Natureza e Adaptacao
0 lado escondido da virtude
Jo&o Miguel Cunha
2014
Jeaommcunha@email.com
http: //joaommcunha. wix.com/paginapessoal
«Natureza
esséncia dos seres;
propriedade e cardcter de cada coi
‘qualidades, esséncia, ou modo de ser das coisas e das pessoas.»
Todos as espécies de seres vivos tém diferencas naquilo que se pode considerar ser na
esséncia a sua natureza geral. O leao, tem na sua natureza viver sobretudo em climas
quente, proteger o seu territério, relacionar-se com a procriacéo de determinada
forma, cacar e gerir comportamento em grupos a sua maneira, etc. A natureza do
esquilo, € diferente, mesmo reconhecendo-the todas as semelhancas possiveis.
Também nés, humanos, temos a nossa natureza geral prépria, mesmo reconhecendo
todas as semethancas possiveis com as de outros animais.
No entanto, ha uma dimensao dessa natureza, que passa a linha da espécie e se
coloca exclusivamente na linha do individu. Em nés, humanos isso é claramente
visivel. HA quem goste mais de praia, quem goste mais do campo, quem goste mais de
rock, quem goste mais de fado. Estas diferencas de gostos representam diferencas de
formas de se ser na individualidade. E é nessas formas de se ser individuos que
sentimos encontrar ou contrariar 0 nosso sentido de vida.
Paralelamente, os nossos mecanismos mentais, permitem-nos potencializar a
capacidade de nos adaptarmos, ou seja, de conseguirmos uma modelacao as
condigées onde estamos, independentemente da nossa individualidade primaria
natural.
Ao sermos seres inteligentes, a nossa capacidade de adaptacao é muito elevada, mas
ao fazermos esforgos adaptativos, suprimimos muitas vezes a nossa natureza
individual. As consequéncias sao em alguns casos vistas em formas de sintomas
psicopatolégicos, por exemplo: ansiedade, depressio, irritacao, frustragao etc.Pode-se alegar que o conflito, quando é manifesto, entre adaptacéo e natureza
individual, € uma questao resolvida por aprendizagem ou condicionamento, mas
parece ser um pouco mais do que isso. De facto, aprendizagem e condicionamento,
séo as manobras adaptativas cuja capacidade de nos fazerem sentir mais equilibrados,
nos fazem vé-las como factores positives. A adaptagao ¢ de facto reconhecida como
uma virtude. Mas nao teré essa virtude um lado escondido?
Para esta pergunta, dois exemplos ficticios e metaféricos:
Exemplo 1: Ao ver um leao no circo, testermunha-se a capacidade de adaptagao. Essa
capacidade permite-the adaptar-se ao ponto de contrariar um conjunto de
comportamentos que em estado selvagem/natural teria. E esse esforco adaptativo
contrario a existéncia interna natural do leo que faz dele a estrela do circo: “podia
comer 0 tratador, mas reparem como ele enfia a sua cabeca dentro da boca do ledo”
Seja por medo, condicionamento ou qualquer outro factor, ha aparentemente, no
leo, um exercicio de alteracao de si mesmo para se moldar a determinadas
condigées.
Por vezes, um acontecimento quebra a magia, 0 ledo, demonstra ao tratador que as
garras no servem, na sua natureza, para o numero do “da ca cinco”. Cada vez que
um ledo de circo mostra a utilidade das suas garras e ataca o tratador que na verdade
6 um operador de condicionamentos, gera-se o horror. Os fas do circo ficam chocados,
0s outros tratadores incrédulos. Curiosamente gera-se o espanto perante o fenémeno
mais natural. Quando o natural acontece, reage-se como se as regras tivessem sido
quebradas. Aparentemente, a adaptacao e 0 condicionamento sao 0 caminho
esperado, e seguir o mais original de si mesmo é vivenciado como desvio.
A tensao entre o esforco do comportamento adaptativo e a consequente supressao do
comportamento natural do leao, gerou um estado de “rebentamento”. Foi o sinal
Gltimo de sintomas (usando termos j4 banais e vazios de significado) de stress,
ansiedade, depresséo, etc.. Néo sendo facilmente reconhecidos no leéo, sem
dificuldade os reconhecemos em nés préprios.
Mas este exemplo nao trata de stress, nem dos outros sintomas. Nao se confunda as
consequéncias com as causas, nem estas com os sintomas. Trata de algo um pouco
mais metafisico: do sentido individual da vida prépria.
Exemplo 2: A “Diana” sente que gosta de praia mas vive na montanha. £ uma pessoaequilibrada, sem problemas pessoais. Na sua mente, o gostar de praia é “arrumado”
num género de pensamento como: “gosto, mas fica para as férias”. Por outro lado,
olha para a montanha onde esté, e vive-a como aprendeu a vivé-la, como se
condicionou a vivé-la para nao se deixar perturbar com a ideia de “aio de vida a
minha porque gosto é de praia e vivo aqui.” A “Diana” adaptou-se, faz ski e gosta,
aprecia tudo 0 que de bom a montanha tem. A “Diana” racionalizou a sua vida ao
Ponto de ser capaz de dizer porque gosta de ali viver, ou seja, construir ela propria os
seus motivos de bem estar. Esta é a grande virtude da adaptagao: 0 nosso bem estar
depender de nés. A “Diana” é um caso de sucesso, fez ela propria um trabalho
interno de adaptacao que the permite viver bem.
Um dia a Diana vai 4 praia e sente-se invadida por um bem estar que nao é capaz de
explicar, é magico, é dominador dela prépria. Sente que a vida dela esta em sintonia
com aquele sitio, sente que ali tudo faz sentido, sente pertencer ali. Se the
perguntarem porqué, ela nao sabe responder. E esta a diferenca entre estarmos
adaptados ou estarmos em sintonia com a nossa individualidade, com a nossa
esséncia, com a nossa exclusiva natureza. Naquele momento, para a Diana, nao foi
preciso pensar, racionalizar, perceber ou procurar. Simplesmente, de forma
automatica, sentiu.
Numa ia 4 praia a Diana encontrou o sentido da sua vida? Nao. Mas sentiu que
naquelas circunstancias, viver a sua vida faz sentido sem esforco de gestdo de conflito
interno.
‘Ao contrario do leo, a Diana nunca “rebentou”, mas de forma diferente também
teve uma manifestacdo do conflito interno entre a sua natureza individual e o seu
trabalho de adaptacao.
A capacidade de adaptacao é fantéstica, permite-nos viver com bem estar
independentemente das circunstancias. Permite-nos encontrar formas de ser e estar,
capazes de aceitar a nossa vida e existéncia com sentido. Mas nao devemos fazer da
adaptacao uma virtude maior do que o seguirmos a nossa natureza. Ela é um
instrumento mental ao servico da nossa vida, néo um objectivo final, so desvios
por vezes necessarios, mas nao 0 caminho central.
Talvez 0 sentido da vida seja simplesmente a vida fazer sentido quando a sentimos
sintonizada com a nossa natureza. Talvez essa sintonia se atinja pela possibilidade da
autocompreensao nos dar uma perspectiva da nossa esséncia individual, e sermos
capazes de a fazer corresponder aquilo que é a nossa vida, dentro dos limites dasua realidade.