
nótulas, ao mesmo passo que o cumprimento pelo
magnífico ensaio que as provocou; por fim, desejo-lhe, “ex
corde”, nesta Páscoa e no exercício de seu difícil e honroso
cargo de juiz, muitas felicidades e a recompensa própria
dos que praticam as boas ações: a glória de tê-las praticado!
(O que fará, creio-o — sobretudo no paroxismo das crises
que abalam o Mundo contemporâneo —, sob o influxo da
bondade, que é a cruz de todas as religiões!). Meu fraterno
abraço.

Notas

(1) Ricardo Dip e Volney Corrêa Leite de Moraes Jr.,


Crime e Castigo, 2002, p. 3; Millennium Editora.
(2) O alto sentido da presença do Crucifixo nos Tribunais,
lembrado pelo Des. Volney Corrêa Leite de Moraes
Jr. — e que serviu de epígrafe ao ensaio do Dr.
Alexandre Semedo de Oliveira —, já o acentuara, em
tópicos de rara beleza, o prestigioso advogado e
homem de letras Plínio Barreto: “Cristo é um assunto
inesgotável para pintores, escultores e nunca fica deslocado
em qualquer tribunal. Vítima suprema de uma injustiça
revoltante, é um apelo permanente à consciência dos juízes e
um consolo perpétuo para os que não encontram, entre os
juízes, água e mantimento para a sede e fome de justiça,
que os devoram. No júri, a sua presença é mais do que uma
133

fonte de consolações: é uma necessidade imprescindível”


(Vida Forense, 1922, p. 87).
(3) “De Officiis”, I, 10, 33. Igual fórmula já traziam as
divinas letras: “Noli esse justus multum” (Eccl 7, 17).
Não sejas por demasiado justo.
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula;
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e
Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio;
pronúncias e construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos
Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência).
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Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência) Carlos Biasotti

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