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A DESMATERIALIZACAO DA MOEDA (NOTA SOBRE O PASSADO E O FUTURO DO DINHEIRO) José RENATO GONGALVES (*) SumArio: 1. Economia de troca e economia monetdria; 2, Moeda «mercadoria» e predomi- nio dos metais; 3. Moeda «fiducidria»; 4. Moeda «escrituraly ou «bancérian; 5. Moeda «central» e moeda «descentralizada»; 6. Moeda «clectrnica» («e-money», «ciberdinheiro»); 7. A caminho de uma completa desmaterializagio da moeda? Ao longo da histéria confundiu-se a moeda com a sua substancia, Mesmo apés 0 abandono da convertibilidade, quando a «moeda-papel> deu lugar ao «papel-moeda», manteve-se a referéncia expressa, se bem que inexacta, a um determinado «peso» em metal precios. Sabia-se, como hoje se sabe, que os bancos emissores possufam (e ainda continuam a possuir, conjuntamente com divisas) quantidades aprecidveis de reservas em ouro, ou em prata, como «garan- tia» ou «cobertura» das notas impressas e postas a circular. Recentemente, com 0 desenvolvimento e generalizago das novas tecno- logias da informagio e da comunicacio e de novos instrumentos de pagamento — dos cartées de plastico aos telefones méveis e outras unidades de transmis- so de dados — acelerou-se a evolugiio, aparentemente irreversfvel, no sentido de uma completa abstracio monetiria. Embora 0 fracasso de algumas «moedas» electronicas pioneiras indicie que as potencialidades de criagdo de meios complementares ou alternativos de paga- mento tém sido exageradas, nfo deveriio ser subestimadas as consequéncias de uma eventual erosio da moeda legal, decorrentes dos avangos tecnolégicos e da fragmentagdo em redes dos sistemas monetérios. E dessa evolugdo, ctescentemente «desmaterializadora» da moeda, que trata © presente texto (1). (*) Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. (+) esta forma presta-se a mais sentida homenagem ao Professor Doutor ANTONIO DE Sousa FRANCO, um dos mais ilustres Professores da Faculdade de Direito da Universidade de Hisboa e da Universidade Cat6lica Portuguesa, que vimos desaparecer de modo tdo brutal quanto 1. ECONOMIA DE TROCA E ECONOMIA MONETARIA A necessidade de utilizar moeda dificilmente se concebe numa rom Ge auto-subsisténcia, do tipo formulado por Deroz em Robinson Crusoe, numa economia de mera autoproducao, ou até numa economia dominial seus em que as caréncias humanas sio directamente satisfeitas pela ees i um grupo restrito sob a direcgdo de uma tinica Lonmin A necessidade de moeda surge exclusivamente nas economias de troca (*). i A moeda encontra-se estreitamente ligada a divisdo do trabalho. Nao por- que constitua causa desta, mas por se condicionarem e pressuporem recipro mente. Numa economia de troca directa ndo encontramos ainda uma feira com numerosos agentes a vender uma multiplicidade de bens. A especializacio do trabalho e 0 comércio sé se desenvolvem significativamente com trocas mais faci- litadas. Cedo se percebeu que a utilizag3o da moeda nfo s6 favorece as tran- saeg6es, a0 afastar os obstéculos do escambo, como permite comparar o valor telativo dos bens ¢ constituir poupangas (3). ‘Siio raros os individuos que produzem grande parte dos bens que consomem. Por isso, © niimero total de trocas que todos os dias se realizam cresce impara- velmente. A hipotética conformagao da modema divisio do trabalho com o inesperado © que se recorda por tudo 0 que soube oferecer aos que tiveram privilégio de com ele conviver ou trabalhar. Perdurario certamente indeléveis todas as ocasides em que mais de perto $e teve oportunidade de com ele colaborar e de receber 0 seu conselho, sempre sibio e avicade = Patticulamente nas sess6es de Direito Financeiro ¢ de Direito Internacional Econdmico, no Curse de Mestrado em Direito, vertente de Ciéncias Juridico-Econémicas, no ano lectivo de 1991-1992, da Faculdade de Direito da Universidade Lisboa, e no deeurso da preparagdo da dissertacio de Mes. ‘ado, que amavelmente aceitou orientar. {© _Mesmo nas economias de troca, a moeda poderia ser, porventura, dispensével, porque Sante Produzidos por alguém e consumidos por outrem so susceptiveis de troca direcia. pro. dito conta produto, Chi: L. Wute, The Theory of Monetary Institutions, Malden, 1999, pigs. 9 € se8s C. KINDLERERGER, A Financial History of Western Europe, 2 ed,, Nova Torque, 1993, re Nencae i: Stasi. Philosophie de U'Argent, trad, Paris, 1987, pégs. 21 ¢ seuss P. Tenn, Fon Mémoire des Monnaies Européennes du Denier & I'Euro, Pais, 1999, pigs. 2 ¢ segs.; P. Soa- Fete Economia Poltica, Coimbra, 1991, pégs. 521 e segs: Toes! N. Ponieee «Moc F priclopédia Verbo Luso-Brasieira de Cultura, ed. Sé. XXI, 20, Lisboa. 2001, eghe see segs: P.Pirta & Custis, A Moeda e a Politica Mo Imernacional, Lis. a, 1970; A. AVELAS NUNES, Relatério apresentado na Fo iret iversidade de Coimbra no ambito das provas destinadar a obterg EO ae © SeBS.; ANSELMO DE ANDRADE, Evolugdo da ©) Escreve Arisroreues, na Etica a tem de ser comparaveis; por isso se recorreu Sas» (V, V). Cft: C. MENGER, “On the origin of mone, © segs. J. SCHUMPETER (1934), His agregacdo, Coimbra, 1993, pags. 23 Moeda, Coimbra, 1923. 239 regime da troca directa, se vidvel, comportaria dificuldades extremas, somente ultrapassiveis com o recurso a um bem intermediario com as propriedades da moeda (4). i ‘As pessoas passaram a receber moeda em troca de bens, no por Ihes satii fazer imediatamente necessidades, mas por s6 ela constituir um instrumento geral de aquisigao de outros bens. Por outro lado, permitia medir o valor e criar pou- pangas com seguranca. A «monetarizagio» apresentava-se, pois, como requisito fundamental da racionalizagio da economia de troca e da sua subsisténcia (>). A economia de troca comporta diversos custos de transacgiio, decorrentes das dificuldades de encontro entre a oferta e a procura, ¢ custos ligados As «expec- tativas» dos sujeitos, quer de ordem subjectiva, impostos pelo diferimento da satis- facdo das necessidades, quer de ordem objectiva, resultantes das despesas de armazenamento ou do risco de deterioragio dos bens em stock. As decisGes econémicas das pessoas em cada momento dependem da ponderagdio de todos esses factores, além de outros (°). As relagdes de troca podem ocorrer em formas distintas de mercado, da mais rudimentar, 0 escambo, 4 mais elaborada, a economia monetiria. Na troca directa pura, os agentes suportam custos de transaccdo elevados. Interessando assegurar uma dupla coincidéncia entre as vontades de cambiar e de estabelecer para cada transacedo os seus préprios termos, a aquisig’io de um bem contra a entrega de outro envolve sempre a incerteza de o respectivo valor se alterar até a ocorréncia de nova transaccao. Por isso, os agentes hesitam em adquirir ou alienar bens antes de «se assegurarem» que os termos de troca sao «suficiente- mente» estaveis, «equitativos», «aceitdveis» (7). @ Junto da generalidade dos autores clissicos vingou a ideia da quase irrelevancia da moeda, uma espécie de véu neutral envolvendo as trocas, com a fungiio de as facilitar. Rejeitando 4 pretensa neutralidade da moeda, diversos autores realgam a fungio de medida comum de valo- res, dependente sempre de uma fixago autoritéria. Cfr. J. Stuart Mit. (1817), Principles of Poli- tical Economy, INV, Toronto, 1965, pigs. 502 ¢ segs.; J. B. Sav, Traité d'Economie Politique, 2* ed. Paris, 1814, 1, pigs. 304 ¢ segs.; J. M. Kevwes, A Treatise on Money, 1, Londres, 1930, pags. 3.¢ segs.; J. Schumpeter, History of Economic Analysis, cit, ibidem; G. SIMMEL, Philosophie de UArgent, cit., esp. pags. 125 ¢ segs. @) _Existindo divisio do trabalho, s6 uma parte muito pequena das necessidades de cada Pessoa € suprida pelo produto do seu trabalho, como observou ADAM SMITH. Cr. ADAM SMITH (1776), Riqueza das Nagdes, trad., Lisboa, 1987, pigs. 107-108, {6 Em geral Sobre os custos de transaccdo nas economias de troca, oft, por exemplo, P Soares MaRtiNez, Economia Politica, Coimbra, 1991, pigs. 521 ¢ segs.; L. WuITE, The Theory of Monetary Instiitions, cit, pigs. 1 ¢ segs.; A. CHAINEAU, Qu’est-ce que la Monnaie?, Paris 1996, pigs. 20 € segs. M. Mourcues, Macroéconomie Monétaire, Paris, 2000, pas. 18 ¢ seg. ©) " Raros serio 0s casos actuais de economias estritamente de troca directa, Nos tiltimes séeulos, ¢ sobretude nos tiltimos decénios, a intensificagdo das relagdes econdémicas e culturais entn 2 generalidade dos paises, designada correntemente, ¢ em glo, fe eda . € em geral, por «globalizagom, fez rarear ainda A DESMATERIALIZACAO DA_MORDA (NOTA SOBRE O PASSADO EO FUTURO DO DINHEIRO) eee TSE RENATO GONGALVES mayen ADAM SMITH notou que, se a troca indirecta for vantajosa, e beeen acu- mula um conjunto de bens «mais negocidveis», com vista & sua uti Pee meio de troca para assim obter uma remuneracao. CARL MENGER e ane oe ‘outros negociantes avisados adoptardio uma estrateégia idéntica de troca indirecta, podendo os demais imité-los ao se aperceberem do respectivo éxito — os prejuizo do escambo. A partir do momento em que muitos passassem a reali- zar a troca indirecta, a etapa subsequente seria de convergencia social no sen- tido da aceitagao de um instrumento comum de trocas. Por BeIG) da transmis- So de informagdes, por tentalivas e erros, por imitagiio dos que tém ou aparentam ter maior éxito, os negociantes aperceber-se-iam gradualmente de quais os pro- dutos «melhor negocidveis» em mercado, ou seja, aptos a desempenhar a fun- do de meio de trocas. Por fim, um bem (ou, no maximo, poucos bens, em dife- rentes conjuntos de transacgdes) assumiria(m) o estatuto de comummente ou rotineiramente aceite(s) como meio de troca, tornando-se moeda (8). A construgdo de MENGER ajuda a esclarecer porque motivo a especializacio € as trocas se terdo desenvolvido simultaneamente com o uso da moeda, no tendo aquelas antecedido a emergéncia desta. Sendo as comunidades pré-monetarias basicamente autarcias econémicas e a troca directa muito 4rdua, o escopo da pro- dugo especializada «para 0 mercado» ficava condicionado a implantacio da troca indirecta. Nao s6 a divisio do trabalho esta restringida pela extensio do mercado (SMITH), como a dimensdo do mercado se encontra limitada pela exten- sao do uso da moeda. Numa sociedade «de feiras», as pessoas encontram-se num determinado lugar, «a feira» ou «o mercado», na presenca das ofertas e das procuras dispo- niveis. Assim se facilita a coincidéncia de vontades dos vendedores e dos adqui- Fentes, bem como a determinagio dos precos de equilibrio. No entanto, sem moeda, as trocas somente ganhariam fluidez se existisse um mercado por cada par de bens, todos tomados medida de valor (). mais as zonas de resisténcia & abertura das sociedades, embora com efeitos complexos ¢ de sen- tido diverso, que agora no cabe apreciar. Ct, por exemplo, R. TAMAMES / B. Huerta, Exirne, iia Eeonimlea Internacional, Maciid, 1999, pig. SB; E. PALAZUELOS / M. JESUS VARA (orgs), Gran. tag Areas de la Economia Mundial, Barcelona, 2002, esp. introd. ¢ segunda parte: W. Makevrs Moeda ¢ Instituigdes Financeiras, Lisboa, 1998, pag. 20. fh 4 © No terceiro milénio a. C., 0 com 2 ngindo 0 ‘fmocda, tanto nas bacias do Nilo como do Eufrates. Cf G. Larrorove La fiaan Z Pe Hreagtfines 4.530 Avant J. C., Paris, 1969, pigs. 156 e segs.: L. Wire, The Theory Instiuutions, cit., pigs. 9 ‘ émoire des Monnaies | : th Denier 81 Biro cog | ESP TABATON, Mémoire des Monnaies Européennes © _Suponudo uma economia com m bens, existriam Von(n- rnimero de pregos relatives on 1) postos deste tipo e 0 mesmo pressos em term: : 0 Monéiaire, cit., pags. 17 e segs, tos de bens. Cfr. M. MourGurs, Macroéconomie i A utilizagiio de um bem como instrumento geral de trocas inaugura histo- ricamente a economia monetaria e permite a conservacao do poder de ies O vendedor dispde-se a entregar os seus bens contra a aceitagao de dinheiro, nao contra a entrega de outros bens aptos para o consumo. A capacidade de adqui- rir produtos com moeda € certa, & «taxa corrente», mesmo em caso de anteci- pagio de negociagées com um vendedor anénimo, nio existindo virtualmente 0 tisco de um vendedor rejeitar a aceitagdo do dinheiro, ou de a condicionar a um desconto. Sendo a «negociabilidade» da moeda superior 4 de qualquer outro bem, a sua aceitagio prevaleceri (19). Quando deseja adquirir ou vender algo, um agente racional opta pelo uso da moeda porque os custos de transacgdo diminuem, porque poupa tempo & porque a produgio cresce, ao dirigir-se a poupanga para outras actividades. A reducdo dos custos de espera e de expectativas intensifica, consequentemente, a satisfagdo das necessidades. Ou seja, a introdugiio da moeda impulsiona deci- sivamente a organizacao das trocas (!!). 2. MOEDA «MERCADORIA> E PREDOMINIO DOS METAIS Para desempenhar plenamente a funcaio monetéria, importa que um deter- minado bem tenha certas qualidades, que tomem possivel a sua utilizagao como instrumento de trocas._Deve ser homogéneo ¢ durivel, de modo a que a sua capa- cidade de aquisigio perdure no tempo. Deve ser «facilmente» divisivel. para per- mitir pagamentos de valores diferentes, quer elevados quer diminutos, e trans- portavel. Enfim, o seu «valor préprio» deve ser «suficientemente» estavel ao longo do tempo e «nao diminuto», para viabilizar a constituigio de reservas significativas de poder de compra num volume reduzido, embora sem impedir a realizagao de pagamentos correntes. (®) _Admite-se que a receptividade geral da moeda como meio de troca, € também como Padrio de valores, tenha sido espontinea € natural, ou até «inevitivel». ‘Todavia, o surgimento espontineo da moeda nio é minimamente liquido. Cf: L. Witte, The Theory of Moncton Ia tihtions, cit. pags. 7 © seg.; W. MARQUES, Moeda ¢ Instiuicdes Financeiras, cit, pg. 20. 1. M. Kevnes, A Treaise on Money. 1, Londtes, 1930, pigs. 3 ¢ segs. J, STUART MILL (1817), Prine Ples of Political Economy, IILV, Toronto / Biflo, 1965, pigs. 502 e sexs; G. INGHAM "Nan, spagos monetéris?", in OCDE, O Futuro do Dinheiro, trad, Lisboa, 2003, pays. Isl ¢ sone M. AcuETTA / A. OnLas (orgs), La Monnaie Souveraine, Pats, 1998, pigs. 7€ segs.) ey MEL, Partie de V'Argent, cit, esp. pigs. 125 ¢ segs. maar s () A importancia do surgimento da moeda levou A sua equiparacto as o bens da histra da humanidae. Cit. W. Manaus, Mocda ¢ Inpiuocr ee Pe iq Ba 5 P. TaBatont, Mémoire des Monnaies Européennes du Denier 4 VEuro, cit., wn Ao longo da hist6ria serviram de moeda diversos bens com valor intrinseco estével. Se a areia e os diamantes, por exemplo, eram claramente inadequados para funcionar como moeda, o mesmo no sucedia com outros bens, que cum- priam tendencialmente os critérios enunciados. Nao é, pois, de estranhar a clei- Go de certos bens, aqui ou ali, como instrumento comum de trocas: 0 chas, as folhas de tabaco, as peles, a aguardente, diversas pedras, cabe (pecus), talhas de vinho e de azeite, rolos de tecido, etc. (77). Desde a mais alta antiguidade, © metal, a peso ou cunhado com a chancela do principe, impds-se como a forma mais comoda © evoluida de numerario. Antes da sua amoedacio, os metais terao sido usados como meio de troca «por quase todos 0s povos». Fala-se em «moeda-mereadoria» porque as pecas meta- licas (tal como outros bens utilizados como moeda) eram também procuradas para fungGes especificas, distintas das monetarias. Paulatinamente, os metais e a moeda metalic deram lugar a outros instrumentos de pagamento, embora sem nunea perderem a primazia, pelo menos até & Primeira Guerra Mundial ('3), Nos diltimos quatro milgnios, predominou a utilizacio do cobre, da prata ¢ do ouro como substancias monetarias basilares. A praia teve proeminéncia durante a maior parte deste perfodo, embora 0 ouro tenha prevalecido em deter- minadas épocas. Em vésperas da Primeira Guerra Mundial, na generalidade dos paises, considerava-se 0 ouro como a «tinica» verdadeira moeda: as demais espécies nao passavam de meras subdivis6es do metal amarelo, que fora colo- cado no centro dos sistemas monetdrios com 0 decorrer do século XIX. No entanto, do ponto de vista do uso quotidiano, 6 ouro sempre teve menor relevancia do que 0 cobre, ou do quea prata, dado 0 seu elevado valor relativo (4). (®) Em perfodos primitivos, os bens etam avaliados com frequéncia pelo nimero de cabe- gas de gado objecto da troca. Cf. J. K. Gausraitn, Moeda. Das Suas Origens & Economia Con temporiinea, trad., Lisboa, 1996, pig. 17; A. ANDRADE, Evoluciio da Moeda, cit., pigs. 40 ¢ segs A. Smita, Riqueza das Nacdes, cit., pigs. 108 e segs. () Os bens escolhidos inicialmente como moeda eram «suficientemente> raros para que © seu prego corrente no variasse com rapidez.¢ «suficientemente» preciosos para que qualquer indiyfduo se contentasse com um volume de facil transporte, mas niio «excessivamente», sob Pena de impossibilitar a sua utilizaglo corrente. A lenia experimentagio de bens com fungées mon tdrias, provavelmente balanceando aqueles critérios, foi atestada na Mesopotimia, trés mil anos ant da nossa era, embora continue a ser considerada «muito misteriosa» pelos historiadores. Cin, por exemplo, G. Larroraue, La Haute Antiquité, cit., esp. pigs. 157 ¢ segs.; V. Diakov / S. Kova Lv (otgs.), Historia da Antiguidade, | (A Sociedade Primitiva. © Oriente), trad., Lisboa, 1976 Pgs. 123 € segs.; M. C. GiorDaNi, Histéria da Antiguidade Oriental, Petropolis, 1987, pig © 149; A. ANDRADE, Evolucdo da Moeda, cit., pags. 70 € segs, 4 135 va cunhagem s6 tenha ocorrido a partir da Idade do Ferro. De acordo coin Hi:nonotc. foram o Iidios os primeiros a cunhar mocdas de ouro e prata (princi a C.— ce. de 687). Para além das referéncias da nota ante 0s do século VIII, finais do século VII rior, cf. P. SOARES Martinez, = A DESMATERIALIZACAO DA MOEDA (NOTA SOBRE 0 PASSADO_E_O FUTURO D0 DINHETRO) A associagio hist6rica entre _o dinheiro e os metais foi. pois. desde ha muito, extremamente forte, tendo-se optado normalmente por um metal precioso para Tuncionar como meio de troca, devido quer as suas qualidades intrinsecas, em particular a sua «inalterabilidade», ou grande resisténcia As vicissitudes, € as ‘suas Caracteristicas extrinsecas, em especial a relativa raridade. A associagao entre © dinheiro ¢ os metais preciosos (em particular a prata) reflectiu-se, e continua a reflectir-se, na propria designagio de diversas moedas ('5). Pragmaticamente, a cunhagem sempre constituiu um convite a fraude piblica ¢, talvez em menor grau, a fraude privada. Cedo se descobriu que seria possi- vel _adquirir os mesmos bens, ou até mais, com uma menor quantidade de metal cunhado, aumentando assim. por puro artificio do acto de criacio de moeda, os rendimentos disponiveis das pessoas. Consequentemente, a cunhagem perdeu qua- lidade com 0 decurso do tempo, em fungao das necessidades de financiamento dos governantes, da sua capacidade para resistir 4 tentagio, e do desenvolvi- mento privado das artes especulativas (!9). Nas principais cidades comerciais do mundo antigo ¢ medieval, convergi- ram moedas de diferentes jurisdigdes. Se se accitavam pegas metilicas com confianga, preferia-se inevitavelmente que circulassem as «ms», encaminhando as «boas» para outras fungdes. Esta precaucio justificou a pertinente observa- ao, em meados do século XVI, de Sir THOMAS GRESHAM — anteriormente esbogada por outros, como ORESME e COPERNICO, e que se traduzia no ente- souramento das pegas metilicas «boas» —, segundo a qual a moeda de pior ‘mia Politica, cit. pags. 529 ¢ seg; W. MarQues, Moeda e Instinigdes Financeiras, cit, pigs. 15-23; J. K. Gatorami, Moeda, cit, pigs. 17 ¢ segss J. RoMmLLY / A. Barcuer / D. ROUSSEr. (orgs.), His- toriens Grecs: Hérodote / Thucydide, |, Paris, 1964, pag. 91 (5) A procura dos metais preciosos deve-se, entre outros factores, & sua beleza e & sua relae tiva « com o decurso do tempo, A amoedagdo de pegas metilicas justificava-se também pela raridade, pela elevada procura e pel facilidade de transporte, de consetvacio, de divi, So e de fundigio, sem perda de valor ou eustos muito elevados. © metalismo tiunfou genera. lizadamente na doutrina econémica até aos séculos XVII e XVIII e manteve-se, embora sem ful gor compardvel, nos séculos seguintes, Cir. J. SCHUMPETER, History of Economie Analysis, cit, Pigs. 288 € segs. ¥ > 1)” 20s governantes dissolutos ou em situagdes erticas — e se considerarmos qualquer Perfodo de tempo significativo eles terdo sido a maioria — tiveram uma espécie de revelagio no Aescobrirem que podiam reduzir a quantidade de metal das mocdas ou usar uma liga de valor inne Mor € que, com sorte, ninguém iia descobrir, ao menos nos primeitos tempos» (Gatanatn Desta forma, com uma menor quantidade de prata ou ouro poder-se-a comprar © meen tmuito mais. Também os empreendedores privados se aperceberam que se raspassetn alguns rae Brumas das moedas eujaentrega fora acordada, sem que os iteressados deectassem tal falhy otis Fam um rendimento, Cft. G. Larronaue, La Haute Antiquité, ci pigs. 417 ¢ segs: 1. KGa, parts, Mocda, ci. pigs. 19 e seg. com outasindicagdes bibiogrifieas: D. Ricaxi ( 1817189), Principios de Economia Politica e de Tribulagdo, trad., Lisboa, pays, 407 ¢ segs. oy TOSE_RENATO_GONGALVES qualidade expulsa da circulagio as melhores espécies, encaminhadas para fins pee gee afiuxo de metas provenientes da América traduaiu-se num aumento generalizado de pregos por todo 0 continente, embora os lugares muito mais do que noutros. De modo iniludivel, constatava-se a tendéncia que levou a for- mulagao da «teoria quantitativa da moeda». De acordo com esta Construcio, se se mantiverem os demais factores constantes, os pregos alterar-se-Zo em relagio directa com a massa monetiria (stock monetério) existente numa dada economia ou sociedade — ou seja, a variagio da quantidade da moeda determina neces- sariamente a taxa de inflacdo (!8). , O principio da liberdade de cunhagem, conjuntamente com o afluxo de metais preciosos americanos, contribuiu para a crescente diversificagao das pegas e para a sua falsificagao, mediante a produgo de imitagdes em liga com uma pro- (7) Se a maior parte dos europeus s6 vagamente soube da conquista de terras do outro lado do Atlantico, mesmo alguns anos apés a descoberta da América, poucos nio terdo sentido uma das suas principais consequéncias: 0 grande afluxo de metais preciosos ¢ 0 correspondente aumento generalizado dos pregos. A circulacdo subsequente de diferentes moedas — muitas delas adulte- radas, raspadas, cortadas, fundidas, limadas — estimulou 0 habito de entregar primeiro as de Qualidade inferior e imps 0 regresso a pesagem. Sendo possivel utilizar um bem com qualidade inferior («m4 moeda») sem prejuizo para a satisfagdo da necessidade (utilizagdo como meio de paga mento nas trocas), destinar © bem altemativ («boa moeda») a outra aplicagio (entesouramento, Alo sujeito 4 desvalorizagtio, pelo menos nos termos em que estaria se fosse trocado pela «na moeda»), naturalmente que se tenderd a nao hesitar na altura da tomada de decisio, se disso se fiver consciéncia. © fendmeno de expulsio da «boa moeda» pela «ma moeda» passou a ser conhecido por «Lei de Gresham», dado 0 pioneirismo da observagio (em memorando de 1559, com Projecco legislativa em 1560). Cfr. J. K. GaLpraimn, Moeda, cit., pags. 20-24; J. ScHuMPETER, History of Economic Analysis, cit., pags. 311 ¢ segs.; J. B. Say, Traité d’Economie Politique. cit,, I, pags. 16 e segs. (18) _ No século XVI ¢ em principios do século seguinte os precos subiram muito em con- sequencia do crescimento do volume de metais disponiveis para cunhagem. Nao era a primeira ‘vez, nem seria a Gltima, que a inflagdo modificava profundamente a distribuigo dos rendimen- fos, punindo os que menos auferem. A ideia basica da teoria quantitativa da moeda, de que existe uma relaglo entre a quantidade de mocda e os precos, serd uma das mais antigas em econo- mia, talvez. com milhares de anos, mas foi especialmente precisada por IRVING FisHer ao formu- lar a célebre equagao MV = PT (em que M representa a moeda, V a velocidade de circulagaio da moeda, P os pregos e To volume global das transaccdes). Cf. J. SCHUMPETER, History of Eco- nomic Analysis, cit. pags. 311 e segs.: J. K. GaLprarmH, Moeda, cit., pags. 20-23; E. SHAPIRO, Understanding Money, Nova lorque, 1975, pigs. 227 e segs.; M. FRicoMan, Monevarist Econo mics, Oxford, 1991, pigs. 2 € segs.; J. M. KEYNES, A Tract on Monetary Reform, Londtes, 1923. ey ee General Theory of Employment, Interest and Money, Londres. 1936 enticement Bo sa reas Cuaineau, “Equilibre, déséquilibre, monnaie”, eee le Abril de 1995 na Faculdade de Economia da Universidade de ‘ 0 Grupo de Estudos Monetdrios e Financeiros, Margo de 1995); J. B. Sav, Trait d'Economie Politique, cit., 1, Pags. 304 © segs, ig o ‘A DESMATERTALIZACAO_DA_MOEDA {NOTA SOBRE O PASSADO EO FUTURO DO DINHEIRO) as porgio de cobre superior dda cunhagem habitual. Para impedir abusos ¢ regu- lar a emissio de moeda, foram criados bancos «piblicos» (0 primeiro dos quais, © Banco de Amesterdio, em 1609). A consolidagio posterior dos Estados nacio- nais levou a que estes assumissem os objectivos de controlo da quantidade e da qualidade das pecas metdlicas cunhadas e postas em circulagio (19). 3. MOEDA «FIDUCIARIA» 55 As limitages decorrentes da utilizaciio das espécies metilicas como moeda conduziram A sua substituigao por titulos «representativos» daquela «mercado- tia», que tornavam as transacgdes mais cémodas, seguras e econémicas. A ten- déncia de desmaterializagdo das espécies utilizadas como instrumento geral de trocas iria prosseguir continuamente até ao presente, deixando a moeda de se sujei tar sobretudo aos condicionalismos do seu fabrico para ter de enfrentar os pro- blemas especificos do funcionamento dos bancos e das finangas publicas. De qualquer modo, até praticamente ao presente, nao se abandonou uma ligacdio estreita da moeda com os metais preciosos (em especial 0 ouro, e também a prata, dependendo da época e dos paises). A designacao «moeda fiducidria» € muito antiga. Desde a Idade Média, os banqueiros remetiam aos seus clientes «titulos» ou «recibos» nominativos cons- tatando © depésito de moedas de ouro e metais preciosos que Ihes haviam sido confiados. Esses titulos ou recibos nominatives comecaram por ser transferidos pelos respectivos titulares aos seus credores. Progressivamente, a circulago de tais titulos generalizou-se nas transacgdes comerciais e, j4 no século XVIII, os bancos colocaram a circular documentos representativos de simples créditos. Assim, com a pritica bancdria, desenvolveu-se o principio da emissio de notas, fundadas no crédito (29). Atribui-se ao banqueiro sueco Palmstruch a ideia pioneira de um banco poder por a circular mais notas do que os metais preciosos existentes em caixa, (®)__Apesar da forte regulamentacao espanhola em matéria monetiria, reflexo da Sptica mercantilista predominante, a falsificagao ¢ deterioragio das ligas metdlicas foram facilitadae por envolver uma actividade privada. Cfr. A. SMITH, Riqueza das Nagées, cit., Pags. 793 € segs.; J. K. Gatararmy, Moeda, cit., pags. 26 e segs. i () Qs titulos de crédito so documentos que incorporam direitos «literais» e «auténo- mos», que legitimam o seu titular a os exercer, servindo de suporte & respectiva «circulagio» ¢ smobilizago». Cf, por exemplo, A. A. FERRER CORREIA, Licdes de Direito Comercial, TH (Letra de Cambio), Coimbra, 1975; J. OLivEIRA ASCENSAO, Direito Comercial, 1 (Titulos ia Crédito), Lisboa, 1993; P. Pais DE VASCONCELOS, Direito Comercial. Titulos de Crédito, Lisboa, 1990; PT: “ TON!, Mémoire des Monnaies Européennes du Denier @ VEuro, cit., pags. 105 ¢ segs. : ah oe JOSE RENATO CONGALYES € aos irmaos Goldsmith, ourives londrinos, a ideia de fraccionar as notas ej. tidas em cupdes de somas redondas, Tal como sucedera COM 0s titulos dos banqueiros da Idade Média e da Renascenga, as primeiras notas de banco, de meg. dos do século XVII, foram aceites em razdo da confianca que merecia a entidage que as colocara em circulagao e da garantia da sua conversdo, a qualquer momento, em metal precioso (estalao monetério). Na época, tratava-se de uma moeda privada. Mais tarde, no século XIX, e por diferentes motivos, a emis. sao das notas seria confiada a determinados bancos emissores sob estrita regu- lamentacao dos poderes publicos C1). Apés algumas experiéncias negativas com desfecho em faléncias bancé- Tias, e perante o receio de que os bancos de emissio nao dispusessem do encaixe necessdrio para garantir a convertibilidade, 0 Estado interveio e afastou a obri. gacdo de reembolso em metal precioso. A insuficiéncia de encaixe metilico dos bancos foi muitas vezes causada pelas proprias autoridades pablicas, que exi- giram a titulo de empréstimo a entrega de somas excessivamente elevadas em rela- ¢ao as disponibilidades, com o fim de cobrirem os seus défices orgamentais. Assim aconteceu, especialmente €m tempos de guerra, devido ao crescimento «extraordinario» das despesas ptiblicas 2). Com a passagem da «moeda-papel» ao «papel-moeda» fala-se em «curso for- ado» das notas de banco. Se a isso nao fossem legalmente obrigados, os par- ticulares certamente recusariam a aceitacdo de notas — por jé nao representarem uma dada mercadoria, por nao haver conversdo em metal, por a sua credibilidade assentar apenas na confianca dos préprios portadores. Daf a designacao habi- tual de moeda «fiducidria» (75). @') Embora as pecas de ouro ¢ de prata constituam, «desde sempre», a forma de moed: mais apreciada, e no apenas para 0s coleccionadores, as notas de banco passaram a ser accites pelos agentes econémicos pelas mesinas razGes que 0 haviam sido os titulos de depésito da Idade Média ¢ do século XVII: a comodidade de utilizag30, a confianca que inspira 0 seu emissor ¢ & insuficiéncia das espécies metélicas. Cir. P, SOARES MARTINEZ, Economia Politica, cit., pags. 545 © seg.; A. ANDRADE, Evolucdo da Moeda, cit., pags. 295 ¢ segs., J. K. Gausrarrit, Moeda. cit pags. 28-56; C. Goonsart, The Central Bank and the Financial System, Londres, 1995. pies. | € segs.; V. Smit, The Rationale of Central Banking, Londres, 1936, esp. pags. 147 © sce (@) Cir. P. Soares Makrinez, Economia Politica, cit., pigs. 545-547 ¢ 597 ¢ segs. J. & Gatararm, Moeda, cit., pigs. 80 € segs.; P. TABATONI, Mémoire des Monnaies Européennes dit Deve? 4 l'Euro, cit,, pigs. 69 segs. Sobre as grandes linhas da evolucdo das despesas publicas. ct A. Sousa Franco, Financas Piblicas e Direito Financeiro, 4? ed., Coimbra, 1992, esp. pags. 58 ¢ S° @)__Emprega-se normalmente a expresso «moeda fiducidriay para designar as pe licas «divisionarias» ou «de bilhlio» — que, em principio, no incorporam a substancia co"* pondente ao valor nelas inscrito — bem como as notas de banco — porque a respectis:! sel! Go também no depende, sequer minimamente, da substincia nelas fisicamente incorpor © mesmo representada, mas da confianga (fiducia, em latim) do portador em relago ao emissoh "> ponsdvel pela definico do valor nelas inscrito. E com este sentido que tem sido utilizada © or 7 DESMATERIALIZACIO DA MOEDA (NOTA SOBRE O PASSADO EO FUTURO DO DINHEIRO) | Gradualmente, os agentes habituaram-se a falta de correspondéncia entre a moeda-papel, teoricamente «representativay, ¢ uma dada’ substincia- O papel- ou «bancéria» difundiu-se em Inglaterra no século XIX, particularmente apés 0 «Peel Ach», através do qual foi disciplinada a emissao de notas pelo Bank of England (as notas deviam ser garantidas por obrigagdes do t6rios do banco central, por vezes como sindnimo da expresso «numerério». Cfr. A. ANDRADE, Evolugdo da Moeda, cit., pigs. 295 e segs.; C. Goopuiart, The Central Bank and the Financial System, cit., pags. 72 e segs.; E. SHAPIRO, Understanding Money, cit. pags. 422 e seg.; Banco de Portugal / Eurosistema, Relatério dos Sistemas de Pagamentos e de Liquidagao Interbancéria — 2004, Lisboa, 2005, (4) Embora as etapas da hist6ria monetiria nao tenham ocorrido em todos os lugares a0 mesmo tempo, encontramos relagdes estreitas entre elas € os progressos da mobilizagio dos titu- los de crédito. Certo € que a evolugio no foi linear: sucederam-se fases de estagnacio a outras caracterizadas por avangos acelerados, conforme as circunstincias histéricas ¢ as normas pablicas © privadas vigentes. Cfr. J. ScHumperer, History of Economic Analysis, cit., pigs. 321 © segs.: P. Tasatoni, Mémoire des Monnaies Européennes du Denier @ l'Euro, cit., pags. 105-107. C5) A designagio mocda «escritural», que teré sido introduzida na literatura econémica pelo belga ANSIAUX, deve-se & forma mediante a qual 6 processada ou «materializada»: uma eserita, ou lum registo, nos livros ou ficheiros dos bancos. A sua criagdo concretiza o prinefpio segundo 0 ual «os créditos fazem os depésitos», ou a moeda (escritural). A difusio da moeda eseritural diver. ‘glu muito consoante os paises. Cfr. R. RicireR, Money, Berlim, 1989, pigs. 337 e segs.; E. SHA- PIRO, Understanding Money, cit., pags. 21 © segs.; ANSIAUX, “De l'unité du crédit & court terme Sous la variété de ses formes”, Revue d'Economie Politique, 1912, 26, pgs. 553-583: W. Bact. Hor, Lombard Street, Londres, 1873, pigs. 4 ¢ segs =o Q Ta enero OORT = tesouro, sem ultrapassar globalmente os 14 milhGes de libras; no restante teriam cobertura em caixa, em ouro ou em prata). Demasiado restritivo, o «sistema do ferro fundido» nao conseguiu satisfazer_as necessidades de liquidez dos ban- cos, e da economia, tendo por isso de ser afastado em diversas ocasides. Perante a insuficiéncia dos meios de pagamento em circulagio, os banqueiros propuse- ram aos seus clientes a abertura de contas 4 ordem com o fim de facilitar as tran- sacgSes. Como seria de prever, esta pritica conduziu 4 subida generalizada de precos (26). A moeda «escritural», ou «bancdria», tem precisamente as mesmas fungdes do que as restantes espécies monetirias, mas € aut6noma. A sua quantidade ndio corresponde, por isso, & soma da moeda-papel e da moeda metalica objecto de depésito numa conta bancdria 4 ordem. O saldo positivo da conta corrente tem origem na abertura de um crédito pelo banqueiro, ndo se confundindo com os depésitos efectuados. Naturalmente, ao saldo das contas 4 ordem haverd que subtrair os montantes dos saques efectuados: levantamentos, transferéncias, quaisquer outros débitos (77). Dada a sua «liquidez», 0 saldo das contas & ordem pode ser mobilizado a todo o tempo, servindo para realizar pagamentos imediatos, através do desconto de um cheque ou de outra ordem de pagamento ou de transferéncia, incluindo a utilizacdo de cartdes plisticos, «de débito» e/ ou «de crédito». A intervengao de mais do que um banco em todo este processo, quando um cheque € deposi- tado num banco diverso do que é sacado ou quando a transferéncia é efectuada @5) © Bank Charter Act de 1844, reflectindo a posi¢Zo da currency school, nao conside- ava os depésitos bancérios como moeda, pelo que dividiu o Banco da Inglaterra em duas secg6es, ‘uma de emissio, outra de assuntos bancérios. No entanto, a contestago antiga da banking schoo! quanto 2 excessiva restrigao do agregado monetério iria vencer o anacronismo, bem patente desde 1870. O banco central deveria assegurar quer a convertibilidade quer o funcionamento do conjunto do sistema bancério através de uma gesto apropriada das suas reservas, mas sucessivas crises financeiras obrigaram & suspensio do Peel Act. Cfr. W. BAGEHOT, Lombard Street, cit pags. 21 € segs. ¢ 153 € segs.; C. Gooparr, The Central Bank and the Financial System, cit, pags. 73 € segs.; P. TABATONI, Mémoire des Monnaies Européennes du Denier a Euro, City pags. 132-141; V. Smtr, The Rationale of Central Banking, cit., pigs. 42 ¢ segs. ©) Ao contririo dos depdsitos & ordem, os saldos dos depésitos a prazo e com pré-aviso no so considerados moeda, porque através deles os depositantes nao dispéem de uma reserva monetaria «liquida», imediatamente e a todo 0 tempo disponivel para a realizacio de qualquer pag mento. Todavia, as praticas bancdrias tm flexibilizado essa rigidez no que toca a indisponibili~ dade dos depésitos a prazo. Por isso, alguns autores, como MiLToN FRIEDMAN, integram na nogio de moeda os depésitos a prazo ¢ com pré-aviso, bem como as divisas. Cf, MILTON FRIEDMAN: Monetarist Economics, cit., pags. 1 ¢ segs.; E. SHAPIRO, Understanding Money, cit., pags. 13-20 A. Calneau, “Qu’est-ce que la monnaie?”, conferéncia proferida na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra em 27 de Novembro de 1991 (Estudos do Grupo de Estudos Moneta rios € Financeiros, n° 107), CBESATERATERC ODA MORON NOTA” SOBRE O”PREADO EO FUTURO” DO BINAEIROT, EE] para uma conta aberta num outro banco, a liquidagao e a sua concretizagiio pro- cessa-se através de cimaras de compensagio (8). A moeda em sentido estrito compreende, pois, as notas de banco e as pegas metdlicas — muitas vezes designadas como «moeda fiducidria», ou «numerd- tio» — bem assim os saldos dos depésitos & ordem, ou a vista — correspondentes 4 «moeda escriturals ou «bancarian. Excepcionam-se, todavia, as espécies mone- térias na titularidade de instituigdes financeiras quando utilizadas apenas nos pagamentos préprios dessas entidades. Neste caso estamos perante «moeda de cspectaliatasni iia As formas monetarias mais expandidas actualmente sio as notas de banco e, sobretudo, os saldos das contas bancérias 4 ordem ©). 5) As compensagdes de créditos entre bancos so efectuadas por intermédio das «cama- ras de compensagio», ou «clearing houses», que funcionam frequentemente junto dos bancos centrais. As cdmaras de compensagio so organizagées centralizadas que surgiram nos principais centros empresariais dos Estados Unidos da América em meados do século XIX, sendo respon- sdveis pela introdugZo de uma racionalidade colectiva nos sistemas de pagamento (economia de moeda e reducio do custo de cobranga dos cheques). A preocupagdo de preservar a integridade dos pagamentos entre as associagdes de bancos comerciais levou as cAmaras de compensacio a garantirem a irrevogabilidade dos pagamentos, independentemente da verificacio simultinea da sol- vabilidade do pagador «no final do dia». Deste modo, as cdmaras de compensacio assumiram pode- res reguladores rigorosos em matéria de condigdes de acesso a actividade bancéria, exigéncias de capital e de reservas, acordos de repartigio de prejuizos, avaliagdo da situagao financeira dos membros e sangdes por incumprimento. Recentemente, a compensagio interbancéria passou a ope- rar-Se por meios electrdnicos (em Portugal desde 1989, embora tendo continuado a funcionar a com- pensaciio tradicional até 1998). A compensacZo electronica foi complementada com sistemas de transferéncias electrSnicas (o Sistema de Transferéncias Electr6nicas Interbancérias — TEI — Portugués entrou em funcionamento em 1992) ¢ desenvolvida com recursos inovadores ¢ mais efi- cazes (como o Sistema de Débitos Directos, introduzido em 2000 mas generalizado apenas em 2004-2005, ¢ a circulagdo Interbancéria de Imagens de Cheques, que permitiu a extingio em 2003 dos centros de troca fisica de documentos). Cfr. Banco de Portugal / Eurosistema, Relaté- rio dos Sistemas de Pagamentos e de Liquidagao Imerbancdria — 2004, cit. @) Na definigZo da moeda em sentido estrito figuram os activos liquidos na posse dos agen- tes nfo financeiros: familias, empresas e administragdes pablicas. Os haveres na titularidade das instituigGes financeiras destinados aos seus «prprios» pagamentos constituem uma «moeda de espe- Cialistas», no englobada na definigo de moeda. Cfr. M. MourGues, Macroéconomie Moné- aire, cit., pigs. 17 ¢ segs.; A. Cuaineau, “Equilibre, déséquilibre, monnaie”, cit. ©) Quando surgiu 0 euro, as notas de banco (em escudos) representavam 94% do «nume- Tério» em circulagdo em Portugal (1.082 milhdes de contos, ou 5.396 mil euros). As notas de maio- tes denominagSes (5.000 € 10.000 escudos) correspondiam a 85% do valor total das notas. A com- Ponente «numerério» do agregado M tem diminuido continuamente, passando de 21% em 1992 Para menos de 16% no final de 1998, em resultado da utilizacdo crescente de novos instrumen. tos de pagamento, Entretanto, prosseguiu-se 0 desenvolvimento e a expansio da rede de caixas automaticos de levantamento ¢ depésito (ATMs: Automated Teller Machines, «Multibanco»), uti lizada também para transferéncias directas de pagamentos, bem assim dos terminais de paga- 'mentos automaticos nos pontos de venda (ETFPOS: Electronic Funds Transfer at Point of Sale), Lee aal TOSE_RENATO_GONGALVES, 5. MOEDA «CENTRAL» E MOEDA «DESCENTRALIZAD. Na prossecugiio normal da sua actividade comercial especifica, os b lizam as notas e as moedas metélicas_neles depositadas _pressupondo todos os depositantes_as levantam ao mesmo tempo. ‘AS notas e ai metilicas objecto de depésito voltam a entrar em circulagao, enquanto mamente siio criadas certas quantias de moeda escritural, no ambito da proprias dos bancos comerciais ©"). Nos sistemas monetdrios contemporaneos, quer as notas quer ; divisiondrias sio emitidas por institutos publicos de emisséo, ou ban c0 Por isso também se designam por «moeda central», em contraposi moeda «descentralizada» (produzida por iniciativa dos privados, de a 9 principio da liberdade de cunhagem, ou por determinadas entidades normalmente sujeitas a regimes estritos de supervisao por autoridades De qualquer modo, uma nota ou uma pega metélica s6 constituem: terem sido «amoedadas», apds terem sido postas regularmente em ci _ comprovando a previsivel continuago da tendéncia decrescente da utilizagdo de «m “Menos relevante foi a difustio dos cartdes pré-pagos, ou pré-carregados («porta _ banco»). Dada a abrangéncia, qualidade e fiabilidade da rede «Multibanco», em 2004 € quase 1.160 milhdes de movimentos. mais de 82% do total das operagdes (1.413 ¥ Sistema de Compensagao Interbancéria (SICO) portugués, embora representando yalor (aproximadamente 50 mil milhdes de euros). O valor médio por operacdo rondou Tal como sucedeu em anos anteriores, entre 2003 e 2004, 0 «Multibanco» voltou a cre: niimero de operagées (8%) ¢ em valor (9,5%). Se em 1998 mais de 39% dos pagi turais» tinham sido realizados por meio de cheque, quando 0 nimero de contas & oF aproximadamente 20 milhdes (cerca de duas contas per capita), essa percentage iria din {inuamente nos anos seguintes. Em 2004 0 nimero de cheques apresentados a paga me ‘sia 0s 188 milhoes, mas em termos de valor processado representavam apenas cerca | montantes aliquidados» através do SICOI. Cir. Banco de Portugal, Sistemas de Paga ‘ugal, Lisboa, 1999, pags. 12 e segs.; Banco de Portugal / Eurosistema, Relatorio dos Sist Pagamentos e de Liquidagdo Interbancéria — 2004, cit. Antes de depositadas, as notas as moedas medida, a circular. Apés o depésito, voltam a circular ditos sobre o banco, por ser titular de um depésito Simultaneamente, os saldos dos depésitos & ordem nivels para utilizaglo a qualquer momento (em pagamentos, investimentos...), sema Ho de notas ou de moedas metilicas, sendo constantemente inseridos nos egleulos dos respectivos titulares, Cf. P. TABATOM, Mémoire des Monnaies Européennes di VEuro, cit. pags. 109 € segs.; R. RicHTER, Money, cit., ibidem: P. Soares Martins Politica, cit., pags. 549 e seg. metalicas encontram-se, et quando levantadas por quem: ordem ou por ter obtido um Permanecem como reservas Ifqi CBEATERTTERCIO BA MOEB ROR SOBRE -OSSADD FO FUFORO DO DIRHEREOT fon] Para além das notas de banco e das moedas metélicas, existe outra forma de «moeda» central nas escritas dos bancos de emissio, compreendendo os sal- dos das contas cujos titulares so os bancos comerciais, outras instituigbes finan- _ccinas =o Tesouro, Do mesmo modo que os particulares © as empresas si0 titulares de contas nos bancos comerciais para efectuar pagamentos a outros agentes, também as instituigdes financeiras (nacionais, estrangeiras ¢ interna- cionais) utilizam a sua conta no banco central para efectuar regularizag6es reci- procas de pagamentos em moeda nacional. Nao se trata, no entanto, de verda- deira moeda, estando estritamente reservada a «especialistas» (). O banco emissor gere igualmente uma conta corrente do Tesouro piblico, que é um intermediério financeiro porque abre contas, em escritas, em diversas instituigdes financeiras e ndo-financeiras. A conta do Tesouro permite a reali- zagio de pagamentos, sendo-lhe aplicével um regime fixado por lei ou conven- gio C4). Nos paises desenvolvidos, a moeda escritural € a espécie monetdria_preva- lecenté, gragas a confianga dos agentes no sistema bancdrio e A credibilidade que este Thes oferece. Quase somente os pagamentos correntes de montante nao muito elevado — ou até j4 nem estes, cada vez com maior frequéncia — so efec- tuados com notas de banco e pegas metilicas, ou entao através do designado «porta-moedas electrénico». As moedas divisiondrias, tal como as notas de ficia assim de uma fonte de rendimento, a seigneuriage. Actualmente, a «amoedagio» das pegas metilicas pelo banco central é similar & «amoedagao» das notas. As notas de banco ¢ as pegas metalicas so «moedas oficiais legais» € também «moeda central». Continua a debater-se se a oferta ‘monetéria poderia ou nfo ser deixada livremente nas mdos dos (bancos) privados. Cf J. M Keynes, A Treatise on Money, II, Londres, 1935, pags. 4 € segs. V. SMITH, The Rationale of Central Banking, cit., pags. 167 e segs.; J. S. ANDRADE, L ‘Etat, le Marché et la Monnaie, Lisboa, 1987, pags. 145-370; L. WuTe, The Theory of Monetary Institutions, cit., pag. 8; R. RICHTER, Money, cit., pags., 331 segs. ©) 0 instituto emissor serve de camara de compensacdo entre os diferentes organismos financeiros ¢ o saldo que cada participante deve aos demais € regularizado através da conta em moeda central escritural. Os bancos possuem no banco central contas cujo montante minimo é fixado pela lei («reservas obrigatérias»), servindo para as regularizagGes didrias sob todas as for- Mas (conversio em notas, realizagio de pagamentos aos bancos ¢ a outras instituigdes financei- Tas). Cf. M. Mouraues, Macroéconomie Monétaire, cit., pags. 26 ¢ segs.; C. GOoDHART, The Cen- tral Bank and the Financial System, cit., pags. 3 e segs. e 205 e segs. ) Encarregado de gerir os dinheiros ¢ outros meios de liquidez pablicos (arrecadando rece tas, pagando despesas, emprestando ¢ recorrendo a empréstimos), © Tesouro pablico pode ter ou no personalidade juridica ¢ integra um servigo administrativo ou um conjunto de servigos. Entre as stias competéncias podemos encontrar a realizacao de operagdes cambiais relacionadas com as finaneas pablicas bem como as responsabilidades a curto prazo e correspondentes disponibil dades e as operagdes necessarias & obtengZo de liquidez pelo Estado ou & sua colocacao eficiente © rendivel. Cit. A. Sousa FRANCO, Finangas Piiblicas e Direito Financeiro, 1, cit. Pigs. 440 € segs. TOSE_ RENATO. GONGALVES, 7 menor valor e 0 porta-moedas electrénico, tém especial utilidade nos paga~ mentos de quantias diminutas, no completar de montantes e na realizagio de trocos (35). ; Os pagamentos de maiores montantes sdo concretizados normalmente atra- vés de cheques, de ordens de transferéncia (independentemente da sua forma: «automaticas», periédicas ou eventuais, electrénicas) ou de cartées plasticos, em expansiio crescente, embora de modo desigual, por todas as latitudes, As opgdes pelos meios e instrumentos de pagamento variam muito consoante os montantes envolvidos e os lugares, porque a fiabilidade ¢ continuidade dos sis- temas monetirios e de pagamentos nao é idéntica em todos os paises e 6pocas, como a histéria tem comprovado (3). Os sistemas de pagamentos correspondem hoje a redes interligadas em tornd do banco central, que garante em ultimo recurso a sua solvabilidade («lei C5) carto «porta-moedas» electrénico tem algumas caracteristicas comuns com a moeda fisica («fiducidria»), porque incorpora liquidez, apés 0 carregamento, e porque os pagamentos com ele efectuados niio se reflectem individualmente numa conta bancéria: so «descentralizados», Nao oferece o grau de anonimato, de seguranga ¢ de liquidez das notas e das moedas metalicas, mantendo em meméria um registo das transacgdes efectuadas. Na medida em que depende de um pré-carregamento (através da rede de caixas automaticos «Multibanco» ou similar, contra débitos em conta bancéria), comporta riscos acrescidos em caso de perda, quase se limitando a proporcionar maior facilidade de «trocos», 0 que ser sobretudo do interesse principal do seu portador. Embora utilizavel em vez das notas ¢ da moedas metilicas em situacdes limitadas, o porta-moedas elec tr6nico nao as pode substituir por completo, ocupando uma posigio intermédia entre o dinheiro «fiducidrio» e instrumentos bancérios de transferéncia de dinheiro conta a conta. Ou seja, alarga © leque de meios de pagamento sem substituir satisfatoriamente qualquer deles. Nao sendo um meio de liquidez absoluta, depende da credibilidade do banco que o emitiu e da seguranga ofe- recida por um sistema de pagamentos hierarquicamente organizado no topo do qual se encontra © banco central. Apesar das expectativas criadas quanto & sua utilizagtio em pagamentos corren= tes de pequenos montantes, tem tido uma difusdo escassa e decrescente, também em Portugal. Cit Banco de Portugal / Eurosistema, Relatdrio dos Sistemas de Pagamentos e de Liquidagao Inter~ bancéria — 2004, cit. 65) © cheque, 0s cartdes plisticos, os impulsos electrénicos, as unidades telefénicas € 08 programas informéticos permite os pagamentos € as transferéncias mas nao stio moeda. A tet minologia corrente ¢ legal refere-se vagamente a «meios e instrumentos de pagamento». A nota de banco & um «meio de pagamento» e constitui moeda, enquanto o cheque é «instrumento de paga- mento» mas nfo se trata de moeda, Se as contas bancérias 4 ordem nao tiverem proviso ou Se (08 seus titulares nao obtiverem do banco (ou se este Ihes cancelar) uma abertura de crédito, 0 che- que ou 0 cartio de crédito ou «de débito» ndo permitem o pagamento — sem prejuizo de s poder beneficiar legalmente de uma garantia de pagamento até determinado montante (no caso dos cheques) ¢ de se confiar no banco central enquanto autoridade de supervisio e prestamista de dltimo recurso. Daf a distingdo entre dinheiro «definitive» e «ndo definitivo». Por outro lado, a posi= {¢40 das pessoas em relago aos bancos varia muito, entre a credibilidade absoluta e o descrédito completo, consoante os paises ¢ as épocas. Cfr. Z. Tumi, “O futuro da tecnologia do dinheit0"> in OCDE, O Futuro do Dinheiro, cit., pags. 91 ¢ segs. (ERO), c DESMATERATACIO DA MOEDA (NOTA SOBRE 0 PASSADO EO FUTURO DO DINHE s bancos comerciais em matéria de trans~ feréncias de depésitos, através da compensagao regularizagéo de ischeeai carias, permitiu a expansio do crédito, a economia do dinheiro « fe desenvolvimento das tecnologias dos pagamentos. A compensacao multilatera ‘com regularizagio dos saldos Iiquidos inaugurou a centralizagfo, que comporta riscos, controliveis apenas por meio de uma cooperacao estreita entre concorrentes, com 0 fim de impedir a faléncia por arrastamento, em caso de insolvéncia de um Gnico banco, de acordo com a responsabilizago conjunta subjacente a «lei do de BAGEHOT»). A cooperagiio entre 0 refluxo» (37). A solugdo encontrada assenta numa estrutura hierdirquica no topo da qual se situa o banco central, que ¢ 0 eixo nevrilgico e o garante do bom funcionamento das redes interligadas que constituem os sistemas de pagamentos modernos — porque determina a unidade de conta por todos aceite e porque 0 seu passivo serve de meio de pagamento iiltimo dos saldos interbancérios (8). @) Se o saldo bilateral didrio entre dois bancos tivesse de ser regularizado em notas ou moedas metilicas, a «lei do refluxo» seria excessivamente restritiva, porque as reservas Ifquidas necessérias para esse efeito impediriam a expansio do crédito bancério. Por isso, os bancos decidiram ‘cooperar na economia de dinheiro fisico, estimulando o desenvolvimento das tecnologias dos paga- mentos. A centralizagio de pagamentos iniciou-se com a compensagio multilateral das posigées interbancérias nos registos das c&maras de compensacio. A preocupagio de preservar a integridade dos pagamentos levou as cémaras de compensacdo a garantirem a sua irrevogabilidade. Assim, a ‘cobranga de um cheque constituiria © pagamento final para o seu portador legitimo, mesmo que a conta de onde € descontado nao tivesse fundos suficientes ou que 0 banco pagador néio dispusesse dos recur- ‘05 necessérios. No entanto, o pagamento imediato ¢ incondicional s6 ocorre quando todos os par- Licipantes do sistema concordem em cobrir 0 risco de liquidez sempre que algum seja incapaz de regu- larizar a sua posicdo liquida junto da camara de compensagio. principio da irrevogabilidade trouxe interdependéncia ao sistema de pagamentos, afastando a fragmentagdo e colocando os bancos no centro das economias monetérias, Cff. M. AGLIETTA, “Qual a origem e o destino do dinheiro?”, in OCDE, © Futuro do Dinheiro, cit, pags. 57 e segs; V. Sart, The Rationale of Central Banking, Cit. pags. 42 ¢ segs. e 146 e segs.; W. BaGEHOT, Lombard Street, cit. pags. 153 e segs. () 0 colapso da convertbilidade conduziu a cria¢io dos sistemas nacionais de moeda fidu- idria no periodo que mediou as duas grandes guerras do século XX. Os bancos centrais assu- Imiram entio a primazia nos sistemas de pagamento, garantindo a liquidagdo, prevenindo o incur. Primento sistémico, controlando a expansio dos meios de pagamento, enfim, assegurando o seu Pleno funcionamento, proeminéncia dos bancos centrais verifica-se quer a0 nivel nacional quer a um nivel mais vasto, no caso das unides monetérias, como a zona euro (com o Sistema Euro- Peu de Bancos Centrais ¢ o Banco Central Europeu). Decorre dos direitos exclusives de amoe. aso de notas ¢ pegas metélicas e de definigdo da unidade de conta, bem assim de liquidez Stperior da «moeda central escritural» posta & disposicio das instituigdes financeiras (mesmo se tae and fosse imposta a sua tituaridade por via das «reservas obrigat6rias»). Os bancos cen, \edria, que agora se efec- JOSE_RENATO_GONGALVES 6. MOEDA «ELECTRONICA» («E-MONEY», «CIBERDINHEIRO») Aos meios fisicos (ou «fiducidrios») de pagamentos, cuja produgao esta hoje sujeita a um monopélio legal, acrescem os meios escriturais & electrénicos, com varias caracteristicas semelhantes entre si — centralizacao dos pagamentos, personalizacgao dos instrumentos, uma estrutura com custos fixos e rendimentos crescentes — opostas as dos primeiros (meios fisicos) — utilizados de forma des- centralizada e anénima, com liquidez na circulagdo (em vez de no depésito) e com marca de soberania (39). Estima-se que a moeda «electronica» ou «digital» em rede seja mais eficiente do que a moeda escritural por permitir a redugio, ou mesmo a eliminagio, das diferengas de datas valor e por tornar vidvel a transmissdo de maior quantidade de informagio, incluindo uma mais segura e completa identificagio do utiliza- dor. Por outro lado, contribuiria para a economia dos vastos recursos que con- tinuam a ser despendidos com o processamento de instrumentos ainda muito utilizados. como os cheques, e com os prejuizos resultantes da contrafacgio desses instrumentos de pagamento (49). tema de Débitos Directos, introduzido em 2000, ¢ na circulag’io Interbancaria de Imagens de ‘Cheques, que permitiu a exting%io dos centros de troca fisica de documentos). Com 0 objectivo de contencao do risco «sistémico», entrou em funcionamento, em 30 de Setembro de 1996, 0 Sistema de Pagamentos de Grandes Transacgdes (SPGT), um dos 15 sistemas nacionais de liqui- dao em bruto em tempo real que integram, desde 4 de Janeiro de 1999, conjuntamente com 0 Mecanismo de Pagamentos do Banco Central Europeu, o sistema congénere europeu, 0 TAR- GET. Ci. Banco de Portugal / Eurosistema, Relardrio dos Sistemas de Pagamentos e de Liqui- dacao Imerbancéria — 2004, cit. Sobre a situagdo nos Estados Unidos, cfr. L. H. MEYER, The Future of Money and of Monetary Policy, Distinguished Lecture Program, Swarthmore College, Pennsylvania, Dezembro de 2001, pags. 14 e sei tp ©) Tem sido propostas diversas definigdes de «moeda electrénica», podendo salientarse a que consta da Directiva 2000/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Setem= bro de 2000 JO L. 275, de 27.10.2000, pigs. 39-43), relativa ao acesso das instituigGes de moeda clectr6nica € ao seu exercicio, bem como A respectiva supervisio prudencial, e a adopiada nos documentos do Banco de Pagamentos Intemacionais. De acordo com o artigo 1.3/6) daguela Dite= tiva, moeda electrénica € «um valor monetdrio, representado por um crédito sobre 0 emilenles€ que seja i) armazenado num suporte electrénico, ii) emitido contra a recepgio de fundos de um valor no inferior 20 valor monetério emitido, iii) aceite como meio de pagamento por OAs empresas que nfo a cmitente». Trata-se de um substituto electrénico das moedas €! hols Gs banco, armazenado num suporteelectrénico (cartio imeligente, meméria de um computador.) CO © fim de efectuar pagamentos de quantias limitadas por via electrénica, A moeda «electtOniea™ ou «digital» («e-money», «ciberdinheiro») nao se confunde com os Tespectivos produtos de acess (Cartio plastica, programa informético). Cr. Bank for Intemational Settlements (ed.)/ SUPE Developments in Electronic Money and Internet and Mobile Payments, Basileia, 200% P&B. 2! (@) A moeda em rede existe gragas aos avangos di criptografie, ue Halse tem a seguranga da informagio digital ¢ da sua transmissio, ©, em geral, das teenologias da infOF {a DESWATERALIZACO DA MOEDA (NOTA SORRE_O-PASSADO FO FUTURODO-DINTEIROY ‘EET No entanto, ao contrario do que muitos previram, a proliferagdo dos meios de pagamento electrénicos de natureza privada, a concretizar-se, nao atrofiard pro- vavelmente o principio da centralizagiio e 0 papel dos bancos centrais. A cres- cente complexidade e o aumento do namero de operagées de pagamento, a par com a redugiio dos prazos de liquidagio, tenderiio a ampliar o risco sistémico no caso de se deteriorar a confianga na definig¢do da unidade de conta, aspecto essencial da moeda — que, por definigiio, é aceite por todos sem condicées. Ora, a redugiio ou eliminagao do risco sistémico s6 serd possivel e eficaz. com a intervengao e o controlo de uma autoridade como o banco central (4!). magio € da comunicagio. A tendéncia no sentido de uma crescente ou absoluta desmaterializa- gio © abstracedio da moeda nao € exclusiva do campo monetério, atrayessando transversalmente a sociedade. Em todas as actividades econ6micas, e em particular no sector dos servigos, tem-se registado uma desmaterializagio, ou «imaterializagio», crescente dos bens. Dada a amplitude da informagdo que se associe ao pagamento, com a moeda «electrénica» pode verificar-se «em tempo real» a solvabilidade do pagador. Algumas das figuras mais conhecidas do mundo mone- trio, como ALAN GREENSPAN, acreditam que as novas tecnologias hiio-de colmatar as deficiéncias existentes no campo da transmissio de informagées, nao faltando quem anteveja um mercado global «sem dinheiro» (MERVYN KING), assente num yasto e poderoso sistema de compensaco de ‘créditos, sucessor da Internet. Os antores que acreditam na privatizagdo crescente da moeda gra- {gas aos progressos das novas tecnologias admitem para breve a concretizagao do cenério de con- corréncia monetaria ilimitada preconizado por HaYEK e WuiTE. O rapido crescimento das tran- sacg6es financeiras nacionais ¢ internacionais com recurso a redes electrénicas favorece a utiliz de unidades de conta «privadas» ¢ daf podem resultar efeitos monetarios — se esses sistemas & unidades forem auténomos, nao meras indexagGes ou cabazes de unidades de conta oficiais. Na medida em que sejam mais eficientes, poderio ganhar a preferéncia dos agentes. Porém, os custos € riscos acrescidos que envolvem as moedas «privadas» dificilmente conduzirio & sua generalizacdo. As moedas oficiais permanecerdo, em termos comparativos, bens colectivos supe- Tiores, em que aquelas «moedas» terdo de ser conversiveis. A expansio anunciada dos sistemas privados de pagamentos fard aumentar a competi¢io entre cles. Se io se operar essa expansio, (© desenvolvimento de novos sistemas significaré (pelo menos) mais «uma» opgio tecnolégica aproveitada pelos bancos, mas, neste caso, sem afectar a centralizagao dos sistemas de paga- ‘mentos ¢ a utilizagio das unidades de conta nacionais. Para além da bibliografia indicada, cfr. B. Conen, “Electronic money: new day or false dawn”, Review of International Political Economy, 2001, 8-2, pags. 21 ¢ segs.; M. KING, “Challenges for monetary policy: new and old”, Bank of England Quarterly Bulletin, 1999, 39, pags. 397 ¢ segs.; P. DackEMA, La Morte del Denaro. Una Rivoluzione Possible, Milo, 2003; F. A. Havex, Denationalisation of Money, 2.* ed., Lon- dres, 1978; L. Ware, Free Banking in Britain: Theory, Experience, and Debate, 1800-1845, Cambridge, 1984; P. ARROIA, Aliernativa ao PCEDED: A Desnacionalizagdo da Moeda, doc. 15 da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Porto, 1988. Sobre a nogdo e caracteris- ticas dos bens colectivos, cfr. A. SousA FRANCO (1992), Financas Pblicas e Direito Finan- ceiro, I, cit., pags. 26 ¢ 33 € segs. (41) Est em jogo 0 papel do banco central nos sistemas de pagamentos, enquanto seu garante ¢ prestamista de dltimo recurso, Os bancos centrais no tém de assumir os riscos dos ban os comerciais ou de outros intervenientes nos mercados interbancdrios, Contudo, se os pagamentos fossem rejeitados por insuficiéncia de liquidez imediata ¢ ocorresse um bloqueio de sistema have- ge THOSE RENATO” GONGALVES. Ate agora, o aparecimento de unidades de conta privadas nao pos em causa 4 _centralizagio dos sistemas de pagamentos sob a égide dos bancos centrais, a qual terd sido mesmo reforgada. E nio parece que o surgimento do «verda- deiro> dinheiro

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