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SeuPaís

Metrõpole
parapoucos
SÃOPAULO1 Agredido pelo trânsito,
I

o paulistano volta-se aos bairros.


Mas a desigualdade permanece atroz
POR RODRIGO MARTINS

ARAISÓPOLIS, localiza- Os moradores de Paraisópolis, contu- pulação estimada em 120 mil habitantes.
da no rico bairro do Mo- do, não se sentem tão privilegiados assim. "Aqui temos quase tudo. Supermercados,
rumbi, zona sul de São "Ninguém tem dinheiro para frequentar farmácias, academias de ginástica, pizza-
Paulo, é considerada uma esses lugares. Quando muito, vai de vez em rias, bares com música ao vivo, lan hou-
favela privilegiada. Boa quando ao cinema. A maioria prefere pa- se e até um parque de diversões", comen-
parte dos seus 80 mil ha- gar 1real pelo DVD pirata e ver um filme ta Juliana, sorriso orgulhoso. "E tudo is-
bitantes, segundo o últi- por aqui mesmo", comenta Juliana Olivei- so construido pelos próprios moradores,
mo Censo do IBGE,não precisa enfren- ra, 24 anos, supervisora de um telecentro que criaram pequenos comércios e pro-
tar longostrajetos para chegar ao traba- da favela e estudante de Gestão Ambiental grediram. Está vendo aquele supermer-
lho. Asoportunidades de emprego estão da Universidade Bandeirantes (Uniban). cado?", aponta. "Faço as minhas com-
na vizinhança abastada. Ao redor da fa- "Diversão fora da favela é privilégio." pras do mês ali. É praticamente o mesmo
vela, uma extensa rede de restaurantes, Nem por isso ela se queixa de morar preço de um hipermercado e economizo
shoppings, salas de cinema, hipermer- na segunda maior favela de São Paulo, uns 30 reais que gastaria de táxi para tra-
cados, parques, casas de espetáculo. atrás apenas de Heliópolis,com uma po- zer as compras até em casa."
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Sem espaços
públicos, a cidade
se divide em guetos.
Pobres e ricos não
se misturam. Todos
tentam improvisar
o que o governo
deixa de oferecer

Origens. Em Paraisópolis ou na
Vila Nova Conceição, o retorno
ao vi/arejo, como observa Fuksas

Paraisópolis exemplifica uma tendência e a cultura de seus habitantes e promovi- dustriais próximas do centro. São Paulo
apontada por arquitetos e urbanistas de re- do ao velho e eterno conceito de 'vilarejo"', se faz de bairros múltiplos e variados, nos
nome. Em uma cidade agredida pelo trân- completa Fuksas, em artigo publicado na quais sentimos uma forte autonomia."
sito e com escasséz de espaços públicos edição 577de CartaCapital. A existência no bairro, contudo, não
de convivência, a população naturalmen- garante qualidade de vida para a maioria
te orienta-se para a vida de bairro. '~quilo A opinião é compartilhada pelo antro- da população. Na cidade que concentra
que os urbanistas e os políticos não foram pólogo francês Olivier Mongin, que nar- isoladamente 12% do PIB brasileiro, a ge-
capazes de fazer, isto é, uma mistura de re- rou sua experiência ao desbravar São ografia de oportunidades é extremamen-
sidências e escritórios, serviços e verde, os Paulo recentemente, após ser "iniciado" te desigual e perversa. O distrito de Mo-
cidadãos construíram sozinhos", afirma o por paulistanos. "Não vi uma Trinidad, ema, que abriga a Vila Nova Conceição,
arquiteto italiano Massimiliano Fuksas, uma Kinshasa ou um Cairo em São Pau- bairro com o metro quadrado mais caro
autor, entre outros projetos, do Centro da lo. Vi parques, jardins, espaços abando- de São Paulo, possui uma renda per capita
paz em Jafa, Israel. "Este espaço (obairro) nados, pichações, muros sem publicida- média de 5,5 mil reais e um Índice de De-
foi promovido para abrigar o tempo livre de, tive a oportunidade de ir a áreas in- senvolvimento Humano (IDH) de 0,961,
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Seu País São Paulo 1

superior ao de países como Suíça, Dina-


marca e Estados Unidos. Mas 90% da po-
pulação paulistana possui condições de
vida consideradas baixas ou muito bai-
xas. É o caso dos moradores do Jardim
Helena, na zona leste, região severamen-
te castigada pelas recentes enchentes do
rio Tietê. Com uma população de 124,9
mil habitantes, o distrito possui uma ren-
da média de 584 reais e um IDH inferior
ao de países como Gabão e Sri Lanka.
Para especialistas, a falta de planeja-
mento urbano e a ausência de espaços pú-
blicos de lazer, cultura, educação e espor-
te agravam o problema. "Poucos bairros
concentram a maioria das oportunidades
de trabalho. E é em torno deles que tam-
bém estão concentrados os equipamentos
públicos", afirma o arquiteto e urbanista
Kazuo Nakano, do Instituto Polis. "Avi-
vência de bairro é uma experiência muito
diferente nas diversas regiões da cidade.
Quem mora na periferia e perde de duas
a quatro horas se deslocando para o tra-
balho tende a ficar enclausurado em casa poder público está investindo para rever- Nacidade sem
diante da tevê ou entretido em afazeres ter essas disparidades. Há três anos, soli- calçadas,
a elite
domésticos. Até porque, para ter acesso citamos à prefeitura o orçamento destina- sefechaemburgos,
às opções gratuitas de lazer e cultura, ele do a cada distrito ou subprefeitura, para
teria de voltar a percorrer longas distân- avaliar se os investimentos estão de acor- comoo condomínio
cias. Por vezes, a rua é o único espaço de do com a necessidade da população. Mas deluxoParque
convivência, mas, mesmo assim, um am- até agora eles não divulgaram isso." CidadeJardim
biente precário e sem segurança." Os problemas de mobilidade na capital
paulista- que registra congestionamentos
o Movimento Nossa São Paulo possui um de até 293 quilômetros e ODrigaos paulista-
banco de dados que comprova o desequi- nos a perder, em média, 2h40 diariamen- Visões.Com o shopping
líbrio de oportunidades. Das 31 subpre- te no deslocamento entre a casa e o traba- no lugar da praça, o consumo
impera, diz Wilheim (à esq,).
feituras da capital paulista, apenas qua- lho - não apenas explicam a opção de mui- Para Malta, aJalta de mobilidade
tro (Sé, Pinheiros, Lapa e Vila Mariana) tos pela vida de bairro como o crescimento aproJunda a cisão social
concentram 50% dos postos de trabalho. caótico e desigual da cidade. O urbanista
Somadas, 14 outras subprefeituras (como Cândido Malta Campos Filho, professor
Perus e Cidade Tiradentes) possuem ape- da FAU-USP, lembra que a elite paulista-
nas 10,6%dos empregos disponíveis na ci- na abandonou o centro histórico da cidade
dade. Não é tudo. Enquanto os bairros de justamente quando os congestionamentos
três subprefeituras concentram 44% dos
cinemas da cidade, 13subprefeituras pos-
suem uma participação próxima de zero.
Em relação à distribuição dos equipamen-
tos públicos, a discrepância permanece.
Treze subprefeituras possuem uma par-
ticipação inferior a 1%dos equipamentos
culturais. Oito não possuem equipamen-
tos esportivos gratuitos.
"Não causa surpresa que 57% da popu-
lação paulistana demonstre interesse em
abandonar a cidade, numa recente pes-
quisa de satisfação feita pelo Ibope e en-
comend~da por nós", afirma o empresá-
rio Oded Grajew, secretário-executivo do
Movimento Nossa São Paulo. "E o pior é
que não temos condições de avaliar se o
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trutura de saneamento, onde o poder pú-
blico tem de fazer tudo a partir do zero."
Para quem pode fugir do trânsito e vi-
ve num bairro bem estruturado, circular
pela cidade e desbravar novos territórios
não faz tanta falta. "Antes, eu só saía do
Tatuapé para ter acesso a boas opções
gastronômicas. Agora, já há bons restau-
rantes por aqui mesmo. Estão mais ra-
ras as minhas andanças por São Paulo",
afirma Anselmo Neves, 44 anos, dono de
uma pizzaria e do badalado restauran-
te Bacalhoeiro, frequentado pelos mora-
dores dos prédios de alto padrão que se
multiplicaram pelo bairro na última dé-
cada. "Demoro cinco minutos para che-
gar ao trabalho e me viro muito bem por
aqui. Consegui realizar o sonho da maio-
ria dos moradores desta região: fugir do
trânsito da Radial Leste e da Marginal do
Tietê", comemora Neves, nascido e cria-
do no Tatuapé. Povoado por imigrantes
portugueses, italianos, espanhóis e sírios,
o bairro cresceu com o progresso dos pe-
quenos comerciantes da região e, recen-
temente, após a instalação dos shoppings
Anália Franco e Metrô Tatuapé, passou
a abrigar empreendimentos imobiliários
grandiosos, com apartamentos que che-
gam a custar mais de 4,5 milhões de re-
ais. Vários artistas e jogadores de futebol
fixaram residência por lá.

Para a maioria da população,a possibi-


lidade de morar e trabalhar no mesmo
bairro não passa de um sonho. "A cida-
de possui 11milhões de habitantes, mas
na realidade está inserida numa grande
malha urbana com mais de 20 milhões
de moradores. Dada essa característica, é
natural a existência de uma estrutura po-
licentrada, com vários núcleos aparente-
mente autônomos, com uma rede de ser-
viços locais", afirma o urbanista Jor-
ge Wilheim, que foi secretário de Plane-
na região passaram a comprometer a qua- o centro passa a ser ocupado pelos mais jamento Urbano da cidade na gestão da
lidade de vida dos moradores. "Os ricos e pobres. Foi o que aconteceu em várias ci- prefeita Marta Suplicy. "Mas não dá pa-
a classe média que viviam por lá começa- dades americanas, como Houston e São ra viver recluso em um único bairro. São
ram a ocupar a área do centro expandido. Francisco. Em São Paulo, não", afirma o poucos os profissionais que podem esco-
O eixo de centralidade tleslocou-se para a urbanista. "Para efeito de especulação lher o local de trabalho. A grande maioria
Paulista, e continua mudando. Boa parte imobiliária, os antigos proprietários pre- dos assalariados não tem escolha. Traba-
das grandes empresas transferiu-se para ferem deixar os imóveis do centro vazios lha onde há oferta de emprego."
a avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, a vendê-Ios, porque acham que podem Wilheim destaca ainda que a maioria
na região do Brooklin, e essa mudança de ganhar mais quando houver investimen- dos serviços é oferecida à população pela
centralidade continua em curso", diz. tos para a recuperação das áreas degrada- iniciativa privada, e não pelo poder públi-
das da região. Como consequência, os po- co,que dispõe de poucos emal distribuídos
o fenômenoveio acompanhado de um bres veem-se obrigados a viver na perife- equipamentos de lazer, educação e cultu-
efeito perverso: a periferização da cida- ria, muitas vezes em áreas de risco, como ra. "Em praticamente todas as regiões de
de. "Normalmente, quando a classe mé- encostas de morros, várzeas de rios, áre- São Paulo, há bares, restaurantes, comér-
dia sai do centro para fugir do trânsito, as de mananciais, em regiões sem infraes- cio local e shoppings, agora convertidos
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Seu Pais Sãc PaL:8 "

na praça moderna, onde as pessoas se en-


contram. Mas isso tudo é regido pela ló-
gica do consumo. Usufrui quem pode pa-
gar. Alguns lugares são inacessíveis para
pedestres, só entram carros, como é o ca-
so do Shopping Cidade Jardim, na beira
da Marginal do Pinheiros."
Para o arquiteto Marcos Acayaba, pro-
fessor do Departamento de Projetos da
FAU-USP, a substituição da praça pelo
shopping center como ponto de encontro
e troca de experiências é maís um sinal da
falência de políticas públicas. "Em um par-
que, o rico e o pobre têm a possibilidade de
se encontrar, de trocar experiências, de in-
teragir. Oespaço privado seleciona o públi-
co pela renda", afirma. "Mas a convívên-
cia entre não iguais é muíto mais rica. Não
consigo entender a opção do setor imobi-
liário de investir em lugares exclusivis-
tas, em condomínios fechados em si mes-
mos, em cidadelas fortificadas que supos-
tamente oferecem tudo ao morador. Quan-
do inauguraram esse empreendimento
do Parque Cidade Jardim, muitas pesso-
as víeram dizer: ''Puxa, que legal. Dá pa- Apesar do preço, não parecem faltar inte- de investir na estruturação de bairros para
ra trabalhar, morar e se divertir no mesmo ressados em adquirir unidades com vis- quem possui poder aquisitivo mais eleva-
lugar". E eu pensando: mas qual é a graça ta privilegiada para o poluído rio Pinhei- do", ressalva Kazuo Nakano, do Instituto
de víver numa prisão de luxo?" ros. O desconforto da coexistência com Polis. "Mas o poder público precisa enten-
uma favela vizinha já foi contornado. A der que a iniciativa privada nem sempre se
o ParqueCidadeJardimabrange um empreiteira ofereceu dinheiro para de- move de acordo com o interesse público. E
condomínio de nove torres residenciais e zenas de famílias saírem do local. E uma é preciso garantir o acesso da população a
três prédios comerciais, incorporado pe- violenta ação de despejo da Polícia Mili- todos os benefícios que a cidade pode ofe-
la imobiliária JHSF. Além do shopping tar, com uso de bombas de efeito moral e recer." Como exemplo cita Paraisópolis: "A
homônimo, está prevista a construção de tratores, se encarregou de remover uma favela está bem localizada, mas a popula-
um spa e de um hotel. O complexo possui extensão da favela Real Parque, também ção não tem acesso às opções de cultura e
os apartamentos mais caros de São Pau- próxima do condomínio de luxo. lazer, porque são quase todas pagas. Se eles
lo. Uma cobertura de 1,7mil metros qua- "Ainiciativa privada não está errada em se voltam para a vida dentro da favela, não
drados pode custar 18 milhões de reais. oferecer esse tipo de empreendimento nem é por uma opção, e sim por necessidade".

A jovem Elizandra Cerqueira, 21anos,


voluntária da associação de moradores de
Paraisópolis, confirma a falta de opções de
lazer e cultura gratuitos. "Somente no fim
de 2008 inauguraram na favela um Cen-
tro Educacional Unificado (CEU),que dei-
xa a população usar a piscina, as quadras e
o parquinho das crianças", comenta. "An-
No Jardim Pantanal, tes disso, não tinha nada. Só o Playzópolis,
sede de opções a nossa versão modesta do PlayCenter." O
de lazer e cultura. parque de diversões possui roda-gigante,
carrinho de bate-bate, barco vikinge a po-
Na Vila Madalena,
pular lanchonete "McDouglas". O ingres-
a tentativa de retomar
so para cada brinquedo custa 2,5 reais.
o convívio na calçada "Para quem não é mais criança, a diversão
são as rodas de samba e as casas de forró.
Vem gente até de outros bairros. E o preço
cabe no bolso", comenta.
Semfronteiras."Não se pode
privar o povo de ter acesso a toda Outros bairros, como o Jardim Panta-
a cidade", sustenta Raquel Rolnik nal, no distrito Jardim Helena, zona leste.
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possuem menos opções. "Para ir ao cine- das para o direito à moradia adequada. "É É consenso entre os especialistas
ma, temos de ir até o shopping Itaquera ou natural que as pessoas tentem se proteger que a única forma de livrar São Paulo
Tatuapé, nenhum deles a menos de 50 mi- nos bairros em que vivem, especialmen- do afogadiço e garantir cidadania ple-
nutos daqui. Quase ninguém vai, porque o te se para chegar ao local de trabalho ou na aos seus habitantes é investir ma-
ingresso é caro e também tem o custo da estudo elas perdem muitas horas paradas ciçamente em transporte coletivo, pa-
condução. Os que não estão desemprega- no trânsito. Mas a riqueza da vida urba- ra garantir a mobilidade da população,
dos trabalham longe. Demoram duas, três na está na heterogeneidade, nas possibi- e distribuir de maneira mais equâni-
horas para chegar ao trabalho. Quando lidades de convivência e trocas culturais me os equipamentos públicos de lazer,
voltam para casa, estão esgotados. Ficam entre diferentes grupos sociais, com dife- edúcação e cultura, bem como a infra-
na frente da tevê", comenta o líder comu- rentes estilos de vída e modos de pensar." estrutura de saneamento básico.
nitário Ronaldo Delfino de Souza, do Mo- Os gestores públicos conhecem bem
vimento pela Urbanização e Legalização Para a urbanista, o risco de uma apos- a fórmula e repetem o discurso dos es-
do Pantanal (Mulp). "No fim de semana, ta irrefletida na vivência de bairros autô- pecialistas como um mantra. Mas a re-
algumas entidades privadas, como o Ins- nomos ou fechados em si mesmos é o de alidade ainda parece muito distante das
tituto Alana, oferecem opções de lazer e se construir uma cidade repleta de guetos, promessas. "Não discuto a necessidade
cultura, mas é pouco diante da demanda. na qual um grupo não dialoga com o ou- de obras como a Ponte Estaiada e a du-
Quem se anima a sair de casa tem dois des- tro. "O setor imobiliário reforça essa con- plicação da Marginal do Tietê. O que eu
tinos certos: o bar ou a igreja." cepção, criando espaços na cidade ina- me pergunto é se não valeria mais a pena
O Pantanal é um dos bairros mais atin- cessíveis a quem não tenha título de pro- pegar esses bilhões e investir na amplia-
gidos pelas inundações do rio Tietê. Des- priedade ou não possa pagar. Mas eu per- ção do Metrô, que cresce a passos de tar-
de 8 de dezembro, quando uma enchente cebo que boa parte da população está ca- taruga", diz Oded Grajew, do Movimen-
castigou diversos bairros da região, muitas minhando na direção contrária. Ela está to Nossa São Paulo. "Se todos concordam
ruas continuam alagadas e os moradores sempre presente nos poucos parques que que é preciso investir em transporte co-
sofrem com a ameaça de despejo iminente. a cidade tem, comparece em massa quan- letivo, para garantir mobilidade, por que
"Uma das raras opções de laz~r oferecidas do há eventos culturais, está ocupando damos mais espaço para carros parti-
pelo poder público por aqui é o CEU Três as calçadas da cidade, nem que seja den- culares circularem? Se há consenso de
Pontes, no Jardim Romano. Mas mesmo tro de uma lógica de consumo, tomar uma que é necessário descentralizar os inves-
isso nós perdemos. A escola continua ilha- cerveja com os amigos", diz Rolnik. "AVi- timentos, para garantir uma cidade mais
da pelas inundações", emenda Souza. la Madalena era um bairro de convivên- justa e equilibrada, por que não vemos
"Para quem não mora em bairros abas- cia local, hoje é um point. A região da Au- obras na periferia com a mesma intensi-
tados ou em condomínios de luxo, fecha- gusta, antes esquecida e degradada, es- dade e frequência que o centro expandi-
dos em si mesmos, a solução é a mobili- tá atraindo jovens de todos os cantos da do? Parece muito dificil mudar essa lógi-
dade plena", defende a urbanista Raquel cidade e até mesmo de outras regiões do ca. A periferia não financia campanhas
Rolnik, professora da USP e relatora es- País. Seria muito pobre se a população não políticas. E os governos têm de satisfazer
pecial da Organização das Nações Uni- pudesse ter acesso a essa diversidade." oSÍnteresses de quem os financia." 8
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SeuPaís

Umacidade emapuros
Legislação,investimentospúblicos
SÃOPAULO2 I

e repressão em prol da desigualdade transformaram


São Paulo na urbe insensível dos negócios
POR JANES JORGE*

EGÓCIOS PRIMEIRO, bem-


estar dos moradores de-
pois. Quem acompanha
a história de São Paulo
sabe que esta foi, e conti-
nua sendo, a regra na ci-
dade. Há exceções, mas
o que ocorreu no início dos anos 1960
não foi uma delas. A cidade estava alaga-
da em decorrência de fortes chuvas, mas
a Light, empresa que detinha os servi-
ços de produção e distribuição de ener- g
gia elétrica, manteve fechadas as com- ~
portas de sua barragem no Tietê, à ju- g
sante da capital paulista, em Santana de ~ .-.
Parnaíba. A lógica por trás da medida ao
~~-
era simples. Mais água represada, mais
hidreletricidade produzida na usina de ~ Os moradoresnão
Cubatão, mais lucros. A atitude reper- ;;;
cutiu. Contudo, depois de desmentidos,
são prioridade
não resultou em punições.
dentro da ciranda
financeira. Resistir
As enchentes prejudicam especialmen- à expansão parece
te as regiões populares da cidade, mas, coisa de sentimentais
quando se trata de negócios no mercado
imobiliário, não há restrição classista. É o
que indica o caso da Vila Olimpia, faz pou-
Cidade-luz. Lazer no rio Tietê
co tempo um agradável bairro de classe
em 1914 (acima), a energia como
média, casas e sobrados em ruas estreitas. atrativo imobiliário nos anos
Como conta a urbanista Mariana Fix, a 50 (ao lado) e o Anhangabaú
partir de 1992olugar fo[brutalmente trans- em 1955, com o prédio da
formado por uma coalizão de empresários Light iluminado ao fundo
do setor imobiliário e poder público, que
entrou na parceria com obras viárias e le-
gislação. Em poucos anos, um amontoado
de torres de escritório aniquilou o bairro
residencial, para desgosto de muitos mora-
dores, que ainda tentaram resistir por meio
de movimentos associativos. Os beneficia-
dos por esse processo diziam que tal resis-
tência era apenas um "sentimentalismo
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bobo". De um lado, aqueles que estabele- A Repartição de Águas e Esgotos pôde Sudoeste, desde então espaço privilegia-
cem com São Paulo um vínculo afetivo,ple- fazer essa disGriminação de classe porque do de São Paulo, que concentraria tam-
no de relações humanas e memórias. De a desigualdade, então, não era apenas so- bém o comércio e os serviços de alto pa-
outro, aqueles para quem a cidade nada cial, mas também espacial. Ou seja, havia drão. Simultaneamente, começou o afas-
mais é do que uma ciranda financeira. uma parte da cidade feita para os ricos, tamento dos trabalhadores pobres dessa
privilegiada do ponto de vista da ação e parte da cidade, com o combate aos cor-
Além da prioridade dos negócios, a desi- dos investimentos públicos, contraposta tiços da região central, feito pelo Código
gualdade também marca São Paulo. No fim a uma outra parte, destinada aos setores de Posturas de 1886 e pelo Código Sani-
do século XIX, a Repartição de Águas e Es- populares, sempre atrás quando se trata tário de 1894. Tal concepção urbana não
gotos, ao enfrentar dificuldades em suprir de serviços e infraestrutura. Tal diferen- era exclusividade paulistana, mas para-
a rede de abastecimento da cidade, tomou ciação começou a ser construída em 1879, digma internacional, cujas elites nativas
uma medida radical. Excluiu as localida- quando foi criado o primeiro bairro resi- tentaram aplicar em outras capitais bra-
des proletárias do Brás, Bom Retiro, Barra dencial exclusivo para moradores de al- sileiras. Legislação, investimentos pú-
Funda, Belenzinho, Ponte Grande e Cam- to poder aquisitivo, os Campos ElÍseos. blicos e repressão em prol da desigual-
buci do Sistema Cantareira, que tinha uma Em 1890, apareceu o segundo, Higienó- dade, tudo muito bem planejado.
água de excelente qualidade, para garantir polis, cujo nome procurava afastar o pa- Nos anos 1920 e 1930, o aparecimen-
o suprimento constante e seguro da parte vor que endemias e epidemias causavam, to da cidade dos automóveis permitiu a
alta e rica da cidade. Os bairros proletários em uma época na qual a medicina encon- multiplicação sem qualquer controle dos
passaram a ser abastecidos com água cap- trava-se mal equipada para enfrentá-Ias. negócios com terras na periferia da ci-
tada no Tietê, mas em um ponto onde o rio Um ano depois, era inaugurada a aveni- dade. Ao mesmo tempo viabilizou a ma-
já recebia esgotos. Como não havía um sis- da Paulista, cujas normas de ocupação de nutenção da acentuada desigualdade so-
tema de tratamento que garantisse a quali- seus lotes foram estabelecidas por lei. cioespacial e a criação de um gigantes-
dade dessa água, doenças de veiculação hí- Como ensinou a urbanista Raquel co complexo produtivo, que processa-
drica fustigaram os pobres. Rolnik, delineou-se, desse modo, o vetor ria quantidades crescentes de trabalho,
CARTACAPITAL127 DE JANEIRODE 2010 27
Seu País São Pa",:8 2

energia e recursos naturais. Até então, a


expansão urbana estava vinculada for-
temente aos trens e bondes, os últimos,
operados pela Light. Aos poucos, contu-
do, o transporte sobre pneus ganhou es-
paço e os ônibus passaram a competir
com os bondes de passageiros. Em me-
ados dos anos 1920, os primeiros chega-
vam a cerca de 150 veículos e os últimos,
a 478. Quem tinha mais dinheiro passou
a circular com o carro particular.

Emtroca do aumento do preço da ta-


rifa e do monopólio do serviço de ôni-
bus, a Light propunha, em 1926,cons-
truir um metrô, ampliar o número de
bondes e articular tudo isso em um sis-
tema integrado. Depois de muitas dis-
cussões e polêmicas, não houve acordo
com a prefeitura, que não aceitou con-
ceder o monopólio. Por um lado,temia-
se que a empresa estrangeira se forta-
lecesse ainda mais, pois o sistema de
transporte era decisivo no processo
de criação e valorização do espaço ur-
bano. Por outro, uma proposta de dois
engenheiros municipais, Ulhôa Cintra
e Prestes Maia, aparecia como alterna- A cidade, convertida
tiva aos planos da Light, preconizando
a construção de um sistema de aveni- g à religião do carro,
das radiais e perimetrais, que podiam ~ agiu como se
se expandir indefinidamente. A pro- ;: prescindisse de
posta adaptava-semuitobem aosinte- ~ parques, calçadas,
ressesque impulsionavama expansão ~ canteiros e praças
da mancha urbana para os confins da ~
cidade, espalhando trabalhadores e fá- ~
bricas, diluindo os conflitos sociais, es- ~
vaziando qualquer proposta sobre pla- ~ Exclusão. Ocupação ilegal da
nejamento e controle do crescimento ~ Cantareira (acima), cortiço e
bonde em 1900 e os posseiros
da cidade, como analisou o historiador ~ tirados de Campo Limpo em 1981
Claudio Hiro Arasawa. Parte conside- g
rável dessas avenidas ocuparia as mar- ~
gens dos rios, que seriam retificados ou g
definitivamente tampados. ;
Em 1937,Prestes Maia foi nomeado '"
prefeito de São Paulo e acelerou a exe- trânsito de veículos no vetor Sudoeste, cunhou a expressãoem meados do sécu-
cução do Plano de Avenidas, retoman- melhor servido pelo transporte indivi- lo passado para indicar o que ocorrera
do igualmente a retificação do rio Tie- dual - no período, a região também foi em seu país. Inúmeros parques, cantei-
tê. Um nova proposta de trens subter- contemplada com investimentos maci- ros e praças paulistanos foram e conti-
râneos, desta vez~feita pela empresa ços em obras viárias, como a constru- nuam a ser destruídos ou mutilados em
alemã Grün Binfilger, foi oferecida à ção da avenida 23 de Maio. troca da infraestrutura exigidapelosau-
prefeitura, mas não chegou a ser dis- tomóveis,devoradoresde espaçoinsaciá-
cutida. Somente em 1966 a prefeitura Com a instalação da indústria automo- veis - talvez o parque D.Pedro lI, na re-
criaria a Companhia do Metropolitano. bilística no Brasil e o entusiasmo do pre- gião central, seja um dos exemplos mais
A primeira linha, a Norte-Sul, foi inau- sidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) impressionantes dessa devastação. Em
gurada por completo em 1975e, desde pelo carro particular, a conversão de São algumas localidades, caminhões trans-
então, o sistema se e.xpandiu vagaro- Paulo à "religião do automóvel" descam- formaram ruas em estacionamento e ar-
samente. Uma das justificativas apre- bou para um fanatismo que provavel- rasaram vizinhanças residenciais.Quin-
sentadas para o início da construção mente espantaria até mesmo Lewis Mu- tais com árvores ou jardins floridos,fre-
do metrô era que evitaria o colapso do mford, notável estadunidense que quentes mesmo em bairros populares
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~ ção, o plano de Metas de JK era omis-
g so no que se refere à crise habitacional
~ das grandes cidades brasileiras, inclu-
~ sive da capital federal, o Rio de Janei-
~ ro. Na capital paulista, a expansão peri-
~ férica e a autoconstrucão das moradias
~ continuavam e, apes~r dos seus enor-
~ mes custos humanos, ecológicos e ur-
a banísticos, proporcionavam alívio para
§ as famílias que deixavam o aluguel, cô-
o~ modos de casas de familiares e cortiços
:;; - os quais,segundoestimativas,ainda
~ assimabrigavam,em1968,cercade 8%
~ da população paulistana. Mas, como o
~ estoque de terras em São Paulo come-
o
çou a escassear, a situação ficou bem
mais complicada, pois a última frontei-
ra a ser ocupada eram as áreas de pro-
teção ambiental, em especial as de pro-
teção aos mananciais, drama que se de-
senvolve atualmente.

EmSãoPaulo1975, Crescimento e Po-


breza, estudo que avaliava o efeito do
chamado "milagre econômico" da dita-
dura militar na metrópole, um clássico
desde a sua publicação, em 1976,infor-
mava-se que 80% dos empréstimos do
Banco Nacional da Habitação, o BNH,
;: criado em 1964com o objetivo de "fazer
~ de cada brasileiro o proprietário de sua
~ casa",foram "canalizadospara as ca-
~ madas médias e altas, ao mesmo tempo
o que naufragavam os poucos planos ha-
bitacionais voltados para as camadas
de baixo poder aquisitivo". A omissão
do poder público no que se refere à mo-
radia, concentração de renda e pobreza
ajudava a explicar por que, desde o iní-
cio dos anos 1970,quando cerca de 1,1%
. da população da cidade vivia em fave-
las, esse número somente aumentou,
chegando, em 2004, a 11,1%,aproxima-
damente, 1,160milhão pessoas.
Na época de seu aniversário é com-
até o início dos anos 1970,foram trans- ninga" do século xx, como escreveu o preensível e benéfico que os morado-
formados em garagens. historiador Caio Prado Jr. res de São Paulo celebrem tudo aquilo
Os ônibus e caminhões facilitavam a A desmesurada expansão horizontal que a cidade tem de bonito e admirável,
formação de bairros em áreas cada vez de SãoPaulo dificultava a instalação de o que não é pouco. São pessoas, afinal,
mais afastadas da região privilegiada, infraestrutura urbana, como serviços que superaram deficiências urbanísti-
das estações de trem e linhas de bonde, de água e esgoto. Mas favorecia a espe- cas, injustiças sociais e o déficit de de-
pois possuíam uma flexibilidade que o culação com terrenos localizados entre mocracia com seu esforço pessoal, ar-
transporte sobre trilhos não tinha. No a área urbanizada e os bairros nascen- ranjos informais e criatividade. Mais
limite, podiam circular em ruas de ter- tes na periferia. Quando os moradores bem informadas e organizadas, talvez
ra recém-abertas na mata. A cidade viu desses últimos conseguiam mobilizar o possam construir uma São Paulo igua-
surgir, assim, incontáveis bairros "sem poder público para encaminhar melho- litária, onde as necessidades humanas
plano de conjunto, frutos da ~specula- rias às suas localidades, inevitavelmen- tenham prioridade. 8
ção imobiliária de terrenos em 'lotes e a te acabavampor levar o benefício,antes,
prestações' - o maior veio de ouro que aos terrenos no entremeio. *Janes Jorge é historiador, autor de Tietê, o
se descobriu nesta São Paulo de Pirati- Embora estimulasse a urbaniza- Rio Que a Cidade Perdeu (Alameda, 2006)
CARTACAPITAL
I 27 DEJANEIRODE2010 29
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O bravo DeSanctis
JUSTiÇA? INFLAÇÃOBastaum soluço
pagapor suabravura do dragão para assustar

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