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I. Introdução II. O sujeito tributário como sujeito constitucional: a formação da identidade do sujeito III. Resistência ao
pagamento de tributos IV. Combate à sonegação fiscal e fortalecimento da cidadania V. A elisão fiscal (economia
fiscal): a lógica do sistema capitalista, ética e punição VI. Conclusão VII. Bibliografia
I. Introdução
Não podemos olvidar que o homem está ínsito em um processo de constante redefinição
de projetos de vida, de horizontes de compreensão, perfazendo sua identidade em um contexto de
incompletude, de um verdadeiro vazio existencial que precisa ser preenchido e definido para
promover a construção de um sentido, de um valor significante.
O Direito pretende, preliminarmente, segundo entendimento de Habermas, estabilizar,
mediar, as relações entre os sujeitos e permitir, a elaboração e aplicação de normas factualmente
definidas em um processo discursivo válido cujas regras sejam previamente estabelecidas em
condições de igualdade e não violência.
No contexto do Estado Democrático de Direito, resta-nos interpelar acerca da identidade
do sujeito, do cidadão que irá se sujeitar às regras, não porque está somente obrigado e coagido a
fazê-lo, mas porque se comprometeu a respeitar as ‘regras do jogo’, já que reconhece ( ou deveria
reconhecer) a legitimidade do sistema normativo como condição sine qua non da sociedade.
A construção da identidade da ciência jurídica como sistema autônomo, diverso,
portanto, da moral, da religião é essencial para a existência do próprio Direito no mundo do dever-
ser, o que não significa distanciamento a ponto de torná-lo insensível às reais demandas sociais, a
ponto de, não obstante, ser a norma eficiente, no entanto, tornar-se inefetiva.
A autora Paula de Abreu Machado Derzi Botelho(2005) questiona na Introdução do seu
livro Sonegação Fiscal e Identidade Constitucional, se é possível um ‘Direito Constitucional’ como
Ciência Jurídica e como conseqüência se podemos falar de uma identidade constitucional e de uma
identidade tributária distinta em relação à primeira. Utiliza-se como parâmetro para desenvolver
esta pesquisa científica, como marco teórico primordial a doutrina de Michel Rosenfeld( a
1
Advogados, com especialização em Direito Público – IEC/PUC-MG em 2008.
identidade do sujeito constitucional), Hegel e Lacan(a construção da identidade do sujeito),
Habermas (teoria da ação comunicativa), Luhmann (teoria dos sistemas).
A autora pretende solucionar o seguinte problema: Qual a relação entre obrigação fiscal,
mormente resistência ao pagamento de impostos, e afirmação da identidade do sujeito firmada na
idéia de cidadania, legitimidade, participação, reconhecimento da correlação entre o binômio
Estado/políticas públicas e tributo, bem como na percepção do sujeito como ator político e social
consciente não apenas de seus direitos, mas também de suas obrigações, mormente como cidadão-
contribuinte.
Afirma que, no transcurso histórico, em relação ao tributo, o cidadão buscou ou busca
sempre se esquivar da obrigação de contribuir com a manutenção do Estado, até mesmo quando a
Igreja ou outras instituições ocupavam o centro do Poder.
A sonegação fiscal, uma espécie de resistência ao adimplemento da obrigação fiscal, é
relacionada não apenas ao valor excessivo dos tributos ou a idéia egoística de conservação do
patrimônio, mas principalmente, à falta de reconhecimento do papel do Estado como instituição
legítima, apta a corresponder aos anseios mais evidentes da população, tais como saneamento
básico, saúde, educação e assistência social. Configura-se, portanto, a necessidade, segundo
afirmado por Friedrich, da correspondência entre o povo-legislador e o povo-destinatário para a
realização da democracia e da efetividade da norma.
Sendo assim, a Constituição tem caráter auto-regulatório, que segundo, José Joaquim
Gomes Canotilho(1992,p.14) , deve permitir o exercício das opções plurais em um contexto
mediado pelo direito que estabeleça processos de informação compatibilizadores dos dissensos,
possibilitando a identidade marcada pela inclusão das diferenças e que garanta a os vários jogos
políticos e quando necessário viabilize a mudança através de rupturas.
As sociedades complexas demandam por teorias igualmente complexas que abarquem
as mútiplas possibilidades de cada sistema social. Neste contexto, Niklas Luhmann,
desenvolveu o conceito de sistemas e ambiente a partir da noção de autopoiesis, segundo a
qual, o sistema é auto-regulado (produzem constantemente sua própria constituição) de forma a
possibilitar ora a mudança, ora a estabilidade em um contexto complexo.
No entanto, para que o “eu” seja humano, é preciso que o desejo volte-se para um
“eu” não-natural. A passagem do sentimento de si para a autoconsciência só ocorre
quando o desejo dirige-se para outro desejo(terceira etapa: homem em-si e para-si).
Mas ela só se liberta da certeza subjetiva no reconhecimento, que só pode ocorrer
quando se admite a preexistência de um código(fala) que permita a articulação entre
as diversas autoconsciências e, por conseqüência, a constituição de suas verdades
subjetivas.(BOTELHO, 2005, p.26)
Negação. Processo pelo qual o sujeito, embora formulando um dos seus desejos,
pensamentos ou sentimentos até então recalcado, continua a defender-se dele
negando que lhe pertença.
Condensação. Um dos modos essenciais do funcionamento dos processos
inconscientes. Uma representação única representa por si só várias cadeias
associativas, em cuja interseção ela se encontra...Traduz-se no sonho pelo fato de o
relato manifesto, comparado com o conteúdo latente, ser lacônico: constitui uma
tradução resumida.
Deslocamento. Fato de a importância, o interesse, a intensidade de uma
representação ser suscetível de se destacar dela para passar a outras representações
originariamente pouco intensas, ligadas à primeira por uma cadeia asssociativa.
De acordo com as lições do Prof. Paulo Adyr, a gênese da resistência ao pagamento de tributos
pode ser localizada na concepção, ainda que equivocada, de propriedade como um direito absoluto,
sacralizado e intocável, entendimento que vigorou por séculos não obstante as evidências que,
segundo este autor, nunca deixaram de estar presentes como ínsitas ao próprio conceito de
propriedade. Desde os romanos pode-se perceber a vulnerabilidade do caráter absoluto, estando
presentes na Lei das XII Tábuas restrições inequívocas a esse direito (AMARAL, 2006).
Todavia, a propriedade, sobretudo durante a Idade Média, surge como parâmetro de tributação
e, portanto, todo e qualquer ato tendente a diminuir as posses de um indivíduo passa a ser
representada como violação ou agressão do Estado, legitimando ações de resistência.
Ao operarmos com o conceito de propriedade balizado por restrições, sejam essas fundadas em
motivos de ordem pública, ética ou prática, não mais se sustenta a idéia de resistência ao pagamento
de tributos a partir da singela afirmação de invasão do Estado ao direito do cidadão, sendo aquela
deslocada para a seara do abuso ao poder de restrição ao direito de posse.
No Brasil, a partir da Constituição de 1988, esse entendimento passa a ser sedimentado, tendo
em vista o art. 5º, inciso XXII que dispõe, com clareza, acerca do direito à propriedade como direito
fundamental, porém limitado à sua função social. Denota-se a relativização do direito de
propriedade orientado para a realização de valores caros ao homem – dignidade da pessoa humana,
igualdade, erradicação da pobreza.
É cediço que a tributação perfaz-se como uma das modalidades de limitação da esfera
patrimonial, todavia, não se pode confundi-la como expropriação ou atribuí-la, ontologicamente,
caráter confiscatório, uma vez que os tributo constituem-se como instrumento de redistribuição de
riquezas sendo inerente a ele uma contraprestação desigual – maior para uns e menor para outros de
acordo com as demandas e necessidades sociais que também são desiguais (AMARAL, 2006).
Ainda que se mantenha no horizonte e no imaginário social a íntima relação entre tributação e
expropriação ou confisco de bens particulares, delineia-se, com cristalina clareza, os contornos do
que se conhece hodiernamente como solidariedade tributária. Em outros termos, o cidadão passa a
reconhecer o seu dever de colaboração para a concretização dos objetivos precípuos da República
elencados no art. 3º da Constituição vigente o que se traduz, ao fim e ao cabo, no dever fundamental
de pagamento de tributos.
Cabe, aqui, uma importante observação. A percepção deste dever fundamental encontra-se
relacionado à idéia corrente de um Estado portador de uma atitude positiva capaz de propiciar a
construção de um ambiente de confiança e colaboração visando a conformação do cidadão com o
encargo fiscal. Para tanto se requer deste mesmo Estado a demonstração de que as receitas
arrecadadas são empregadas com eficiência e probidade, além da certeza de que a relação
estabelecida entre o “povo” e o ente arrecadador seja o quanto tanto possível simétrica, implicando
na imagem de um Estado cumpridor de seus deveres, inclusive, em seus pagamentos devidos,
quando este for o caso.
Um ambiente de confiança e colaboração, tendo em vista a garantir a adesão do cidadão ao
projeto constitucional rumo a uma sociedade mais justa e solidária, pressupões, dentre outros
fatores, uma profunda mudança paradigmática na qual o cidadão possa ser representado como
aliado do Estado, como participante ativo e atuante e não expectador passivo das políticas públicas
a ele destinadas. Além disso, deve ser tratado com confiança ao invés de ser visto como um
potencial infrator das normas tributárias e, sobretudo, que possa ser, efetivamente, amparado por
garantias legais que lhe proporcione a certeza de um devido processo tributário quando este lhe for
proposto (AMARAL, 2006).
Para além dos pressupostos acima descritos, um ambiente de confiança e colaboração requer,
ainda, o estabelecimento e a observância de duas éticas distintas, embora inter-relacionadas e inter-
dependentes, a saber: uma ética fiscal privada e outra ética fiscal pública.
A ética privada é uma ética de condutas que norteia o cidadão-contribuinte que tem o dever
fundamental de pagar tributos segundo a sua capacidade contributiva. Ao cidadão-
contribuinte não é ético contribuir a menos para o montante da riqueza social, em proporção
ao que suas faculdades lhe permitiam pagar, o que não deixa de ser uma exigência
aristotélica na teoria da justiça tributária contemporânea. Já a ética fiscal pública é
informada por quatro valores superiores, a saber, a liberdade, que consiste na aceitação da
opção fiscal a ser adotada pelo contribuinte, desde que respeitada a sua capacidade
contributiva; a igualdade, no sentido de que todos que estiverem na mesma situação
haverão de sofrer a mesma tributação; a segurança, que pugna pela não tributação de
surpresa, irracional etc, e finalmente; a solidariedade, ápice da efetivação da ética fiscal
pública. (Nogueira, 2002)
Esta construção teórica indica o delineamento do que se pode denominar de justiça tributária
que compreende, dentre outros elementos, a solidariedade com os carentes garantindo-lhes a oferta
de bens primários intributáveis. Parte-se da premissa básica de que os pobres, desempregados e os
assalariados não podem suportar o ônus tributário do Estado, mas, sim, hão que ser suportados pelo
Estado via ética tributária da solidariedade mediante a arrecadação e distribuição de riquezas
oriundas do pagamento de tributos dos cidadãos-contribuintes.
A idéia de cidadania fiscal, defendida pelo Professor José Casalta Nabais, da Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra, deixa antever que a existência de uma cidadania fiscal bilateral
pressupõe que aqueles cidadãos que têm o dever de suportar o ônus financeiro do Estado, ou seja, a
qualidade de destinatários do dever fundamental de pagar tributos, o tem na medida de sua
respectiva capacidade contributiva, isto é, mediante o reconhecimento ético-tributário de que
estamos frente a um Estado Fiscal suportável nos limites dos princípios constitucionais tributários,
que se apresenta como pressuposto, limite máximo e parâmetro do dever de pagamento de tributos
(Nogueira, 2002).
Como pressuposto do dever tributário o aspecto material da capacidade contribuitiva revela-se
na medida em que constitui o seu próprio fundamento. Como limite máximo, opera-se com a idéia
de que ninguém pode legal ou legitimamente ser obrigado a recolher um tributo superior à sua
capacidade econômica. Já o seu caráter de parâmetro surge a partir da aferição da conexão razoável
entre a fatispécie econômica e o montante do dever tributário, bem como, para que seja apurado se
o valor recolhido pelo contribuinte está na medida correta (não pode ser inferior, nem superior) de
suas possibilidades, tendo em vista que é dever de todos concorrer para o financiamento das
despesas públicas na medida de sua capacidade econômica (Nogueira, 2002).
Pelo exposto, vê-se que a resistência à tributação não é uma reação frente à concepção da
cobrança tributária como sendo, em si mesma, ofensiva ao direito de propriedade, mas sim o seu
abuso que pode ser verificado a partir do excesso na tributação revelado por uma alta carga
tributária associada à falta de contraprestação Estatal e à má destinação dos recursos obtidos, bem
como pela flagrante desigualdade de tratamento entre contribuintes e pela desigualdade de
tratamento na órbita da relação jurídica de direito público, ou seja, entre o Estado e cidadão
contribuinte.
Paula Diniz Botelho (2005, p.32) traz na sua obra uma classificação possível sobre o tema da
evasão, baseando-se nos ensinamentos de Sacha Calmon Coelho na obra “Teoria da evasão e da
elisão em matéria tributária”.
Desta forma a autora apresenta Evasão como um gênero que abriga duas espécies, a saber,
Evasão omissiva – intencional ou não e Evasão comissiva – sempre intencional.
A evasão omissiva, por sua vez, pode ser subdividida em evasão imprópria, caracterizada pela
abstenção intencional de incidência e em evasão em sentido próprio, designando o que se conhece
tanto como sonegação, esta sempre intencional e quanto como o não pagamento por
desconhecimento ou mau conhecimento do dever fiscal, via de regra uma ação não intencional.
Já a evasão Comissiva pode ser agrupada em Ilícita – fraude, simulação, conluio e Lícita –
economia fiscal ou elisão, conforme se detalhará mais abaixo.
Portanto, de acordo com essa classificação, a evasão poderia tanto decorrer de um não fazer
(intencional ou não), chamada de evasão omissiva, quanto de um fazer, denominada evasão
comissiva, a qual seria sempre intencional.
A evasão omissiva se subdivide em evasão imprópria e evasão em sentido próprio. A
evasão em sentido impróprio significa a abstenção intencional de incidência, ou seja, quando não se
pratica o fato gerador. Por sua vez, a evasão em sentido próprio pode envolver tanto a sonegação
quanto o não pagamento de tributos por desconhecimento ou mau conhecimento do dever fiscal,
sendo que a sonegação tem caráter intencional e os demais não.
Já evasão comissiva divide-se apenas em ilícita e lícita. A evasão comissiva ilícita
remete a fraude, simulação ou conluio. A evasão comissiva lícita inscreve-se no fenômeno da elisão
ou da economia fiscal.
A autora esposa a tese de que, em geral, as formas de resistência são fundadas no desejo
de lucro ou na ausência de inserção num projeto coletivo. Portanto, o descontentamento com o
pagamento dos tributos não decorreria somente da complexidade e da elevada carga fiscal, mas,
principalmente, da insatisfação com a aplicação dos recursos arrecadados pela Administração na
satisfação dos anseios populares mais evidentes.
Isso posto, de acordo com Botelho (2005, p.35) a evasão em sentido próprio e a evasão
comissiva ilícita apenas serão reduzidas na medida em que os contribuintes passem a se ver como
sujeitos (e não mais somente como objeto) da Constituição. Portanto, passemos a examinar as
referidas formas de evasão.
Conforme já foi dito, a evasão em sentido próprio remete tanto a sonegação quanto ao
não pagamento de tributos por desconhecimento ou mau conhecimento do dever fiscal. Para falar da
sonegação, Botelho (2005, p.33) cita Calmon o qual define a sonegação como a omissão de dados,
informações e procedimentos que causam a oclusão, diminuição ou retardamento do dever
tributário.
No art. 1º da lei 4.729/65, a sonegação é tipificada como a atividade do contribuinte na
qual se suprime ou reduz tributo ou contribuição social, ou qualquer acessório, mediante a prática
das condutas descritas em seus incisos. Ressalte-se que para configuração do tipo penal a sonegação
é exigida a intenção do agente voltada para o não pagamento do tributo.
Em relação ao não pagamento de tributos por desconhecimento ou mau conhecimento
do dever fiscal, Botellho (2005, p.33) expressa, em citação, o entendimento de Calmon no sentido
de que essa teria o mesmo efeito prático da sonegação.
A evasão comissiva ilícita engloba a fraude, a simulação e o conluio. Lembrando as
definições dadas pelo Direito Civil, a fraude consiste em um subterfúgio para alcançar um fim
ilícito, ou ainda, o engano dolosamente provocado, o malicioso induzimento em erro ou
aproveitamento de pré-existente erro alheio, para o fim de enriquecimento ilícito. Na simulação o
ato existe apenas aparentemente. É um ato fictício, que encobre e disfarça uma declaração real da
vontade, ou que simula a existência de uma declaração que se não fez. A simulação visa produzir
efeito diverso do ostensivamente indicado. Por fim, o conluio remete a associação ardilosa para fins
não lícitos.
Como já mencionado, Botelho deposita no reconhecimento dos contribuintes como
sujeitos da Constituição grandes esperanças para redução da evasão em sentido próprio e da evasão
comissiva ilícita. Dessa forma, a autora passa a discorrer sobre o papel da linguagem (discurso) na
formação do sujeito. Para tanto, vai buscar, em estudiosos que se inserem na chamada filosofia da
linguagem, algumas referências.
De acordo com Dummett (1994, p.4-14), a filosofia da linguagem pode ser
caracterizada como a filosofia “pós-fregeana”, pois foi a partir da obra de Frege, marcadamente, Os
fundamentos da Aritmética, de 1884, que se delineou a tão aclamada mudança na ênfase filosófica,
a qual deixa de ser centrada no sujeito, com o subjetivismo da introspecção, passando a se situar na
análise da linguagem.
Sem considerar as especificidades de cada filósofo analítico, a filosofia da linguagem se
consubstancia na idéia de que todo pensamento ocorre por meio de signos. O pensamento não se dá
imediatamente, mas é mediatizado por signos, e da mesma forma ocorre com o conhecimento e
acesso a realidade. Portanto, o pensamento é dialógico e não centrado no indivíduo, como ocorria
na tradição cartesiana.
Pode-se dizer que há duas gerações bem distintas a cerca da filosofia da linguagem.
Para a primeira geração a linguagem cotidiana é repleta de problemas, ambígua e imprecisa,
havendo a necessidade de substituí-la por uma linguagem lógico/formal. Caberia, portanto, à
filosofia da linguagem esta missão. Já para a segunda geração, incumbiria a filosofia da linguagem
buscar esclarecer conceitos como verdade, significação e referência. John Austin, filósofo o qual
Botelho faz referência, se insere nessa geração.
Austin elabora a Teoria dos Atos de Fala e propõe, como parte constitutiva de sua
teoria, os atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários. Segundo Austin, todo ato de
linguagem é iniciado quando se diz algo. O ato locucionário abrange toda a dimensão do falar à
medida que remete a presença de conteúdo sintático/semântico. De acordo com Austin, o ato
locucionário é constituído por 3 (três) dimensões distintas. A primeira dimensão relaciona-se ao ato
fonético que significa o ato de proferir certos ruídos ou certa seqüência sonora, que Austin chama
de fone. A segunda dimensão é relativa ao ato fático e diz respeito ao proferimento de certas
palavras ou vocábulos pertencentes e em conformidade com certa gramática, que Austin chama de
fema. Finalmente, a terceira dimensão, ou seja, o ato rético, denominado por Austin de rema,
refere-se à utilização de tais vocábulos com certa significação que deve ter certo sentido e
referência.
O ato ilocucionário, por sua vez, não remete tão somente a descrição, mas a criação de
um novo objeto. O ato ilocucionário diz respeito ao modo e ao sentido de como se utiliza a
linguagem em situações particulares e em relação a um contexto definido.
Por fim, o caráter perlocucionário diz respeito aos efeitos que o ato de fala pode
provocar numa pessoa. Este efeito, diferentemente do ato ilocucionário, não é convencional e nem
está ligado a um contexto definido. O efeito pode ser esperado ou não, da mesma forma que pode
ser deliberado ou não. É um tipo de efeito que não se pode ter controle sobre ele.
É importante ressaltar que a separação realizada (ato locucionário, ilocucionário e
perlocucionário) deve ser vista apenas sob a perspectiva técnico-analítica, que foi utilizada tão-
somente para a formulação da Teoria dos Atos de Fala. Segundo Austin, os três atos de linguagem
ocorrem sempre simultaneamente. Portanto, linguagem não se reduz à descrição da realidade,
quando o homem fala está agindo e criando objetos no mundo. Noutros termos, a linguagem não se
limita a proposições que apenas descrevem uma ação, uma situação ou um estado de coisa. A
linguagem faz com que algo aconteça, faz com que algo se efetive.
Apresentado Austin, Botelho ressalta que Habermas irá recorrer a idéias austianas para
desenvolvimento da Teoria Discursiva do Direito. Botelho (2005, p.78) ilustra com a afirmação
habermasiana de que qualquer discurso argumentativo é constituído por um ato performático, que
busca dissuadir ou convencer o outro, podendo levá-lo, inclusive, a assunção de obrigações.
A Teoria Discursiva do Direito reconhece a importância das interações intersubjetivas e,
dessa forma, desenvolve um pensamento que concebe a razão enquanto razão comunicativa, que
pode ser definida como sendo "el medio lingüistico, mediante el que se concatenan las interacciones
y se estructuran las formas de vida" (HABERMAS, 1998, p.65). Com efeito, a legitimidade do
Direito assenta-se na possibilidade de aceitabilidade racional por parte dos destinatários dos
resultados de discursos jurídicos de fundamentação e de aplicação. Nesse sentido, Habermas afirma:
Não é a forma do direito, enquanto tal, que legitima o exercício do poder político, e sim a
ligação com o direito legitimamente estatuído. E, no nível pós-tradicional de justificação, só
vale como legítimo o direito que conseguiu aceitação racional por parte de todos os
membros do direito, numa formação discursiva da opinião e da vontade (HABERMAS,
1997, p.172).
Botelho (2005, p.79) afirma que a Teoria do Discurso de Habermas reconhece no Poder
Político duas facetas, quais sejam: o poder da Administração Pública, constituído em termos
jurídicos, instrumentalizado, chamado por Habermas de Poder Administrativo e o poder produtor do
Direito, denominado Poder Comunicativo.
O Poder Comunicativo não se circunscreve no âmbito do ator individual ou mesmo no
domínio estrito de instituições como o Estado. O Poder Comunicativo implica agir comunicativo,
isto é, uma ação voltada ao entendimento no qual o médium lingüístico equilibra as interações.
Nesse sentido, Botelho (2005, p.80) chega a afirmar que “o poder não pode ser
produzido nem armazenado pelo Estado para utilizá-lo nas ‘crises de Legitimidade’.” À medida que
o Direito é compreendido como meio pelo qual se autoriza o Estado a usar a coerção, ele deve ser
fundado nas convicções alcançadas discursivamente pelo Poder Comunicativo. Portanto, o Poder
Comunicativo seria requisito para a produção legítima do Direito. Só através do Direito, o Poder
Comunicativo converte-se em Poder Administrativo de forma legítima.
Habermas considera que a comunicação não pode ser impedida por influxos externos
e/ou por coação. No entanto, o filósofo alemão reconhece a existência de ações estratégicas,
voltadas à obtenção de objetivos pessoais, razão pela qual se faz necessária a regulação normativa
da ação estratégica. Como ressalta Botelho (2005, p.49) essa normatização só pode acontecer
através da ação comunicativa, ou seja, somente as partes podem acordar acerca da imposição de
limites ao uso da ação estratégica.
De todo modo, como coloca Botelho (2005, p.52), a ação comunicativa só terá êxito
diante do convencimento, que antes de tudo, requer como fundamento de validade, a garantia do
direito de participação no discurso e a conseqüente obediência às normas reguladoras da ação
estratégica.
Dessa forma, Habermas pressupõe para toda ação comunicativa aquilo que denominou
situação ideal de fala, isto é, a exigência da distribuição simétrica das oportunidades de eleger e
executar atos de fala.
Conforme pondera Botelho (2005, p.82), apesar de Habermas defender a não absorção
do Direito pela política, a Teoria do Discurso exige do Estado Democrático de Direito requisitos
materiais básicos para que a ação comunicativa ocorra. Não obstante, Botelho ressalta que uma
importante consideração de Menelick de Carvalho Neto. O referido constitucionalista acentua que,
de fato, deve ser assegurado a todos oportunidades mínimas para alcançarem condições materiais
necessárias, no entanto o exercício da cidadania não pode ser condicionado à efetividade dessas
prestações publicas materializadoras.
Isso posto, a autora passa a tratar dos riscos do fortalecimento do discurso no combate à
sonegação fiscal. Botelho cogita a perda de credibilidade do discurso por distorções na estrutura da
comunicação e a complexidade dos comandos normativos como fatores que possam prejudicar o
combate à sonegação fiscal.
Botelho (2005, p.92) adverte que, em razão do Poder comunicativo, o contribuinte pode
participar da elaboração de leis sucessivas de anistia ou remissão, enfraquecendo, por conseguinte,
o discurso anterior, que ordenava o pagamento do tributo.
Dessa forma, as anistias e remissões reiteradas podem levar ao enfraquecimento da
coercibilidade jurídica e aumento do hiato entre o comando normativo e o comando social, o que
conseqüentemente leva à ineficácia da norma tributária.
Para Botelho (2005, p.93), outro fator que enfraquece o discurso legal consiste no
desvio ou a malversação de recursos públicos. Todavia, a autora não irá desenvolver este
argumento, mas apenas o exemplifica remetendo a situações como quando a própria administração
fiscal destina contribuições sociais reservadas à Previdência Social para o caixa da União.
Quanto ao risco da complexidade dos comandos normativos a autora propõe algumas
reflexões. Como é sabido, a Teoria Discursiva do Direito apregoa a concessão de oportunidades
comunicativas iguais aos participantes, no entanto Botelho (2005, p.94) acredita que essa
oportunidade possa determinar a elaboração de leis complexas, confusas e incoerentes, de difícil
compreensão. Seria, portanto, a complexidade das normas o resultado da própria aplicação da ação
comunicativa no contexto pós-moderno. Assim, Botelho (2005, p.96) conclui que a complexidade
dos comandos normativos pode ser um risco inevitável no contexto do Estado Democrático de
Direito.
No entanto, há de se considerar que, conforme coloca Nabais, na obra “O dever
fundamental de pagar impostos”, a coerência e a harmonização de princípios são requisitos de um
sistema tributário justo.
Isso posto, acreditamos que, uma das formas de dirimir o aparente dissenso entre as
exigências do agir comunicativo e do sistema tributário estaria na liberdade com limites, mesmo
porque para real condição de existência desta deve-se ter aquela. Nesse sentido, nas conclusões
finais de seu livro, a própria autora pondera que uma das características do regime democrático
deve ser “gerir o tributo na estreita margem que existe entre a coação e a liberdade, entre as lutas
contra fraude e as garantias dos contribuintes, entre consentimento e resistência.” (BOTELHO,
2005, p.100).
A elisão fiscal pode ser definida, então, como a forma lícita de evitar a ocorrência do
fato gerador do tributo, reduzindo ou impedindo o surgimento do dever tributário. Segundo Paula
Derzi Botelho(2005), a forma de reduzir a evasão fiscal lícita, ou elisão fiscal, só poderia estar
contida no âmbito da implementação de penalidades, já que a razão motivadora do ato não está mais
na não correspondência do projeto individual em relação ao projeto constitucional de Estado:
Como efeito, a resistência motivada por idealismo ( é o caso das revoltas fiscais ou
da recusa individual) tende a desaparecer com a maior participação dos insatisfeitos
no espaço público, mas aquela motivada pelo lucro, se não for reduzida pela
conscientização de seus praticantes, só poderá ser inibida pela dificuldade e pelas
conseqüências de levá-la a cabo, diante da indignação que causará em seus pares.
Trata-se, portanto, de adicionar ao caráter de ilicitude da sonegação fiscal um
componente moral, capaz de provocar repulsa, indignação e desprezo em terceiros,
vergonha e culpa no infrator.(BOTELHO,2005, p.35)
Somente àqueles que têm interesse numa interação regrada apresenta-se como
racional a assunção de obrigações mútuas. Assim, o conjunto dos detentores de
direitos só pode abranger pessoas das quais, pelo fato de quererem ou deverem
cooperar, é possível esperar uma contrapartida. Por outro lado, o hobbesianismo
digladia-se em vão com o conhecido problema dos oportunistas, que admitem a
praxe comum, mas se reservam o direito de, na primeira oportunidade em que isso
lhes trouxer maiores benefícios, divergir das normas gerais acordadas. A
personagem do free rider demonstra que um acordo entre interesses não pode per se
fundamentar obrigações.
O Estado não é mais tido como instituição máxima de concretização dos projetos
humanos, já que a sociedade também se organiza em sistemas autônomos de poder, tais como as
organizações, fundações, para a realização de serviços essenciais. Sendo assim, se o Estado não é
única instituição legítima, questiona-se a validade da norma imposta e a possibilidade da
coexistência de outras regras, como as determinadas pelo mercado.
O Direito também não pode ser considerado como uma rígida pirâmide a fim de apurar
a validade da norma em relação a uma norma fundamental constituinte, já que como segundo Paula
de Abreu Machado Derzi Botelho(2005), a pós-modernidade é marcada pela ausência de normas,
pela incerteza e pela mudança constante. É o que asseverou Marc Pelletier:
A complexidade e o pluralismo aos quais são confrontadas as sociedades
diferenciadas deixarão em suspenso as representações tradicionais do sistema
jurídico. A metáfora da pirâmide Kelsiana do ordenamento jurídico cederá, por isso,
o lugar a uma representação do sistema jurídico centrado sob o modelo de uma rede
entrelaçada. À verticalidade de uma ordem jurídica imposta sucederiam a
circularidade e a horizontalidade de um tecido normativo negociado, na medida em
que as considerações de eficiência das políticas públicas tendem a disputá-lo à
validade formal do direito. A fim de considerar esse fenômeno, certos autores se
propõem a recorrer a um novo conceito: a pós-modernidade.
Neste caso, não há distribuição de oportunidades iguais aos partícipes do discurso para a
demonstração das razões argumentativas para a confirmação de direitos, mas a delegação de
poderes é desigual, e no caso tributário, somente as grandes corporações são chamadas pelo Fisco, a
negociarem suas dívidas. Sendo assim, a norma perde seu valor sancionatório, mormente em
relação aos denominados “oportunistas” que podem divergir do comando legal, sempre que não lhes
sejam benéficas.
Um exemplo citado está presente na guerra fiscal dos estados, à medida que os
Executivos estaduais asseguram vantagens tributárias a grandes empresas nacionais ou
internacionais, em troca de instalação de fábricas e filiais em seus territórios. E, segundo a autora, a
redução na arrecadação é compensada pela tributação de gêneros essenciais à população, como
combustíveis, energia elétrica.
VI. Conclusão
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