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ip ie SEMANTICA ESTRUTURAL A. J. Greimas © problema da significacio, objeto de estudo da Semantica, constitu uma das preocupacdes nucleares das Cigncias Hu. manas, Neste livro, um pesquisador que se vem destacando Por suas contribuiges na drea da teoria semantica e da and- lise} da narrativa oferece ao leitor wuiversitério um panorama dos problemas © métodos da Semdntica Estrutural, focalizando uestées essenciais como condigées de uma semantica cien- ‘fies, estrutura elementar da signficacdo, linguagem e dis. Guo, organizacio do universo semantic, descricio da sign. Fieacio, modelos atuacionais ¢ de transformaglo, ¢ outros 16. picos de igual importéncia, EDITORA CULTRIX EDITORA DA UNIVERS ‘Semantica estrutural Ru, SEMANTICA ESTRUTURAL A. J. Greimas Ninguém ignora que © problema da significe ‘slo constitui hoje uma das preocupagies. mu ‘leares das Cigncias Humanas, de vez que um fato 8 pode ser considerado “humano” na me- ddida em que signifique algo. E para abordar ‘0 estudo da significagio, nenhuma cigncia esté ‘melhor qualificada do que a Lingistica, em 1 io do rigor © formalizacio de seus métodos. Todavia, a provincia da Lingifstica a quem in- ccombe tal estado, a Semintica, € paradoxalmente ‘4 menos desenvolvida das disciplinas lingisticas. Esse atraso histérico se explica, sobretudo, pela ‘complexidade do seu objeto de estudo, que 56 agora comeza a ser delimitado abordado com ‘spirito verdadeiramente cientifico. Tlustzativa desse espirito € esta obra que, em tradugio dos Profs. Haquira Osakabe € Tzidoro Biikstein, a Cultrix ora entrega 20 pablico uni- versitirio brasileiro numa coedicio com a Edi- tora da Universidade de Sio Paulo, SemAntica Estaurvrat € notével tanto pela atvalidade do ‘seu empenho — a aplicagio de métodos estrutu- nis 20 estudo da significagio — quanto pela clarcea de suas formulagSes, que procuram con- ‘liar © rigor terminolépico exigido pelos Isgicos ¢ Vigicos matemiticos com 0 amplo sistema de referéncias culturais do estudioso de Cigncias Humanas. Neste livo, o Prof. A. J. Greimas, docente da “Ecole pratique des hautes études”, que se vem destacando por suas pesquisas na feea da teoria semintica e da andlise da narra. tiva, oferece a0 leitor um panorama dos proble- ‘mas € métodos da seméntica estrutural, abordan- do questées essenciais como condigées de uma ‘semintica cientifica estratura clementar da signi ficacio, linguagem’e discurso, organizacio do ‘universo semiintico, descricio da significaga0, mo- elos atuacionais ¢ de transformasio, € outros Aépicos de igual importincia. ie a, I SEMANTICA ESTRUTURAL Obra publicada com a colaboragio da oe UNIVERSIDADE DE SAO PAULO. oa Reitor: Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO. Presidente: Prof. Dr. Mario Guimaraes Ferri Comissao Editorial: Presidente: Prof. Dr. Mario Guimaraes Ferri (Instituto de Biociéncias). Membros: Prof. Dr. Antonio Brito da Cunha (Instituto de Biociéncias), Prof. Dr, Carlos da Silva Lacaz (Faculdade de Medicina), Prof. Dr. Pérsio de Souza Santos (Escola Politécnica) e Prof. Dr. Roque Spencer Maciel de Barros (Faculdade de Educacdo) mre A.-J. GREIMAS (diretor de estudos da “Ecole pratique des hautes études” de Paris) SEMANTICA ESTRUTURAL Pesquisa de Método Tradugio de ‘Haguira Osaxane. (da Universidade Estadual de Campinas, SP) Teporo Burxsrem (a “~*wttnde de Sio Paulo) EDITORA CULTRIX io PAULO. EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO Titulo do original: SEMANTIQUE STRUCTURALE — RECHERCHE DE METHODE © 1966 — Librairie Larousse, Paris. 2: edicio MCMLXXVI Direitos de tradusio para a lingua portuguesa adquitidos om excluividade pela EDITORA CULTRIX LTDA. Rus Conselheizo Furtado, 648, fone 2784811, S. Paulo, que se reserva a propriedade literdria desta traducio, Impresso no Brasil Printed in Brazit INDICE CONDIGOES DE UMA SEMANTICA CIENTIFICA At Sitwasio da semantica 4) A significagio e as ciéncias humanas _ 6) Um parenie pobre: a semintica 22 A signifcagio da. pereepgio = 4) Primeira escolha epistemolégica 4) Uma descrigio qualtativa €) Primeiros conceitos operacionais 3+ Conjuntos significantes e lnguas naturals 4) Classificagio dos significantes ©) Gorrelagio entre significantes e significados ©) SignifcagSes “naturais” e signficagSes artfcsis 4) Estatuto privilegiado das linguas naturais 42 Niveis hierérquicos da Hioguagem 4) Fechamento do conjunto Lingifstico 5) Niveis l6gicos da_signficasso €) Semintica enquanto linguagem 4) Nivel epistemolégico @) Notagio simbélica ESTRUTURA ELEMENTAR DA SIGNIFICAGAO Continuidades e descontinuidedes Primeita concepcio da estrutura + Conjungio ¢ disjungio * Estruturas elementares u rT 2 is 16 7 7 7 18 19 9 a 2 REN BESSBBS B SIGNIFICAGKO MANIFESTADA, 2) Unidades de comunicagdo ¢ unidade de significagio 5) O lexema: uma constelagio estilistica ¢) Definigao do semema A figura nuclear 2) Primeiro nicleo de “téte": extremidade 1) Segundo nicleo de “téte”: esfericidade ¢) Nicleo sémico comum 4) Figuras simples e complexas ¢) Em ditegio 20 nivel semiolégico do conteido Os classemas 2) Semas contextuais 6) Lexemas ¢ sememas €) Definigéo dos classemas 4) Em diresio a0 nivel seméntico da linguagem Conceitos instrumentais NIVEL SEMIOLOGICO Notas prévias © aproximagdes 2) Autonomia do semiol6gi 6) Lexematismo antropocéntrico €) © Lingiistico e 0 imaginério Estatuto do Semiolégico 4) O simbélico e 0 semiolégico 4) O protosemantismo de P. Guiraud €) © semiolégico e 0 bioanagégico Possibilidades da descrigio semiolégica b b 2p 2 B 2) Construgio das Tinguagens em lingiifstica aplicada 1) Niveis de generalidade €) Procedimento descritivo ISOTOPIA DO DISCURSO 12 Heterogeneidade do. discurso 42) Tsotopia da_mensagem 1) Variagies das isotopias ¢) Dimensies dos contexts isot6picos 22 Funcionamento metalingistico do discurso 4) Expansio © definigio 4) Condensacio e denominacio ¢) Denominagio translativa 5 4) Dupla funcio dos classemas 2) Andlise das denominasées figurativas f) Andlise das denominagoes translativas 2) Andlise definicional 4) Construgio dos sememas 1) Tsomorfisme das figuras 32 CondigSes para _o estabelecimento de isotopia 4) Definigio obliqua 5) Conceitos sobre 0 mundo ¢) O fechamento do texto 4) Do texto individual 20 corpus coletivo €) Tsotopia ¢ vatiagio 42 O discurso plurlvoco 2) Manifestagio de uma_isotopia complexa 4) A ambivaléncia simbélica em literature €) Tsotopias ¢ sua leitura ORGANIZAGAO DO UNIVERSO SEMANTICO 1s Universo da significacio 2) Dupla diresio epistemolégica ) Indugio e dedugio €) A consideracio emplrica do universo imanente 4) ‘Sistemas e morfemas 2° O universo manifestado da significagio 4) Comeiido 6) A combinatéria €) Facotha extratégion 4) Abertura do corpus dos sememas 103 106 107 109 110 114 116 47 7 121 122 125 126 128 128 130 BL 136 136 136 138 19 4a at 143 45 45, c oF ar ar “i €) Sememas abstratos © concretos 1) As incompatibilidades © discurso 4@) Lexicaizagio © gramaticalizacio 5) As separactes da expressio © as identidades do contedido ©) A comunicagio 4) Orgenizacio das _mensagens DESCRICAO DA SIGNIFICAGAO Manifestacio © discurso 2) Dicotomia do universo. manifestado 4) Tsotopias fundamentais €) A combinatéria sintética 4) A afsbulacio © © “radotage” ‘A Manifestacio. discursiva 4) As bases. prazmfticas: da organizacio 5) Mods de presenca da manifestacio discursiva €) Os microuniversos. seminticos 4) Tinologia dos micro-universos €) Predicatos ¢ atuantes 1) Catesorias atuscionais 2) Sintaxe Waica e sintaxe semintica ‘bY O caréter modal das catesorias.stuscionais 4) Uma epistemologia lingiifstica Manifestacio figurativa e manifestacio nfo figurativa 4) Um exemnto: a comunicacio pottica 5) O imolicito © © explicito €) O nfo fieurativo 4) Em directo a uma metalinguarem cientifica ¢) A vetificagio dos modelos de descrigio PROCEDIMENTOS DE DESCRICKO Constituicio do corpus 4) Obietivos e procedimentos 5) O corpus €) 0 texto 4) Eliminacio ou extragio €) Os inventérios 1). Tnventérios individuais e coletivos 2) Estratos © Duragdes A normalizagio 44) Homogencidade da descricio 146 49 149 150 152 154 137 157 159 159 162 163 163 155 167 172 185 185 187 190 191 192 193 195 1 2 4) Objetivagio do’ texto €) Sintaxe elementar da descrigfo 4) A lexemftica da descrigio A construcio: 4) Construgio do modelo: redugio e estruturagio 6) Redugies simples ¢) Redugées complexas 4) O semintico e o estilistico e) A estruturagio 1) Homoiogasio © geragio i &) Conteidos instituidos © sua organizacio REFLEXOES SOBRE OS MODELOS ATUACIONAIS Dois niveis de descrisio Os atuantes em fingiistica Os atuantes do conto popular russo Os atuantes do teatro A categoria atuacional “Sujeito” vs “Objeto” ‘A categoria atuacional “destinador” vs “destinatirio” ‘A categoria atuacional " Aqjuvante” vs “Oponente” © moaeio atuacional mitico A invesucura tematica © iinvestumento economico Atuantes € atores © energetismo dos atuantes Q modeio aruacional € a critica psicanalitica Os modelos atuscionais psicanaliticos PESQUISA DOS MODELOS DE TRANSFORMAGAO, Reduglo e estruturagio 2) Organizagio das fungées 8) Inventério das fungies ¢) Acasalamento das fungies 4) Contrato €) Prova f) Auséncia do herdi 4) Alicnagio € reintegracio 4) Provas e suas conseqiitncias 4) Resultados da redugio Interpretacées € definigdes 44) Elementos sctOnicos ¢ dincr6nicos da narrativa 4) O estaruto discrdaico da prova Bee Bee 2 27 218 RS 270 273 25 am a i 29 43 Fane de poor a CONDICGES DE UMA SEMANTICA CIENTIFICA e) Realizacio da prova 282 4) © problema do reconhecimento e da recompensa 284 4) Manifestagio figurativa do modelo 286 3) Alcance do modelo transformacional 286 ° SITUAGAO DA SEMANTICA AMOSTRA DE DESCRIGAO. Bas aa 9) A significacdo © as ciéncias humanas. 3 ad ee. ae AA Bernanos = __ O problema da significacio esté bem no centro das preocupa- Fy Soe ieeeed Pa Ses atuais. Para transformar o inventério dos comportamentos ipaq aa em antropologia e as séries de acontecimentos em Histéria, ndo * eae a El cme Se) —> 53 diremos que a figura nuclear & complexa. ) Em diregao ao nivel semiolégico do contetido. Nao é initil observar que os semas que constituem as figuras que acabamos de estudar remetem todos a uma concepcio geral do espaco © fazem parte, por isso, de um sistema sémico mais vasto. Em outras palavras, a hipétese segundo a qual uma anilise de contetido em unidades constitutivas minimas faz aparecer sis- temas sémicos subjacentes, recobrindo um grande nimero de manifestagées lexemiticas, se confirma aqui, uma vez mais. Dire- mos pois, introduzindo assim um novo conceite operatério, que 65 semas que, na manifestacio, sio formadores de figuras nucleares remetem a sistemas sémicos de uma natureza particular, cujo conjunto constitui 0 nivel semiolégico do universo significante. 3° OS CLASSEMAS a) Os semas contextuais. No inicio deste capitulo, definimos provisoriamente 0 semema como a combinagio do niicleo sémico e dos semas contextuais. Tentando precisar melhor essa definicio, procuramos em seguida compreender melhor 0 niicleo semAntico, ao qual acabamos de denominar figura nuclear. Resta-nos ainda precisar 0 estatuto dos elementos do contexto que entram na constitui¢ao do semema. Bastard um exemplo para mostrar a complexidade do pro- blema. Tomemos uma seqiiéncia de discurso bem simples, como le chien aboie (0 c&o late). Segundo o procedimento jé utilizado, a anilise contextual de “aboie”, permitindo a depreensio do nucleo sémico, que vamos designar por Ns; (e que nfo procuraremos analisar, jA que esse nfo € 0 objetivo perseguido, lembrando apenas quanto a seu contetido que se refere a uma “espécie de grito”), nos revela a existéncia de duas classes contextuais “sujeitos", que se podem combinar com aboie. De um lado, a classe dos animais: le chien (cio) le renard (raposa) le chacal (chacal) ete., e, de outro, a classe dos human Thomme (homem) Diogine (Didgenes) cet ambiticux (este ambicioso) ete. Diremos que essas duas classes so caracterizadas cada uma pela presenga de um sema comum & classe intelra: no primeiro caso, trata-se do sema “animal” (Cs,), no segundo, do sema “hu- mano” (Cs:). Dependendo da manifestagio de um ou de outro desses semas, com 0 auxilio de um de seus contextos-ocorréncias, no Aiscurso, sua combinagio com 0 micleo Ns; constitui dois sememas diferentes: Sm, = Ns; + Cs; (grito animal) Sm: = Ns; + Cse (grito humano). Tomando, por sua vez, o lexema chien (e simplificando bas- tante), podemos dizer que 0 encontramos igualmente no interior de dois tipos de contextos diferentes. Como a primeira classe de contextos-ocorréncias permite construir, com 0 nmitcleo Nsz, 0 semema Sms: le chien aboie (0 cio late) gronde (grunhe) ‘mord (morde) ete., depreende 0 sema comum “animal” (Cs:). A segunda classe de contextos que manifestam “efeitos de sentida” semémicas: “espé- cie de arpio”, “instrumento de toneleiro”, “vagoneta de mina” obrigam a postular um sema comum “objeto” (Css). b) Lexemas e sememas. Os resultados desse tipo de anélise podem ser formulados de duas maneiras levemente diferentes. Podemos, tomando as_fi- guras de cada lexema e considerando-as como invariantes, jun- tarthes todos os semas contextuais com os quais elas so capazes de se combinar. Teremos assim, para os lexemas aboie e chien, duas formulagées diferentes: Li = Ni + C (s:/s2) La = Na + C (s1/ss). Os semas contextuals assim tratados se encontram reunidos pela relagio de disjuncio, em categorias s¢micas do tipo: animais vs humanos animais vs objetos esgotando dessa forma, antes mesmo de sua manifestacdo no dis- curso, todos os empregos possfveis dos lexemas analisados. Vemos que essa primeira formulacio permite afiancar nossas definig&es do lexema, que aparece assim como um modelo virtual que abrange o funcionamento inteiro de uma figura de significagao recoberta por um dado formante, mas anterior a qualquer mani- festacio no discurso, que s6 pode produzir sememas particulares. Nao acreditamos trair o pensamento de B. Pottier dizendo que € provavelmente essa concepcio de lexema que ele colocou em evidéncia nas suas pesquisas, que so paralelas As nossas. £ pos- sivel que um dicionério de lexemas formulados em termos. de modelos virtuais traga uma contribuicdo nio negligencidvel A so- lugéo de problemas semanticos colocados pela tradugo mecfinica. Uma semfntica lexemitica nfo fica, entretanto, para nés, muito ligada ainda as articulagées do plano da expressio para que possa resolver o problema capital da sinonimia, tornando definiti- vamente possivel uma verdadeira anélise do contetido. Se, ao contrério, em vez de formular cada lexema separada- mente, consideramos a seqiiéncia do discurso em questo como encontro de dois sememas, situamo-nos de uma s6 vez sobre 0 plano da significacio manifestada, onde a escolha dos semas a realizar jé esté efetuada. Assim, aboie, para se constituir semema, elegeu no prdprio momento da realizacéo do discurso o sema s; 70 contido no contexto chien; e, inversamente, a presenca do contexto abole significa a escolha obrigatéria do sema s, para a aparigio do semema “chien-animal”. A seqiiéncia em questio nfo mani- festa, portanto, apenas os semas contextuais s,, excluindo os semas $2 € %, € sua Winica combinagio semémica possivel & Sq = [Nz + Cs:] + [Na + Csi], onde cada miicleo se combina teoricamente com 0 sema contextual pertencente ao lexema vizinho. Dizemos “teoricamente”, pois os dois semas contextuais so na realidade idénticos, e essa busca do dado sema no seu vizinho, quando jé 0 possuimos nele mesmo, pode parecer facilmente desprovida de fundamento. Com efeito, substituindo um dos lexemas da seqiiéncia para obter Le commissaire aboig (0 comissdrio ladra) percebemos que, com o novo contexto de aboie, que manifesta desta vez, 0 sema &2, 0 sema contextual do novo micleo Ns (commissaire) serd necessariamente 0 sema 2: Sqi = [Na + Css] + [Ni + Coz]. Esses exercicios elementares nos permitem jé formular, a titulo provisdrio, um certo ntimero de constatagoes de ordem geral, que nos caberd provar em seguida. ©) Definigdo dos classemas. A partir de agora, podemos nos dar conta do papel que desem- penha 0 contexto, considerado como unidade do discurso superior ao lexema: constitui um nivel original de uma nova articulacdo do plano do contetido. Com efeito, o contexto, no instante mesmo ‘em que se realiza no discurso, funciona como um sistema de compa- tibilidades e de incompatibilidades entre as figuras sémicas que ele aceita ou nao reunir, j4 que a compatibilidade reside no fato de que dois micleos sémicos podem combinat-se com um mesmo sema contextual. Considerando 0 mesmo fenémeno sob um Angulo um pouco diferente, constatamos, por outro lado, que a manifestacio no discurso de mais de um niicleo sémico provoca automaticamente a manifestagao iterativa de um ou varios semas contextuais. Conse- 7 qiientemente, a seqiiéncia do discurso (Ie) chien aboie, que descre- vemos anteriormente como a combinacao de dois sememas, pode ser muito bem formulada de maneira ligeiramente diferente: Sq = (Nz + Ni) Csi. Essa nova apresentagio nos permite ver melhor que se uma determinada seqiiéncia contextual comporta duas figuras sémi- cas, no compreende senio um sema contextual; em outras pala- vras, 0s semas contextuais correspondem a unidades de comunica- ‘G40, sintagmas ou proposicées, mais amplas que os lexemas, den- tro dos quais se manifestam, grosso modo, os niicleos sémicos. Esse fato apenas bastaria para postular que os semas contextuais devem ser estudados de maneira independente, separadamente das figuras sémicas. Entretanto, 0 termo sema contextual, que vimos, pode revelar- se ambiguo quanto ao uso. Assim, a anilise 4 qual procedemos no inicio desse capitulo colocou em evidéncia semas que, embora sendo “contextuais” em relacio ao micleo considerado, pertencem, entretanto, ao micleo contiguo, ¢ nfo ao contexto iterativo, tal como procuramos defini-lo. Por oposico aos semas nucleares, propomos, conseqiientemente considerar como classemas os semas contextuais propriamente ditos. Observasao: Como o sema, tomamos também a B. Pottier © termo classema. d) Em direcéo ao nivel seméntico de linguagom. Nossa tentativa de depreender uma classe auténoma de semas, que tenham as fungées originais na organizacio do discurso, corres- ponde a uma dupla necessidade. De fato, teremos de mostrar que tal concepcio dos classemas, caracterizados pela sua iteratividade, pode ter um valor explicativo certo, nem que seja para permitir a compreensio do conceito ainda muito vago e entretanto necessirio de totalidade de significacao, postulado a uma mensagem ou a uma lexia no sentido de Hjelmslev. A partir de agora, estamos em condisées de afirmar que uma mentagem ou umé seqiiéncia qual- juer_do_discurso_s6 podem ser_consideradas como 72 se possufrem um ou varios classemas em comum, Mais do que isso: ultrapassando 0 quadro estreito da mensagem, Thatdieiige avec. trar, gracas a esse conceito de isotopia, como textos inteiros se encontram situados em niveis semnticos homogéneos, como o signi- ficado global de um conjunto significante, em vez de (como o propée Hjelmslev) ser postulado a priori, pode ser interpretado como uma realidade estrutural da manifestagio lingiiistica. Por outro lado, a autonomia dos classemas em relacio_aos semas nucleares que ndo é, nessa situacdo, mais que uma hipdtese estimuladora da reflexao, recebe um comeco de confirmagio se olharmos rapidamente os poucos classemas j4 reconhecidos ao acaso, gracas aos exemplos utilizados. Vemos que os classemas, objeto vs animal vs humano parecem poder ser articulados em um sistema sémico, que seria talvez mais explicito se © apresentéssemos da seguinte maneira: inanimado vs animado animal vs humano A generalizago que queremos propor a partir de agora seria a seguinte: se as figuras sémicas, simples ou complexas, dependem do nivel semiolégico global, dos quais sio simples articulacées particulares prontas a se investir no discurso, os classemas, de seu lado, se constituem sistemas de cardter diferente e pertencem ao nivel semantico global, cuja manifestagéo garante a isotopia das mensagens e dos textos, 4° CONCEITOS INSTRUMENTAIS Parece-nos titi] resumir aqui, antes de prosseguir, os resultados de um primeiro esforco de conceitualizagio que tinha como meta a colocacio de unidades de construcao indispensdveis a qualquer descricho da significaséo. O quadtv abaixo, coutém os termus defi- nidos, com certo rigor, nas discusses anteriores e que consideramos titeis serem retidos. 73 O NIVEL SEMIOLOGICO NOTAS PREVIAS E APROXIMACGOES a) Autonomia do semiolégico. No transcorrer do capitulo anterior, tentamos depreender dois niveis autdnomos da linguagem, o nivel semioldgico e o nivel semin- tleo, dots conjuntos arquiteténicos de conteiido cujos elementos, encontréveis no discurso, constitufam unidades de manifestacio de dimensGes diferentes e estabeleciam, de uma sé vez, a manifes- tagio da prdpria significacdo. E tempo de considerar agora esses dois niveis lingiifsticos separadamente, nao para descrevé-los, mas para precisar, na medida do possivel, 0 seu modo de existéncia, e acima de tudo, para tentar tracar — 0 que parece talvez mais tealista_no estado atual das pesquisas seminticas — os seus contornos e significagdes. Introduzindo, na divisio do universo significante, dois ni- veis de significacao, queremos sobretudo sublinhar sua autono- mia miitua. Mas fica entendido que os dois niveis, considerados em conjunto, constituem o universo imanente da_significacdo, anterior por direito & manifestacio de seus elementos constitu tivos no discurso. Essa oposi¢io do sistema ao processo, que "parece clara para muitos lingiiistas, esta longe de ser reconhecida | por todos. Além disso, como o dominio semiolégico serve atual- _ mente de lugar de encontro a varias disciplinas humanistas, pare- ce-nos ‘itil insistir a0 mesmo tempo sobre a anterioridade légica € sobre a autonomia da estrutura semiolégica, a fim de precisar as posigdes de uma seméntica estrutural em relacio sobretudo as Pesquisas que se insiram numa psicologia fenomenoldgica ou genética e parecem muitas vezes paralelas is nossas. Pensamos 75 nos diversos trabalhos sobre 0 simbolismo, sua natureza e suas origens, e mais particularmente nesse esforgo de sfntese que constituem les Structures anthropologiques de Timaginaire, de Gilbert Durand; este, estudando um grande ntimero de problemas gue nos sio comuns, utiliza métodos e propte solugées opostas As nossas. E assim’ que a classificagio do simbolismo, que & grande preocupa: do Autor, repousa sobre trios de ordem genética. Ela se apéia sobre a reflexdo bechtereviana e sobre a distingao fundamental das trés dominantes reflexas: postural, di- gestiva. copulativa. Esse nivel reflexoldgico, considerado como ‘ontogeneticamente primeiro, originaria uma aparéncia de sistema- tizacio dos gestos do corpo, que, segundo G. Durand, ostdo em “estreita concomitancia” com as representagées simbdlicas. A par- tir desse nivel, que iio é simbélico, mas que fundamenta tanto © préprio simbolismo como sua classificagéo, torna-se possivel © desenvolvimento do imagindrio em “esquemas” e “arqui Apenas os gestos — porque podem e devem ser considerados como primeiros — merecem o nome de esquemas, que vio en- gendrar por sua vez os arquétipos: assim, 0 gesto da verticaliza- G0, repousando sobre a dominfincia postural, engendra os arqué- tipos epitetos “alto” vs “baixo”, da mesma forma que o gesto da deglutic&io, da descida, correspondente & dominante digestiva, produz, prolongando-se, os arquétipos “continente” vs “contet- do”. Os mesmos esquemas dao origem, por outro lado, a arqué- tipos substantivos, tals como a “luz” ou as “trevas”, de um lado, ou a “cor”, o “recipiente”, a “forma” e a “substdncia”, de outro. Terlamos muito a dizer sobre essa obra que contém ao mesmo tempo as qualidades e os defeitos do ecletismo. Se falamos dela, € por ser bastante representativa, por suas manipulagdes meto- dolégicas de um estado de espfrito que nio € compativel com a atitude lingiifstica. 1. Para nés, a descricio do simbolismo nio pode ser em- preendida postulando-se como critérios da descrigio — mesmo que fossem algo distinto de puras hipéteses — as distingdes ope- radas a0 nivel extralingiiistico da realidade. O semioidgico é, como a linguagem em geral, aproensivel dentro da percepcio ¢ deve apenas, as anticulagdes'dstntvas ‘de. sentidos negativos & exterior, que af se manifesta enquanto forma da ex- reali pressio, 76 2. Nem a explicagio genética de uma complexidade cres- cente ‘do simbolismo, nem o raciocinio pseudocausal (= a deglu- tigdo “se prolonga” e cria o “contetido”) podem ser assimiladas A geracio das figuras nucleares do discurso a partir dos sistemas sémicos. Uma classificagao que ‘delimite, por exemplo, duas gran- des configuragses do simbolismo, disjuntando, por razdes nio lingiifsticas, a oposigao “subida” vs “descida” ndo pode preten- der-se estruturalista, apesar do abuso desse termo. Somente 0 postulado da anterioridade das estruturas sémicas em suas millti- plas manifestagSes semémicas no discurso torna possivel a andlise estrutural do contetido. Tal concep¢ao, por mais simples que pareca, néo é menos contrério a nossos habitos de pensamento profundamente estabelecidos. b) © lexematismo antropocéntrico. ‘Assim, uma longa tradicao lexicogrdfica nos impde nao so- resentagéo lexemitica dos diciondrios, mas também uma hicrarquizacio dos “sentidos” da palavra; o “sentido” relativo 20 homem, ao meio humano, ao mundo do senso comum é sem- pre considerado como primeiro e, por conseguinte, implicita- mente original. Uma “parte do corpo” é efetivamente o sentido ‘natural’, de certo modo, da palavra téte, como prendre (tomar, colher, beber) significa inicialmente “‘apoderar-se de alguma coisa”. © niicleo sémico de prendre, tal como aparece com seu sema “expansio” em: Cet arbre prend bien (Esta érvore esté bem firme) Le bois prend (A madeira pega fogo) ou com o seu sema “‘contragéo” em: La rioire a pris (O tlo congelou) Le lait prend (0 leite coalha) (*) é simplesmente a manifestacio de uma das numerosas possibili: dades estilisticas da palavra; o sentido “préprio” e, evidentemente, (*) Observe'se em portugués 0 verbo engrossar nos dois casos: 4) com 0 sema expansio: “a enxurtada engrossou” b) com o sema contrasio: “a calda engrossou”, (N, de T.) aquele segundo o qual tomamos alguma coisa “com a mio”. Do mesmo modo, s6 se morde verdadelramente “com os dentes”, € G. Durand, falando do esquema ‘mordicant” (corrosive, mordaz) rompe com a tradigSo estabelecida; um esquema 6, como se vé, algo diferente do sema. i Essa tendéncia em admitir implicitamente como fundamental € prioritério o nivel de significagSes recortadas segundo a escala humana caracteriza igualmente as pesquisas referentes a outros dominios “insdlitos” da linguagem: simbolismos mitolégicos, poé- ticos, onfricos. Assim, as primeiras descricdes das diferentes formas do simbolismo, iniciadas no estilo de “Chaves dos sonhos” pela enumeracio dos objetos simbélicos, e prosseguidas sob forma de classificacGes sumérias pela distincio das epifanias cosmolégicas (Mircea Eliade), agrupamentos pouco coerentes de simbolos celes- tes, terrestres, etc., consideram sempre os simbolos — que podem indiferentemente ser tanto lexemas quanto objetos materiais — como unidades descritivas compactas. A tentativa de descricio do simbolismo da matéria feita por Gaston Bachelard, e que repousava, como o sabemos, na distingio quase universal, feita pela fisica qualitativa, dos quatro elementos: terra, ar, fogo, égua, surgiu como uma inovacdo. Entretanto, o autor percebeu que os elementos classificatérios dessa matéria nao eram nem simples nem unfvocos, © que, dentro da matéria terrestre, a moleza da terra propria a0 plantio (glébe) se opunha A “dureza da rocha”; quanto a matéria aquatica, 0 simbolismo da 4gua calma se situava af em oposicio 20 das Aguas revoltosas. Essa constatago conduz Bachelard aos umbrais da anélise sémica tal como nés a concebemos, onde as oposigées Moleza vs dureza Estatico vs dinamico se acham pressupostas, anteriores aos lexemas-simbolos da terra e da dgua. Serd necessirio, entretanto, esperar a aparicao da Poétique de Espace para encontrar os primeiros elementos de uma descricio sémica consciente e uma concep¢io da comuni- cacdo poética que fizesse uso do nivel semiolégico da linguagem. 78 c) Um dominio reservado: o simbolismo, A mesma inversio da problemitica da linguagem se en- contra agravada nas especulagées referentes natureza simbélica da poesia, do sonho e do inconsciente: essa espécie de encan- tamento diante da ambigiidade dos simbolos, a hipdstase dessa ambigiiidade considerada como conceito explicativo e a afirma- cio do carater “inefével” da linguagem poética, da riqueza inesgo- tavel do simbolismo mitico, levam as pessoas tio precavidas como . Lacan ou G. Durand a introduzir na descrigio da significagio julgamentos de valor e a estabelecer distingSes entre a fala ver- dadeira e a fala social, entre um semantismo auténtico e um: semiologia vulgar. A semAntica, que se pretende uma ciencia humana, procura descrever valores ¢ nao postuld-los. A questo nao poderia nem mesmo se colocar nesses termos, se em vez de indagarmos por que tal palavra tem varios sentidos, ou como uma palavra pode significar uma coisa e seu contrario (tanto os gramdticos quanto 0s filésofos arabes se interrogaram prolongadamente sobre a existéncia dos addad, palavras que sig- nifieam ao mesmo tempo “uma coisa e seu contrario"), partissemos de uma descricio semiolégica para estudar em seguida suas mani- festagdes miltiplas. Veremos entio que um simbolo eminentemente poético nio é muito diferente, nem funciona de modo diferente, de-um lexema qualquer de uma lingua natural qualquer, como 0 € 0 caso de téte. Em outeas palavras, reconheceriamos essa ver- Gade do bom senso de que tudo.o que é do dominio da linguagem & lingiifstico, isto & possui uma estrutura lingiit léntica ou comparavel e se manifesta gracas ao estabelecimento de conexdes lingiifsticas determinaveis e, em larga medida, determinadas. Che- gariamos talvez a “desmistificar” A custa disso o mito analdgico moderno segundo o qual hé na linguagem zonas de mistério ¢ zonas de clareza. E possivel — trata-se de uma‘ questio filosdfica e nio mais lingiiistica — que o fendmeno da linguagem enquanto tal seja misterioso, no entanto; nao hé mistérios na linguagem. © “pedago de cera” de Descartes no & menos misterioso que © simbolo da lua. O que nao impede que a quimica tenha chegado fa dar conta de sua composicio clementar. E a uma andlise desse género que deve proceder a semantica estrutural. Os efeitos de sentido persistem bem, é verdade, nos dois casos, mas 0 novo 79 plano analitico da realidade — quer se trate da quimica ou da semiologia — nao & menos legitimo. d) O lingiiistico © o imaginério. A Altima objecio, que & preciso eliminar, esté na escolha es- tratégica do plano tinico da descrigio do simbolismo e, mais geral- mente. do que se convencionou chamar “imaginério”. O plano lin- Ziiistico é o tinico plano de descri¢ao possivel? £ o melhor do ponto de vista operacional? Outros planos de descricio paralelos ao plano de linguagem nao podem ser utilizados para levar a resultados com- pardveis? Quanto ao simbolismo poético, as coisas parecem ser claras: a poesia é uma linguagem ou, para ser mais preciso, situa-se dentro Ga linguagem. Toda descri¢io nio lingiiistica da poesia seria necessariamente uma traducio initil, talvez impossivel. O mesmo Mia oeorre com o simbolismo mitaidgica, onde os objetas @ as comportamentos “naturais” parecem possuir as mesmas fungoes simbélicas que os lexemas ou as seqiiéncias discursivas, e sio subs- Uituiveis uns pelos outros. Isso cria inevitavelmente uma certa con- fusio, sobretudo se nao se coloca — como ocorre muito freqiiente- mente — a questio da homogeneidade do plano da descri ‘Tomemos um exemplo banal, 0 do simbolismo filico. Sabemos que. desde Freud. na psicanilise como na mitologia, quase tudo pode ser simbolo filico: partes do corpo humano, o corpo na sua totalidade, plantas, arvores, peixes, objetos manufaturados, ete. A metéfora félica surge assim como uma classe aberta, preenchida por uma espécie de “bric-a-brac”, cujo tertio comparationis cons- titulo tinico elemento permanente. Entretanto, pouco importa, que as ocorréncias que compoem esta classe sticos, visuais ou naturais; a relacao, isto é, © elemento comum a toda a classe e que a constitui justamente enquanto classe, niio é mais um objeto significante, mas uma articulagao sémica ou, mais ainda, uma figura nuclear que respeita & ordem do significado. Do mundo das coisas, do qual toma- mos emprestado nossos objetos de estudo, passamos assim automa- ticamente ao mundo da significacdo, e esta se presta entiio aos pro- cedimentos de descricao elaborados pela lingiiistica. er N&o queremos pretender com isso que 0 carter simbélico dos objetos falicos provenha sempre do discurso mantido acerca desses objetos, e que lhes forneceria o contexto indispens4vel & manifes- tacdo da significagio simbélica, embora esse seja provavelmente o caso mais freqiiente. Existem comportamentos rituais simbélicos que constituem outros tantos contextos naturais. © exemplo escolhido mostra, entretanto, de maneira concreta, 0 que sustenta- mos desde 0 inicio, isto & que a significacio é indiferente 20 significante utilizado: 0 fato de o significante ser constituido de objetos “naturais” ou de combinagées de fonemas ou de grafemas em nada modifica os procedimentos da andlise da significagio. * Uma anilise do contetido que repouse sobre os objetos que constituem 0 mundo do senso comum, tomado como significante, é teoricamente legitima, e talvez mesmo possivel. A grande supe- rioridade do plano lingitistico provém do fato de que qualquer outra linguagem — e, conseqiientemente, a dos objetos simbélicos — pode ser traduzida numa lingua natural qualquer, enquanto © inverso nao € sempre verdadeiro: nio vemos como um poema de Mallarmé possa ser traduzido numa linguagem das coisas. (Isso aparece muito claramente na elaboracéo dos métodos audi visuais para o ensino das linguas, quando se trata de construir um significante visual equivalente do significante oral das Iinguas na- turais: se a tela se presta relativamente bem para a representacio dos atuantes, os problemas da expressio visual dos predicados e das telagées so mal esbocados e nao foram até agora resolvidos.) Por outro lado, as Iinguas naturais possuem um significante relativa- mente simples, e em parte j4 analisado, que permite a elaboracao de técnicas cada vez mais seguras e cada vez mais numerosas de verificacao das separagies de significacao, mesmo que as estruturas icagio sejam postuladas inicialmente como resultados hipo- téticos dos procedimentos légicos. O valor dessas técnicas — ainda que em sua aplicagio & andlise do contetido estejamos nos primeiros passos — é compardvel, para as ciéncias humanas, & formalizacio algébrica das ciéncias da natureza, e é ai que reside, parece-no: ‘a superioridade metodolégica da lingiifstica estrutural em relacio 4s intuigdes, muitas vezes geniais, mas que nao possuem procedi- mentos de verificacdo, das demais pesquisas humanistas. 81 2° © ESTATUTO DO SEMIOLOGICO a) O simbilico e o semiolégico. ‘Até aqui, nés nos esforgamos por mostrar que o simbolismo, qualquer que seja a forma pela qual apareca, nfo se distinguia, por sua propria natureza, das outras manifestagées da significacio e que sua descticéo dependia da mesma metodologia. Teriamos errado se, a0 contrario, o assimiléssemos sem mais ao modo de existéncia das estruturas semiolégicas, embora se aproxime dela em vdrios aspectos. Se, para funcionar como tal, o simbolismo deve ‘apoiar-se no nivel semioldgico, ele é, no entanto, sempre uma refe- réncia a outra coisa, a um nivel da linguagem distinto do nivel semioldgico. Péderfamos dizer que o semiolégico constitui uma espécie de significante que articula o significado simbdlico ¢ o constitui num feixe de significagdes diferenciadas. Assim como o plano da expres- sio articulada é necessario para que o plano do conteiido seja algo distinto de uma “grande nebulosa” saussuriana, a articulagio da forma do contetdo chama para a vida, diferenciando-a, a substancia deste. Por outro lado, 0 dominio da estruturacio semiolgica é mais amplo que qualquer simbolismo particular; em outros termos, ndo existe adequacio entre tal espaco semiolégico e tal simbolismo: 0 semioldgico é indiferente ao simbolismo que o toma em considera- cio; um s5 e mesmo nivel semiolgico pode servir e serve para articular diferentes simbolismos. Assim, retornando a0 exemplo das imagens félicas, vemos bem que o que permite reduzir inumer4- veis variagbes estil{sticas a uma sé invariante simbdlica é 0 fato de que um nivel de significagio tinica, o da sexualidade, foi postulado no plano semiolégico, do qual uma figura nuclear relativamente simples serve de conector a todas as ocorréncias contextuais. A escolha desse significado é legitima, como o sio as dos outros sig- nificados. Como 0 demonstrou j4 Hjelmslev (Essais linguistiques), a categoria do género gramatical repousa sobre a oposicio sémica ‘expansdo vs condensacdo. © par fémea vs macho nao 6, conseaiientemente, senio uma manifestacao parficular dessa oposigao semioldgica; obtida pela combinagao do niicleo sémico com o classema “animado”. 82 A desericio do nivel semiolgico constitui, pols, uma tarefa auténoma, que deve ser conduzida sem nos prender a esse ou Aquele simbolismo particular. b) © “proto-semantismo” de P. Guiraud. A comparacio entre o simbélico e 0 semiolégico nos permitiu entrever os primeiros elementos de uma definicio possivel do nivel semiolégico, que seria a forma do contetido que tornasse possivel, gracas & postulacio de um nivel anagégico qualquer, a aparigao deste ou daquele simbolismo. Os conceitos do semio. légico e da forma do contetido nfo so entretanto coextensivos; se tudo o que é semiolégico pertence necessariamente A forma do contetido, 0 inverso nao & verdadeiro: os classemas e 0 nivel seméntico da linguagem por eles constituidos (e que é a fonte das isotopias anagégicas) participam igualmente da forma do contetido. O conceito hjelmsleviano da forma do contetido, embora re- voluciondrio na medida em que significou a morte do formalismo, nao é utilizavel para fundamentar as distingdes reais dos nfveis da linguagem, sobretudo quando se quer manter — como & 0 nosso caso — a concepeao saussuriana da linguagem considerada como ‘uma forma, cuja manifestacao por si s6 tem como resultado provo- cat a aparicao dos efeitos de sentido assimilaveis & substincia do contetido. A fronteira que é preciso tracar é, portanto, aquela que separaria 0 semiolgico do semAntico, e nio a forma da substancia. Parece oportuno retornar, uma vez mais, a exemplos con- cretos. As pesquisas empreendidas, desde algum tempo, por P. Guiraud, sobre o que ele chama campos morfo-semdnticos, sio, sob esse ponto de vista, particularmente instrutivas. Num de seus estudos recentes (Bulletin de la Société de linguistique, t. LVI, fase. 7), P. Guiraud destaca a existéncia de matrizes de va- tiagées fonolégicas, que tém as dimensdes de lexemas, aos quais correspondem modelos, paralelos e nao isomérficos, de articulagdes sémicas. Apoiado no inventério de uns 400 sememas, 0 estudo engloba um campo semdntico recoberto pela raiz com’ base con- sonantica (t-k) que caracteriza o sentido muclear frapper (gol- pear). Resumamos inicialmente os resultados desse estudo, in- teressante sob varios pontos de vista. 83 As variedades de “sentido” que esta ralz recobre podem ser agrupadas em duas categorias distintas: 1. As primeiras estdo ligadas 4s variacdes do formante. Assim, As variacdes vocdlicas da matriz em [tik] vs [tok] vs [tak] correspondem as variantes sémicas de coup (golpe): petit (pequeno) vs gros (grande) vs plat (plano). A matriz fonoldgica pode comportar outras variagdes, desta feita de cardter consondntico, &s quais corresponderao novas arti- culagées sémicas no plano do conteddo. Assim, a insergio do infixo (-r-): acrescenta ao modelo 0 sema suplementar “freqiientativo”; do mesmo modo, a variante [f] substituivel & [k], constitui a opcéo sémica (coup) amorti “amortecido” vs (coup) net “nitido”, 2. © modelo semiintico comporta, por outro lado, articula- goes stmicas independentes das variages da matriz fonolégica. O proto-semantismo, como o chama P. Guiraud, recobre quer os verbos quer os substantivos e produz tanto sememas do tipo frapper como do tipo coup. £ de igual modo que o mesmo formante para designar os objetos com os quais se golpeia (pelles fourgons “esborralhadores”, maillets “magos”) como tam- bém os objetos sobre os quais se golpeia (diversas espécies de placas e plaquetas). Enfim, ele ajuda a constituir, de maneira insdlita A primeira vista, os sememas que significam tache (mancha), macule (mécula), croiite (crosta), bem como diferentes afeccoes cutdneas, Vamos verificar inicialmente que as articulagdes sémicas reu- nidas num sé modelo se dividem claramente em dois tipos, e isso segundo um eritério que diz respeito ao plano da expresso e nao do contetido, 1. Certas variagSes esto em correlagio com as da matriz fonoldgica. Elas constituem dois estratos hierarquicamente dis- tintos: a) O micleo de ordem téctil attouchement “toque”, que corresponde & base consondntica (t-k) e que no é analisado por P. Guiraud; b) As variagdes sémicas de ordens sensoriais diversas e que correspondem aos elementos comutdveis do formante. Assim, a oposigao petit (coup) vs gros (coup) poderia ser interpretado como a polarizagdo do eixo de intensivi- dade, ao passo que o terceiro termo evidenciado por P. Guiraud ‘se oporia aos dois primeiros do ponto de vista da superficie tocada, como superficie vs ‘ponto. Quanto ao infix (+); assim como quanto & variante [J}. estes introduzem, por sua vez, determinages aspectuais complementares. Assim, 0 modelo semiolégico comporta as categorias sémicas ue correspondem as diversas ordens de percepeio: Lic, espacial, aspectual. Observagao: Fomos levados a introduzir aqui uma classi- ficacdo pragmitica do nfvel semiolégico em ordens sensoriais, isto &, segundo critérios extralingiiisticos. Tal classificacio é operacional e sé poderé ser justificada (e portanto funda- mentada), apés a descricio dos sistemas sémicos constitu tivos desse nivel de linguagem. 2. Outras variagGes sémicas so, em compensagio, indepen- dentes, sem relacdo de concomitancia com as do formante. Assim, a oposigio substantivo vs verbo parece secundaria em relagio as articulagdes nucleares. © mesmo corre com a oposicio destinador vs destinatério (nomes de objetos com (nomes de objetos sobre ‘os quais se golpeia) 0s quais se golpeia) Observacdo: Contentemo-nos com assinalar esta iltima ‘oposicao observando que ela jé esclarece um pouco 0 pro- 85 blema tratado longamente por G. Durand, em continuacio as classificagdes de Leroi-Gourhan, e relativo & denominagio dos instrumentos que “prolongam” os gestos. ‘As pesquisas de P. Guiraud nos parecem importantes por diversas raz6es. Primeiramente, porque levaram seu autor, que enquanto promotor dos métodos estatisticos, estava, no entanto, habituado a manipular as unidades lexemiticas, a efetuar uma andlise sémica bastante rigorosa. Em segundo lugar, porque elas mostram bem que os estudos etimolégicos se acomodam_perfei- tamente a esse tipo de andlise, que pode mesmo facilité-los. E finalmente — aliés, € a isso que o exemplo devia servir — a concomitincia observada entre as variagSes da matriz fonoldgica e as dos elementos semiolégicos, de um lado, e a auséncia de uma outra concomitancia quando se trata de variagoes classemé- ticas, de outro, nos permitem entrever o tracado que separa os semas nucleares dos classemas, 0 nivel semiolégico do nivel se- mntico da linguagem. Go: Seria fora de propésito levantar aqui 0 pro- blema das origens da linguagem. Notamos, entretanto, que 0 reconhecimento das variagGes concomitantes dos modelos fono- Idgico e semiolégico traz elementos novos as discussio con- siderada até agora inatual. ¢) © semiolégico e 0 bio-anagégico. Todas essas variagSes nfo impedem a persisténcia de um duplo niicleo: fonolégico, sob a forma do esquema consonantico (t-k), e semiolégico, com 0 “proto-semantismo” de frapper. Esse nticleo sémico, que Littré define em seu verbete sobre tic, como “movimento convulsivo”, aparece muito claramente como uma articulagio do termo complexo, que manifesta, segundo as idades e 0s dialetos do francés, um dos dois semas da oposicio contato agressivo vs reacio convulsiva. Sem levar em consideragio as combinaghes sAmicas ulteriores, poderlamos facilmente pretender que tal figura represente a arti- 86 culagio da significacdo, conotando os comportamentos mal diferen- ciados, situados ao nivel biolégico — o estimulo exterior e a reacdo da célula viva — e nao, como o desejaria G. Durand, a0 nivel onto- génico do ser humano. (Os sememas tache, macule, croiite, com todo acompanhamento de teigne (tinge), rogne (sana), gale (sar- na), ¢ lépre (lepra), se explicam provavelmente, nesse nivel, pela reagio da superficie atingida.) O fato de postular nesse nivel um significado global — como o propée, por exemplo, Roland Barthes, para quem 0 “estilo” individual nao seria sendo “a voz decorativa da carne” — a fim de dar conta da articulagio semio- légica da personalidade humana e de conceber esta como “um sistema de atracdes ¢ repulstes” organicas, parece-nos certamente mais legitimo do que classificar o ‘simbolismo segundo hipotéticas dominantes reflexas. Tal interpretacio entretanto, se é valida simbolicamente, isto &, na medida em que 0 nivel biolégico é postulado como signifi- cado profundo, nio 0 & semiologicamente: com efeito, a exis- téncia dos sememas do tipo plaquette mostra que a figura sémica, para poder produzir, pela combinacio com os classemas apropria- dos, 0 semema plaquette (plaqueta), nao deve compreender o 1a “‘matéria orginica” e que a oposicéo “orginica” vs “inorga- nica” (cf. “animado” vs “inanimado”) se situa fora do nfvel sémico, talvez mesmo fora do nivel semiolégico. Somos forgados portanto fa abstrair, de certa forma, a figura nuclear de seu meio organico e de consideré-la como uma percep¢ao pura, como uma categoria sémica que faz parte da articulacdo sistemitica da tactilidade, ho sentido nao antropocéntrico dessa palavra, da mesma forma que remetemos 0 miicleo sémico téte & articulacio da espacia- lidade. ‘Assim, parece-nos que o modo de existéncia do nivel semio- légico se encontra um pouco mais preciso: € um conjunto de categorias e de sistemas sémicos situados e apreensiveis ao nivel da percepcio, compardveis, em suma, a essas percepcées visuais esquematizadas dos pissaros evocadas por Raymond Ruyer, @ que permitem-lhes reconhecer seus inimigos segundo as opo- sigdes: pescoco longo /cauda curta vs pescoco curto / cauda longa. Situados no proceso da percep¢ao, as categorias semiolégicas representam, por assim dizer, sua face externa, a contribuigio do 87 mundo exterior ao nascimento do sentido. Consideradas sob esse Angulo, elas parecem isomérficas As qualidades do mundo sensivel e compardveis, por exemplo, aos morfo-fonemas de que se compie a linguagem gestual. O que, aliés, nada tem de espantoso, se se lembrar que tentamos conceber uma semantica independente da segunda articulacéo do significante. Seja como for, isso nos parece suficiente para justificar a denominagéo de semioldégico que atri- buimos a esse nivel da linguagem. 3° POSSIBILIDADES DA DESCRIGAO SEMIOLOGICA 2) Construgao de linguagens om lingiiistica aplicada. A anilise sémica do nivel semiolgico da linguagem surge como a primeira tarefa da semdntica estrutural. Uma vez em- preendida por ela mesma, nio somente permitiria melhor com- preensio do. funcionamento das diferentes simbolismos ineren- tes a toda lingua natural, como prestaria grandes servicos as diferentes operagdes da lingiiistica aplicada, & tradugdo automatica, 4s voltas com dificuldades enormes na medida em que se propée aintiogir; com’ grande fidelidade, a construglo de linguagens documentais também, tornando mais fécil a delimitagao das uni- dades constitutivas da linguagem e fazendo apreender melhor os modos de sua imbricacdo. Isso porque esses diversos dominios nao so tao distantes como pode parecer & primeira vista; a ordem de urgéncia em suas des- crigdes, infelizmente muito fragmentadas, é também a mesma em todas as areas. Se nossas reflexdes sobre o nivel semiolégico da linguagem aparecem, & primeira vista, centradas em problemas do simbolismo, basta dar uma olhada nas preocupagées atuais em matéria de traducdo mecanica para percebermos que os esfor- G03, que, nesse dom{nio, tendem a sair do impasse em que se viu cercada por ter escolhido, de saida, o nivel lexematico do discurso, desembocam freqiientemente nas mesmas conclusées. A nova dire- do que um pesquisador to cauteloso como B. Pottier deseja im- primir & traducao automatica é sintomatica sob esse ponto de vista. O mesmo ocorre com a tentativa de Ross Quillian, que propde des- crever-se 0 universo semAntico traduzindo-o numa linguagem intei- ramente construida, cujos elementos, constitutivos das escalas de graduacao, parecem muitissimo com os nossos semas. Podemos ter uma idéia deles referindo-nos ao resumo de sua teoria, contido no Semantic Problems in Language, que sintetiza o coliquio seman- tico de Cambridge em 1961, e caracteristico do estado de espirito que domina, desde bem pouco tempo, os meios lingiiisticos inte- ressados nos problemas da traducao mecfnica. Num quadro (p. 196) que indica, a titulo exploratério, as dimensées provaveis dessa linguagem, vamos encontrar, a0 lado das sensa¢Ses proprioceptivas € interoceptivas, sobre as quais Quillian nfo ousa pronunciar-se ainda, e para as quais reserva uns 25 semas para construir ulterior- mente, uma lista de escalas extroceptivas, que reproduzimos fiel: mente: a) The Five Abstract Scales: “Number” (the real number continuun), “Correlation” (in the statistical sense), “Mé tion of whole-to-part or whole-to-aspect), “Similarit tive” (in the mathematical sense); b) Visual Scales: hue, brightness, saturation; ¢) Temporal Scales: time, length (with subscripts); d) Degree of Existence, degree of awareness; e) Auditory Scales: pitch, loudness; f) Gustatory Scales: sweetness, souriness, saltiness and bit- terness: g) Olfactory Scales: not yet determined h) Cutaneous Scales: not yet determined | say, 25 max. Observagao: Esta classificago, que nem tentamos traduzir i que cada termo, extraido de seu contexto, parece am- biguo e admite interpretacées miltiplas —, nio nos interessa por suas articulagdes, mas unicamente pelas razGes que o fizeram propor. E um exemplo revelador de um estado de espirito que domina implicitamente as pesquisas seminticas. Tal enumeragio mostra jd as grandes linhas do projeto: ex- ceto por a) que comporta confusamente quase toda a axiomé- tica da anilise lingiifstica, e de d) que confessamos nio entender muito bem, a descricao semAntica, tal como a concebe Ross Quillian, parece consistir, na sua primeira discussio, num quadro aprioris- tico da totalidade de lexemas dentro de uma escala de cardter 89 perceptivo; esta primeira inscricko deverd em seguida ser comple- tada por sobredeterminagSes pertencentes &s ordens de sensacbes “proprioceptivas” e “interoceptivas”, sem que o niimero de elemen- tos utilizados pela descri¢fo em seu conjunto venha a ultrapassar — segundo o autor — uma centena, E igualmente no ntimero de 100 classificadores seménticos — alusio nostélgica, provavelmente, ao niimero reduzido dos elemen- tos quimicos — que se detém Margaret Masterman (ibid. pp. 6-14) para a construgio de sua interlingua: seus classificadores nio sio, entretanto, unidades de significacdo minimas (eis algumas delas, escolhidas ao acaso: air, cold, give, laugh, one, sign, went, body, eat, how, more, re-, yes, you, etc.), e se mencionamos aqui esta outra ten- tativa, é, de um lado, para assinalar a conviccio intima de muitos lingitistas de que o niimero de unidades de descricao semintica € ou deve ser muito limitado, e, por outro lado, sublinhar o perigo de arbitrariedade ao qual nos expomos quando aceitamos um pouco exageradamente ao pé da letra a legitimidade da construgdo aprio- ristica da linguagem descritiva. b) Niveis de generalidade. Para nés, 0 fato de admitir que qualquer descrigio é constru- ‘cdo, € seguramente, em primeiro lugar, o reconhecimento de uma necessidade; mas a descrico comporta também a exigéncia de cer- ta ética cientifica. Assim como existe o uso correto da liberdade, a utilizagdo da construgio aprioristica nfo deve também ser arbitra- ria: a dimensio lingiilstica de nossa existéncia é uma realidade social, e sua descricio nio deve visar sendo a construir uma lin- guagem adequada A lingua natural que se deve descrever. Em ‘outras palavras, a liberdade adequada & lingua natural acha-se limitada pela existéncia das separacies diferenciadoras do signi eante que qualquer descricéo deve levar em consideracio, uti procedimentos de cardter indutivo — testes de comutacio, anilises de distribuigdes —, seja antes da construcio sistematizante, seja numa fase de verificacdo que sucede necessariamente & des- crigio légica. ‘Um exemplo permitira precisar melhor nosso pensamento. Sejam dois lexemas: donner “dar” e prendre “tomar”, para os quais pro- 90 pusemos niicleos sémicos que parecem poder ser formulados como ‘uma-oposigao: expansio vs expansio + contragio. Nessa fase da anélise, enquanto o inventério permanece limita- do a dois lexemas, no temos nenhuma razio em considerar que “contragio” nao sejam semas, isto é, unidades minimas Se em compensagio quiséssemos dilatar esse inven- io introduzindo af o lexema tenir (segurar, reter), iriamos per- ceber que: 1. © sema “contracio”, que parece caracterizar_ao mesmo tempo os niicleos de prendre e tenir, deve ser completado por uma outta oposigao sémica: prendre contragio ++ incoatividade tenir ~ contracio + duratividade 2. © sema “contrago” parece manifestar-se, no primei aso, sob seu aspecto dindmico, no segundo, sob 0 aspecto esté- tico. Portanto, “contragio” pode decompor-se ainda em clois semas: “solide” (“dindmico” vs “estitico”), e a oposigio dos niicleos sémi- e0s de prendre e de tenir apareceré como prendre (expansio) + solidez + dindmico + incoatividade tenir solidez + estdtico + duratividade Mesmo chegando a esse estagio, ainda no estamos seguros de "que nossa anilise tenha atingido o nivel das unidades minimas de significacio, nem que ela seja correta (“dinimico” e “incoativo” nio _ so, nesse caso, redundantes?): uma nova ampliagio do inventério ndo nos obriga a novos reajustes? Esta anillise, que deixamos suspensa, parece precisar o lugar que é preciso atribuir & construcio légica na descrigao semintica: na medida em que esta parte de uma dada lingua natural e opera ¢om inventérios limitados, seu papel consiste em aprofundar a and- "lise generalizando-a. Do mesmo modo, 0 que é valido quando da dilatacdo do inventério, on da comparagio de varios inventdrios dentro de uma sé lingua analisada, o € mais ainda quando se 91 trata de proceder — como & 0 caso para a traduco ou documenta- cao mecinica — a descrigao paralela de varias linguas naturais vi- sando A constituigio de uma linguagem intermedidria. obedece, pois, a dois princfpios simultaneamente presentes e contraditérios: é indutiva em seu desejo de dar conta fielmente da realidade por ela descrita; é dedutiva em virtude da necessidade de manter a coeréncia do modelo em construgao e de atingir & generalidade, coextensiva do corpus submetido a des- cricio. Tal concepgio do procedimento descritivo, fundamen- tada sobre a busca do compromisso, seria desencorajante se ndo fosse ela o tributo natural de toda descrigao cientifica. ©) © procedimento cientifico. A ambigio de descrever o nivel semiolégico no seu con- junto, per mais excessiva que pareca A primeira vista, se situa entretanto na escala humana. Qualquer que seja 0 corpus que se escolha para esse caso — 0 Trésor de ta langue frungaise ou ‘© Dictionnaire de Littré —, os resultados deveriam, em principio, ‘aparecer sob a forma de um niimero limitado de semas. Nao vamos esquecer que toda construgéo da linguagem, na medida em que, dilatando 0 corpus a ser descrito, aprofunda e faz descobrir unidades de significacio sempre cada vez menores, diminui 20 mesmo tempo, pela maior generalidade atingida, o numero destas. ‘Os procedimentos da descri¢ao sero estudados & parte, num capitulo que Ihes seré consagrado. Bastard notar doravante que a descrigio, para passar das figuras aos sistemas sémicos e, dai, is ordens semiolégicas, deve tomar de empréstimo os procedi- mentos prdprios a qualquer anélise e constituidos pelas etapas sucessivas de inventirio, redugio e estruturacao. ISOTOPIA DO DISCURSO 1° HETEROGENEIDADE DO DISCURSO @) Isotopia da mensagem. Para melhor situar os problemas relativos ao nivel i do contetido, é necessdrio retornar & manifestacdo da sigilcagis af procurar as condicées estruturais da funcionamento do dis- curso. Este contém, efetivamente, no momento em que se tenta pee elementos aparentemente contraditérios. Nao nos € possivel aceitar uma explicagio que dé conta organizacio das mensagens, cuja seqiiéncia constitul o Seen pelo poder predicativo do espirito humano ou, sob uma formula. cdo talvez mais moderna, pela intencionalidade do locutor; isso nio tanto por receio do’ mentalismo, mas simplesmente porque tal interpretagao se situa ao nivel da emissio de mensagens € milo de sua recepcéo ou de sua transmissio. Desse tiltimo ponto de vista, o discurso nos parece, em seu desenvolvimento e apesar de seu cardter linear, como uma sucessio de determinagées, e, por isso, criador de uma hierarquia sintatica. a ‘Como, a partir dai, explicar o fato de um conjunto hierdrqui das significasces produzit uma mensagem ‘sotopiea? "De Tato, uma coisa & certa: quer comecemos a anilise do discurso pelo alto, isto é, partindo de uma lexia, definida como uma unidade "de: sentido, quer empreendamos 0 agenciamento das unidades sintéticas maiores a partir das unidades constitutivas mini mstitutivas mfnimas, problema da unidade da mensagem, indiscutivelmente apreendido “am ae todo de significagio, se coloca inevitavelmente. lingiiistica dinamarquesa obs bem o " ervou bem o problema ao Propor fundamentar a isotopia da mensagem na redundancia das 93 categorias morfoldgicas. Efetivamente, as unidades sintdticas, que so de natureza hierdrquica, servem ao mesmo tempo de quadros dentro dos quais se situam as iteracSes das estruturas morfolé- gicas: homoelementares, elas definem, por sua repeticao, o que chamamos tradicionalmente concorddncia; homocategéricas, elas dao conta da receao. Tal redundincia gramatical pode jé servir de modelo para compreender a isotopia semintica da mensagem. & necessirio ndo esquecer entretanto que as categorias morfoldgicas nao cons- tituem, do ponto de vista do plano do conteido, sen’o um agru- pamento limitado de classemas, e que, por outro lado, mesmo se, numa certa medida, so constitutivas da isotopia de mensa- gens sintaticamente delimitadas, tais categorias no sio suficientes para dar conta nem da isotopia, nem das variages isotépicas das grandes unidades estilisticas do discurso, nem do discurso em sua totalidade. E, pois, recorrendo as categorias classemiticas, quaisquer que sejam elas — e nfo necessariamente As categorias morfolégicas —, € considerando, inicialmente, essas variagies das isotopias que nao se encontram fechadas nas fronteiras sintdticas, que estaremos em condigdes de avaliar as dificuldades que encon- tramos e as soluces que podemos considerar para dar conta da existéncia das isotopias amplas. Bem curiosamente, é ao dominio das frases de espirito, a esse género literario que alardeia voluntariamente os procedimentos lin- fsticos que utiliza, que acreditamos ser util tomar os exemplos de variages e de permanéncias isotdpicas. b) Varlagées das isotopias. Tomemos uma “histéria” das mais comuns: *Cest une brillante soirée mondaine, trds chic, avec des invi- tés triés sur le volet. A un moment, deux convives vont prendre un peu Cair sur la terrasse: — Ah! fait l'un d'un ton satisfait, belle soirée, hein? Repas mag- nifique... et puis jolies toilettes, hein? — Ga, dit autre, je n'en sais rien. — Comment ga? = Non, je n'y suis pas allé!” (Point de vue, 23 fév. 1962.) 4 “f uma brilhante noitada mundana, muito chique, com con- vidados selecionadissimos. Num dado momento, dois convivas vio tomar um pouco de ar no terra — Ab! diz um deles em tom satisfeito, que bela noitada, hein? Jantar magnifico... e, depois, belas “toilettes”, heim? — Isso no posso saber. — Como assim? — Nao fui 14.” A histéria, como milhares de outras do mesmo género, possui um certo mimero de tragos formais constantes: 1. Ela comporta obrigatoriamente duas partes: a narrativa- -apresentacéo e a dialogacao; 2. A apresentacdo prepara a histéria: € uma breve narra- ho, que estabelece um plano’ de significagéo homogéneo, uma primeira isotopia; 8. O didlogo & 0 procedimento que dramatiza a histéria e rompe sua unidade, opondo bruscamente A primeira uma segunda isotopia; 4, As duas isotopias esto ligadas entre si pelo termo conec- tor comum. Nos casos mais simples (jogos de palavras, palavras ambiguas, etc,), a identidade, ou mesmo a simples semelhanca do formante, basta para conectar as duas isotopias (no ha necessidade de perguntar se o formante “toilletes”, que recobre dois sememas di- ferentes, possui uma figura sémica comum ou nao); 5. O prazer “espirituoso” reside na descoberta de duas iso- topias diferentes dentro de uma narrativa supostamente homogénea. Vemos, conseqiientemente, que a anedota, considerada como género literdrio, eleva ao nivel da consciéncia as variagées das isotopias do discurso, variagdes que se finge camuflar, ao mesmo tempo, pela presenca do termo conector. Um outro critério, a escola dos atuantes que participam dessas comédias miniaturizadas constitui o procedimento comple- mentar que sublinha a heterogeneidade das isotopias que confron- tamos. De fato, uma primeira classificacio superficial mostra a preferéncia das anedotas pelas oposicées do tipo: adultos vs criancas majoritérios vs minoritérios normais vs loucos humanos vs animais ou coisas, etc. A confrontagéo das duas isotopias coloca em oposicio, nesse caso, no mais apenas duas seqiiéncias que possuem cada uma um cariter isotdpico: essas facgdes do discurso so consideradas, do ponto de vista de seu contetido, como representativas de men- talidades heterogéneas. Vemos que a descrigao do contetido dessas thistérias" poderia constituir uma tipologia das representacdes cole- tivas das classes sociais. Mas isso jé 6 outra histori c) Dimensées dos contextos isotépicos. uso fregiiente que fazem as anedotas das narrativas-apresen- tages mostra j& a necessidade que tem o narrador de acalmar seu. auditério, estabelecendo solidamente 0 plano isotépico do discurso, colocando inicialmente 0 contexto mais amplo, dentro do qual pode introduzir, em seguida, uma nova isotopia. O fato que as pessoas sérias sabem sempre, ou eréem saber, do que falam; a conversacio espirituosa é, a0 contrétio, caracterizada pela ttilizagéo paralela e sucessiva de varias isotopias a0 mesmo tempo. Vemos, pois, que 0 problema da separacio das isotopias e do reconhecimento das dimensdes dos contextos isotépicos é importante; ele constitui uma das dificuldades ainda nao resolvidas no dominio da tradugio mecinica. Isso porque, se a isotopia de contextos tais como: Le chien aboie (0 eo ladra) Le commissaire aboie (o comissério ladra) pode ser garantida no quadro de um enunciado elementar, nio podemos dizer 0 mesmo d Le chien du commissaire aboie (0 cXo do comissirio ladra), j& que a seqiiéncia-enunciado pode manifestar tanto o classema ‘animal” quanto o classema “humano”; somente um contexto mais amplo poderé decidir se se trata, na ocorréncia dada, do cio ou do comissério. ‘A andlise semantica, procutando critérios discriminatérios, com vistas ao estabelecimento das isotopias, acha-se forcada a utili- zat 0 conceito de hierarquia dos contextos que se imbricam uns nos ‘outros. Assim, o sintagma, que retine ao menos duas figuras sémi- cas pode ser considerado como 0 contexto minimo que permite estabelecer uma isotopia; o enunciado permite testar a isotopia dos sintagmas que o constituem; este, por sua vez, deverd ser inserido na frase. A descrigdo se acha, até ai, privilegiada pela existéncia de unidades sintéticas com dimensdes conhecidas, compardveis e comu- taveis. A dificuldade aumenta, em compensacéo, quando ultrapas- samos as dimensGes da frase. Existem, certamente, tentativas de defi- nigao das unidades ndo sintéticas do discurso mais amplas que a frase: 0s pardgrafos, as “‘passagens” (narrativas, quadros, didlo- gos, etc.), capitulos enfim. Mas os procedimentos de comutacao nfo podem mais ser empregados af com rigor, e os critérios for- mais que possamos descobrir sdo inteiramente insuficientes. Visto que essas unidades nfo sintiticas ndo deixam de ser unidades do contetido, temos direito de perguntar se a investigacio semintica no pode trazer outros elementos de apreciagio que permitam 0 reconhecimento de continuidades isotdpicas. 2.° FUNCIONAMENTO METALINGUISTICO DO DISCURSO @) Expansio e definicao. ‘A lingiifstica moderna conheceu novas diregées a partir do momento em que conseguiu reconhecer e integrar no corpo de seus conceitos instrumentais um dos aspectos importantes do fun- cionamento das Iinguas naturais: a expansdo. Pouco import: alids, o nome que se dé a esse fendmeno: ele se resume na consta- tacdo de que 0 discurso, concebido como uma hierarquia de uni dades de comunicacio que se encaixam umas nas outras, contém ‘em si mesmo a negacao dessa hierarquia, pelo fato de as unidades de comunicagéo de dimensdes diferentes poderem ao mesmo tempo ser reconhecidas como equivalentes. principio de equivaléncia de unidades desiguais, quando utilizado na comparacio das linguas naturais entre si (notadamente na traducio automética, onde o inglés potato corresponde a pomme de terre, “batata”), faz ressaltar 0 carter idiomAtico de cada uma elas; quando aplicado. aos fatos situades dentro de uma lingua, evidencia o aspecto metalingiifstico do funcionamento do discurso, oT que parece, por coriseguinte, ser nio menos importante que 0 seu aspecto propriamente lingiiistico. Expresso de maneira ingénua, esse principio quer simplesmente dizer que uma coisa pode ser apresentada tanto de modo simples, como de modo complicado; que uma palavra simples pode ser explicada por uma seqiiéncia mais ampla, e que, inversamente, uma s6 palavra pode ser freqiien- temente tomada para designar 0 que se concebeu sob uma forma desenvolvida., A expansio nao é, pois, esta propriedade sintética do discurso que permite a adjuncao de determinacées sucessiv: gragas aos termos manifestados uns apés outros: isso & proprio do funcionamento normal do discurso. Ela sé ganha toda sua sig- nificacdo quando uma seqiiéncia em expansio é reconhecida como © equivalente de uma unidade de comunicasio sintaticamente mais simples que ela. £ essa equivaléncia teoricamente sempre possivel — embora nao se manifeste sempre lexicalmente — que constitui o desvio estrutural definidor do funcionamento metalin- gitistico do discurso. & assim que a expansdo, se nos calacamas do ponto de vista geral nao mais lingiiistico, mas unicamente seméntico, encontra sua expressio, na medida em que est circunscrita no quadro das uni dades sintéticas que nao ultrapassam os limites da frase, na definigao latu sensu dessa palavra, no que poderiamos talvez chamar, para itar qualquer equivoco. a defini¢ao discursiva. De fato, a lexi- cografia consiste, de modo geral, em procurar-substituir por um Jexema catalisador, uma ou varias seqiiéncias — segundo o niimero de sememas por ele recobertos —, seqiiéncias essas equivalentes, mas sintaticamente mais amplas que o lexema que se quer defini Assim, qualquer diciondrio fornece intimeros exemplos do funciona- mento desses sistemas de equivaléncias: “entamer avec les dents” “toucher (2 une chose intacte) en lui portant la premiére atteinte” foucher+ ~ “entrer en contact avec quelqu'un ou quelque chose”; ete. mordre entamer (Dictionnaire Général), correspondentes mais ou menos aos verbetes em portugués: morder =’ “‘comprimir ou apertar com os dentes; ferir com os dentes” comprimir ~ “reduzir a menor volum apertar. ~~ “comprimir; estreitar” (Pequeno Dicionério da Lingua Portuguesa). + apertar” Vemos que as seqiiéncias definidoras sio: 1. Sintagmas em expansio tendo a mesma fungio sintética que 0 termo a ser definido (aqui: sintagmas com uso predicativo previstvel). 2, Seqiiéncias que so geralmente compostas de um primeiro termo, que situa a equivaléncia, e de um segundo, que determina © primeiro. A definigao discursiva se aproxima assim, sem entretanto se identificar com ela, da definigéo légica, que se faz, como sabemos, per genus proximum et differentiam specificam. Sé que, ao invés de ser limitativa e univoca como esta ultima, ela é livre e aproxi- mativa. Nao estabelece identidade entre os segmentos situados nos dois planos lingifsticos, mas sim uma equivaléncia proviséria, as vezes até efémera, fundada na existéncia de um ou varios semas comuns aos dois segmentos justapostos. Observacao: O conceito de equivaléncia, geralmente utili- zado — alids de maneira mais ou menos’ implicita — em Lingiifstica, no é quase nunca definido. Essa definicio de- pende do nivel da metalinguagem epistemolégica: nfo nos ‘propomos aqui senfo levantar seus primeiros elementos. Se a definicao lexicogréfica parece ainda relativamente préxi- ‘ma da definigio légica, cuja formulagio ela imita quase sempre, a definigdo das palavras cruzadas, em compensacio, pode nos dar uma visio mais exata do funcionamento “normal” de um lingua natural. Um problema de palavras cruzadas dos mais vulgares, escolhido no France-Soir, nos prope ao acaso as seguin- tes definigdes; Compétition “competico” =“prova esportiva’ Tanitre “toca, covil” = “habitacao miserével” Ballet “balé” =“danga figurativa” Désir % “desej “vontade nem sempre satisfeita” = “mar” “extensio de Agua”. Vemos que a seqiiéncia em expansio, que se pretende equi- valente do semema que ela define, nio esgota jamais 0 inventério sémico deste, mesmo que comporte um certo mimero de semas ‘em comum com ele, b) Condensagéo © denominasao. ‘Ao falar das palavras cruzadas, invertemos voluntariamente os termos: de fato, se o lexicégrafo-cruciverbista que prepara as palavras cruzadas parte de um semema dado e lhe procura uma definicéo, o problema, tal como se apresenta a0 leitor (isto 6, ao nivel da recepcio) € composto de um corpus de definicdes a ‘partir das quais tem-se que achar os termos definidos. Em outras palavras, se reconhecemos na expansio um dos modos do funcio- namento metalingiiistico do discurso, ela tem como corolirio a condensacao, que deve ser compreendida como uma espécie de decodificacéo compressiva das mensagens em expansio. “Se bem entendi, voce queria dizer que...”; & assim que o interlocutor condensard sempre uma exposicio mais longa. Também, da mesma forma que a expansio possui uma formulagio sintaticamente deli- que & a definigio (e cujos prolongamentos légico-cient 0s sio considerdveis), assim também o esforco de condensacio desemboca muito freqiientemente na denominacao. Basta ouvir 03 didlogos quotidianos numa loja especializada, como uma de ferragens por exemplo, para aprender ao natural o procedimento da denominagio; as definigées livres do comprador que busca: un machin pour (um negécio para...) une sorte de (uma espécie de...) une chose dont on se sert (uma coisa que se usa para. une espéce de truc qui (uma espécie de trem que...) ‘un bidule (um troco), ete, correspondem As denominagSes, bs vezes adequadas, as veves so- mente exploratérias, do yendedor. 100 Esse funcionamento metalingiifstico de um discurso que gira perpetuamente em torno de si mesmo, passando sucessivamente de um nivel a outro, faz pensar no movimento oscilatério entre a ‘expansio e a condensacao, a definicio e a denominagio. Num sis- tema lingiifstico inteiramente fechado (onde, além’ de tudo, os lexemas se identificariam com os sememas, e um gato se chamaria sempre um gato), esse jogo metalingiiistico seria desigual, desequi- librado: de fato, se o sistema é definido pelo niimero N de termos que 0 constituem, as possibilidades combinatérias da definicao, por pouco elevado que seja o mimero dado de termos, seriam con- siderdveis, a0 passo que a operacdo inversa — a denominacio — levaria as definigdes sempre aos mesmos termos. E assim, alids, que concebemos freqiientemente, segundo a tradigao_pseudo-saus- suriana, a liberdade da fala, por oposicio & limitagio da lingua. Esta tltima, entretanto, nao é um sistema fechado, e a denomi- nac&o bem como a definigdo se exercem af a todo instante e gra- as a diversos e numerosos procedimentos. Nio € este o lugar adequado para tentar uma descri¢ao desses procedimentos, nem de apresentar o resumo de um “Tratado da formacdo (ou da transformacio) das palavras” que entretanto deve ser completamente refeito sobre novas bases. Isso porque uma andlise da denominagio nao depende unicamente, como se cré muitas vezes, da lingiiistica diacrdnica — o que explica talvez 0 abandono telativo das pesquisas nesse dominio — mas, também, e sobretudo, do funcionamento da lingua em sincronia. Para ter-se uma visio da amplitude do fenémeno, bastard indicar suas principais formas. 1. Alguns desses procedimentos so facilmente reconhectveis, pois que sio formais e funcionais; em outras palavras, porque ser- vem essencialmente & denominacio. a) Assim ocorre com a derivado, que constitui, em boa parte, um sistema de classificaco e, a0 mesmo tempo, os quadros da denominacdo simples. & assim, por exemplo, que se elabora em francés, no século XVIII, todo um léxico de atividades tecnolégicas: a partir tanto do nome de um instrumento, como do da matéria trabalhada, o sistema denominativo oferece os quadros vazios proprios para designar o produtor, a atividade produtora, 0 pro- ‘cess0, 6, enfim, o lugar de producao. J. Dubois, numa obra recente, observou bem'o problema, ¢ qualquer insisténcia de nossa parte seria redundante, 101 b)_O mesmo ocorre com a utilizacio acidental do empréstimo, mas sobretudo do procedimento que funciona universalmente e sem interrupedo, e que consiste na utilizagdo de elementos lexe- miticos pertencentes ao patrimOnio greco-latino, comum a todas as comunidades lingiifsticas da civilizacao ocidental: as possibili- dades sémicas relativamente simples que oferecem esses elementos, estabilizados pelas definicées univocas das linguagens cientificas, sio intensamente exploradas para a composi¢ao dos sememas deno- minadores, constitutivos das terminologias cientificas modernas. As dificuldades em aprender e determinar a passagem da com- posigéo A derivacdo, que foram estudadas por J. Dubois, se expli- cam pela simplicidade relativa do contetido sémico das raizes componentes que as aproxima dos derivativos. 2. Um procedimento particular se situa a meio termo entre denominagées que utilizam os formantes discretos, que acabamos de indicar, e aquelas que nao recorrem a tais formantes: trat do procedimento de identificacao da definicao com a denominacio, ‘ou melhor, da consideracao da definicao pelo plano denominativo da linguagem. Os exemplos desses procedimentos sio numerosos: se planalto, ferro velho, dcido acético apresentam diferentes graus de amél- gama sintagmitico, eles se interpretam todos da mesma forma. De fato, quer seja pela expansfo da figura nuclear que retine dois ‘ou varios nticleos sémicos em um sé, ou pelo enquadramento clas- semitico nico que é acompanhado pela suspensio de um certo ntimero de semas (a denominacdo em relacdo A definico é sempre um empobrecimento sémico), a definicio discursiva se transforma em denominacio e exige, por sua vez, uma nova definigio. 8. Mas os procedimentos que nos interessam mais particul: mente sio aqueles que, utilizando 0 corpo lexemitico existente — € entretanto nao sistematizado ao nivel gramatical, como 0 sio os derivados —, produzem novas unidades de comunicagao de cariter denominativo. a) O primeiro desses procedimentos poderia ser designado como denominardo figurativa. Vimos, de fato, que uma figura nuclear — como 0 nécleo sémico de téte, por exemplo — funcionava na lingua francesa como um modelo sémico denominativo de cardter geral e recobria, enquanto protétipo, uma classe de deri- vagio aberta; téte d'un clou (cabeca de um prego), d'une épingle 102 (de um alfinete), d'un mat (de um mastro), d'un compas (de um compasso), d'un’ marteau (de um martelo), téte de pavot (dor- mideira), d'artichaut (de alcachofra), d’oignon (de cebola), etc. Vemos que a figura nuclear funciona af como um verdadeiro derivativo que ela $6 se distingue deste, A primeira vista, pelo comportamento sintitico de seu formante. Olhando um pouco mais de perto, percebemos, entretanto, que ela se distingue dele também do ponto de vista’de sua composicdo sémica: se o deri- ivo gramatical € formado, em principio, de classemas, 0 deri- vativo de cariter figurative é um modelo sémico que depende. do nivel semiolégico do conteiido. P. Guiraud, em suas pesquisas sobre os campos morfo-semdn- ticos, que surgem assim como preliminares de um inventério desses modelos figuratives, propés um-bom nimero de exemplos para apoiar essa concepcao das classes semiolégicas de derivacio. Nao vamos nos deter, portanto, nesta questo. Lb) Se a denominasto figurativa pode ser comparada & deri- vacéo, um outro procedimento, que consiste na transferéncia de uma seqiiéncia do discurso, responsdvel por todas suas caracteris- ticas nucleares e classematicas, de uma isotopia a outra, e isso diante da denominacio, lembra, em compensacéo, 0 procedi- mento de empréstimo. ) Denominagéo translativa. Na lista dos exemplos de definigao de palavras cruzadas que demos anteriormente, omitimos voluntariamente um: & definigio grain de chapelet (ao pé da letra, semente de rosério, isto é, figuradamente, “conta de rosdrio”) correspondia a resposta deno- minativa ave (“ave-maria"). B evidente que essa espécie de denominagio nio corresponde as condicées gerais que determinam a relagio de equivaléncia entre a denominacio e a definigio: ha equivaléncia entre grain (“grao”, objeto do mundo exterior) € ave (“ave-maria’, uma espécie de prece), tal como aparece, por exemplo em taniére ~ “habitacio” ou ballet = “danga”. Tal denominagao niio entra mais, do ponto de i mento formal, em nenhuma das classes denom mos de passar em revista. Somos forcados, pois, a coi como uma espécie de empréstimo interior, como a transferéneia de 103

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