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[1] Os relatos biográficos tendem a organizar eventos de forma ordenada e lógica para dar sentido à vida, ignorando a sucessão cronológica real dos acontecimentos. [2] A identidade pessoal é socialmente construída através de uma grande abstração. [3] Quanto mais formal for o relato biográfico, mais ele se aproximará de um currículo oficial e estará sujeito a coerções e censuras para manter a representação pública da vida privada.
[1] Os relatos biográficos tendem a organizar eventos de forma ordenada e lógica para dar sentido à vida, ignorando a sucessão cronológica real dos acontecimentos. [2] A identidade pessoal é socialmente construída através de uma grande abstração. [3] Quanto mais formal for o relato biográfico, mais ele se aproximará de um currículo oficial e estará sujeito a coerções e censuras para manter a representação pública da vida privada.
[1] Os relatos biográficos tendem a organizar eventos de forma ordenada e lógica para dar sentido à vida, ignorando a sucessão cronológica real dos acontecimentos. [2] A identidade pessoal é socialmente construída através de uma grande abstração. [3] Quanto mais formal for o relato biográfico, mais ele se aproximará de um currículo oficial e estará sujeito a coerções e censuras para manter a representação pública da vida privada.
O relato, seja ele biogrfico ou autobiogrfico, como o do investigado que se
entrega a um investigador, prope acontecimentos que, sem terem se desenrolado sempre em sua estrita sucesso cronolgica [...] tendem ou pretendem organizar-se em sequncias ordenadas segundo relaes inteligveis. O sujeito e o objeto da biografia (o investigador e o investigado) tm de certa forma o mesmo interesse em aceitar o postulado do sentido da existncia narrada (e, implicitamente, de qualquer existncia). Sem dvida, cabe supor que o relato autobiogrfico se baseie sempre, ou pelo menos em parte, na preocupao de dar sentido, de tornar razovel, de extrair uma lgica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistncia e uma constncia, estabelecendo relaes inteligveis, como a do efeito causa eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim constitudos em etapas de um desenvolvimento necessrio. (E provvel que esse ganno de coerncia e de necessidade esteja na origem do interesse, varivel segundo a posio e a trajetria, que os investigados tm pelo empreendimento biogrfico. Essa propenso a tornar-se o idelogo de sua prpria vida, selecionado, em funo de uma inteno global, certos acontecimentos significativos e estabelecendo entre eles conexes para lhes dar coerncia, como as que implica a sua instituio como causas, ou com mais frequncia, como fins, consta com a cumplicidade natural do bigrafo, que, a comear por suas disposies de profissional da interpretao, s pode ser levado a aceitar essa criao artificial de sentido.1 Em outras palavras. Ele s pode atestar a identidade da personalidade, como individualidade socialmente constituda, custa de uma formidvel abstrao.2 Tudo leva a crer que o relato de vida tende a aproximar-se do modelo oficial da apresentao oficial de si, carteira de identidade, ficha de estado civil, curriculum vitae, biografia oficial, bem como da filosofia da identidade que o sustenta, quanto mais nos aproximamos dos interrogatrios oficiais das investigaes oficiais cujo limite a investigao judiciria ou policial , afastando-se ao mesmo tempo das trocas ntimas 1 BOURDIEU, P. A iluso biogrfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. de M. (Orgs.). Usos e abusos da histria oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 185. 2 BOURDIEU, P. A iluso biogrfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. de M. (Orgs.). Usos e abusos da histria oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 187.
entre familiares e da lgica da confidncia que prevalece nesses mercados protegidos.
As leis que regem a produo dos discursos na relao entre um habitus e um mercado se aplicam a essa forma particular de expresso que o discurso sobre si; e o relato de vida varia, tanto em sua forma quanto em seu contedo, segundo a qualidade social do mercado no qual oferecido a prpria situao da investigao contribuiu inevitavelmente para determinar o discurso coligido. Mas o objeto desse discurso, isto , a apresentao pblica e, logo, a oficializao de uma representao privada de sua prpria vida, pblica ou privada, implica um aumento de coaes e de censuras especficas (das quais as sanes jurdicas contra as usurpaes de identidade ou o porte ilegal de condecoraes representam o limite).3 A necessidade desse desvio pela construo do espao parece to evidente quando enunciada [...] que seria difcil compreender que no se tenha imposto de imediato a todos os pesquisadores [...].4
3 BOURDIEU, P. A iluso biogrfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. de M. (Orgs.). Usos e
abusos da histria oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 189. 4 BOURDIEU, P. A iluso biogrfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. de M. (Orgs.). Usos e abusos da histria oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 191.
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