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Entrevista
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COSTA, Marisa Vorraber; BORN, Lilian Ivana. Crianças, celulares e o desaparecimento da infância.
(p.206 a 208) In: COSTA, Marisa Vorraber (org.). A educação na cultura da mídia e do consumo. – Rio
de Janeiro: Lamparina, 2009.
acabam tendo dificuldades em resolver seus conflitos e relacionamentos e,
diante da frustração, contatam imediatamente a família, sem antes contatar
a escola, o que gera alguns conflitos com relação à confiança dos pais na
escola e a capacidade de frustração da criança, algo extremamente
necessário para seu desenvolvimento e construção da personalidade.
Afinal, para que ligar para os pais? No momento em que estes largam seu
filho na escola pressupõe-se que nela confiam e, além disso, se necessário,
a própria escola se encarregará de entrar em contato com os pais. Também
há situações em que os pais trabalham fora e a maneira de manter contato
com o filho é por meio do telefone celular, logo, o uso torna-se útil, desde
que a criança seja instruída e saiba como e quando utilizá-lo. Entretanto,
“embora a justificativa mais difundida para possuir ou ofertar esse artefato
seja a do contato entre pais e filhos, esta é a finalidade mais banal de sua
utilização. A maior parte das crianças declara que não pode dispensá-lo
porque é a melhor forma de ter e manter amigos, com os quais trocam
idéias, aconselham-se, desabafam e vivem seu cotidiano. Grande parte
delas também declarou usar celulares para se informar, jogar, assistir
vídeos e ouvir suas bandas favoritas. A partir dos 6 anos, os meninos já
usam os celulares para abordar temas picantes, aumentando suas
informações relativas àquele espaço privativo dos adultos e interdito à
infância – o da sexualidade.”2 Como podemos observar, seja o telefone
celular ou outra tecnologia, é difícil estabelecer um binômio bom/ruim,
correto/incorreto, pois que a tecnologia não é boa nem ruim e, se deve ou
não ser utilizada, dependerá muito do sentido/significado que atribuímos a
ela.
2
Idem nota de rodapé n.1.
3. Com que idade, em média, as crianças passam a possuir seu próprio
aparelho celular?
Aproximadamente, por volta dos 6 anos de idade (mas apareceram casos de
crianças que portavam o aparelho em creches, durante a realização da
pesquisa). Mas acredito que atualmente não esteja mais sendo utilizado
tanto por essa faixa etária e sim por crianças a partir dos 9 anos em diante,
que trazem o celular para sala de aula para passar mensagens, escutar
música, tirar fotos, gravar fatos considerados interessantes, etc.
5. Como os pais devem avaliar se seu filho está ou não apto para ter
seu próprio celular?
Não acredito em “receitas” e nem saberia dizer o momento exato de dar ou
não um celular para uma criança. Para realizar tal avaliação, talvez seja
necessário apenas observar o comportamento do filho: se este solicitar o
celular como presente e apresentar argumentos que os pais acharem
convincentes (e não só porque o “fulano” tem) é de se pensar. Por outro
lado, se o desejo e interesse não partir da criança, ou ainda, se esta tem uma
relação muito forte de dependência em relação aos pais, acredito que ainda
não seja hora de presenteá-la com um celular, pois que poderá dificultar o
processo de separação e autonomia, usando o celular a qualquer
desconforto, angústia ou conflito encontrado. Nesse caso, o uso do celular
por parte da criança tornar-se-ia prejudicial, visto que para construir sua
personalidade e autonomia, antes precisa passar e vivenciar o processo de
frustração – tão necessário e “positivo” para que aprenda a lidar com as
diferenças, com seus conflitos internos e externos, para que equilibre e
acomode e, com isso, cresça em suas aprendizagens.
6. Quais as vantagens em uma criança possuir seu próprio celular?
- Contato permanente com pais e amigos;
- Espaço de liberdade em relação à influência dos adultos (músicas,
mensagens, amigos, etc.);
- Novas formas de interação e linguagem, acesso ao mundo tecnológico de
seu tempo;
- Novas aprendizagens (se utilizado em “projetos escolares” – filmar uma
apresentação ou uma excursão com função educativa; aprender a usar a
calculadora, a agenda; estudar as diferentes formas de linguagem – uso
correto da Língua Portuguesa e novas formas de uso por meio da
tecnologia, etc.). *Nesse sentido, vislumbro uma forma de trazer a
tecnologia para o espaço escolar (telefone celular, computador, etc.),
tornando esse espaço mais atraente e produtivo, ao mesmo tempo em que
procura levar em conta as transformações sociais, culturais e tecnológicas
de nosso tempo.
9. Mesmo que uma criança não tenha celular, ela convive com amigos
de sua mesma faixa etária que possuem o aparelho, o que pode
provocar o desejo pelo produto. Como lidar com isso?
É difícil para os pais dizer “não”, mas a frustração faz parte do processo de
evolução e crescimento do ser humano na construção de sua personalidade
e, muito dela, se constrói na infância, nos primeiros anos de vida. Frear
impulsos, desejos e ensinar a fazer escolhas, diante de um mundo de
estímulos e apelos ao consumo torna-se uma tarefa extremamente árdua,
tanto para os pais como para as escolas. Enquanto muitos desses segmentos
(pais, professores, instituições de proteção aos direitos da criança, etc)
trabalham em prol da proteção e defesa da criança, muitos outros minam
essa tarefa, chegando até mesmo a realizar estudos e congressos, a contratar
pedagogos e psicólogos que tragam informações acerca de gostos e
preferências infantis, para então criar novos produtos que possam ser
utilizados por essa “nova e potencial clientela – as crianças”3. A maioria
das crianças justifica a compra de produtos e artefatos com a frase: “mas
todo mundo tem, menos eu”. Penso que chegamos num momento crucial de
nossa sociedade, momento de tomar decisões e fazer reflexões acerca de
tudo que está ocorrendo em seus mais diversos aspectos (catástrofes
ambientais; questões éticas; papel da família, da escola e da sociedade
(Governo); visão de futuro e planejamento sustentável, etc). Precisamos
3
Para maiores detalhes acerca da relação entre crianças e consumo, vide: Linn, Susan. Crianças do
consumo: a infância roubada.
“educar para o consumo responsável e sustentável” e não apenas “educar
para consumir sem pensar nas consequências de nossos atos”. Estamos
criando consumidores desde o berço, uma geração imediatista, incapaz de
lidar com a angústia e frustração quando diante de um “não”, seres
individualistas e sem uma sólida base moral e de respeito perante os
semelhantes. Isso deverá ser repensado, principalmente ao nível de
políticas públicas para a infância e juventude. Ao mesmo tempo, não
podemos negar a sociedade capitalista que vivemos bem como esse mundo
de relações e interações “líquidas” de que nos fala Bauman (tanto no
campo de nossas relações com as pessoas como com os objetos). Então,
mais do que dizer “não” e privar as crianças dos brinquedos, dos programas
televisivos ou de outras “ondas e modas do momento”, está o papel de
educar as crianças para que sejam críticas em relação ao que consomem,
para que entendam que para ter determinado objeto é preciso economizar e
apresentar argumentos convincentes para tê-los e não pelo simples fato de
“todo mundo tem”.