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ADOLFO YÁÑEZ CASAL, das compartimentações interdisciplinares.

Tam-
ENTRE A DÁDIVA E A MERCADORIA. ENSAIO bém o respeitável arcaboiço teórico de Entre a
DE ANTROPOLOGIA ECONÓMICA. Dádiva e a Mercadoria — capaz de desencorajar
Lisboa, edição do autor, 2005, 254 pp. alguns leitores habituados à fluência das descri-
ções etnográficas —, acaba por apontar no mes-
A pertinência que a economia deve assumir para mo sentido de reorganização das referências com
a antropologia justifica-se, pelo menos, a quatro vista ao lançamento de um novo programa. Aqui
níveis: por não se tratar de uma simples questão ou ali, fica a impressão de que a estratégia lite-
entre muitas outras, mas sim de uma questão que rária se aproxima demasiado de um mero enca-
ocupa um lugar privilegiado na nossa socieda- deamento de fichas de leitura (limitação da qual
de, assumindo-se cada vez mais como a condi- o autor está consciente), mas as digressões
ção de funcionamento de tudo o resto; por causa pacientes e bem alinhavadas que Adolfo Casal
da relativa contenção da denominada “antropo- efectua por uma mão-cheia de obras influentes
logia económica”; porque o redireccionamento permitem perceber quão afastada tem andado a
da atenção antropológica para os fenómenos antropologia destes debates. Vale portanto a
económicos exige, mais que um conjunto de in- pena seguir as pistas oferecidas pelo autor e
vestigações empíricas precipitadas, uma cuida- redescobrir todo um domínio de problemas mais
dosa contextualização teórica; e, enfim, porque ou menos oculto, mais ou menos esquecido.
não será apenas como etnógrafos da economia, É a presença da dádiva em diversos secto-
como narradores dos seus agenciamentos, dos res da sociedade mercantil contemporânea que
seus fluxos, das suas turbulências, que os antro- começa por intrigar e inspirar o autor: “Todos
pólogos são convidados a intervir neste debate, somos protagonistas e beneficiários da dádiva.
mas igualmente como seus críticos. Mas para identificar e compreender a dádiva
Assim se poderiam resumir os ensinamen- num universo de relações mercantis, não a po-
tos contidos no ensaio de Adolfo Yáñez Casal, demos pensar nem sobre o prisma exclusivo da
Entre a Dádiva e a Mercadoria, de acordo com uma equivalência dos objectos dados e recebidos —
leitura pessoal e particularmente sensível. O au- o prisma de valores económicos, de mercadorias
tor está bem consciente do risco de desmesura e —, nem sobre o prisma exclusivo da pura
uniformização que envolve a produção e a troca gratuidade” (p. 9). E acrescenta: “A dádiva deve
de mercadorias num contexto de globalização, ser pensada antes de mais e em qualquer caso,
bem como do papel subsidiário desempenhado como relação, como relação social, como a rela-
pelas relações políticas, sociais e culturais face a ção social por excelência” (ibid.). A ideia de que
uma economia cada vez mais autonomizada e a dádiva cria a sociedade, estabelece alianças,
incentivadora de desigualdades, referindo-se cimenta uniões é recorrente, assentando num
sem ambiguidades a um “domínio epistemo- “duplo paradoxo” inerente ao próprio acto de
lógico do paradigma economicista sobre o pen- dar: o paradoxo da gratuidade e da incondicio-
samento sócio-antropológico em geral” (p. 44) nalidade, por um lado (a dádiva implica retri-
e, genericamente, a uma sobreposição do econó- buição e reconhecimento, mas não pode efecti-
mico sobre o social (p. 49). var-se com essa intenção); e o paradoxo da li-
A seu modo, o livro assume-se como uma berdade e da obrigação, por outro (a dádiva é,
reacção à predominância do economicismo, pro- em princípio, um gesto livre, mas não totalmen-
pondo a recuperação de um paradigma caro à te, contendo também uma dimensão institu-
antropologia e que já antes havia sido utilizado cional, ritual, formal) (p. 19). Sem este par de
com o mesmo fim: o paradigma da dádiva, ex- contraditoriedades, a dádiva não poderia ser
posto no célebre ensaio de Marcel Mauss. A apresentada como aquilo que verdadeiramente
necessidade do retorno a este texto seminal não aproxima os indivíduos e assegura a constitui-
deixa de reflectir uma certa crise da antropolo- ção da sociedade.
gia e até do conjunto das ciências sociais face à Na primeira parte do livro, Adolfo Casal
preponderância da “ciência económica”, dado debruça-se sobre dois paradigmas rivais, o indi-
que o alcance das conclusões de Mauss e, na sua vidualismo e o holismo, ambos estranhos à dá-
esteira, das de Adolfo Casal, vai muito para além diva. Revisita nomes clássicos do pensamento

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Recensões

utilitarista (como Jeremy Bentham, Bernard de ao espírito da dádiva se começa a tornar premen-
Mandeville e Adam Smith), considera em segui- te” (p. 197), sendo a mesma dádiva “uma condi-
da o processo histórico da emancipação da esfe- ção objectiva e socialmente necessária para a
ra económica nas sociedades ocidentais (a partir própria reprodução social” (p. 202). No capítulo
dos trabalhos de Max Weber, Albert O. VII, o mais empírico de todos, Adolfo Casal des-
Hirschmann e Karl Polanyi) e termina com uma creve algumas ocorrências da dádiva nas socie-
revisão das perspectivas de três autores que de- dades contemporâneas, em particular nas redes
fenderam a existência de uma razão cultural e familiares (pp. 203-210) e na solidariedade pres-
simbólica por trás da razão económica (Sahlins, tada a desconhecidos através do voluntariado,
Baudrillard e Bataille). A estrutura do texto re- da filantropia, da ajuda humanitária, das doa-
vela-se algo rígida, limitando-se o autor a um ções de sangue e órgãos ou da adopção (pp. 210-
papel de divulgador, aliás cumprido de forma -214). A respeito das redes familiares, demons-
escorreita e clara, dado que os seus resumos se tra que o seu funcionamento não se reduz a prin-
afiguram autênticos instrumentos de trabalho cípios mercantis, jurídicos ou mesmo de recipro-
para estudantes, e não só. cidade, assentando sobretudo num princípio de
A segunda parte principia com uma exposi- “endividamento positivo”, em que “um mem-
ção detalhada do conteúdo do Ensaio sobre a Dá- bro da rede reconhece ter recebido muito sem,
diva, detendo-se especialmente nas ideias por isso, sentir a obrigação de retribuir” (p. 208)
maussianas de “facto social total” (pp. 119-120), — o que sente, ao invés, é um “desejo de dar”,
“paradoxo da dádiva” (pp. 118 e 129) e na “obri- tornando-se ele próprio um doador (p. 209). O
gação de retribuir” (pp. 120-123). Seguem-se dois raciocínio é deveras atraente, não só por dissol-
capítulos dando conta das reacções suscitadas ver a obrigação de retribuir mas também por-
pelo Ensaio, levando vários autores a procurar que encara o endividamento, nestas circunstân-
explicações alternativas para o fenómeno da dá- cias, não como uma responsabilidade, uma difi-
diva: Lévi-Strauss, Marvin Harris, Sahlins, culdade ou uma calamidade mas, pelo contrá-
Christian Geffray, Derrida, Bourdieu e Godelier rio, como uma condição benéfica.
aparecem neste lote, sendo as suas interpretações Admitindo que a verdadeira dádiva não
expostas com idêntico rigor e ocasionalmente pede uma retribuição nem constrange o
sujeitas a uma crítica mais severa. Ao longo des- donatário a uma contra-dádiva, antes o incenti-
te percurso, Adolfo Casal aproveita para regres- va a dar por sua vez (p. 220), retoma-se a ideia
sar várias vezes ao texto originário de Mauss, central de que a dádiva cria a sociedade, aproxi-
protegendo-o das investidas e desvios sofridos ma e une os homens. Adolfo Casal propõe então
e submetendo certas passagens — como o céle- que a mesma dádiva seja tomada como modelo
bre relato do informante maori Tamati Ranaipiri de compreensão das trocas em geral, incluindo
(pp. 121-122, 131-132, 145-148, 152-153) — a um das trocas de mercadorias, quebrando a
tratamento quase filológico, o que indiscutivel- hegemonia do princípio explicativo do interesse
mente contribui para ampliar o nosso entendi- utilitário e juntando-lhe os princípios da recipro-
mento do Ensaio sobre a Dádiva. cidade e da confiança. Ao considerar que entre a
A terceira parte do livro, consagrada à dádiva e a troca não existe uma separação mas
“actualidade da dádiva”, abre com um retrato sim um “continuum” — “graduado na base do
seco do estado a que chegaram as sociedades de- intervalo temporal da reciprocidade e do rigor
senvolvidas, cada vez mais submetidas aos im- da equivalência” (p. 240) —, sugere que a troca
perativos de competitividade impostos pela eco- de dádivas (arcaica ou moderna), seja vista como
nomia e que se resumem, na prática, a uma re- “um processo de cooperação entre parceiros que
dução geral das despesas improdutivas, a um consiste em última instância numa combinação
declínio dos sistemas de segurança social, à entre: 1) o interesse e o gratuito; 2) o interesse e a
flexibilização e precarização do emprego e ao obrigação; 3) o constrangimento e a espontanei-
aparecimento de um desemprego “cada vez dade” (p. 242).
menos conjuntural ou provisório e mais estrutu- Que isto seja suficiente para abalar o qua-
ral” (p. 192), e ainda à progressiva degradação dro teórico da economia neoclássica, ninguém
do meio ambiente. É neste quadro que “o apelo duvida. Que chegue para explicar a economia,

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como se ela pudesse ser reconduzida por inteiro 238-239) —, mas pressentimos que alguma coisa
à matriz umbilical da dádiva, será talvez mais terá ficado por dizer em relação a este assunto.
discutível. Adolfo Casal está ciente de que uma O que não passa de um pequeno reparo a uma
argumentação deste tipo fica muito perto de le- obra de elevado mérito, dotada da maior actua-
gitimar uma equiparação entre a troca de dádi- lidade e primando pela notável capacidade de
vas e a troca de mercadorias (aliás subentendida revisão teórica e de reequacionação de proble-
no título da obra), o que seguramente tem pou- mas.
co a ver com a mensagem original de Mauss e
Malinovski (p. 237). Mais: o autor nem sequer Daniel Seabra Lopes
ignora o critério que permite separar a troca ar- Bolseiro de doutoramento da Fundação para a Ciência
caica da troca mercantil — a concorrência (pp. e a Tecnologia (FCT)

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