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Scientia ————Cientia Giordano Bruno a Igreja e os trinta anos que nos separam de um filme Carlos Ziller Camenietzki Daniel Oliveira de Carvalho @ FAPEMIG Semana Nacional de Ciéncia e Tecnologia FINO TRACO Titulos da série: Galileo, A vida de Galileu | MAURO LOCIO LEETAO CONDE: Galileo. A vi Madame Currie, o filme | RORSON ARAtYO Freud, além da alma | RAM MANDIL O inglés que subi a colina e desceu @ montanha: os mapas nas convengdes sobre a construcdo das objetividades nas ciéncias | MARIA MaRcARET Lopes O despertar de uma paixdo | ANNY JACKE LINE TORRES SILVEIRA, Entre o mercado e a satide piblica: opcaio pela ciéneia em 0 Informante | HRAULIO SILVA CHAVES & HUENER SILVA GoncaLvES O vento seré ta heranga.. Ciencia, evolucionismo ¢ sociedade | weciNa Moet pian Giordano Bruno, a Igreja ¢ 0s trinta anos que nos separam de um filme | cantos Z1LLER CAMENIETZKI E DANIEL OLIVEIRA DE CARVALHO Para saber mai OLIVEIRA, Bernardo Jefferson (org,). Histéria da Ciéncia no Cinema. Belo Horizonte: Fine Trago, 2005. OLIVEIRA, Bernardo Jefferson (org.). Histéria da Ciéncia no Cinema 2. Belo Horixonte: Fino Traco, 2007. . is da FIGUEIREDO, Beténia Goncalves e SILVEIRA, Anny Jacqueline Torres (org) Misra Ciéncia no Cinema 3. Belo Horizonte: Todos os direitos reservados @ Fino Traco Editora Ltda. Rua dos Cactés, 530 sala 1113 ~ Centro Belo Horizonte. ‘MC. Brasil Telefax: (31) 3212 9444 www Einotracoeditora.com.br a A Historia das ciéncias eo cinema vao as escolas 0 projeto “A Histéria das ciéncias ¢ o cinema vao as escolas” é uma contribuigdo dos integrantes do grupo de pesquisa Scientia da UFMG para a divulgagao da ciéncia no Brasil. A partir de filmes disponiveis no circuito comercial os pesquisadores do grupo elaboraram seus textos com comentirios ¢ sugestées para professores e alunos do ensino médio, bem como para o piblico interessado em tematicas relativas ao mundo das ciéncias. ‘A discussdo académica, com suas regras e normas, cede lugar a uma leitura mais descontraida, mas n&io menos rigorosa, convidando o leitor cio pelos meandros da Histéria das ciéncias. A partir das nossos autores desenvolveram seus textos para uma pass' tematicas abordadas nos filmes, ando da Histéria das ciéncias, da construgao do conhecimento, dos trati ‘m torno de determinados conjuntos técnicos ¢ tecnolégicos, das embates ¢1 aventuras da investigacao cientifica. 0 grupo Scientia & composto por professores e pesquisadores da Historia das ciéncias e de estudantes dos cursos de graduacao, mestrado e doutorado que investigam temiticas afins. Nossas pesquisas académicas abordam diversos temas relativos 4 Historia das ciéncias e A Historia da medicina e das praticas da satide. Contudo, o debate em torno da ciéncia nao se restringe aos que produzem t6rios e gabinetes e aos que refletem sobre a as pesquisas nos seus laborat cada historia desta produgdo. A sociedade de um modo geral demonstra, vez mais, o interesse em debater, compreender e participar das discussées ndo apenas em torno da producio e do impacto da ciéncia nos dias atuais, mas também de sua compreensiio histérica. Scientia www.ufmg.briscientia Giordano Bruno, a Igreja e os trinta anos que nos separam de um filme. Carlos Ziller Camenietzki Daniel Oliveira de Carvalho feira pela manhi foi queimado vivo aquele louco frade Na dltima sexta dominicano de Nola, do qual jé se escreveu nas noticias passadas. Herético contumaz que, por capricho seu, formulou diversos dogmas contra a noss: particularmente contra a Santissima Virgem e os Santos, quis obstinadamente morrer naqueles seus erros 0 celerado. Dizia que morria mértir e seguro de si, que sua alma seria elevada pelo fogo até 0 paraiso, Porém, agora se pode constatar se ele dizia a verdade ou ndo. (Noticia de Roma, 19 de fevereiro de 1600) Ainda hoje, no dia 17 de fevereiro de cada ano, retinem-se no Campo dei Fiori em Roma ativistas de orientagées politicas e de motivag6es varia- das. Talvez 0 tinico ponto em comum entre essas pessoas seja a lembranga daquele cuja estétua adorna o centro da praca: Giordano Bruno, o filésofo da segunda metade do século XVI, queimado vivo ali mesmo por determi- nagaio do Santo Oficio em 1600, ano de jubileu na cidade dos Papas. Entre os participantes da tradicional manifestagdo encontram-se sindicalistas, republicanos, comunistas, anarquistas, anticlericais de diversos matizes, estudiosos de filosofia, etc. Em dias ordinarios do ano, o lugar acolhe animada feira onde os vizi- nhos vao abastecer seus lares. Os moradores dos arredores e os passantes Cerlamente sabem que a soturna figura de bronze, ocupante do ponto cen- wal do Campo dei Fiori, representa o filésofo condenado pela Inquisi¢ao @ $ TRINTA ANOS QUE NOS SI GIORDANO BRUNO, ATGREIA F PARAM DE UM FILME ¢ executado naquele mesmo lugar em um tempo distante. Contudo, nos “Jase coméreio, ninguém parece se preocupar com o destino daquele hhomem e com o significado de seu martirio, Fiano, ao lado de Galileu, mais que um fildsofo cujo pensamento foi importante referéneia para as geracdes sucessivas, € uma figura via Itilia laica em conflito com a Igreja, ha mais de tras séculos, ador original, ative polemista do seu préprio tempo, ao longo dos éculos, ele foi transformado em simbolo da luta pela liberdade de reflexio filoséfica e pela laicizagao da vida cultural. Entre os séculos XIX e XX, o nolano chegou a ser cultuado como martir do mundo mo- cacrificado em nome de suas ideias por uma Igreja retrégrada mit De pen derno, e obscurantista. Na segunda metade do século passado, diversos estudiosos se de- brugaram sobre os livros de Bruno procurando interpretar suas ideias e encontrar 0 nexo entre o seu pensamento e a fortuna critica de sua obra. E claro, muito se escreveu sobre 0 proceso na Inquisigao e seu tragico desfecho. Todo este esforgo rendeu ao século XXI uma imagem do pensador de Nola bem mais complexa do que aquela construida cem anos antes. Rendeu também uma reflexio bem mais abrangente sobre os principais pontos de seu processo e sobre a condicao dos “filésofos” nas cortes ¢ na diplomacia europeia do periodo. ‘Além de ser personagem presente em estudos de especialistas, ou em trabalhos sobre a Histéria da Filosofia, ou ainda sobre as relacées entre a Igreja e a ciéncia, Bruno é evocado em outros produtos culturais destinados a piblico mais abrangente. Este é 0 caso do filme Giordano Bruno de Giuliano Montaldo, lancado na Italia em 1973, matéria de base para a presente reflexo. Antes de prosseguirmos, é importante alertar para 0 despropésito de inquirir a obra cinematografica acerca de sua eficacia em apresentar a “verdadeira” histéria do proceso ¢ da execugaio de Giordano Bruno. Reconhe¢amos, de uma vez por todas, que a insisténcia de alguns historia- dores em policiar a competéncia do cinema em retratar tempos passados vem sendo, além de descabida, infrutifera. Os cineastas, necessariamente, tém objetivos descolados daqueles da pratica historiogrifica. Mesmo que. muitas vezes, busquem 0 auxilio da produgao histérica para compor sua Tepresentagio, esta perderia muitas de suas qualidades se tivesse como fim iltimo uma reproducdo verossimil do passado. Bem mais produtivo ¢ ve inthe inal as a pelas quais foi importante para um grupo final da vids dese ianos, em 1973, realizar um longa-metragem sobre o inal da vida deste filésofc quais temas o filme mobiliza? Sobre 0 qué faz & o ai 108 ZILLER CAMENIETZKI | DANIEL OLIVEIRA DE CARVALHO cat sensar? Qual asa aside, no comero do sul XXI, mais de trint satel nos apos seu langamentor Logo nog primeiros minutos do filme, nas falas de Giordano Bruno ede seu parceiro a propésito da procissio celebrada em honra da vitoria dos venezianos sobre os turcos em Lepanto (1571), a Igreja Catélica é apresentada como coisa violenta, empreendedora de guerras 5 ngui- nolentas, que despreza aqueles que constituem as bases dos exércitos cristios, reservando as glorias ¢ os beneficios apenas aos comandantes ¢ aos ricos. Gian Maria Volonté interpreta um Giordano Bruno sarcastico, hedo- nista, um libertino que, talvez, seu tempo tenha desconhecido. Persua- sivo, sedutor, 0 filésofo paira acima das mediocridades ¢ mesquinharias da sociedade veneziana, ¢ diz, com todas as Letras, desprezar todos os membros da Igreja. Na festa oferecida por Andréa Morosini, importante politico da Serenissima Repiblica, Bruno paira com seus pensamentos sobre a agitagdo e a misica daquilo que foi apresentado como 0 “baile dos cornos”, onde as mulheres escolhiam os parceiros e, mais tarde. anunciavam seus feitos aos maridos - trecho que carrega um gosto todo especial, lembrada a passagem do Manifesto Comunista de Marx sobre a moral burguesa. Nos dialogos que trava com seu parceiro pelas ruas de Veneza e com “protetor” que o acolhera, ele se mostra descrente. inatingivel pelas doutrinas e dogmas do Vaticano. Nestes momentos, 0 filme consegue uma excelente formula para expor fragmentos da filosofia de Bruno. Com seu parceiro ¢ em meio a populares, Bruno expde suas ideias sobre a corres- pondéncia universal entre as coisas do mundo. A seu mecenas. ele apre- senta uma breve exposicio sobre o infinito e a pluralidade dos mundos. Mocenigo, patricio veneziano e rico comerciante. se revela mais ambicioso ¢ desejoso de conhecer o futuro e de dominar a mente alheia que interessado propriamente nos problemas de filosofia, e ainda se vé cbrigado a ouvir do fildsofo que todos os homens sio iguais posto que iluminados pelo mesmo ‘ol da verdade ¢ que todos tém o direito a erguer a cabega. Ironicamente, Giordano Bruno alerta seu mecenas sobre a proibi¢ao ecles relacio ao cnvolvimento com magia, cujo desrespeito acarretava graves Punigdes. So exatamente 0s piores defeitos deste personagem que o fazem denunciar Bruno a Inquisi¢io veneziana e, as sera concluido em Roma. A ambicdo e a corrupgae que inundam aquela sociedade, im, iniciar 0 processo que éneia determinam o entrangamento do processo inquisitorial sofrido pelo filésofo. A politica mais de que comprometida dos senadores ¢ eclesidsticos venezianos transportam Giordano Bruno . a cada secu SS CHORDANO BRUNO, A IGREIA E OS TRINTA ANOS QUE NOS SEPATIAM DE. UM Fit gidez do Tribunal romano: a coergao ¢ as falsas promessas para a rij seus companheiros de cela importantes pecas p, cas na absolvigdo fazem dos sua condenagao. Desenvolvida numa estrutura concisa, a linguagem empreendida pelo diretor do filme, Giuliano Montaldo, volta-se para ambientar Giordano Bruno sob a égide de uma Igreja de poderes desmedidos, de influéncia decisiva e nociva aquela sociedade. Em cendrios quase sempre pouco iluminados, sombrios muitas vezes, a camera acompanha os personagens por longos corredores, claustrofébicas celas e magnificos sales e igrejas, A arquitetura suntuosa desses cenarios (quase que exatamente os mesmos nos quais ocorreram os eventos histéricos narrados), somada a direcao de fotografia de Vittorio Storaro, que prima por valorizar um alto contraste entre luz e sombras oscilantes, coloca-os sempre na posigao de oprimidos pela violencia e majestade da Igreja Catdlica; mesmo os seus cardeais, mesmo o Papa. A mitsica composta por um grande mestre, Enio Morricone, completa o tom de tragédia que Giordano Bruno evoca. A cada novo passo vivido pelo personagem principal em seu processo, a cada vez que mais se enterra na trama de seus perseguidores, a misica intensa e dramatica composta por Morricone preenche o ambiente, serve de pano de fundo para os discursos e devaneios do filésofo, cada vez mais desorganizados e confusos. No desenrolar da trama, tal linguagem se consolida. Durante os inter- rogatorios, a camera passeia por longos planos, onde os olhares ¢ interven- ges dos inquisidores so marcados. A disposicdo ¢ a movimentagio teatral dos atores intensificam o ar de injustiga e de encurralamento progressivo que atravessa o filme. Sufocado por este poder que Ihe tira a liberdade e, ao final, a propria vida, Bruno mostra-se vertical, incorruptivel; suas conviccées se mantém e se fortalecem. A violéncia e a incompreensao com que a Igreja lida com seu caso, por sua vez, se intensificam. Ele se torna martir. Discutir o pensamento de Giordano Bruno a partir desta obra empre- sa inécula, sem sefitido. Suas mais importantes teorias sobre o mundo sio parcamente analisadas; elas aparecem apenas em fragmentos a0 longo da narrativa, Assim como os inquisidores que o filésofo recrimina, Giuliano Montaldo recolhe algumas amostras pouco claras da filosofia de Bruno ¢ as espalha a esmo pelo filme. 0 diretor no queria discutirfilosofia. Ae contrario, ao longo do filme, toda a controvérsia travada pelos membros do mais alto clero veneziano e romanio & de ordem politica. A conden (Ao de Bruno é debatida em termos de seu impacto sobre a estabilidade politica da Igreja, num periodo em que ela “enfrenta graves problemas ‘a 8 ne CARLOS ZILLER CAMENIETZK1 | DANIEL OLIVEIRA DE CARVALHO eesti perturbada”, nas palavras de Clemente VII. As monarquias se fortaleciam por toda Europa e se distanciavam suce: tiea, apoiando novas confissdes cris vamente da tutela e enfrentando militarmente s ao Vaticano. A época em que se passa a acdo é aquela ecles forgas aliada de maior tensio entre os grande talve 5, potentados europeus, quas vésperas da mais ter rivel guerra que o Velho Mundo conheceu até entdo, a Guerra dos Trinta Anos. Montaldo, no conjunto de seu filme, deu de sagio a Bruno que o vinewlavam & Das proposigdes colhidas no atengdes em apenas dua: aque aos itens da acu- teses e 4 diplomacia protestante. umirio do processo, o diretor concentrou ter estado em terra protestante, vivendo as custas del ter escrito o livro Spaccio della bestia trionfante contra o Papa”!. Ou seja, para Montaldo, o aspecto do processo de Bruno que mais interessa é aquele que o vé como diplomata irenista, como com- batente do poder papal sobre os Estados da Europa. E exatamente esta escolha que tem impacto no piblico. E a interrogagio desta opgio do director parece ser 0 que mais ¢ melhor pode movimentar quem busca refletir sobre esta obra. Giuliano Montaldo e 0 grupo realizador de Giordano Bruno pertenciam auma tradigio bastante especffica do cinema italiano. Herdeiros jé um tanto distantes do neo-realismo de Roberto Rosselini e Vittorio de Sica, porque j4 nao atrelados rigidamente aos padrdes de produgao e direcao ipulados por aquele movimento, eles, porém, normalmente mantiveram- se associados a projetos de carater politico acentuado ¢ explicito. Trata-se de uma filmografia que buscava refletir sobre a condi¢io-do.operariado italiano, naquele inicio dos anos setenta, as portas de grandes transforma- goes. Gian Maria Volonté (que interpreta o filésofo), quase que ator fetiche do grupo, expressa-se de forma bastante clara: “ser ator 6 uma questo de escolha que se coloca antes de tudo a nivel essencial: ou se exprime as suas * As quatorze acusagbes sfo as seguintes: 1) Negar a transubstanciagdo: 2) duvidar da virgindade de Maria: 3) ter estado em terra protestante, vivendo as custas dela: 4) ter escrito 0 livro Spaccio della bestia trionfante contra o Papa: 5) defender a existéncia de mundos inumeraveis e eternos; 6) Afirmar a metempsicose ¢ a possibilidade de ue apenas uma alma informe dois corpos: 7) Defender que 2 magia é bea ¢ liita: 8) idemtificar o Espirito Santo alma do mundo: 9) afirmar que Moisés simulow os seus milagres ¢ inventou a Lei; 10) declara que a Sagrada Escritura é apenas On sonho; 11) sustentar que alé os deménios se salvardo: 12) opinar a existéneis dos is é s engana e mago e que preadamitas; 13) afirmar que 0 Cristo nao é Deus, mas um enganador ¢ mago © que profetas ¢ os apéstolos foram mages ¢ foi morto justamente; 14) afirmar que até o que quase todos acabaram muito mal. FD p mrtino, A IGREJA EOS TRINTA ANOS QUE NOS SEPARAM DE UM Pitan, GIORDANO BRUNO. A 1G! estruturas conservadoras da sociedade e nos couemanig em ser robés nas mios do poder, ou nos voltamos para os componentes progressis “dade”? 2 ee parte, os filmes de Montaldo buseam exatamente este engajamento. Seja com Giordano Bruno ou com Gott mis uns, de 1969, o4 ainda com Sacco e Vanzett, de 1971, 0 Angulo particular adotado pela camera sempre é aquele das classes populares italianas, de seus conias ¢ realizagbes. Nao se trata aqui de uma produgao artistica engajada na linha do Partido Comunista Italiano, como deixa claramente perceber a declaragdo final de Bruno diante de seus inquisidores: “que erro 0 meu, que ingenuidade, pretender que 0 poder pudesse transformar 0 préprio poder”, o que foi ténica da critica de parte da esquerda italiana ao velho PCI, Para os grupos politicos que estavam associados ao mesmo programa de Montaldo e Volonté, a aflicao em transformar a sociedade esta na iminén- cia de entrar, ou jé esta engajada, na acdo direta, com conseqiiéncias por demais conhecidas, Nao deixa de chamar atengio a ilusdo de se imaginar uma grande penetragao desse idedrio na sociedade, tal e qual o engano de um jovem frade que, no filme, visita Bruno nos seus itltimos momentos de carcere ¢ lhe diz: “suas ideias correm o mundo, sao discutidas em toda parte por estudantes, trabalhadores ¢ camponeses”. Ou quando vemos a Igreja, através dos argumentos tecidos pelo Cardeal Sartori, interpretado por Hans-Christian Blech, preocupada em utilizar todo o seu poder para deter mais esse foco de instabilidade, com receio de que o povo resolvesse “decidir tudo por si”. as Mas, apresentar essa versio do martirio de Bruno nos conturbados anos setenta italianos, nao é coisa que fale das condigées do operariado. Isto se refere diretamente ao quase eterno problema do Estado italiano: a Tgreja. Com isso, a andlise do filme Giordano Bruno ganha outras pt0- Porgdes ¢ o didlogo entre o filésofo ¢ o Cardeal Bellarmino, interpretado Por Mark Burns, torna-se o momento central da narrativa, ( jesuita, depois Cardeal ¢ finalmente Santo, Roberto Bellarmino notabilizow-se em sua vida pelo enfrentamento da discérdia teolégica, doutrinaria € Politica entre os Estados europeus ¢ 0 Vaticano, Suas obras de conlr0- “trsia foram muito lidas ¢ difundidas. Elas primavam pelo esforco de SrAwadramento dos dissidentes da Inglaterra, do Império (Alemanba). da Franca e da propria Itdlia cle foi personagem de proa entre Veneza e 9 Vaticano a ww wilportoritrovate : no — poucos anos depois da morte de Bru ‘as de fato nas no conflito que quase chegou As ra . x, istic e 4 propésito da isengao eclesidstica em ter nev/html/montaldo, html cqntLos ZILLER CAMENIETZKI | DANIEL OLIVEIRA DE CARVALHO sredigto civil, episédio conbecido como “Interdetto di pellarmino. de Fate, foi instrutor do proceso na sua fase final. Embora 0 conteiido do didlogo apresentado por Montaldo, entre o eo acusado numa sala da Basilica de Sao Pedr. sja pouco ele & bastante revelador do sentido geral da obra. Ali hem acima do altar, os dois personagens discutem justamente a importancia iriea da Igreja. Bruno, com argumentos colhidos em suas estadias em ersos reinos europeus, responsabiliza o Vaticano pela crise que via alastrar-se pelo continente. A mesma intolerancia e a mesma truculéncia ' neo levavam para a fogueira vinham cavando os sulcos mais profundos gue diviiram a cristandade. O Cardeal, mostrando uma perfeita cons | ncia quanto ao carater da atuaco da Igreja que, de certo, modo reforga jp discurso do pensador nolano, defende, porém, o seu papel, sua politica i sua ortodosia, Para além do que nos dizem Bruno e Bellarmino naquele | diilogo. ¢ Montaldo quem afirma que a Igreja se havia transformado em | um mecanismo corrupto e violento de autopreservagio, numa instituigzio castradora da liberdade dos homens, numa organizagéo que inviabilizava 0 desenvolvimento humano pelo seu conservadorismo e poder desmedido. A Iereja que o diretor critica é, inclusive, mais poderosa que seus dirigentes. O filme mostra um Clemente VIII de boas intengSes e avesso & condenacao de Giordano Bruno, mas impossibilitado de exercer influéncia positiva no rumo dos acontecimentos, mais pelo carater do poder de que dispunha do que pela teimosia do filésofo: a complexidade e a magnitude da instituigao que liderava acabaram por submeter seu dirigente maximo. 0 exercicio politico da Igreja, sua interveng3o na sociedade, torna-se, pela lente de Vittorio Storaro, numa influéncia sombria e sufecante. Giordano Bruno torna-se 0 homem que, num determinado momento, lutou por um mundo mais livre ¢ igualitario. Inevitavel perceber 0 tipo de critica que Giuliano Montaldo desfere sobre a Igreja de seu tempo. A historia, para o diretor, é contada nao apenas para nos oferecer uma reflexao sobre o passado. Ela é¢ metafora do presente. A Tgreja que Montaldo critica tio asperamente é aquela tridentina, a Igreja das fogueiras do século XVII, que desaparecera havia muito quando ele filmava Giordano Bruno. A tutela intelectual sobre a socie- dade e sua producao cultural, ainda que fosse tao eficiente ¢ opressora quanto deixa a entender a obra, fora desmontada desde meados do século XVIIL © diretor trata da esmagadora tutela da Igreja Catélica sobre a , Sociedade italiana, nos anos em que a Democracia Crist domina a cena Poltiga. num tenipo'em que a principal alternativa a ela é o PCL, que nao x 5 hey is Venezia”, de it ezia”, inquisidor csimil yer! GIORDANO BRUNO, \IGREIA EOS TIINTA ANOS QUE NOS SEPARAM DE UM FUME la. O diseurso revoluciondvio do personagem Giordano perfeitamente para este tempo, o que cle nao caberia ¢ nem teria condigdes de ecoar no longinquo séeulo XVI. A titulo de exemplo, agitagio apresentada numa aula ministrada Jo filésolo na Sorbonne, que num dado momento vemos através das Jembrancas do personagem, s6 pode ter sentido nos agitados anos 60/70 do século XX. Na ocasidio, Bruno tratava da construgao de wm homem 1 € que 0 pensamento era livre e consegue super Bruno se volta © se encai pe novo, sustentava que Deus era matér a Universidade deveria estar aberta a todos! Bem facil identificar af o sJeo dos protestos niversitérios daquela mesma Universidade, que uma gravissima erise politica que se alastrou por n servin de estopim de todo o Velho Mundo a partir de maio de 1968. ia como manifesto pela liberdade s do nosso tempo F, se o filme manteve sua vigéne de pensamento, cabe indagar quais caracterist 5 do século XXL, que poderiam fornecer amparo ao que vem termos de ideias ¢ de sentimentos. Ora, 0 cabou-se. Os ecos de 68 se ativistas desapareceram ou que a realidade vivido, inicio Giordano Bruno mobili mundo para o qual a pelicula foi filmada transformaram em rumores, seus principa tiveram seu ardor arrefecido pelos intimeros choqu faram muito 0 ideario, A Democracia Crista e la nova dinamica da politica Thes deu, ou ainda mud » opositor foram tragados pel. protagonizaram os conflitos do ano de lanca- ivem as mesmas tensées. A propria Igreja, a0 nao se assusta ou vibra com sen vigoros aliana, As nagdes que mento da obra ja no v final do pontificado de Joao Paulo II, jé ‘os temas que a faziam tremer nos anos setenta. grande problema da liberdade de pensamento ¢ de expresso vem se colocando mais como ‘a 0 “outro” (para o isl, para a China, ete.) do que como questao pa matéria do Ocidente. No que diz respeito a temas ligados de alguma maneira a ciéncia, tas opgdes do século XX acabaram por se impor de modo avassalador. ‘A ideia do sabio inovador que, por seu poder criativo, inventa e desen- yolve novas teorias, embora ainda permanega no horizonte public: na pratica cientifica, transformou-se em elemento quase que folclérico. As modalidades da pesquisa cientifica se aproximam cada vez mais das grandes obras coletivas reunindo, as vezes, centenas de pesquisadores. Com isso, a nogiio de “homem de ciéncia” — interessado apenas na busca da verdade - desaparece para dar lugar a grandes equipes que pesquisam temas e coisas capazes de oferecer resultados aplicdveis a curto ou a médio prazo, ou ainda capazes de desenvolver tecnologias conversiveis a industria, CAMLOSZILLER CAMEMIETZK1 | DANIEL OLIVEIRA DE CARVALHO Neste quadro, em qué os temas prépric mobilizar 0 presente? Em primeiro lugar, é claro, figura a questo das relacdy Igreja © Estados. Mas este tema 6 daqueles que dade apenas em confronto com sociedades orientai Ocidente cristo, o tema da laicizacao do Estado, salvo por questdes que, no confront com as passadas. mais se assemelham a resi eliminados lentamente do que a problemas reais ¢ urgentes seria importante debrugar-se. Por outro lado, o problema das conquistas da ciéncia em confronto com o olhar moralizador da lgreja aparece como grande campo de tem. sies. E claro que a tutela sobre a sociedade. tao firmemente exercida pela instituigao na época tridentina e to firmemente rejeitada na época ultramontana, ja no mais tem sentido, Contudo. empurrada para o e: paco da opinido. a Igreja nao deixa de travar seus combates doutrinarios e politicos. Os proprios temas sobre os quais caem o olhar dos teélogos jdndo mais versam sobre a eternidade ou a multiplicidade dos mundo: agora, fala-se principalmente de bioética, de clonagem. de manipulacdo genética. Neste ponto, observada a posicdo do Vaticano e os modos com que ela vem sendo debatida, nos defrontamos mais com um porta-voz de uma quantidade enorme de pessoas, um grande “partido” que disputa seu ponto de vista, do que com um paderoso tutor que busca impor a homens sua moralidade, seus dogmas e sua politica. Como nao poderia deixar de ser, dada a prépria natureza da Instituig&o, sua postura esta baseada em argumentos de fundo dogmitico ¢ doutrinario. Os demais agentes em disputa. no presente. no mais sio forcas em busca de uma nova filosofia, uma nova politica, um novo Estado. No inicio do século XX1, bradam os cientistas em nome do avango da ciéncia, anima-se a industria farmacéutica com as possibilidades que se anunciam, entusiasmam-se todos com a esperanga de ver diminuid 0s sofrimentos dos doentes. Agora temos diante dos olhos nao mais uma discussio sobre ameacas & ortodoxia da exegese biblica. 0 incémode gerado por este debate recai sobre perguntas: quais subprodutos podemos esperar do avanco destas tecnologias? Quais novas Hiroshimas teremos alamentar no futuro? A tensio agora est assentada sobre temas muito mais ° Trata-se da propria definigdo da prépria ideia, de “homem” que ents jogo. Nesta questo, a pauta de Montaldo parece ter fieade muni pe muito mais distante que os trinta anos que nos separam Cs ea exibigio de Giordano Bruno, De fato, superada sua tematica, o Aline nes 5 s da obra de Montaldo podem es entre a presentam atuali- Nao mais cabe, no luos a serem sobre quais complexes. GIORDANO BRUNO, A IGREJA E OS TRINTA ANOS QUE NOS SEPARAM DE UM FILME assemelha a um belo registro das inquietagées dos anos 60 e 70 do século passado. Mas ao terminar de vé-lo, nao deixamos de nos afligir com 0 martirio do filésofo irrequieto que falava da multiplicidade dos mundos e do universo infinito, e nao deixamos também de nos perguntar sobre o destino desse Ocidente cada vez mais confiante em seu futuro, ig Ficha técnica do filme Crorpaxo Bruxo Titulo original: Giordano Bruno, 1973 Duracdo: 123 minutos iovanni Anchisi, Lucio De Caro e Giuliano Montaldo Morricone Taro Elenco: Gian Maria Volonté (Giordano Bruno) Charlotte Ramplin (Fosca) Hans Christian Blech (Sartori) Mathieu Carriére (Orsini) Mark Burns (Bellarmino) Massimo Foschi (Frei Celestino) Giuseppe Maffioli (Arsenalotto) Renato Scarpa (Frei Tragagliolo)

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