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Era uma noite quente de um verão qualquer de que já não me lembro a data.

Percorri através
das sombras da noite, as ruas da cidade, sentindo os cheiros, os odores dos diferentes locais
por onde passava. caminhava sem destino certo, ou melhor, ia em direcção a zona velha da
cidade. Ocupa-nos no imaginário todas as zonas velhas feitas de tuelas e calçadas, becos e
pátios onde nos perdemos no memória dos tempos e se estivermos com atenção e soubermos
cavalgar a imaginação, veremos outras épocas e outras gentes como sombras que deslizam,
furtivas por entre as sombras projectadas pelas luzes dos candeeiros.
Quando dei por mim estava a porta de um velho bar, a porta de si t~~ao velha como o bar de
uma castanho avermelhado, a tinta a lascar, e de dentro do bar saí o som de jazz que me
transportou quase imadiatamente a uma cave a milhares de quilómetros dali, numa outra
cidade.
Empurrei a porta e entrei. O bar estava quase vazio. numa mesa um casal com aspecto
decrépito, parecido saido de um filme do David Lynch, olhou para mim sem interesse e
voltaram-se em silência para as suas cervejas. A conversa dos dois há anos que parecia
esgotada pude aperceber-me pelo seu olhar cansado, os ombros descaídos, a beata dos
cigarros no cinzeiro. Dirigi-me ao balcão devagar, como que a deixar que o espirito daquele
espaço me estivesse a tomar nos braços e a me condizer a um espaço irreal. Sentei-me no
balcão e o empregado sem deixar de limpar o balcão com um pano perguntou-me o que
tomava. Olhei em volta que se a resposta me exigisse um garnde esforço e pedi uma cerveja.
De repente a meu lado senti uma presença. Olhei e lá estava ele. Sentado de pernas cruzadas,
o olhar vivo daqueles olhos amarelos a fitarem-me num assomo de sorriso por entre os
bigodes, e uma enorme boquilha de onde pendia um cigarro que exalava um cheiro
adocicado. Olhei-o fiz um ligeiro sinal de cabeça com um cumprimento entre dosi velhos
companehiros que se encontram em qualquer esquina do mundo, ou num qualqeru balcão de
um bar numa qualquer improvável cidade. A cerveja tinha sido colocada a minha frente e o
empregado colocou o trapo no ombro e encostou-se atrás a olhar-nos com um olhar entre o
curioso e o divertido.
Foi então que reparei nela. estava sentada na sombra do balcão e a sua mão acariciava a
cabeça que possuia aqueles dois olhos amarelos, enormes, de gato, porque era um gato que
olhava para mim. Ouvi de repente a sua voz como se vinda de um sonho, uma voz doce,
quase num sussurro. "Não se assuste, este meu gato é perfeitamente inofensivo. Um tanto
cínico como ppenso que são todos os gatos, mas um perfeito bichano." O gato tirou a
boquilha da boca, olhou o balcão com um ar de completo desinteresse e falou com uma voz
rouca, bonita "Encontrámo-nos um dia e ela nunca mais me largou, sabe, Somos
inseparáveis". Endireitei-me no banco, olhei ora o gato ora a jovem que me fitava com olhos
amendoados de oriental apesar de não o ser e como num sonho ouvi-me a mim próprio
perguntar "Quem é que adoptou quem, você a ela ou ela a você?". O gato sorriu agora sem
deixar de olhar para mim e com a boquilha presa entre os dentes retorquiu-me " E isso
interessa?" - "Não" disse eu " nao interessa e virei-me para o balcão e bebi um pouco da
cerveja. Ela levantou-se e reparei então que era alta, vestida com uns jeans justos e uma
camisa lilás que usava por fora das calças. Repaerei que trazia uns sapatos muito bonitos,
pretos com um salto alto, que lhe realçavam a beleza dos pés. Lembro-me de ter pensado
como era possível reparar nos pés dela naquele lusco fusco. Maso certo é que reparei. Ela foi-
se sentar no banco contiguo ao meu do lado oposto onde estava o gato. Este não parava de me
fitar. Se não fosse gato diria que me estava a assediar. Lembrei-me então de que de noite
todos os gatos são pardos. E estava sabia já num lugar de diferente. Virei-me para ela e
reparei na cor da pele, branca sem ser demasiado branca, os olhos amendoados negros, o
cabelo preto, liso que lhe caía sobre os ombros, o nriz direito e a boca vermelha de onde
sobressaim uns dentes extremamente brancos. Ela continuava a sorrir. O empregado do
balcão tinha voltado a uma limpeza e mais uma vez, passava o pano pela madeira. Eramos, eu
e ela e o gato bem entendido, as unicas pessoas sentadas ali. O velho casal continuava
sentado a bebbericar e a fumar sem trocarem qualquer palavra.
"Como vieste dar aqui?" perguntou ela, como se o "aqui" aquele bar for um espaço estranho,
irreal onde nem todos pudessem entrar. Olhei-a e disse "Simplesmete ´saí de casa, atravessei
a cidade, e quando ia a passar dei com este bar. Nunca tinha reparado nele. Resolvi entrar. A
verdade é que nem sequer venho muito para estes lados". Do outro lado senti o gato
espreguiçar-se. "E foi assim" continuei "apenas vi dar aqui". Ela tinha parado de sorrir e
senti que estava a ser completamente analisado. "hummm..." O som saiu da garganta dela.
"Pois, e nunca tinhas visto por certo este espaço, nunca cá entraste se não eu lembrava-me de
ti. E não me lembro. Mas ´já te conheço. Sabes, acho que deviamos sair daqui, continuar a
conversar enquanto caminhamos. A noite está linda, lua cheia...os gatos adoram noites de lua
cheia." Olhei ora para um ora para outro, e nada admirado vi o gato saltar para o chão,
enquanto ela me punha a mão por dentro do meu braço, aproximava a boca do meu ouvido e
dizia "Vem sem medo. Confia em mim". A unica coisa que estranhei nesse momento é que os
sons que ecoavam pelo bar era o "Hotel California" dos Eagles. "Estranho" pensei...
Saimos para a velha viela que agora me parecia diferente o que não me causou surpresa
alguma. Ou pelo menos não dei qualquer importância ao facto, de agora estarmos numa rua
de uma grande metrópole que não soube identificar, via passar os carros na rua e connosco no
passeio cruzavam-se pessoas de uma qualquer cidade do mundo. Apenas notei uma brisa
quente que me lembrou um pouco um calor tropical.
Ela continuava com o seu braço no meu e podia perfeitamente sentir-lhe o perfume que não
soube identificar. Caminhamos em silêncio durante alguns metros, apenas ouvindo os tacões
dos sapatos dela no passeio. Nisto o gato, saltou para os meus ombros o que me levou a um
gesto brusco. Ela olhou-me i disse "Deixa-o ir aí". Aquilo que notei é que sentia o pelo do
gato em redor do meu pescoço, mas era como se ele não pesasse nada. Se não lhe sentisse os
pelos e os bigodes, diria que nada levava ao pescoço.
"sabes" disse ela interrompendo o silêncio que se tinha instldo entre nós desde a saída do bar.
"Estava há tua espera já há uns dias, meses talvez. Todas as noites vou ali na esperança que
apareças. " Com o ressonar do gato nos meus ouvidos disse "Hummmm...isso é estranho, não
é. Nunce te vi na minha vida, nunca nos cruzámos sequer e estavas a minha espera num bar
que eu nem sequer sabia que existia? Quer-me parecer um pouco estranho, para não dizer
bizarro". Ela não respondeu imediatamente, deixou o braço deslizar ao longo do meu e
agarrou-me a mão. Senti um arrepio ao contacto da pele dela com a minha. "Estranho
porquê? Nada é estranho." continuava no seu passo cadenciado e sentia ao meu lado o
menear das suas ancas. "Estranho..." voltou a repetir ela "Nem sequer te perguntas onde
estamos, onde vamos agora, o que faz o meu gato no teu ombro e achas estranho ter estado a
tua espera. Meu querdo. Nada é estranho". Olhou-me e eu vi naqueles olhos negros a
profundidade de um mar desconhecido, de um universo que me envolvia e fiz apenas aquilo
que desejava fazer naquele momento. Deixi-me ir. Porque para além de me parecer não saber
onde estava, não queria de modo algum deixa-la.
Caminhamos os três até que ela parou junto a uma velha viela empedrada, rua esconsa a
descer em direcção ao que parecia um porto de mar. Senti que as orelhas do gato se
arrebitavam. "Tu sabes que detesto andar de barco" ouvi-o proferir para ela. "Eu sei, mas
ainda não será que embarcaremos. Apetece-me rum, como a um velho marilheiro de um
qualquer livro de aventuras. E a ti não?" disse ela com um sorriso divertido onde se via a
lingua no canto da boca. "E porque não? vamos a isso" E começámos a descer a velha
calçada.
Uma noite, dormi num vão de escadas no Porto de Vigo. Lemro-me de me encolher todo para
a policia não me ver e confundir com um sem abrigo o que bem vistas era o que eu era
naquela noite, e dormi assim, todo enroscado ao som dos barcos de pesca e carregueiros que
gemiam com o balançar do mar. Agora ali estava eu, novamente num porto de mar em
direcção a um bar de velhos marinheiros de camisolas grossas de lã, barretes na cabeça e o
cheiro adoçicado do tabaco de cachimbo no ar. Escolhemos uma mesa de madeira com
bancos que por certo teriam milhares de histórias para contar das gentes que neles se
sentaram. O gato saltou para uma dessas cadeiras e ali ficou a fitar-me. Ela olhou na direcção
do empregado e pediu uma garrafa de rum e três copos. Pelos vistos o gato falava, fumava e
bebia. Lembro-me de me interrogar que idade teria o gato. "cinco anos, o gato tem cinco
anos". Abanei a cabeça em sinal de assentimento. Não valia mesmo nada espantar-me. Veio a
garrafa de rum e os três copos e ela serviu se e serviu-nos. Bebemos um pouco em silêncio.
"Adoro o mar e os portos de mar. São locais de partida mais do que de chegada, sabes"
começou ela com a voz a soar como um encantamento aos meus ouvidos "por isso gosto
tanto de vir aqui. Porque um dia destes vamos partir num destes velhos barcos. Num destes
carregueiros cheios de ferrugem. Eu tu e o gato". Ocorreu-me perguntar para onde iriamos
mas soube que ela não me iria responder. Foi nessa altura que pensei que eu tinha um
emprego, dois filhos que agora depois do divórcio viviam com a mãe, contas para pagar que
era o que menos me preocupava caso partisse mesmo e eu sabia que o ia fazer. Soube-o nesse
mesmo instante. De dentro do bar vinha a voz do Jaques Brel e "Port de Amsterdam".
Olhei em volta e vi velhos marinheiros que pareciam saidos de um passado distante,
prostitutas de andar ondulante, demasiado pintadas e com mini saias de cores berrantes, Os
cigarros pendentes das bocas vermelhas. E foi então que a vi. Era uma velha, sentada numa
mesa perto de nós, a fiumar o cigarro, a cara tisnada do sol e onde as rugas não enganavam
acerca da idade. O que ela tinha de mais extrordinário, era os olhos azuis, brilhantes e cheios
de vida e não mortiços como se esperaria em alguém como ela.
Ela sorriu. "Ele sempre veio" disse sem deixar de me fitar. "Hum hum...disse a minha
companheira dos cabelos negros e belos olhos amendoados. " E agora?" pergiuntou a velha.
"Agora? " A jovem endireitou-se olhou para mim, olhou para ela e afagando o gato que
entretanto tinha adormecido disse "Agora...agora..." continuou a afagar o gato o olhar perdido
em algo que só ela via e sorriu. Não quis saber que viagem era aquela apesar de me pareer
que dentro de mi já o sabia e que já andava a preparar me para ela havia anos. Notei como ela
era bonita e nesse instante desejei beijá-la. "Ainda não" disse ela como se me lesse os
pensamento. Riu-se. Um riso sonoro, lirico e soube nesse preciso instante que a
acompanharia até ao fim. Ou seria até ao principio? Porque um porto como ela tinha dito, era
sempre mais de partida que de chegada. E sabia-o já. Assim que chegasse iria partir.
Foi naquele momento que o empregado, um jovem alto, moreno, cabelo desgrenhado pos um
prato a nossa frente do que me pareceu polvo frito partido aos bocadinhos pequeninos. Foi aí
que reparei que tinha fome. Peguei num palito e comecei a comer. Ela tinha feito e mesmo
enquanto dava um pouco ao gato "Não é que aprecie muito polvo" disse ele enfadado.
Nada mas nada mesmo do que se passava eu achava estranho, nem sequerme interogava se
estava a dormir, a sonhar de olhos bem abertos ou apenas a flutuar numa espécie de universo
paralelo que existisse na minha alma. Nem sequer reflectia. Apanas me deixava ir como na
corrente de um rio de aguas mornas habitado por seres estranhos. No fundoé o que somos
todos, seres normais e estranhos a um mesmo tempo. Olhei para a velha. Não me apetecia
falar e não falei. A jove tinha se levantado e dirigido ao balcão do bar. Ria-se com qualquer
coisa que o empregado lhe dizia. Quando veio para fora sorria, um sorriso que lhe parecia
bailar ao de leve na face.
A noite continuava quente, apesar da ligaeira brisa que soprava do mar. Estendi-me na
cadeira, as pernas para a frente numa pose de perguiça, ou numa distensão fisica que
acompanhava o meu espirito naquelas horas tão estranhas.
Ela veio sentar-se ao meu lado e senti o braço dela pousar em redor do meu pescoço. SEnti os
cabelos dela e aspirei o seu cheiro. Não consegui identificar o perfume que ela usava mas era
extremamente agradável. Ela aproximou a boca do meu ouvido e disse num susssurro "daqui
a pouco temos que ir". Sentia repousar a cabeça contra mim e reparei no gato que me olhava
com os olhos semi cerrados. Deixei-me ficar até ela dar a entender que seriam horas de irmos.
Levantamo-nos e seguimos ao longo do porto, até a pequena praia pescatoria, e foi aí que ela
me conduziu novamente por uma velha viela em direção ao pequeno hotel onde iríamos
dormir nessa noite.
Por mais estranho que pareça, tudo aquilo me parecia, a um tempo real e irreal, como se
tivesse mergulhado num mundo de luzes e sombras onde os sonhos se misturavam com a
realidade, nem entrelaçar perfeito entre o desejo e o que na verdade tantas vezes acontece. O
certo é que me deixei conduzir por eles, devo dizer eles porque nisto tudo o gato também
tinha uma vontade muito própria e sabemos, ou pelo menos eu acho que o gato, tem mais
personalidade, ou são mais rebeldes que os cães. Curioso, que enquanto caminhávamos
lembrei-me de um livro que acho nunca cheguei a ler e que me despertou a atenção quando
eu era um miúdo de 13 ou 14 e anos, e que havia na carrinha itenerante da Biblioteca
Calouste Goulbenkian e que se chamava “A Rua do Gato que Fala” salvo erro de uma autora
polaca, Yoplanda Foldes...memórias que nos vêm a memória...mas assim caminhámos até a
casa onde iríamos pernoitar. Se alguém se cruzasse comigo na rua e me perguntasse em que
cidade estávamos juro que não saberia responder. Estava perdido. Ou apenas tinha começado
o caminho do reencontro.
A vida tem destas coisas, damos voltas e mais voltas, cirandamos, pensamos, matutamos,
falamos, convivemos, etc etc etc o que queiram, e chegamos a um ponto em que nos
interrogamos, “...mas o que faço eu aqui?...” alguns, muitos, poucos, fazem a pergunta. Eu
fiz...ou faço...Naquela noite não fiz essa pergunta. Sabia que não era necessa´rio fazê-lo
poruqe ela já estava equacionada na minha existência e no tipo de vida que levava ou levo.
Porque há perguntas que estão implícitas no tipo de existência que levamos. Confuso? É
provável. Mas a situação em que me encontrava não seria por certo muito normal dentro dos
parametros de vida a que estamos habituados, se é que me posso exprimir assim. Mas o certo
é que tudo me parecia normal ou pelo menos eu não questionava como anormal nada do que
estava a acontecer.

Dormimos num quarto de duas camas, tendo o gato escolhido dormir a meus pés. Ela deitou-
se em ciamda cama vestida, apenas tirou os sapatos e eu acabei por fazer o mesmo depois de
ter hesitado a pensar se me despia ou não. Acabei por adormecer rápidamente apesar de eu ter
por irritante hábito estranhar as camas de hotéis. Mas nessa noite, adormeci quase de
imediato.
Raiavam os primeiros alvores da madrugada, quando estremunhado, me virei na cama e senti
um corpo a meu lado. Era a Aniko, ainda vestida e colada a mim.Dormia profundamente,
pelo que me virei muito devagar e fiquei a olhar para o seu rosto até cair no sono novamente.

Acordei coma Aniko ao meu lado e o gato num dos cadeirões que se encontrava junto à
janela. Levantei-me e dirigi-me a casa de banho para tomar o meu duche e foi quando me
lembrei que não tinha outra roupa comigo. Resmunguei qualquer coisa entre os dentes e
entrei na pequena casa de banho. A primeira coisa que faço de manhã é tomar um duche ou
então não “funciono” lá muito bem durante o dia. Despi-me, temperei a água e meti-me
debaixo de um duche quente. Sou daqueles que de Inverno ou verão gostam de água bem
quente no corpo. Nunca gostei de duches frios...
Os meus olhospercorriam as letras que compunham as palavras que por sua vez
formavam frases impressas nas páginas do livro que segurava nas mãos. Fazia
incoscientemente, como se o facto de estar a olhar para o romance me fizesses
automaticamente deslizar o olhar pelas paginas brancas com os caracteres a
negro. A verdade é que nõa lia, isto é, o minha mente não estava a apreender o
que os olhos viam, mas encontrava-se perdida em divagações levando o meu
espirito para outras paragens. Sentia o leve balouçar do navio enquanto sulcava
as aguas calmas daquele oceano, a terra já longe e aspirava o cheiro do mar
misturado com os odores próprios do velho navio de carga. Não me dou no mar,
e apenas me aventurei a pequenas viagens que duravam pouco mais de duas
horas. Agora esperava me uma viagem de quase três dias, o que me deixava
uma leve sensação de desconforto no estomago. Imaginava tempestades com
ondas alterosas e recordei os velhos romances que li na adolescência com as
batalhas entre as armadas inglesas e francesas, de onde emergia a figura de
lord nelson. Curioso, pensei, apear de sermos um país de marinheiros, pouco
imaginário tinhamos de grandes guerreiros do mar, de grandes batalhas navais.
Até aqui, na literatura existia um vácuo de imaginação. Lembrei-me então que
era um povo onde existia a palavra saudade, onde um dos nossos mitos era D.
Sebastião, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir e sonhavamos desde
Pessoa com o V Império, no fundo uma nova especie de sebastianismo. Perdido
estava assim, que não reparei que o gato, sentado a meu lado, ronronou entre
dentes “Os povos também sonham, um sonho colectivo, não achas?”. A Aniko
encontrava-se encostada a balaustrada de costas para mim, a fumar um cigarro
como aroma me vhegava até mim trazido pela brisa do mar, e reparei nas
pernas brancas que surgiam do vestido preto, couro que ela usava hoje. Nos pés
trazia umas chinelas rasas de cabedal. Observei o corpo dela e tentei adivinhar-
lhe as forma por debaixo do vestido de linho. Virou-se lentamente e mais uma
vez admirei-lhe aquela sombra de sorriso nos lábios e a profundida daqueles
olhos pretos. “Sabes para onde vamos?” perguntou-me sabendo perfeitamente
que ignorava para onde iamos o que tornava a interrogação desnecessária. O
que me permitiu ficar calado a olhá-la. Afinal de contas ela sabia perfeitamente
que eu ignorava qual seria o nosso destino. E dei comigo a pensar que nunca na
vida tinha acreditado no destino, o que por maioria de razão, me levava a ser
descrente a muitos dos dogmas que desde pequeno me queriam impor. Não
acreditava e continuo a não acreditar no destino. Ela virou-se de novo de costas
para mim e li o gesto e a pergunta que o antecederam como um convite para me
juntar a ela. Levantei-me devagar, pousei o livro e reparei no olho esquerdo do
gato que me seguia atento. O direito estava completamente cerrado. Pensei
“Gato maluco”. E devagar, quase arrastando os pés e sentindo o perfume dela a
medida ela ficava mais perto, caminhei até ficar com o meu corpo encostado ao
dela. Ela olhou-me depois de expelir uma baforada de fumo azulado e
agarrando-me pela cintura, puxando-me para ela disse, “vamos para uma ilha,
uma ilha perdida neste oceano onde um dia alguém atracou. Essa pessoa está a
nossa espera, há já uns dias. Vamos ficar em casa dele. Podemos ficar o tempo
que quisermos. Como aliás em qualquer dos locais onde iremos. A iremos de
local em local até termos chegado.” Os olhos negros estavam cerrados de vido a
luz do sol, tinha os oculos no cabelo como se quisesse que eu a olhasse apesar
do incomodo que a luz do sol lhe provocava. “ Penso que vou fazer uma
pergunta absolutamente desnecessaria” começei eu e antes que eu pudesse
continuar disse “Então não faças. Já sabes a resposta se começas a firmar numa
pergunta que ela é desnecessária” Passou-me a mão no cabelo e deixou a
deslizar até ao meu pescoço onde parou com os dedos a massagem me
suavemente a nuca. Um arrepio percorreu-me.

Os dias no mar foram passados entre banhos de sol cheio de protector solar, a
leitura, as refeições que a tripulação feita de gente de várias nacionalidades,
partilhava connosco e a cabine que nos estava destinada. Apreciei
particularmente as sestas, em que ambos nos enrolavamos no minusculo beliche
adormeciamos com o ronronar dos motores das máquinas de propulsão do navio
nos ouvidos. Até que ao terceeiro dia chegamos à ilha onde iriamos
desembarcar.

No porto, viam-se dois grandes navios de cruzeiro a despejarem turistas


enquanto nós desciamos com as nossas modestas malas de um velho
carregueiro cheio de histórias inscritas no aço de que era feito. Aniko desceu na
minha frente, eu com a gato ao ombro por entre o olhar curioso das pessoas que
ali trabalhavam. O gato limitava-se a ronronar no meu ouvido como se fosse
indiferente ao local onde acabava de chegar. Com passos decididos nas suas
sapatilhas verde alface, umas calças de linho preto e uma t shirt também preta
com umas figuras geométricas na frente, Aniko conduziu-nos até um taxista que
parecia que nos esperava. Comecei a pensar que ela devia ser telepata ou
qualquer coisa do género. Ou havia ali muita magia...O que é cero é que pouco
depois atravessavamos uma cidade com construções em estilo colonial e uma
população maioritáriamente negra. Não me dei ao trabalho sequer de pensar
onde estaria. Penso que isso continuava a ser o menos relevante. O local. O taxi
conduziu-nos ao longo de ruelas, até que ficando paralelo a uma praia onde se
podiam ver alguns miudos no mar e um ou dois surfistas. Eram ainda dez horas
da manhã mas o sol já anunciava o calor que iria fazer nesse dia.

O taxi deixou-nos junto a um grande portão de ferro, velho e meio


desengonçado, por entre os quais se podia ver uma antiga casa por certo
pertencente a um dos senhores da ilha, mas bem conservada e toda pintada de
branco, com as janelas num azul cobalto. Via-se um jardim muito bem tratado e
numa cadeira no alpendre pareceu-me divisar alguém que se levantava.
Apareceu então um homem alto a abrir-nos o portão e convidar para entrar.
Entramos com a nossa pouca bagagem atrás tendo ele agarrado na pequena
mala da Aniko que se dirigia em passos rápidos e com um sorriso ao homem alto
enconstado a uma das traves do alpendre. Era alto, o cabelo grisalho e usava
uma barba de “três dias” que não lhe ficava nada mal. Inveje-o.o. Se uso barba
de trêes dias pareço um labrego ou qualquer coia semelhante... “Benvindos”
disse ele deixando ver através do sorriso uns dentes muito brancos e certinhos.
Vestia uma camisa branca e umas velhas calças de ganga. Na mão tinha um
livro de que tentei divisar o titulo sem conseguir, num gesto que ele pareceu
perceber e contrariou escondendo ainda mais a capa. Estava descalço. Pousou o
livro e abraçou e beijou a Aniko nas duas faces. Depois olhou para mim, afagou o
gato que continuava no meu ombro e cumprimentou com um aperto de mão
forte e decidido. O Olhar dele pareceu-me divertido quando disse “Benvindo” .
Mandou-nos entrar para a sala e sem se deter disse “Vou chamar a Sandra que
deve andar a tratar das suas plantas”. O mobiliário da sala era antigo, escolhido
com muito bom gosto, pelo menos eu gostei, e foi então que notei o som de
musica vindo de qualquer lado. Bach. Continuava o bom gosto. Tinha pousado a
mala na mão e num gesto que me é caracteristico quando não sei muito bem o
que fazer num local que me é novo e enquanto me não ambiento, começei a
olhar os quadros na parede como se algo neles me despertasse a atenção ou
fosse ou grande entendido em pintura. Eram aguarelas com motivos da ilha e
dispostas no mobiliário imensas fotografias que presumi serem dos donos e
familiares deles. Olhar as fotografias parecia me uma ligeira violação da
privacidade deles, afinal ainda não há 5 minutos tinha entrado naquela casa.
Olhei a Aniko que se tinha sentado, de perna cruzada num sofá e com um gesto
suave de mão convidou-me a sentar ao lado dela. Agarrou-me no braço e disse
“Vais gostar muito de estar aqui” – Sem olhar para ela perguntei “E o que faço
eu aqui?” . Ela olhou-me, “Não é o que fazes, é o que vieste fazer. Tu sabes
desde o inicio, desde que nos encontrámos, que tudo tem um propósito. >pelo
menos nesta viagem” disse ela entrelaçando os dedos finos da mão dela nos
meus. “O destino não existe, nem tu nem eu acreditamos nele, porque não
existe tal coisa. Mas a viagem tem um propósito e nada é por acaso. Só que o
acaso não é destino” – Ela parou, olhou para mim e passou me a outra mão nos
cabelos. Sentia-me a precisar de um duche.

“Olá, benvindos” cumprimentou uma voz jovial. Olhei na direcção da voz e vi


uma mulher que deveria andar na casa dos cinquenta e poucos anos, o cabelo
preto encaracolado apanhado atrás e uns olhos azuis brilhantes que pareciam
sorrir. Trazia um vestido ligeiro e estava descalça como o dono da casa. Deduzi
que fosse ela a Sandra. Abraçou a Aniko, e deu lhe um beijo enorme, afagou o
gato com festas e um grande “Olá Gato” e virou-se para mim e deu-me dois
beijos. “Seja benvindo”. Olhou-me fixamente. Sentia-me alvo de um exame. “O
vosso quarto está pronto, Aniko. È o quarto onde costumas ficar. Eu vou começar
a preparar o almoço enquanto vocês tomam u duche e descansam um pouco se
quiserem. Marido” continuou virando se para ele “Não achas melhor ires
escolher umas garrafas de vinho para o almoço e a tarde? E pede ao José para
me ir buscar pão fresco, pode ser?” e saiu sem esperar resposta.

O que nos faz sentir num local onde nunca estivemos antes? A amabilidade dos
a

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