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negro ¢ © mulato ficarum apiticos diante de semethante proceso histérico-social ¢ de suas conseqiién iquas. Neste capttulo fossa atengio vai se voltar para o outro lado da moeda: como e dentro de que limites @ “homem branco” continuow preso a um sistema de valores, socials ¢ de dominagdo racial que acarretava 4 vigéneia de um padrio de ajustamento intersocial andlogo a vigorava na sociedade estamental e de castas. que 1 O MITO DA “DEMOCRACIA RACIAL” E Murro piriciL, EM Nossos DIAS, reconstruir € interpretar com objetividade as disposigées que orientaram os ajustamentos raciais dos “brancos”, durante a fase de consolidagio da ordem social com: a nia cidade de Séo Paulo. Duas v0, de padres de relagdes ba claras. Primeiro, a perpetuagiio, em bl raciais claborados sob a égide da escravidio e da dominagiio senho- rial, tio néciva para o"homem de cor” produziu-se independente- as, porém, parecem mente de qualquer tem conseqiiéncias econdmicas, sociais ou politicas da igualdade racial eda livre competigao com os “negros” Por isso, na raiz desse fend- meno no se encontra nenhuma éspécie de ansiedade ou de quietagao, nem qualquer sorte de intoleraneia e de ddios raciais, que essas duas condigdes fizessem irromper na cena historica, Fim nenhum ponto ou momento a “homem de cor" chegou a ameagar seja a posigdo do “homem branco” na estrutura de poder da socie- dade inclusiva, seja a resp idade © a exclusividade de seu es- tilo de vida, Nao se formaram, por conseguinte, barreiras que visas- sem impedir a ascensio do “negro”, nem se tomaram medidas para conjurar os riscos que a competigdo desse elemento racial pudesse , hao se esbogou nenhuma ; por parte dos “brancos” das proviveis acarretar para o “brane” Em sintese, lalidade de resisténcia aberta consciente ¢ organizada, que co* sse negros, brancos ¢ mulatos cm posighes antagonicas € de ta. Por paradoxal que parega, foi a omissdo do “branco” ~ e nito a Jo — que redundou na perpetuagao do status quo ante, Ag que: rece, na medida em que o "homem branco” sé conseguis porem tica reduzida parcela das téenieas, instituigdes e valores soeials fnerentes & ordem social competitiva, e ainda assim em setores “mais ou menos restritos econfinades (em certos tipox de atividades ec ¢ relagées juridicas ou de privilégios politicos dos membros da classe ,0.campo ficou a sobrevivett- 1 de padres de comportamento social varlavelmente are eaicos. No bojo desses padrdes de comportamentos, passaram para a nova era histérica e se revitalizaram normas da velha etiqueta de lagdes raciais, distingées e prerrogativas sociais que proparciona= yam direitos ¢ as garantias sociais das “ragas” em preser Ges que seus Componentes ocupavam na estrutura de poder da sociedade, representagdes que legitimavam, tanto racial, quanto ¢ moralmente, tais distingdes © prerrogativas etc, Desse dngulo, as debilidades histéricas que cerearam a forma- gio ¢ o desenvolvimento inicial do regime de classes contam como muito mais deci para a preseryagao de grande parte da antiga order racial que as predisposigoes do “branco” de se precaver do “negra livre” Pura e simplesmente, aquele nie se defrontou com semelhante situagaio andloga nos Estadas Unidos. Segundo, essa circunst nei multiplicou © poder dinamico dos fatores de inéreia sociocultural, micas, perto pa as posi- mate: Iternativa histérica, como acanteceu, por exempla, em ‘Ag mesmo tempo que-o “branco” nila se via impelide a competif, concorrer ¢ a lutar com 0 “negro”, este propendia a aceitar passivd mente a continuidade de antigos padrées de acomadagie racil. Gragas aos efeitos sociopaticos da desorganizagio social permanen te e da integragdo social deficiente, quando 0 “homem de eot” st perava a apatia diante do proprio destino, fazia-o para aderir a.um conformismo timido e perplexo. Era fatal que prevalecessem orien- tugdes ji estabelecidas © mais ou menos arraigadas no comporta- mento convencional, Ora, tais orientagées nao $6 existiam; elas fa- iam parte da heranga cultural dos circulos dirigentes das camadas dominantes. Naturalmente, quase insensivelmente, na fase de « ting’o final do antigo regime, as concepgdes idcolégicas © utd do gio’ & gradua- ‘go das relagdes ta “brancos” entre si ¢, como ¢ enquanto tais, A nova situagiio cus leo de origem senhorial, aplicaveis A ordes is. governaram o reajustamento dos "negros” e co-social. Isso parece esclarecer, de modo completo ¢ definiti um-aspecto curioso da nossa expansdo urbana. Durante quase mei século, permaneceu soberans ¢ intocével uma ideologia racial que col Idyicas, econdmicas, psicoldgicas, sociais, culturais, juridicas e polit estrutura secularizada, aberta e¢ em diferenciagao tumultuosal Ainda que os circulos humanos em ascensio pertencessem a. “raga branca”, eles niio possuiam motivos substanciais para se identificar, nesse plano, com as velhas elites. Acresce que tinham, por circuns- Hincias especiais, bons motivos: para nio perfilhar ¢ até para com- hater as técnicas de dominagio social, ds quais se conjugavam a persisténcia € 4 revitalizagdo de critérios obsoletos de dominagao ndiferentes quer} . da “populagiio de cor” da ci- com as bases ec de uma sociedade multiracial, de racial. No entanto, os aludides efreulos permanecera quer as incansisténcias dessas téenicas de dominagao racia dramiitica situagéo, bastante notéri dade. No essencial, apropriaram-se parcialmente daqueld cas, tirando algum proveito delas ¢ aumentando a rea de manifes~ tagio de acomodagdes raciais, em choque irremedidvel com os fundamentos legais ¢ morais do novo estilo de vida social. Nesse contesto, um tinico clemento revelou tenacidade espe- cifica, Habituados a lidar com as tensées raciais num mundo social téeni- ‘em qué elas continham temivel poder explosiva e, par isso, preei- savam ser reprimidas sem contemplagio, os membros das elites tendiam a manter, diante dos problemas da “populagiie de cor” atitudes rigidas, incompreensivas ¢ autoritérias. Agiam come se ainda vivessem no passado, mostrando-se propensos a exagerar 0s riscos potenciais dé uma franca liberalizagdo das garantins socials 08 “negros” e a robustecer velhas Formas de dissuasie dos “prurk- dos de gente”, a que eles erin, Em particular, nio viam com bons olhos as agitag6es em torno do “prt blema negro” que eclodiram esparsa ¢ desordenadam ivessem, porventura, dnimo de pte aqui € ali, como se elas ocultassem os germes de uma inquictagio social suscetivel de se converter, com o tempo, em conflito racial. Doutro lado, opunham-se a manifestagdes de solidariedade para com 0 “negra” que escapassem ao patermalismo tradicionalista, o qual protegia o individuo ou grupos restritos, resguardando a superiori- dade as posigdes de mando do “branco”, A desconfianga tolhia, portanto, a moderizagio de atitudes ¢ de comportamentos em ambos os estoqués taciais, sob a dupla presungiio de que agitar questdes s6 serviria para “prejudicar o negro” ¢ “quebrar a paz social”, Com isso, as orientages que se abjetivaram socialmen- te, como um sucedines da opgao coletiva consciente, equivaliam a uma proscrigde ¢ a uma condenagio disfargadas do “homem de cor” Este nfo era repelido frontalmente, mas também nile era aceite sem restrigdes, abertamente, de acordo com as prerrogativas ais que decorriam de sua nova condigio juridico-politica, Persistia uma diretriz ambivalente, de repulsa as impulsdes de tras tamento igualitério do “negro” ¢ de acatamento aparente dos requi> sitos do nove regime “democritico” Na pritica, tal ambivaléneta ja apenas contel- buiu para suavisar os mecanismos do peneiramento competitive, cer soc ndo favorecia o negra ¢ o mulato. Ae que parece, € classifieacdo eto- némica e social por meio da infiltragéo pessoal intermitente, Contudo, dai decorria im pesado Gnus: © “negro” nia se adestra va, convenientemente, para a livre competigio ¢ a “populagiio de cor” continuava a sofrer os efeitos peri periivel que tal processo de ascensio socioeconémica institufa. Entenda-se que nada disso nascia ou ocorria sob 6 propésito (declarado ou oculto) de prejudiear 0 negro. Na mais pura tradigao jos0s da acefalizagiio insu- brasileira, tal coisa no se elevava a esfera da consciéncia social; e, ande se descobrisse algo mentos de certos imigrantes ¢ em discrimins n arecido (nas atitudes ou nos comporta- gOcs anacronicas, aantidas em determinadas instituigées), desses mesmos.circulos partia © grito de alarma ¢ de reprovagio categérica.! As mencionadas orientagdes constitufam parte do tributo oneroso que eles circulos sociais pagavam a in magdes de seus modos de ser, de pensar e de agir, pravenientes do regime escravista, as quais os torn ptas para compreender o pre- nfrentar com mentalidade construtiva as suas méltipla soci veteradas: de sente € exigéncias revoluciondrias, Além diss de que a “defesa da paz social” que se pretendia por em pritica, nilo proscrevia o “negra” da vida social normal, Na verdade, el spondia a um velho ideal, reiteradamente neglipenciado, de asso- lar a preparagao completa do negro ¢ do mulato, para seus deveres profissionais ¢ civicos, 2 sua ascensdo irrestrita como homem livre, Supunha-se que esse seria a caminho mais seguro, ao mesmo tempo para “proteger 0 negro” © para “resguatdar os interesses da sociedade”. Semelhante visio da realidade racial pressupu solugiio extremamente lenta e sob muitos aspectos iniqua do “pros blema negro” Sem que se atentasse para isso, a filosafia politica dessa solugdo repousava no antigo modelo de absorgdo gradativa dos “elementos de cor" pelo peneiramento ¢ assimilagaio dos que se mostrassem mais identificados com os circulos dirigentes da “raga cumpre atentar part 0 fat lominante” ¢ ostentassem total lealdade 4 scus Interesses Ot) Viiw es soviais, Expectativas ¢ concepgdes dessa nattreza estavam em conflito irremediivel com a ordem social existente ¢ jamais pode ‘Fam servir, dentro do novo contexto socioecondmico ¢ juridice-por itico, como uma ponte de entendimento racial. Nao obstante, clas garam na cena hist6rica, alimentando a ilusiio de que assiny se consolidava a “paz social” & promovia a “defesw dos interesses do “negro” Na dnsia de prevenir tensdes ruciais hipotéticas ¢ de asse- ‘gurar uma via eficas para a integragio gradativa da “populagaa de cor”, fecharam>se todas as portas que poderiam colocar o negro € o mulato na drea dos beneficios dirctos do proceso de democratiza- (80 dos direitos ¢ garantias sociais. Pois ¢ patente a Iégica desse padlio histérico de justica social. Em nome de uma igualdade per- feita no futuro, acorrentava-se @ “homem de: cor” aos grilhdes invi- giveis de seu passado, a uma condigio subhumana de existéncia © a uma disfargada serviddo eterna. Como nio podia deixar de suceder, essa orientagae gerou um Jo. Aidéia de que o padrio brasileiro de relagbes entre *brancos” © “negros” se conformava aos fundamentos ético-juridi- cos do regime republicano vigente. Engendrou-se, assim, um dos grandes mitos de nossos tempos: o mito da “demoeracia racial bri sileira”. Admita-se, de passagem, que esse mito nie nasceu de um momento para outro, Ele germinou longamente, aparecendo em todas as avaliagdes que pintavam @ jugo escravo como contendo “muito pouco fel” © sendo suave, doce © cristimente humano. ‘Todavi nntido na sociedade escravocrata € senhorial. A propria legitimagaa da ordlem social, que aquela soci: dade pressupunha, repelia a idéia de uma “democracia racial”, Que igualdade poderia haver entre 0 “senhor’, 0 “escravo” ¢ 0 “liberto"? A ordenagdo das relagdes sociais exigia, mesmo, a manifestagiio aherta, regular ¢ irresistivel do preconceito e da discriminagag te tal mito no possuiria ciais = ou para legitimar a ordem estabelecida, ou para preservar as distincias sociais 1 implantagdo da Repdblica, desapareceram as razdes psicossociais, legais ou morais que impediam a objetivagao de semelhante idéia L. operou-se uma reclaboragio interpretativa de velhas rac alizagdes, que foram fundidas ¢ generalizadas em um sistema de referéncia consistente com o regime republicano. No passado, 0 conflito insandvel entre os fundamentos juridicosida escravis 08 Mores cristiios ndio obstou que se tratasse 0 escravo como coisa que ela se assentava.? Com a Aboligio © a ioe €, a mesmo tempo, se pintasse a sua condigdo como se fosse "hu- mana” No presente: real da “populagiio de cor” também niio obstruiria uma represent glo iluséria, que iria conferir & cidade de Sio Paulo. cardter lison- jeiro de paradigma da democracia mcial. A realidade coetinea, so- bejamente descrita nos dois capitulos anteriores e bem conhecida por todos, na época nio tolheu a construgio dessa imagem, que aplicou o figurine da moda a autoconsagragio da “raga branca” Infelizmente, como no passado a igualdade perante Deus nao pros- crevia a escravidio, no presente, a igualdade perante a Lei 6 iria fortalecer a hegemonia do “homem branco” ‘Tao vasta mecanismo de acomodagio das elites dirigentes a uma realidade racial pungente (¢ por que nao dizer: intolerivel uma democracia) permiti que se fechassem os olhos ~ quer dian- 1 dorama coletivo da “populacio'de'cor”, quer diante das obtign- {Ges imperiosas que pesavam pelo menos sobre as ombros dos an= tigos’ proprietirios de escraves — para nio se falar nada sobre: os riseos que corre 9 regime demoenitico onde se perpetuam diferen- cus rigidamente aristocrdticas na mentalidade ¢ nos costumes dos homens. E, o que foi pior, imprimiu aparéncia consentanea ao fari- safsmo racial dos “brancos” A hipoerisia senhorial era facilmente desmasearivel; entrava no rol d. ais, O o contraste entre a ordem juridica a situagiio maté convencio qmesmu nie suceden com o mito da “demacracia racial Como as ‘oportunidades de competicio subsistiam potencialmente sbertas : “negro” parecia que a continuidade do paralelismo entre a es I da sociedade brasileira constitula “uma expressiio clara das possibilidades relativas dos diversos es toques raciais de nossa populagio. Ninguém atentou para o fato de que o teste verdadeiro de uma filosofia racial democritica repousaria ‘no modo de lidar com os problernas suscitados pela destituigho do pela desagregagao das formas de trab frutura social e a estrutura rac ho livre vinculadas escrav no regime servil e, principalmente, pela assisténcia sistemitica & ser dispensada i "populagdio de cor” em geral. Imposto de cima para haixo, como algo essencial & respeitabilidade do brasileiro, wo fun- mento n cion. las instituigdes ¢ a0 equilibrio da ordem nacio- nal, aquele mito acabou caracterizando a “jdeologia racial brasilei- ta” perdendo-se por complete as identificagdes que 0 confinavam e social de dominagao de uma elas 2 ideologia e as téeni O mito em questio teve alguma utilidade priti memento em que emergia historicamente, Ao que pare dade se evidenc' trés plunos distintos. Primeito, um estado de espirito faris ineapacida- de ou a irtesponsabilidade do “negro” os dramas humanos da “po- pulagaio de cor” da cidade, com o que eles atestavam come indi- ces insofismaveis de desigualdade econdmica, social ¢ politica ma Segunda, isentou o “branco” de ico, que permitia atribui ordenagio das relagdes. ra qualquer obrigagio, responsabilidade ou solidariedade mor ¢ social e de natureza coletiva, perante os efeitos sociopd: sta e da deterioragdo progressiva dit de alear ticos da espoliag situagdo socivecondmica do negro ¢ do mulato. Tet a técnica de fe através de exterioridad forjando uma consciéneia false da realidade ra izare avaliar as relagdes entre "negros” & s ou aparéncias dos ajustamentos racials, | brasileira, Essa técnica nao teve apenas utilidade imediats, Gragas a persisténcia das condigdes que tomaram possivel e necessdria a sua exploragiio Pritica, ela se implantou de tal maneira que se tomou o verdadeiro elo entre as duas épocas sucessivas da histéria cultural das relagdes. ‘entre “negras” ¢ “brancos” na cidade.* Em conseqdéncia, ela tam- hém concorreu para difundir © generalizar a consciéncia falsa da realidade racial, suscitando todo um elenco de conviegdes etnocen- tricas: 1° — a idéia de que “o negro nao tem problemas no Brasil”: 2° ~ a idéia de que, pela propria indole do povo brasileiro, “nio existem distingdes raciais entre nés”; 3° —a idéia de que as oportus hidades de acumulagio de riqueza, de prestigio social © de poder foram indistinta ¢ igualmente acessiveis a todos, durante a expan> so urbana e industrial da cidade de § “6 preto esta satisfeito” com sua condigdo social ¢ estilo de vida em Sao Paulo; 5° = 4 idéia de que nao tird outro problema de justiga social com referencia ao “negro” excetuando-se 0 que foi resolvido pela revogagao do. esta € pela universalizagao da cidudania —o que pressupde 0 coroliirio segundo o qual a miséria, a pro: ganizagio da familia etc., imperantes na “populagio de cor’, seriam efeitos. residusis, mas tninsitérios, a serem tratados pelos meios ais € superados por mudangas qualitativas espontiineas.4 Essa sumsiria ¢ imperfeita condensagio. evidencia, segundo. supomos, que nig s¢ impds historicamente, como algo inevitivel, a lade de ajustar as representagdes ou avaliagdes raciais aos requisitos econd ‘os ¢ juridicos da ordem social demo- critica, decorrente da Abolicao da escravatura e da implantagao do Ustado republ fenhum interesse econdmica, social ou polf« tico, bem como nenhuma consideragia de carater moral, religiosa 0 Paulo; 42 = a idéia de que iste, nunea existiu, nem exis« to servi uiigdo, a vagabundagem, a desor- cos, polft no. 1 impeliram as elites dirigentes a diligenciar inow: na erdem socic ou convencion Goes que entrosassem o sistema de relagdes raci tiria cm emergéncia ¢ em expansio, Em face disso, & impossivel evitar outra questo delicada. Patece claro que a persisténeia de velhas ra zagoes, com Freqiitncia reinterpretadas © sob 6 jar gio fornccido pelos mores juridico-politicos republicanos, decorria unilateralmente do que se poderia chamar de “interesse div rage dominante” na forma em que eles convinham ds elites dirigentes. Em que consistiam esses interesses? Pelo. que se pode discernit, utualmente, esses inte im-em duas categorias. De um. Jado, havia a propensdo em isentar aquelas elites, com os circulos sociais que elas representavam — ambos dramaticamente envolvi- dos ni exploragio secular do escravo ou do liberto ¢ na politica de substituigio populacional que climinou o “negro” da arena ecand- mica —, de “culpas abjetivas” pelo desfecho melancélico| dos pro- cessos abolicionista e republicano, © desvio farisaico, impost mantido & alargado continuamente pelas contradigdes entre os mores econdmicos, religiosos ¢ juridicos da sociedade de casta, foi de grande serventia naquelas circunstaneias histéricas. Negando uma realidade racial pungente, ladeava-se a dificuldade maior de Deo tiva — que niio chegou a se concretizar historicamente —, de organi gar e fomentar o caminho da integragdo racial demoenitica, colidia objetivos diretos © conscientes da politica de expanstio eca- a cam hase nos interesses da grande lavoura e de suas vincus Jagdes com o crescimento econdmico. A aludida politica niio deixae va margem de escolha, Ou se sacrificavam os elementos egressos ‘do trabalho servil, ou nio se punha em pratica a orientagio alvitras da no fomento do trabalho livte & da substituicdo populacional.s Dentro desse contexto, € ficil compreender por que os fazendeirbs paulistas logo abandonaram as. pretensdes de reparagdo, associadiis A libertagao compulséria dos escravos, dando preferéncia dis medi> das que ingeriam o Estado no Finan SSUS, ter de onfrenti-la © super ro lado, a orientagao altern mento da producdo agricola ©, em particular, na intensificagio das eorrentes mi; Péias. Acresce que a concentragio de esforgos numa area destituf- da de importincia econémica ¢ politica imediatas cond resultados indesejiveis, do ponto de vista da situagiio estratégiea das camadas dominantes. Qualquer iniciativa auténtica de proteger a ascensio igualitiria do negro ¢ do mulato esharraria com dissensdes © oposiges arraigadas focos de tenses ¢ de conflites no sei das priprias camadas domi- antes, sem que isso proporcionasse vantagens efetivas a qualquer dos subgrupos em que elas se dividiam: Motivos dessa natureza eram tio ponderivels que jaa em, explicitamente, no bojo da campanha abolicionista. Em um dos manifestos contra a eseravidaa, afirmava-se: “O futuro dos es- craves depende em grande parte dos seus senhores: a nossa propa: ganda nio pode por conseqdéneia criar entre senhores & escravos seniio sentimentos de henevoléncia e de solidariedade”.® Nabuco, por sua vez, embora defininds 0 abolicionismo como um movimento politico nascido da idéia “de construir o Brasil sobre o trabalho livre © a unide das rags na liberdade” e « “raga negra” como “elementos de considerdvel importincia nucio- nal, estreitamente ligada por infinitas relagées orginivas & nossa constiluigde, parte integrante do pove brasileiro” estabelece reser- vas muito significativas. Segundo indicava, os abolicionistas “que- rem conciliar todas as classes, ¢ no indispor umas contea as outras {...] dio pedem a emancipagao no interesse tdio-somente do escravo, mas do proprio senhor, ¢ da sociedade tox” Essas sto belas pala vras, que perdiam boa parte da impacto revoluciondrio pelo contexto ideoligico em que se projetavam. Pois cle deixa patente, em seguida, duas coisas fundamentais. Priteiro, que no se visava subverter a estrutura racial da sociedade de castas, mas sua ordenagiio juridica “nito podem querer [os ubolicionistas] instilar no coragiio do oprimi- vitavelmente, 9 ee representasse do um ddio que ele nao sente, ¢ muito menos faver apelo a paioes que nio servem para fermento de uma causa, que nao se resume nal reabilitagdo da raga negra, mas que é equivalente, como o vimos, & feconstituigde completa do pais”. Segundo, que se pretendin proce der} emancipagio preservando-se todas as regalias ¢ o poder de dominagio da “raga branea” “A propaganda abolicionista com efeito nilo se dirige ans esctavos. Seria uma covardia, inepta e criminosa, €, além disso, um suieidio politico para o partidc incitar a’ nou ao crime homens sem defesa, ¢ que ou a lei de Lynch ou a justica publica imediatamente havia de esmagat”? As conve: niéncias dos cfrculos dirigentes da “raga dominante” € que iriam decidir como orientar n transformagfo da ordem racial, incrente’a estruturagao da sociedade. Esses limites eram tio fortes que foram respeitados até pelos idealistas ou pelas forgas radicalmente revolu- ciondrias do movimento, Patrocinio, visto por Nabuco como a encar- nagdo do espirito revoluciondrio do abolicionismo,* Fixa-s temente, dentro desses limites: “Por minha parte, desde 0 primeiro dia da propaganda abolicionista abri a minha estrada, dando-lhe por margens 0 direito ¢ a Ici. [,,.] Quando foi que desta tribuna se pre- guram idéias subversivas? Quando foi que proclamamos o direito do punhal do escravo contra a vida do senhor, ainda que tivéssemos para apoiar-nos a indignagio de Raynal? Em Sao Paulo, nem mesmo Ant6nio Bento, o grande mentor da agitagdo direta nas sen- alas, teve coragem ou sentiu necessidade de ultrapassar e: 8 limi- tes; € © Partido Republicano tergiversou continuamente, procurando ‘capitalizar os interesses politicos da grande lavoura.|# b Transcorrida a Aboligdo © consolidado o regime de trabalho livre, os mencionados motivos operaram com renovado vigor, A aristocracia paulista possuia experiéncia escassa € recente na dred Acostumada rendera a der da manipulagitio democritica dos problemas sociai a ereeetelan al fake aetva nin al €am o comportamento coletivo © com os movimentos sociais autd- homos, tendo ainda de aprender a enfrenté-los com equilibrio, se~ renidade ¢ dnimo construtivo. Além disso, ninguém sabia ao certo ‘© que poderia ocorrer na cidade acaso se acendesse usin estopim em tomo de “questies raci Duvidava-se da lealdade dos imigrantes 408 interesses € aos valores das camadas dominantes, receando-se, em especial, que agitagdes em torno desses. problemas fomentas- sem inquietagdes bem mais graves e incontroliveis entre os operi- tios. A “paz social” conti monolitico. Quebrada em um ponto, fi temente da raziio invocada, poder-se gio. As descrigdes de Everardo Dias sobre a formagio de proleta- riado & o desenvolvimento das lutas operdrias em Sio Paulo sio particularmente elucidativas a esse respeito, Elas acentuam muito bem como a mentalidade reinante via a “questio social” como uma “questiio de policia” sufocando pela violéncia us manifestagdes reivindlicativas do teor mais pacifico,|2 Tais manifestagdes ava a ser vista ao velho estilo, como algo » qual fosse, independen- perder 0 controle da situa- talarmayam ¢ enchiam de piinicn os conservadores e demais elemen- tos mitoritarios de posse das rédeas governamentals do pals, pois era entio presidente da Repablica wm dos antigos « ferrenhos conse- Iheitas do Império, © St. Rodrigues Alves, que se rodeava, em seu ‘governo, de individuias igualmente adversirios rigidlos de toda iléia ou tendéneia que ultrapassasse os quadros do estreito liberalisme mondrsuico. Tambérn nilo deve ser esquuecilo que @ Brasil acabava de ssair do regime exeravocrat ~ © nibo havia ainda passado uma geragio desse importante acontecimento ¢ as geraghes que atuavam na vida politica, com excegio dos republicanos avangados, sempre em redu- rida minoria, mais teorizantes que objetivos, erain favordvets a que no campo ccondmica ¢ social predaminasse um regime ee trabalho que pouco diferisse da escravidio abolida, visto coma toras esscs indivi- ‘duos cram antigos escravagistas, e a palavra “operdrio” era ainda uma expressiio pejorativa, diminuidora da personalidad..." A luz de semelhante mentalidade, seria desavisado, indecoro- soc temenirio debater de publico, com franqueza espirito critico, temas do tipo que poderiam ser suscitados pela situagdio da “popu lagio de cor” em Sio Paulo, mesmo que se visasse defender con> “eepgdes francamente tradicionalistas ¢ paternalistas. Se 0 debate: “se polarizasse na situagio de interesses do “negro” ou se partisse, ‘diretamente, de sua prépria mancira de encarar as coisas, entiio se opunha uma resisténcia Feroz as iniciativas — resisténcia que ent filha da incompreensio, mas também do egoismo e do medo, Preferia-se, tacitamente, que a “populagdo de cor’ j saisse de sua apatia passividade. Dois exemplos serio suficientes para fun- damentar essa observagdo. Em 1927, um jovem mulato, filho natu- tal de um branco de famfl ¢ colocé-lo a servicgo do alargamento da autoconseiéncia do “negro” Mportante, ansioso por tee um jornal sobre sua propria situagio na ci de auxilio para adquirir uma maquina de eserever. Pediu-the, tho- réis. “Contei dos nossos ¢ de nossa: gdes. Ele condenou, entio, a participagio em movimentos dessa tureza, pois, no Brasil, ndo havia necessidade deles.” © segunda procuro seu pai, em busea somente, trezentos r ien= ‘caso se refere a uma experién lider negro, defrontou-se com conhecido politica conservador de tradicional ¢ ilustre familia paulista: aniloga, na qual Viceme Ferreira, Na pascou dos operisios (1929) realiada na Igreja do Pari, pre~ sentcs M.S, ¢ 0 entio abade, F. Vicente Ferreira, que Ii estava em companhia de Carlas Caviteo, promuncion wim grande discucse ic, COMO sempre, evociwy o malsinade de: dos negros, sminado o discurso, 0 ahade, no meio da grande pablice, beijoa Viccntc Ferreira na testa, para mostrar que a Igrcja Catélica ribo tinhis nenhum peeconceito contra os negros, Na volta da lyreja, o Vicente Ferreim, que andava sempre madestamente trajado, fol convidlado a vir para a cidade em companhia do dr. NI ‘0 Carlos Cavaco ao lado do choler e, atris, o Vicente Ferreira, lodeado por M.S: @ fabade. Na cidade, M.S. insistia em levi-lo até a residénela ~ nile inka reskdéncia fia: dormia numa hospedaria que havia no Langa Jo Piques, quando conseguia dois mil-réis para pagar a cama, M, vendo a situacda do Vicente Ferreira, convidowo a passar fh sua novdia seqititte, pikra totnad um café, © disse-This que pocllane quale coisa, pois extava disposto w ajudlé-fo, O Vicente Ferreira, antes de procurar M. S., pussou na redagao do Clarim e disse sos compan hel os que iria dar uma lige aquele lustre pautista, prevenindo, assim, aque para ele nada pediria, mas antes solicitaria 0 favor de um emprés- timo da quantia necessinia para o Clarim montar uma peijuena olici- nha, De fato-o fez, mas M. S., espantado com o pedida, solicitoy uma coleso de jornal em questo, a fim de estudar o-asstinto; mais tard devolves, dizendo que nile poderia ojudar os negros a ter um jornal come aquele, Props M.S. a transformagio do Clarina wuina revista de ihustragio, comprometenda-se a conseguir que a revista fosse Feita por um prego razodvel. 4 Ambos os exemplos esclarecem a acessibilidade do “branco” sua propensio a “auailiar 0 negra” ¢ o horror que sentia diante de manifestagdes da “populagdo de cor” que nio pudesse orientar di- reta e discricionariamente, Para 9s fins desta discussiio, hi pouco interesse em aprofun- dar as descrigdes. E patente que sé depois da Abolig’io © no con texto juridico- politico do Estado republicano seria possivel se cogi- tar da situagdo de contato entre “negros” ¢ “brancos”, imperante em Sao Paulo, como sendo uma “democracia racial” Na reulidade, Porém, as coisas niio caminharam nessa diregao. De um lado, en- quanto a ordem juridico-politica da sociedade inclusiva passou por verdadeira revolugio, sua ordem racial permaneceu quase aa que era no regime de castas, De outro, o “negro” jamais encon- trou. no “branco” um ponte de apoio efetive as sua tomada de consciéncia e de melhoria de sua situagdo histérico- social, Em ver de ser “democritica” nesta esfera a sociedade pi listana era extremamente rigida, proscrevendo e reprimindo as manifestagdes auténticas de autonamia social das “pessoas de cor” Considerada em termos desse contexto histérico, a convicgao de que as rclagdcs entre “negros” ¢ "brancos” corresponderiam aos requisitos de uma democracia racial nao passa de um mito. Como mito, ela se vinculava aos interesses sociais dos circulos dirigentes le ica tentativas de r raga dominante”, nada tendo que ver coms interesses simétri- do negro ¢ do mulato, Por isso, timbém, niio eperava como, forga social construtiva, de democratizacio dos direitos © giv fas sociais na “populagde de cor” Inscrevia-se, contrariamente, re oO Mecanismos que tendiam a promover a perpetuagdo, em ‘0, de relagties ¢ processos de dominagio que concentravany 6 ler nas mios dos mencionados circulos dirigentes da “raga bran= " como sucedera no recente passado escravist: Feito esse balango geral, cabe-nos reconhecer que a importin: desse mito foi, compatativamente, menor na cidade de Sto ulo que em outras comunidades brasileiras, que estacionaram ‘por mais tempo em estruturas variavelmente mais arcaicas, Ainda ‘assim, ele exerceu uma influéncia dinfimica indireta, claramente ‘reconhecivel. Na medida em que contribufa para resguardar as velhas elites da obrigagao de introduzir inovagies efetivamente ta- dicais ¢ liberalizadoras nas relagdes dos “brancos” com os “negros” ‘ele as auxilion a manter quase intato 0 arcabougo em que se assen- tava a dominagio tradicionalista © patrimonialista, base social da hegemonia da camada senhorial, da autonomia da *raga branca” ¢ da heteronomia da “raga negra”. Ao se ligar a esse efeito, é eviden- te que 6 mito da “democracia racial” assumiu importincia cespecifi- ca como componente dinfimico das forgas de atuavam no sentido de garantir a perpetuidade de esquemas de ordenagio das relagdes sociais herdadas do passada. 'Teve, assim, ‘uma parte ativa na protelagio das prerrogativas ¢ privilégios soviais dos grupos dominantes, que exprimiam © mantinham a distinela social existente efitre os vérios segmentos da sociedade,| Desselany gulo, 0 mito em aprego aparece como um fator de retengaia do de= senvolvimento da ordem social competitiva ¢ democratica, de ser um elemento de dinamizagao modemizadora das relagbes os wma fonte de eatancamento © de estagnucio, solapando: éreia social, que wee ou destruindo tendéncias de cariter inovador e democratizador ‘nessa esfera da convivéncia social humana. Portanto, as circunstincias. hi: Grico-sociais: apantadas fize- ram com que o mito da “democ I" surgisse e fosse mani: pulado como conexio dindmica dos mecanismos societirios de defesa dissimulada de atitudes, comportamentos ¢ ideais,“arlsto- criticos" da “raga dominante” Para que sucede: o inverso, seria preciso que cle caisse nas milos dos negros e dos mulatos; e que deautonomia social equivalente para explori-lo fins, como um fator ura e do pode estes desfrutassen c em vista de seus prépri diregdo contr de democratizagae Se tal coi o “homem de iedade de classes ¢, provavelmente, da riqueza, da c ocorresse, 9 mito da “democracia racial” ia cor" 4 tomar seu lugar na so coneorreria para estimular as camadas “baixas” “intermediiirias” © “altas” da “raga dominante” a cooperarem de um modo ou de outre nesse processo. Dentro dos limites do que acontecen historica cle preencheu fungdes sociais que atendem a intere: is que sii o opasto disso. Primeiro, oferecende uma cobertu- ra cOmodda ao alheamento ¢ a indiferenga dos circulos dirigentes da “raga branca” diante do destino ulterior do “negro” no regime de- mocnitico. Se “o negro niio tinha problemas” ¢ se suas dificuldad fossem, de fato, “naturais” e “transitérias”, cabia vo proprio “homem de cor” lutar pelo seu erguimento e integrago a sociedade de clas- ses. Segundo, identificande como “indesejavel” a discussio fran da situag’o da “populagie de cor” © como “perigosa” a em movimentos sociais destinados a minoricla mente, icipagiio : Se se vedi de interven- = eliminava-se também a viabilidade de mecanismos societirios de coregio dos problemas sociais exis- tentes no “meio negro”. $6 restava, ao negro ¢ ao mulato, a via consagrada tradicionalmente, da infiltragio pessoal e da ascensio am ambas ws perspectivas ~ de tamada de consciénel social parcelada, que na tinha suficiente alcance eoletive (pois corrigia aqueles problemas na escala dos individuos.em mobilidade vertical) © possufa.o inconve mo, no momenta histé- fico, de promover reiteradamente a ace gras” Terceiro, concentrando nas mios do “homem branca’ dis ‘camadas sociais “altas” 0 poder de juiz supremo, de arbitra da situa: gio, de quem decide o que “convinha” ou “niio convinha” ao “homem de cor” individualmente, ¢ a “populagda de cor”, coletivay mente, Enquanto observassem semelhantes expectat ‘© mulato ¢stariam projetados numa condigio social andloga ou ine ferior a do “brance dependente” do antigo regime, Ver-se-iam sob tutela crénica. © insuperdvel, com a agravante de njo contarem so negro © mais com os bencficios da dominagde patrimonialista ¢ de serem éxcluidos, como agentes humanos, das dreas em que se constréi a hist6ria secialmente O fato de o mito da “democracia racial” sofrer a elaboragio social mencionada, associando-se a manipulage do poder sociedade inclusiva se transformavam com intensidades bem desi- Ps conserva indica elaramente que-a ordem social ¢ a ordem racial da guais, A primeira respondia rapidamente as alteragées da estrutura econdmica da cidade, embora revelasse maior lentidio no ajusta- mento aos requisitos juridico-politicos do regime democritico re- publicano, A segunda nao absorvia de modo sensivelmente unifor- me tais influéncias. Como se o modelo da organizagio de castas ainda imperasse, o setor constitutdo pelo estoque racial “branco” se engrenava nos fluxos das transformagdes histéricas da ordem so- cial, enquanto-o estoque racial “negro” permanecia estagnudo eat” ivtererclagties clos: dols coatinunvamn ser rejrilecien (paina aie padres. Proscrito da histéria e da participagio das pugnas socials que decidiam do seu curso, o"“homem de cor” estava bloqueado em uma zona estagnada ¢ estatica da sociedade, Por isso, em contraste com a alteragdo tumultwosa do cenério histérico-social, a ordem racial tendia a se manter em estado estacionario, O que vimos no capitulo an suficientemente, o assunte. Os ajustamentos dindmicos. do“homem. de cor’ e da “raga branca” propendiam para um ponte de inércia, que se evidenciawa, historicamente, ma perpetuagdo estagnadora da ordem racial. Nao obstante, ainda hd, aqui, questées a debater, Considerando a situagia de contato da perspectiva € segundo a rede de interesses hist6rico-sociais das elites no poder, deixamos de lado o papel das camadas “baixas” ¢ “intermeditirias” da “ra nante” Ora, ¢ssas camadas abrangiam, como vimos no pri ipitulo, um dos pélos humanos de dinamizagio do desenvolvi- rior ou neste capitulo esclarece, domi- mento da ordem social competitiva. Compostas por imigrantes europeus ou por elementos nacionais em drdua competigao com eles, essas camadas forneciam 0 grossa dos individuos ou grupos sociais empenhades na vide econdmica utiva. Em relagao a elas, nesse contexto da discussdo, interessuria saber por que também se mostravam indiferentes quer 4 perpetuagio das téenicas tradicio: nais de dominagio social, quer ao destino da “populagdo de cor” na cidade. Parece dbvio que daf pederia ter nascida uma oposigiio ferrenha dominage das antigas elites ¢ que tal coisa teria muda- doe panorama racial deserito, Resuminda as indicagdes ao essencial, dirfamos que a capac dade de atuagio politica dessas camadas fora neutralizada: & facil explicar esse processo insélito, levando-se cm conta as condigdes histérico-sociais da formagio da ordem social competitiva em Sao Paulo. Durante a crise final do regime escravoerata, os cireulos diri- gentes tomarim a si a condugio do processo revolucionirio. Por conseguinte, como assinalamos, coube-lhes decidir a respeitoe de todas as fases da politica de substituigdo populacional, que iria resol- ver os problemas econdmicos criados pelo colapso da trabalho servil. 0 mais importante, do ponto de vista sociuligico, diz respelto i aco dos papéis politics das velhas elites, Elas orientaram 0 so, no conjunto, de modo a resguatdar, intocdveis, todas as atribuigdes fundamentais na estrutura de poder da sociedade. migrante” ou o “elemento nacional” adventicio uparecem na cena 1a movidos por corddes que elas dirigiam u seu bel-prazer, Nao jram como “iguais’ como alguém que poderia ter vontade ria ¢ uma oriemagao politica auténoma, Como os demais inte s econémicos, do comércio de importagiio ou de exportagio, Esiavam diretamente subordinados & grande lavoura, no concerta prevaleciam os ditames desta iltima. Ocorreu uma sorte de Jcomodagiio mecanica de interesses paralelos. As camadas domi- antes, vindas do passado senhorial © escravista, conservaram-se & 1a do poder organizado politica, econdmiea ¢ socialmente. As de- “mais categorias sociais se concentraram no afa de "fazer a fortuna fur no-sentida curopeu de “fazer a América"; ou no-sentide brasileiro adquirir o estaliio de “gente de prot”. © importante € que decor- quase trés genigdes antes que entrassem na arena como con: “correntes ©, até, como opositares daquelas elites. Nesse interim, a acomodagio aludida proporcionou uma especializagio tacita. oO poder ficava entre as atribuigdes indisputadas dos seus executores tradicionais (embora pudesse ser exercido por outros, sob delegagio -eonsentida), Os demais “faziam a fortuna” Para muitos imigrantes, a ilusio do retorna ao pais de origem contava mais que qualquer “motivagdo suplementar de prestigio ou consideragio sociais; part os clementos nacionais, os mecanismos tradicionais de organizagio do. ‘poder enredavam a tados nas malhas do patrimonialisme © da leat. dade para com seus interesses, Em sintese, 6 no fim do perioda considerado, de 1924 a 1930, € que surgitiam as primeinas tentativas, om suas conse organicas para quebrur as referidas acomodagbes, ‘atiéncias morais ¢ politicas. As velhas elites tiveram condighcs © souberam aproveiti-las com notivel egoismo, para garantir a supre- macia de seus interesses ¢ de suas preferéncias idealégic: Portanto, as camadas “baixas” ¢ “intersticiais” da comunidade se envolviam muito mal, quase sempre tangeneial ou superficial: mente, em assuntos que no possufssem significagao econdmica imediata para clas, As velhas clites contaram com um espago de tempo de quase trés geragdes de dominio absoluto, ao sabor do an- tigo regime, € 36 entio Comegaram a sofrer os efeitos diretos ou in- diretos da presenga de outros interesses organizades na luta pelo poder ¢ pelo contrale ideolégico das opinides. Essas explicam varias éaisas, Primeiro, por que a substituigde populacional foi tao importante para a diferenciagdo da ordem socioeconémica, refletindo-se quase nada nas estruturas politicas e no clima moral da instiincias lade inchusiva, O processo politico continuava tolhido. sofren- do uma corrupgao que o impedia de se democratizar. Segundo, niio S€ processou aqui, Como aconteccu cm outras situagées de conta- to,!5 uma identificaeao entre as ea € a camada “alta” ¢ “dominante” da populagio. A aceitagao ¢ d seminagio do mito da “democracia “baixa ial” nfo naseeu, avaliagées € opgdes plenamente conscientes ¢ dese] deram come fruto da acomodagiio mecénica e da especializagao de interesses indicadas. Antes, como conseqliéncia de um vulnenivel estado de indiferenga geral, que por causa de sentimentos vivos, superdveis, Por isso, padres divergentes de avaliagao laquele mito © & sua exteriorizagdo. Onde tais padrées pende- ram para @ intolerineia tacial, o mito sofrea uma reelaboragho que reforgou seu contetido, sua significagda © suas fungdes “aristoc cas”; onde prevaleceram atitudes de tolerineia ¢ de simpatia racials, © mito foi parcialmente expurgado dos componentes residuais anti- democraticos, adquirindo o cariter de uma forga dinfimica integra- tiva. Tudo isso fez com que se quebrasse w unidade de visio, exstaber lecida sob a égide das concepgdes das velhas elites. Mas 0s efeitos €onstrutivs dessas transformagdes mal comegaram a eclodir nos tiltimos. vinte:¢ cinco anos. Terceiro, quaisquer que fossem as pola riragdes dos segmentos “intolerantes” ou “toleruntes” das camadas: *baixas” ¢ “intersticiais”, em virtude da inexisténcia de mecanismos. ‘societirios de solidariedade racial ou interracial, da efiedeta das formas de dissuasiio ou de controle, manipuladas pelas elites, © dir falta de consenso no uso regulada da conflito, elas no podiam ope- rar dinamicamente: (a) mem em sentido negativo (ou seja, agravando as tenses raciais); (b) nem em sentido posi a absorgao da ordem racial pela ordem social competitiva e demo- ‘enitica), que tais polarizagdes $6 produsiriam efeitos dinfimicos se fossem ‘eanalizadas para a arena politi porém, por causa do alheamento politica daqueles setores populacionais, Se porventura tal coisa ocorresse, os efeitos de cardter negative ou po- sitivo seriam fatalmente tolhidos, desde que suplantassem os limites fixados pelos mores dos circulos dirigentes. E. que eles ameagariam a estrutura de poder, afetando de modo direto ou indireto as prerra: gativas daqueles circulos, ciasos da necessidade de preservar intata asua capacidade de mando autaritério, mesmo pela violencia au por outros meios. Todas essas indicagdes salientam a mesma éevidencia, Quando um setor da sociedade inclusiva monopoliza fungcs socials 10 (ou seja, acclerando ra entender isso é preciso que se atente para o fato de Isso nije aconte _que entram em conflito com as tendéncias normais de integragio da ordem societiria, ele pode entravar e mesmo corromper, indefinid: -¢ indeterminadamente, o curso da evolugio social, Uma democracia nndo pode funcionar sem um minime de equilibrio ¢ de autonomia fas relacdes das cutegorias sociais assaciadas pela ordem sovietiiria imperante. Mesmo que essas condigées tivessen aparecido mais re acdes dos segmentos sociais pertencentes a “raga dominante’, elas ainda seriam insuficientes para promover a conversio do “homem de cor” em parceiro historicamente valido. Ora, sem que se realine essa condig’io suprema, ninguém pode garantir que as impulses de de- mocratizagio, ¢ invariavelmente, na diregio de uma ordem racial democ nossa situagdo, s6 a atuagio organizada, ativa e intransigente do negro e do mulato ~ dadas outras condigdes favoriiveis — poderia rentes entre os “brancos” conduzissem, uniforme ‘itica, Em assegurar tal desfecho. Os resultados desta breve andlise retrospectiva demonstram que as condigdes de perpetuagio parcial das antigas formas de dominagdo patrimonialista estio na propria raiz do desequiltbrio que se criou (¢ se acentuou progressivamente, em seguida) entre a ordem racial e a ordem social da sociedade de classes. A democra- cia surgiu timida ¢ debilitada em nosso meio. Como seu funciona- mento ¢ desenvolvimento normais dependem do poder relative dos grupos sociais que concorrem entre sino Cendrio social, ideolégica © utopicamente,!* ela forneceu, no inicio, um paleo histérico ex- elusive aos poucos grupos sociais que estavam organizados, possu- fam téenicas apropriadas para exercer dominagiio © autoridade, & lutavam sem vacilagées pelo monopélio do pader (se preciso, sob omanto dos “ideais democriticos”). © atraso da ordem racial ficou, assim, como um residuo do antigo regime © s6 poderd ser elimi- nado, no futuro, pelos efeitos indiretos da normalizagio progressiva do estilo democritico de vida e da ordem social correspondente. Enquanto isso nao se der, nao haverd sincronizagao possivel entre aordem racial ¢ a ordem social existentes. Os “brancos” constitui- rio a “raga dominante” © os “negros” a “raga submetida’. Doutro ludlo, enquanto © mito da “democracia racial” nio puder ser utiliza~ do abertamente, pelos negros © pelos mulatos, como um regulador de seus anseios de classificagio © de ascensio sociais, ele seri indcuo em termos da prépria democratizagiio da ordem racial im- perante. A dinamizagéio no sentido demacritico & igualitdrioy da ordem racial tem de partir do “elemento de cor” emboria devi ser tolerada, acolbida ¢ sancionada pelos “brancas” em geral, Construido e utilizado para reduzir ao minimo tal dinamizagho, @ ‘refcrido mito se converteu numa formidavel barreira ao progress © Wautonomia do “homem de cor” — ou seja, ao advento da democriae ‘cia racial no Brasil. 2. OS PADROES TRADICIONALISTAS DE RELAGOES RACIAIS laborada © QUADRO RECEM-EXPOSTO sugere que a ordem racial, socialmente no passad, permaneceu quase intata ao longo: da de- “sagregacio da sociedadle de eastas ¢ dos primeiros desenvalvimen- tos da sociedade de ¢lasses em Sito Paulo. Isso significa, em outros fermos, que sc renovaram incessantemente, apesar das mudangas pcortidas em outras esferas da vida humana, as condigies psicos- morfoldgica ou functonal- sociais ¢ socioculturais que suportavam, mente, as antigas estruturas de relagdes raciais. Em conseqliéneia, toda a velha etiqueta de tratamento nicial reciproco (no intercim- bio entre “negros” “brancos” ¢ “mulatos") continuou w encontrar ‘plena vigencia; e, com ela, perpetuavamrse as representagdes de “satus © de papéis sociais que regulavam o mado pelo qual as pes- “sas, identificadas como pertencendo « cada estoque racial, “de- ‘viam” (ou “podiam”) participar dos direitos e dos deveres incorpo ‘tados 4 ordem social vigente. O grau de persisténcia e 4 vitalidade “interna daquelas estruturas eram tio grandes que © proprio padrio histdrico de manifestagio do preconccito ¢ da discriminagio mciais “hilo sofrera modificagées apreciéveis, embora jé nio fosse mais “nereeedrio buscar nele a justificagio moral da escravizagao: do

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