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A CIDADE GENERICA [MEREEITEE 11. Sera a cidade contempordnea como © aeroporte contemporaneo wigual a todos os outros»? Seré possivel teorizar esta convergéncia? E em caso afirmativo,a que configuragao definitva aspira?Acon= vergéncia 6 possivel apenas a custa do despojamento da identidade. Isso € geralmente visto como uma per da, Mas @ escala em que isso acontece, tem de signi- ficar algo. Quais 680 as desvantagens da identidade o, inversamento, quais as vantagens da vacuidade? E se esta homogeneizagao aparentemente acidental —e geralmente deplorada— fosse um processointen- cional, um movimento conscienta do distanciamento da diferenga e aproximacao da semelhanca? Ese esti- vermos @ assistir a um movimento de libertagao glo~ bal: «abavo 0 ca-rdoter'» O.que resta se removermos ‘a identidade? 0 Genérico? 1.2, Na medida em que a idontidade deriva da substanciafsica, do histerico, do contexto @ do real, de certo modo nao coneeguimos imaginar que algo contempordineo —feito por nds— contribua para ola. Mas o facto do creseimanto huma- no ser exponencial implica que o passado se tornara: ‘om dado momento demasiado «pequeno» para ser habitado e partithado por aqueles que esto vivos. Nos mesmos 0 esgotamos. Na medida em que a historia encontra 0 seu depésito na arquitectura, as cifras actuais da populagdo vao inevitavelmente disparar e dizimar a substancia oxistonte. A identidade concebi- da como forma de partithar 0 pasado é uma proposta perdedora: nao s6 existe —num modelo estavel de expanse continua da populacdo— proporeionalmen- te cada vez menos o que partilhar, mas @ historia tem ‘uma ingrata meia-vida —quanto mais ge abusa dela, ‘menos significativa se torna— até chegar o momento em que as suas decrescentes dadivas se tornam insul- ‘tuosas. Esta rarefacgao 6 exacerbada pela massa ‘sempre crescente de turistas, uma avalanche que, na busca perpétua do «cardcter», tritura as identidades bem-sucedidas transformando-as em posira insig- nificante. 1.3. A identidade 6 como uma ratosira, onde cada vez mais ratos tém de partilhar 0 isco original, © que, examinada mais de perto, pode estar vazia ha séculos. Quanto mais poderosa for a identidade, mais ‘nos aprisiona, mais resiste & expanséo, a interpreta- 780, 8 renovagao, contradicao. A identidade torna-se semethante a um farol —fixa, sobredeterminada:pode mudar a sua posirao ou 0 padrao em que emite, maso prego € desestabilizar a navegacao (Paris s6 se pode tomar mais parisiense —j4 esta a caminho de se tor- rar hiper-Paris, uma caricatura polida. Ha excepcdes: Londres —cuja Unica identidade 6 a falta de uma identidade clara— esta perpetuamente a tornar-se cada vez menos Londres, mais aberta, menos estati- a). 1.4, A identidade centraliza; insiste numa essén- cia, num ponto. A sua tragédia é dada em termos geo- métricos simples. A medida que se expande a esfera de influéncia, a area caracterizada pelo centro torna~ se cada vez maior, diluinda irremediavelmente tanto a forga como a autoridade do nUcleo; inevitavelmente, ‘a distancia entre o centro ea circunferéncia aumenta até ao ponto de ruptura. Nesta perspectiva, a desco- berta recente ¢ tardia da periferia como zona de valor potencial —uma espécie de condigao pré-histérica que pode ser finalmente digna de atencao arquitecto- nica— é apenas uma insisténcia dissimulada na prio- ridade e na dependéncia do centro: sem centro nao ha periferia;o interesse do primeiro compensa presumi- jelmente a vacuidade do segundo. Conceptualmente 6rfa, a condieao de poriferia 6 agravada pelo facto da sua mae continuar viva, roubando o espectaculo, enfa- tizando as insuficiéncias da sua descendéncia. As Ltimas vibragdes que emanam do centro esgotado impedem a leitura da periferia como uma massa crit: ca, Nao 6 0 centro 6 por definicdo demasiado peque- no para cumprir as obrigagdes que the esto consig- nadas, como também nao é]4 0 centro real, antes uma. miragem empolada em vias de implosao; contudo, a ‘sua presenca ilusoria nega legitimidade ao resto da cidade (Manhattan denigra como «gente das pontes tineis» aqueles que precisam do apoio das infra- estruturas para entrar na cidade e fa-los pagar por isso). A persisténcia da actual absessao concéntrica faz que todos nds sejamos gente das pontes e taneis, cidadaos de segunda classe na nossa propria civliza- {¢80, privados dos nossos direitos por essa tonta coin- cidéncia do nosso exilio colectivo do centro, 1.5. Na nossa programacao concéntrica (o autor passou parte da sua juventude em Amesterdao, cidade da maxima centralidade) a insisténcia no centro como nucleo de valor @ significado, fonte de toda a significacao, é duplamente destrutiva: ndo s6 0 volume sempre cres- ccente das dependéncias 6 uma tensdo essencialmen- te intolerével, como também significa que o centro tem que ser constantemente mantido, quer dizer modernizado. Como «lugar mais importante» parado- xalmente tem que ser, ao mesmo tempo, omais velhoe (© mais novo, 0 mais fixo o mais din&mico; sofre a ‘adaptacdo mais intensa e constante, que em seguida se vé comprometida e complicada pelo facto de ter de ‘ser uma transformagao irreconhecival,invisivel a otho nu (a cidade de Zurique encontrou a solugao mais radical e dispendiosa ao voltar a uma espécie de arqueologia inversa: camada apos camada de novas modernidades —centros camerciais, parques de esta cionamento, bances, abdbadas, laboratories, eto.— sao construidos por baixo do centro, Ocentro jé nao se cxpande para fora ou para alto, mas sim para dentro ‘em direc¢o ao prépriocentro da Terral. Desde o enxer- 10 de vias de comunicagéo, circunvalagoes © tines subterraneos mais ou menos discretos, a construcao do cada voz mais tangenciais até a transformagao roti neira de habitagdes em escritérios, de armazéns em. lofts, de jgreias abandonadas em cludes nacturnos, desde as aléncias em série © subsequentes reabertu- ras de espagos comerciais cada vez mais caros até & implacdvel convorséo de espaco utilitio em espago «pablico», a pedonalizagao, a criagéo de novos par- ues, plantando, ligando e expondo a sistematica res- tauragao da modiocridads histériea —toda a autant- cidade se véincessantemente evacuada. 1.8. Cidade Generica é a cidade libertada da clausura do centro, do e2partitho da identidade. A Cidade Genérica rompe com o ciclo destrutivo da dependéncia, nao € mais do quo um reflexo da nocessidade actual 0 da capacida- de actual. € a cidade sem histéria.€ suficentemente grande para toda a gente. € facil. Nao necesita de manutengao, Se se tornar demasiado pequena sim- plesmente expande-se. Se ficar velha, simplesmen- te autodestr6i-se © renova-se.€ igualmente emacio- nante —ou pouco emecionante— em toda @ parte. € «superficial» —tal come um estigio de Hollywood pode produzir uma nova identidade todas as manhas de segunda-feira. PER 2A. A Cidade Geneéri- ca cresceu espectacularmente nas ultimas décadas, Nao s6 0 seu tamanho aumentou, mas também os ‘seus nimoros. No inicio da década de 1970, era hab tada em média por 2,5 milhdes de residentes oficiais (e mais ou menos 500,000 eventtuais); agora, ronda os 16 mithdes. 2.2. Sera que a Cidade Genérica comegou na América? E téo profundamente pouco original que 80 pode ter sido importada? Ei qualquer caso, a Cida- de Genérica agora também existe na Asia, Europa, Australia e Africa. passagem definitiva do campo, da agricultura para a cidade nao 6 uma passagem para a cidade como a conhecemos: 6 a passagem para a Cidade Genérica, uma cidade que se expandiu tanto que chegou ao campo. 2.3. Alguns continentes como a Asia aspiram & Cidade Genérica; outros envergonham- ‘se dela. Como tende para o tropical —convergindo em torno do equador— grande parte das Cidades Genéri- cas sao asiaticas, o que aparentemente é uma contra- digo nos termos: 0 superfamiliar habitado pelo ines- cerutével. Um dia voltaré a ser absolutamente exética, um produto descartavel da civilizacao ocidental, gra~ gas 8 resemantizagao que a sua propria difusdo deixa nna sua esteira... 2.6, Por vezes, uma cidade antiga © ‘singular, como € 0 caso de Barcelona, ao simplificar excessivamente a sua identidade passa a ser Genér ca, Torna-se transparente, como um logétipo, O con trério nunca sucede... pelo menos ainda nao aconte- cou, FMEMEM 2.4. A Cidade Genérica ¢ que resta depois de grandes sectores da vida urbana terem pas- sado para o ciberespago. E um lugar do sensagdes tenues e distendidas, de emardes escassas e distan tes, discreto e misterioso como um grande espacoilu- minado por um candeeiro de. mesa-de-cabeccira Comparada com a cidade classica, a Cidade Genérica sta sedada, normaimente observada de uma posicao sedentaria, Em vez de concentracéo —presenca simultanea— na Cidade Genérica, cada «momento» concreto afasta-se dos demais para eriar um transe de experiéncias estéticas quase inapreciaveis: as variagdes do cor na iluminagao fluorescente de um adic do escrtérios pouco antes do por do Sol, as ubtilozas dos brancosligeiramente diferentes de umn painot iuminado noite. Tal como a comida japonesa, fas sensagdes podem reconstituir-see intensficar-se ‘na mente, u no: podem ser simplesmente ignoradas (hé uma opgao). Esta difusa falta de urgéncia e insis- tencia actua como uma droga potente: induz uma alu- cinaeéo do normal.3.2. Numa drasticainversaodo que 6 supostamente a principal caracteristica da cidade =o «nogécio»— a sensagao dominante da Cidade Gonérica é uma calma misteriosa:quanto mais calma for, mais se aproxima do seu estado puro. A Cidade Genérica enfrenta os «males» que seatribuiam a cida- de tradicional antes que o nosso amor por esta se tor- ‘nasse incondicional. A serenidade da Cidade Genérica consegue-se através da evacuagdo do dominio publi- 0, como na emargfncia de um simulacro de incéndio. A superficie urbana agora sé alberga 0 movimento necessério, fundamentalmente os carros: as auto- estradas sto uma versdo superior das avenidas e pra- 88, ocupando cada vez mais espace; 0 seu tracado, ue aparentemente procura a eficécia automobilisti- ca, de facto surpreendentemente sensual, uma pre- tens utilitaria que entra no dominio do espaco liso. O que é novo neste dominio publica sobre rodas é que ‘do pode ser medido om termos de dimensdes. Omes- ‘mo percurso (digamos de dez quilémetros) proporcio- ra grande namero de experiéncias completamente diferentes: pode durar cinco minutos ou quarenta pode ser partithado com quase ninguemoucom toda a Populagéo: pode proporcionar 0 prazer absoluto da velocidade pura ¢ néo adulterada —caso em que a sensagao da Cidade Genérica pode mesmo tornar-se intensa ou pelo menos adquirir densidade— ou mo- mentos de paragem totalmente claustrofébicos — caso em que a rarefac¢éo da Cidade Genérica sera mais perceptive. 3.3.4 Cidade Genérica é fractal, uma ‘epeti¢ao infindavel do mesmo modulo estrutural sim- ples: € possivel reconstrui-la a partir da sua entidade mais pequena, de um computador pessoal ou talvez mosmo de uma disquete. 3.4. Os campes de gofe s80 tudo o que resta da alteridade. 3.8, A Cidade Genérica tom numeros de telefone fceis, nao esses rebeldes trturedores do Lobulo frontal de dez algarismos que evistem na cidade tradicional, mas sim versdes mals hhomogénees, por exemplo com os algarismos inter- médios idénticos. 3.6. A sua principal atracgao é a ‘nomi. EERE 4.1. anteriormente manifesta- jes da méxima neutralidade, os aeroportos est2o agora entre os elementos mais singuares e caracte- Fistios da Cidade Genérica, sendo.o seu mais podero- 0 velculo de diferenciagdo. Tim de oser, aque é mul- tas vozes tudo 0 que uma pessoa comum fica a conhecer de uma determinada cidade. Tal come numa eficaz apresentagto de um perfume, o3 murais foto- frficos, a vogotapao © os costumes locaisproporcio- nam um primeiro choque concentrado da identisade local (por vezes também o Ultimo). Longinquo, con- fertavel, exctico, pola regional, oriental, stco, ve au mesmo cinexplorador: so estes 0s registos emo Cionais que evocam. Assim com esta carga concepts- al, 08 aoroportos transformam-se em sinais embie~ mmatices, gravados no inconsciente colectvo globel, om selvagens manipuiagoes dos seus atrativos nao aeronduticos —lojas taxfree, qualdades espaciais espectaculares,afrequéncia ea fiabidede das suas ligagdes com outros aeroportos. Em termos da sua iconografia/desempenho, 0 aeroporto € um concen- trado tanto do hiper-local como do hiper-global — hiper-global no sentido de que podemos adquirir ai artigos que nao se encontram nom maemo na cidade, hhiper-local no sentido em que se podem adauirir nele ‘coisas que néo se podem obter em mais parte nenhu- ‘ma. 4.2. A tendéncia da Gestalt dos aeroportos 6 para uma autonomia cada vez maior: por vezes, nao tém sequer na prética qualquer relacao com a Cidade Generica especifica. Ao tornarem-se cada vez maio- es, equipados com mais servicos nao associados as viagens, estao em vias de substituir a cidade. A condi (:40 de estar «em trénsito» esta a tornar-se universal Em conjunto, 0s aeroportos contém populagdes de mithdes de habitantes, al6m de contarem com a maior forga de trabatho diurna. Tendo em conta a totalidade dos seus servigas, so como baitros da Cidade Genéri- a, sendo mesmo por vezes a sua razao de ser (0 seu centro), com a atracgao adicional de serem sistemas hermeticos dos quais nao ha escapatéria —salvo para it para outro aeroporto. 4.3. A data/idade da Cidade Genérica pode ser reconstruida a partir de uma leitura atenta da geometria do seu aeroporto. Planta hexago- ‘nal (em casos singulares, pentagonal ou heptagonall: década de 1960. Planta e corte ortogonais: década de 1970. Cidade cotlage: década de 1980. Um corte curva unico, interminavelmente extrudido numa planta line~ ar: provavelmente, década de 1990. (A sua estrutura ramificada como um carvalho: Alemanha). 4.4. Eis tem aeroportos de dois tamanhos: demasiado gran- des w demasiado pequenos. Contude, 0 seu tamanho nao tem influéncia no seu desempenho. Isto sugere ‘que aspecto mais intrigante de todas as infra-estru- turas 6 a sua elasticidade essencial. Catculados com exactido em funcao do nimero —de passageiros por ano— so invadidos por um sem numero deles & sobrevivem, expandidos até & maxima indetermina~ 20. PRRERMEPETIS.1. 4 Cidade Genérica ¢ rigorosa- mente multirracial, tendo em média 8 % de negros, 12 % de brancos, 27 % de hispanicos, 97 % de chine- ses/asiaticos, 6 % deindeterminados ¢ 10 % de outros, Endo s6 multirracial mas também multicultural. E por esta razBo que no surpreende encontrar templos entre 08 prédios, dragoes nas avenidas principais ou budas no CBD (Central Business District: centro comercial e financeiro).8.2. A Cidade Genérica @ sem- pre fundada por pessoas em transito, determinadas a ‘seguir adiante. Isto explica a insubstancialidade das ‘suas fundagdes. Como os fiocos que se formam subi- tamente num liquido transparente ao juntarem-se duas substéncias quimicas, para posteriormente se acumularem numa pilha incerta no fundo,acolisao ou confluéncia de duas migragdes —por exemplo, emi- grados cubanos a caminho do norte e judeus aposen- tados indo para o sul, em altima instancia todos a caminho de outro lugar— estabelece, quando menos ‘90 espera, um assentamento. Nasceu uma Cidade Genérica. GRUBEMIEGE 6.1. 4 grande originalidade da Cidade Genérica @ simplesmente a de abandonar 0 ue nao funciona —o que sobreviveu ao seu uso— ara romper a capa de asfalto do idealism com os martelos pneumaticos do realismo e aceitar qualquer coisa que cresca em seu lugar. Nesse sentido, a Cida- de Genérica coneilia tanto o primitivo camo futurista na verdade, somente estas duas coisas. A Cidade Genérica @ tudo 0 que fiea do que costumava ser a cidade. A Cidade Genérica 6 a pés-cidade que se esta ‘a preparar no lugar da ex-cidade. 6.2. A Cidade Genéri- ca mantém-se unida néo por um dominio pubblico excessivamente exigente —progressivamente degra- dado numa sequéncia inesperadamente longa em Que © forum romano esté para a Agora grega como o Centro comercial esta para a rua principal— mas pelo residual. No modelo original dos modernos, o residual era simplesmente uma zona verde, o seu controlado asseio era uma afirmacao moralista de boas inten- 028, desencorajando a associacdo e o uso. Na Cidade Genérica, por virtude da sua capa civlizacional ser tao fina, © gracas a sua tropicalidade imanente, o vegetal transforma-se em Residuo Edénico, sendo o principal portador da sua identidade: um hibrido de politica e paisagem. Ao mesmo tempo refugio do ilegal e do in: Ccontrolavel e submetida a uma intermindvel manipu- lacao, representa um triunfo simultaneo do cosmético ede primordial, A sua exuberancia imoral compensa: outras fraquezas da Cidade Genérica. Supremamente Inorganica, o organico 6 0 mito mais poderoso da Cida- de Genérica.6.8. A rua morreu. Essa descoberta coin- cidiu com as frenéticas tentativas da sua ressurreicao, A arte piblica esta por toda a parte —como se duas martes fizessem uma vida. A pedonalizagao— pensa- da para preservar —canaliza simplesmente 0 fluxo dos condenados a destruir com os seus pés 0 objecto da sua presumida veneracao. 6.4. A Cidade Genérica esté a passar da horizontalidade para a verticalidade, Oarranha-céus parece ser a tipologia final edefinitiva, Engoliu tudo 0 resto. Pode existir em qualquer lugar: num arrozal ou no centro da cidade, ja nao hé nenhu- rma diferenca. As torres ja nao esto juntas; separam- sede modo a que nao interajam.A densidade isolada 6 0 ideal. 6.8. A habitagao ndo 6 um problema. Ou foi totalmente resolvida ou foi deixada completamente a0 .acaso; no primeiro caso € legal: no segundo, «ilegab»; no primeiro caso, s80 torres ou, geralmente, prédios (com um maximo de 15 metros de profundidade); @ no segundo (em perfeita complementaridade) uma cros- ‘ta de barracas improvisadas. Uma solucao consome o céu:a outrao terreno. € estranho que aqueles que tém ‘menos dinheiro habitem o recurso mais caro —a ter- Ta— os que pagam habitem o que é de graca —o ar. Em ambos os casos, a habitagdo demonstra ser sur- reendentemente acomodaticia — néo 36 a popula~ ‘940 duplica de tantos em tantas anos, como também, com o decrescente controlo das diferentes religides,o AGimero médio de habitantes por unidade se reduz ara metade —devido a divércios e outros fenémenos de divisdo familiar— com’ a mesma frequéncia que duplica a populagao da cidade; a medida que estes Umeros crescem, a densidade da Cidade Genérica ‘std perpetuamente em redueao. 6.6. Todas as Cida des Genéricas surgem da tabula rosa: se no havia ada, agora elas estao la; se ja existia algo, elas subs- tituiram-no, Teria que ser assim, de outro modo se- riam histérieas. 6.7. A paisagem Urbana Genérica geralmente uma amalgama de sectores excessive: mente ordenados —que datam do inicio do seudesen- volvimento, quando «o poder» ainda nao se tinha dilu- ido—e solugdes cada vez mais livres por toda a parte. 6.8. A Cidade Genérica é a apoteose do conceito de escolha miitipla: todas as hipsteses marcadas, uma antologia de todas as opcdes. Em geral, a Cidade Genérica foi «planeada» nao no sentido habitual de ‘uma organizagao burocrattica que controla o seu des- envolvimento, mas sim como se diversos ecos, espo- +08, tropos @ sementes tivesser, como na natureza, caido na terra ao acaso, se tivessem fixado —aprovei~ tando a fertilidade natural do solo— e agora formas- sem um conjunto: uma reserva arbitraria de genes que por vezes produz resultados assombrosos. 6.8. A os- critada cidade pode resultar indecifravele defeituosa, mas isso nao significa que no haja escrita; pode ter acontecido simplesmente que tenhamos criado um novo analfabetismo, uma nova cegueira. A detecgao paciente revela os temas, as particulas e os filamen- tos que se podem isolar da aparente impenetrabilida- de desta ur-sopa wagneriana: notas deixadas numa ardésia por um génio numa visita ha 50 anos, relato- rios multi-copiados da ONU que se desintegram no seu silo de vidro em Manhattan, descobrimentos de antigos pensadores coloniais com olho clinico para © clima, imprevisiveis ricochetes de educacéo para 0 desenhe que recuperam forra como um processo glo bal de branqueamento, 6.10, A methor definigao da estética da Cidade Genérica é 0 «estilo livre». Como descrevé-lo? Imaginemos um espago aberto, uma cla- reira na floresta, uma cidade nivelada. Ha trés ele- mentos: as estradas, os edificios @ a natureza; todos eles coexistem com relagdes flexiveis, aparentemente sem motivo, numa espectacular diversidade organiza~ tiva, Qualquer dos trés pode dominar: por vezes a «estrada» perde-se —e volta a encontrar-se serpen- teando num desvio incompreensivel; por vezes ndo vemos edificios, s6 a natureza: depois, de modo igual- mente improvisivel, vemo-nos rodeados 86 por edifi- cios. Em certos pontos assustadores, as trés coisas esto simultaneamante ausentes, Neecos «sitios» (na verdade, qual ¢ 0 oposto de sitio? Sao como buracos erfurados no conceito de cidade), a arte publica emerge como o monstro do lago Ness, figurativa e abs- tracta em partes iguais, habitualmente auto-mantida, 6.11. As cidades especificas continuam a discutir os Braves erros dos arquitectos —por exemplo, as suas ropostas para criar redes pedonais elevadas com tentéculos que levam de um prédio para 0 seguinte ‘como solugao para a congesto— mas a Cidade Gené- fica simplesmente desfruta das vantagens das suas invengdes:plataformas, pontes, tineis e outo-estradas —uma enorme proliferacao da parafernalia de liga- (¢ao— frequentemente cobertos de fetos e flores como 88 para esconjurar 0 pecado original, criando assim uma congestao vegetal mais severa do que um filme de ficgao cientifica dos anos 1950. 6.12. As estradas ‘840 apenas para 0s carros. As pessoas (0s pedes) so largados em caminhos (coma num parque de diver- bes), em «promenades» que as levantam do solo e depois as sujeitam a todo um catalogo de situacdes exageradas —vento, calor, escarpas, fri, interior, exto- rior, cheiros @ vapores— numa sequéncia que 6 uma caricatura grotesca da vida na cidade historica. 6.13. Existe horizontalidade na Cidade Genérica, mas est em vias de extincao. Consiste da historia que ainda do foi apagada ou entao de enclaves ao estilo Tudor ‘quo ee multiplieam em redor do centro, como emble- mas recém-cunhados da preservacao. 6:14, Ironica- mente, embora sendo nova, a Cidade Genérica esta rodeada por uma constelagao de Cidades Novas: as Cidades Novas so como anéis de crescimento anual. De algum modo, as Cidades Novas envelhecem com ‘muita rapidez, tal como uma crianga de cinco anos ‘ue fica com rugas e artrite devide a doenca chamada progeria. 6.18. A Cidade Genérica apresenta a morte definitiva do planeamento. Porqué? Nao porque nao seja planeada —de facto, enormes universos comple mentares de burocratas promotores imobiliarios canalizam fluxos inimaginaveis de energia e dinheiro para a sua concretizacéo; pelo mesmo dinheiro, as ‘suas planicies podiam ser fertilizadas com diaman- tes, 08 seus terrenos lamacentos pavimentados com lajas de ouro... Mas a sua descoberta mais perigosa e ‘estimulante € que o planeamento nao faz qualquer diferenga. Os edificios podem colocar-se bem (uma torre perto de uma estagao de metro} ou mal (centros, aquil6metrosde distancia de qualquer estrada). Todos florescemn/marrem de maneira imprevisivel. As redes vidrias expandem-se em excesso, envelhecem, apo- drecem, tornam-se obsoletas; as populagdes dupli- ‘cam, triplicam, quadruplicam e de repente desapare- com. A superficie da cidade explode, a economia acelera, desacelera, dispara, afrouxa. Como velhas aes que continuam a amamentar os seus embridos, tit&nicos, cidades inteiras sao construidas sobre infra- estruturas coloniais, cujas plantas os opressores levaram de volta para casa, Ninguém sabe de onde, ‘como ou desde quando funcionam os esgotos, nin: .guém sabe a localizagao exacta das linhas telefénicas, Qual foi a razao para colocar ali o centro, nem onde ‘acaba os eix0s monumentais, 0 que tudo isso demonstra é que ha infinitas margens ocultas, colos- sais reservas de inércia, um perpétuo processo orga~ nico de afinagae, normas, comportamentos: as ex- Pectativas mudam com a inteligéncia biologica do animal mais atento, Nesta apoteose de escolha milti- pla nunca voltaré a ser possivel reconstruir a causa © 0 efeito, Funcionam, 6 tudo. 6:16. A aspiracdo da Cidade Genérica a tropicalidade implica automatica~ mente a rejeipao de qualquer referéncia protongada a cidade como fortaleza, como cidadela; é aberta e aco- modaticia como um mangal. Genérica tem uma relagao (por vezes distante) com um regime mais ou menos autoritario, local ou nacio- nal, 0 habitual ¢ que os amigos do dirigente —quem quer que ele seja— tenham decidide promover um pedago de «centro urbano» na periferia, ou inclusiva- ‘mente comegar uma cidade no meio do nada e desen- cadear assim uma prosperidade que ponha a cidade no mapa. 7.2. Com frequéncia, 0 regime desenvolveu um surpreondente grau de invisibilidade, como se sgragas 4 sua permissividade a Cidade Genérica resis- tisse ao ditatorial. RSSSTEMEN®.1. E deveras surpre- endente que 0 triunfo da Cidade Genérica nao tenha ‘oincidido com o triunfo da sociologia -uma disciplina ‘cujo «campo» foi ampliado pela Cidade Genérica para além de tudo 0 que se possa imaginar. A Cidade Ge- nérica é sociologia a acontecer. Cada Cidade Genéri- ca é uma placa de Petri, ou um quadro preto infinita~ mente paciente no qual quase qualquer hipotese pode ser ademonstrada» e logo apagada, para nunca mais ‘ecoar nas mentes dos seus autores ou do seu publico. 8,2, Claramente, ha uma proliferagao de comunidades —um zapping sociolégico— que resiste a uma nica interpretagao dominante. A Cidade Generica esta a debilitar todas as estruturas que no passado levaram fa que algo se consolidasse. 8.3. Ainda que infinita~ mente paciente, a Cidade Genérica também se mostra persistentemente rebelde perante a especulagao: demonstra que a sociologia pode ser o pior sistema para captar a sociologia a acontecer. Vence todas as criticas estabelecidas. Contribui com uma grande ‘quantidade de provas a favor e em quantidades ain- da mais impressionantes— contra cada hipotese. Em 00s prédios construidos em torre levam ao suicidio, em B, a felicidade para sempre, Em C, so vistos como um primeiro passo no caminho da emancipacao (con- tudo, presume-se que sujeito a algum tina de coacao): 6m D, simplesmente como algo que passou de moda, Construidos em quantidades inimaginaveis em K, esto a ser dinamitados em L.A criatividade é inexpli- Cavelmente alta em E, e inexistente em F. G é um mosaico étnico ininterrupto; H esta constantemente 4 mercé do separatismo, para nao dizer a beira da guerra civil. 0 modelo nunca perduraré devido a alte- raga que produz na estrutura familiar, mas 2 floresce —uma palavra que um académico nunca aplicaria a ‘qualquer actividade da Cidade Genérica— por causa dela. A religiao desaparece em V, sobrevive em We transmuta-se em X. 8.4. Estranhamente, ninguém Pensou que, ao acumularem-se, as infinitas contradi (90es destas interpretagdes demonstram a riqueza da Gidade Genérica; essa @ a hipotese que foi eliminada antecipadamente, 9.1. Ha sempre um bairro chamado Lipservice,’ onde se conserva uma parte minima do passado: normalmente hé um velho com- boio/eléctrico ou autocarro de dois pisos que lé circu: Jogo de palavras:to oy li service significa al como xdarpalmadi has ras costase IN do la fazendo soar sinistras campainhas: versdes domes- ticadas do navio fantasma de Der fliegende Hollander. {As cabines telefénicas ou sao vermelhas e transplan- tadas de Londres, ou esto dotadas de pequenos telhados chineses. Lipservice —também chamado Afterthoughts, Waterfront, Too Late, 42nd Street, simplesmente Village ou mesmo Underground—* & uma elaborada operacdo mitica: exalta o passado como s6 0 recentemente concebido sabe. £ uma maquina. 9.2. A Cidade Genérica teve em tempos um passado. No seu esforgo para alcangar notorieda- de, grandes sectores dela de certo modo desaparece- ram, a principio sem que ninguém o lamentasse — segundo parece, 0 passado era surpreendentemente ingalubre, mesmo perigoso— @ depois, sem avisar, 0 alivio transformou-se em pesar. Alguns profetas —de longos cabelos brancos, peugas cinzentas e sanda~ lias— tinham sempre avisado que 0 passado era necessario, um recurso. Lentamente, a maquina de destruipao comega a imobilizar-se: algumas casinho- tas aleatérias do branqueado plano euclidiano sal- vam-se, restituidas a um esplendor que nunca tive- ram... 9.3. Apesar da sua auséncia, a historia 6 a principal preocupagao, ou mesmo indéstria da Cidade "Rgpactvamanta Mergers, Muito tardas Rus 62, «a Via @ -Subarraneos IN do Genérica. Nos terrenos libertados, em volta das casi nhotas restauradas, constroem-se mais hotéis para acolher turistas adicionais na proporgao directa da eli- ‘minagao do passado. 0 seu desaparecimento nao tem qualquer influéncia no eeu némero, au talvez se trate apenas de uma avalanche de Ultima hora. O turismo 6 ‘agora independente do destino... 8.4, Em vez de recor- dagoes especificas, as associacdes de ideias que a Cidade Genérica mobiliza so recordagdes gerais, recordagdes de recordacdes: se nao todas as recorda- ‘90s a0 mesmo tempo, ao menos uma recordagao abs- ‘tracta e simbolica, um déjé vw que nunca acaba, uma recordacao genérica.9.8. Apesar da sua modesta pre: ‘senga fisica (Lipservice nunca tem uma altura superior a trés andares: homenagem a Jane.Jacobs ou vinganca desta), condensa todo o passade num Gnico conjunto. A histéria regressa aqui ndocoma uma farsamas como lum servipo: mercadores mascarados (chapéus cémi- (008, ventres & mostra e véus) promovem voluntar mente as condigdes (escravatura, tirania, doenga, pobreza ou colonialismo) por cuja abolicao 0 seu pais outros tempos se langou numa guerra. Coma um virus ‘que se multiplica por todo o mundo, o colonial parece ‘ser a nica fonte inesgotavel do auténtico, 9.6. 42nd Street: embora aparentemente sejam os lugares onde o passado se preserva, na verdade so os lugares on- deo passado mais mudou, ost mais distante —como 5¢.0 vissemos com 0 telescépio ao contrério— ou foi mesmo completamente eliminado. 9.2. S6 a recorda- ‘sao dos excessos anteriores 6 suficientemente forte para intensificar 0 an6dino. Como se tentassem aque- cer-se ao calor de um vuledo oxtinto, oe sitios mais populares (com turistas, @ na Cidade Genérica isso inelui toda a gente) s80 os que alguma vez estiveram mais intensamente associados ao sexo ea ma condu- ta, Os inocentes invadem os antigos redutos de proxe- rtas, prostitutas, traficantes, travestis e, em menor rau, de artistas. Paradoxalmente, no mesmo momen- to em que a auto-estrada da informagao esta pronta paralevara pornografia as toneladas até as suas salas de estar, 6 como se a experiéncia de caminhar sobre ‘essas brasas reaquecidas da transgressao e do peca~ do 0s fizesse sentirem-se especiais e vivos. Numa épo- ‘ca que nao gera nova aura, o valor da auraestabelecida dispara. Sera aocaminhar sobre essas cinzas que mais, perto se encontraréo da culpa? Existencialismo diluido com aintensidade de uma garrafa de Perrier?9.8. Cada Cidade Genérica tem uma beira-mar, néo necessaria- ‘mente com a agua —também pode ser com um deser- +t, por exemplo— mas pelo menos uma linha limitrofe onde se encontra com outra situacao, como se uma posigao de escape proximo fosse a melhor garantia para o seu divertimento. Aqui os turistas retnem-se ‘20s magotes ern volta de um punhado de tendas. Mul- tides de vendedores ambulantes tentam venderlhes 98 aspectos «inicos» da cidade. As partes tnicas de todas as Cidades Genéricas juntas criaram um sowve- fir universal, um eruzamento cientifica entre a Torre Eitfel.o Sacré-Cosur ea Estétua da Liberdadet um ed. fico ato (normalmente entre os 200 o os 300 metros) submergido numa pequena bola de agua com neve ou, se tivermos préximo do equador, com flocos de our, aiarios com capas de couro picadas de variola: san- dias hippies —mesmo qué os verdadeios hippies sejam repatriados rapidamonte, Os turistas afagam nos —nunca ninguém viu uma venda— de sepuida sentam-se em exbtcas restaurantes que bordejam a beira-mar. Ai provam toda a gama de pratos do dia picantes que em principio e em ultima andlise podem Ser 0 sinal mais fidvel de estaram noutro sitio: pang dos de vaca ou sintéticos; crus, um costume atavioo ue serd muito popular no terceiro milénio, 88. Ae gambas sao 0 aperitivo fundamental. Gragas a sim- plificagao da cadsiaalimentar easvicisitudes da pro- aragdo —sabem aos queques ingleses, quer dizer, a nada SIMEITEEY 101. 0s escritérios continuame ‘str de facto cada vez em maior numero. As pessoas dizem que ja nao S80 necessérios. Dentro de cinco & ddez anos, trabalharemas todos em casa, Mas precisa remos de casas meiores, suficientemento grandes ara as utlizarem reunides. Os escritris terde de ser convertidos em casas. 10.2. A (nica actividade é ir as ‘compras... Mas porque nao considerar que ir a5 com~ pras € algo temporario, provisério? Espera melhores dias. E a culpa 6 nossa —nunca pensémos em nada melhor para fazer, Os mesmos espagesinundados com outros programas —bibliotecas, banhos, universida~ des— seria espectacular: ficariamos estupefactos perante a sua grandiosidade. 10.3. Os hotéis esto a transformar-se no alojamento genérico da Cidade Genérica, no seu prédio edificado mais comum. Antes costumavam ser as escritdrios que pelo menos impli- cavam um ir e vir @ supunham a presenga de outros alojamentos importantes em qualquer outro sitio. Os hotéis so agora contentores que, na expansio e na Universalidade des seus servigos, fazem com que qua- se todos os restantes edificios se tornem redundantes, ‘Actuando também como centros comerciais, 880 0 mais parecido que temos com a existéncia urbana ao estilo do século wx, 10.4. 0 hotel implica agora um encarceramento, uma prisao domiciliaria voluntaria: rnd ha outro sitio onde ir que possa competir com elo; chegamos @ la ficamos. Em conjunto, descrevem uma cidade de dez milhdes de habitantes, todos encerrados ‘nos seus quartos, uma espécie de animagao invertida —adensidadeimplodida. EMNCMERMEN 1.1. Feche- mos os olhos e imaginemos uma explosio de bege. No ‘seu epicentro espalha-se @ cor das pregas vaginais (no excitadas), em beringela metalico mate, tabaco- aqui, abébora acinzentada, todos os carros a cami- iho da brancura nupcial... 11.2. Hé edificios interes- santes @ aborrecidos na Cidade Genérica, como em todas as cidades. [m ambos os casos a sus asvendén- cia remonta a Mies van der Rohe: a primeira categoria sua torre irregular da Friedrichstrasse (1921); a Segunda, as caixas que ele concebeu nao muito tempo depois. Esta sequéncia € importante: obviamente, depois de uma experincia inicial, Mies tomou uma deciséio de uma vez por todas contra o interesse, a favor do aborrecimento. Quando muito, os seus edifi- cios posteriores captam o espirito do seu trabalho anterior —sublimado, reprimido?— como uma ausén- cia mais ou menos perceptivel, mas nunca mais voltou @ propor projects «interessantes» para possiveis edificios. A Cidade Generica demonstra que estava ‘equivocado: 08 seus arquitectos mais ousados aceita- ram o desafio que Mies recusou, até a um ponto que hoje é dificil encontrar uma caixa. Ironicamente, esta homenagem exuberante ao Mies interessante mostra ue «o» Mies estava enganado. 11.3, Aarquitectura da Cidade Genérica 6, por defini¢ao, bela. Construida a uma velocidade incrivel e concebida a um ritmo mais incrivel ainda, ha uma média de 27 versdes aborta- das por cada edificio realizado, mas este nao 6 0 ter- mo adequado. Os projectos sao elaborados nesses 10,000 eseritorios de arquitectura, de que nunca nin- guém ouviu falar, todos vibrantes de uma inspiragao inovadora, Supostamente mais modestos que 08 seus ccolegas mais conhecidos, estes escritrios estao liga- dos por urna conscigncia colectiva de que algo vai mal na arquitectura e que s6 pode ser corrigido mediante ‘98 seus esforpos. 0 poder dos ndmeros outorgalhes uma espléndida e lustrosa arrogancia. Sao eles que projectam sem vacilar, De mil e uma fontes, com uma precisao sem controlo, retinem mais riquezas do que poderia qualquer outro génio. Em média, a sua educa ‘edo custou 30,000 dolares, sem contar com viagens & alojamento, 23 % foram branqueados nas universida~ des norte-americanas da Ivy League, onde estiveram ‘em contacta —ha que reconhecer que durante perio- dos muito curtos— coma elite bem page da outra pro- figeao eoficial». Daf se deduz que um investimento combinado total de 300 mil milhdes de délares em for- magao de arquitectos (30.000 délares (custo médio] x 100 [ndmero médio de trabalhadores por atelier] x 100,000 [némeros de ateliers em todo o mundo) esta a desenvalver e a praduzir a todo o momento Cidades Gonéricas. 11.4. Os edificios que sao formalmente complexos dependem da inddstria da parede-cortina, ‘com adesivos e selantes cada vez mais eficazes que transformam cada edificio numa mescla de cami- sa-de-forgas e tenda de oxigenio. 0 uso de silicone —«estamos a estender a fachada tanto quanto for possivel»— aplanou todas as fachadas, colou ovidro a Pedra, ao.agoe ao betao numa impureza propria dara ‘espacial. Essas unides dao a impressao de certo rigor intolectual gragas @ aplicarae generosa de um com Posto espermético transparente que mantém tudo Unido, mais pelo objectivo do que pelo desenho: um triunfo da cola sobre a integridade dos materiais. Como tudo o resto na Cidade Genérica,a sua arquitecturaéo resistente tornado maleavel, Uma epidemia do flexivel causada nao pela aplicagio dos principios, mas sim pela aplicacao sistematica do que nao tom principios. 11.8. Dado que a Cidade Genérica ¢ principalmente asiética, a sua arquitectura funciona geralmente com ar condicionado; e 6 ai onde o paradoxo da recente mudana de paradigma —que a cidade ja nao repre- ‘senta 0 maximo desenvolvimento, mas sim um subde- senvolvimento no limite— se torna agudo: 03 meios brutais com que se consegue o acondicionamento uni- versal imitam, dentro dos edificios, as condigdes cli- maticas que antes «sucediam» fora: tempestades repentinas, mini tornados, jactos de ar gelado na cafe- taria, ondas de calor e inclusive neblina; um provincia~ rnismo do mecéinico, abandonado pela massa cinzenta ‘em busca do electrénico. Incompeténcia ou imagina- (980? 11.6. Aronia 6 que desse modo. Cidade Genérica alcanga © seu ponto mais subversivo, mais ideologico; eleva a mediocridade a um nivel superior: € como 0 Merabou de Kurt Schwitters & escala da cidade:a Cida- de Genérica ¢ uma Merzstadt. 11-70 angulo das facha- das 6 0 nico indicadorfiavel da genialidade arquiteo- \Gniva:9 pontes por se inclinar para ts, 12 pontos por seinclinar paraa frente, penalizagao de 2 pontos pelos recuos (demasiado nostalgicos). 11.8. A substancia aparentemente sélida da Cidade Genérica 6 enganosa, 51.96 do seu volume consiste num trio. O atrio 6 um recurso diabslico pela sua capacidade para dar subs- tancia 20 insubstancial. 0 seu nome romano € uma garantia eterna de classe arquitecténice —as suas ori- gens histérices fazem com que o tema seja inesgoté- vel. Dé alojamento ao habitante das cavernas no seu fornecimento incessante de comodidade metropolita- na. 11.8.0 &trio 6 espaco vazio: 0s vazios 880 0 prédio edificado essencial da Cidade Genérica, Paradoxal- ment, sua vacuidade assegura a sua natureza fsica, sendo 0 exagero do volume o nico pretexto para asua ‘manifestagao fisica. Quanto mais completos e repetit- ‘9s so 08 seus interiores, menos se nota a sua repeti- edo essencial. 11.10. 0 estilo de eleipao 6.0 p6s-moder- noe sempre permaneceré assim. pés-modernismo & © Unico movimento que conseguiu ligar 0 exercicio da arquitectura a0 exercicio do panico. 0 pés-modernis~ mo no é uma doutrina baseada numa interpretagao superiormente civilizada da historia da arquitectura, mas sim um método, uma mutago da arquitectura profissional que produz resultados suficientemente rapidos para acompanhar o ritmo de desenvolvimento da Cidade Genérica. Em vez de consciéncia, como tal- vez tivessem esperado oc sous inventores originais, o ‘que cria 6 um novo inconsciente. E 0 pequeno ajudante da modernizagao. Qualquer um o pode fazer — um arranha-céus inepirado num pagode chinés e/ou uma cidade toscana numa colina, 1111, Toda a resisténcia ‘20 pés-modernismo 6 antidernocratica. Cria um reves- timento «furtivo» em redor da arquitectura que a torna irresiativel, como um presente de Natal proveniente de uma instituicao benemérita. 11.12. Haveré uma ligacao entrea predominancia de espelhos naCidade Genérica —serd para celebrar o nada através da sua multiplica- ‘p80 ou um esforco desesperado para captar as suas esséncias em vias de evaporacao?— e as «prendas» que, durante séculos, se consideraram o presente mais Popular © mais eficaz para os selvagens? 11.13. Maxi- ‘mo Gorki fala, em relacao a Coney Island, de «tédio variado». € claroque pretende estabelecer um parado- x0. A variedade ndo pode ser entediante. 0 tédio nao pode ser variado. Mas a variedade infinita da Cidade Genérica quase consegue, pelo menos, tornar a varie- dade uma coisa normal: banalizada, numa inversao da expectativa, ¢ a repetieo que se torna inabitual e por- tanto potencialmente audaz e estimulante. Mas isso para. século no [EMCEEPIETEN 2.1. Cidade Genérica vive num clima mais quente do que ¢ habitual; vai a caminho do sul —até 20 equador— para longe dessa confuse que o norte fez com o segundo milénio, E um conceito num estado de migragao,Ocou doetino final & ser tropical —melhor clima, gente mais bonita. € habi- tada por aquales que nao gastam de vver noutro lado. 122, Na Cidade Genérica as pessoas nao s6 so mais bonitas do que os seus contempordneos, também tém fama de serem mais serenas, menos preocupadas em relagao ao trabalho, menos hostis, mais simpaticas — uma prova, por outras palavras, de que existe uma tiga 0 entre a arquitectura e o comportamento, de que a cidade pode melhorar as pessoas através de métodos ainda nd identificades. 12.3. Uma das caracteristicas ‘com maior potencial da Cidade Gonérica éaestabilida- de do tempo —sem estagdes, previsdo de ambiente soatheiro— no entanto todos os prognésticos se apre- sentam em termos de mudanga eminente © agrava- mento futuro: nuvens em Carachi, Do ético e do retigio~ 50, 0 tema da fatalidade passa a estar no émbito inescapavel do meteorologico. 0 mau tempo quase a Unica preocupagao que paira sobre a Cidade Genérica. 13.1. Ha uma redundancia calculada (?) EE nna iconografia que a Cidade Genérica adopta. Se esti- ver préximo da agua, os simbolos aquatticos espalham- se por todo o seu territério. Se for um porto, barcos © guindastes aparecerao muito longe terra dentro (con- tudo, nao faria sentido mostrar contentores: nao se ode particularizar o genérico através do Genérico). Se for asiética, por todo o lado aparecerao mulheres «sdelicadias» (sensuais, inescrutéveic) em poses elésti- cas, indicando submissao (religiosa, sexual). Se tiver uma montanhe, cada folheto, cada ementa, cada bilhete ou cartaz reproduzira a colina, come se nada ‘mais fosse convincente sendo essa redundéncia sem fim, sua identidade é como'um mantra, REMED 164. Lamentar-se por falta de histéria 6 um reflexo entediante. Revela um consenso tacito de que a pre- senga da histéria 6 algo desejavel. Mas quem diz queé esse.0.cas0?Uma cidade 6 um plano habitadodo modo mais eficaz por pessoas e processos, ena maioria dos casos a presenca da historia apenas debilita 0 seu rendimento... 14.2. 4 presenca da histéria limita o Puro aproveitamento do seu valor tedrico como ausén- Cla. 14.3. Ao longo da Histéria da Humanidade —para comegar um paragrafo a maneira norte-americana— as cidades cresceram mediante um proceso de con- solidagao. As mudangas fazem-se no lugar. As coisas methoram. As culturas florescem, degradam-se, renascem e desaparecem, so saqueadas invadidas, humithadas © espoliadas, triunfam, renascem, tém idades de ouro e ficam subitamente em siléncio —e tudo no mesmo lugar. Por esta razio a arqueologia é uma profissao de escavapdo: revela estrato apos estra- todaccivilizagao (quer dizer, da cidade).A Cidade Gené- rica, como um esboro que nunca se acaba, ndo é methorada, antes abandonada. A ideia de estratifica- 0, intensificagao e conclusao sao estranhas a ela’ nao tem estrates. 0 seu estrato seguinte tom lugar rnoutto sitio, que até pode ser mesmo ao lado —e isso pode ser 0 tamanho de um pais— ou entéo noutro lugar completamente diferente. 0 arquedlogo (= arque~ ologia con mais interpretacao) do século xx necessita de um ndmero ilimitado de bithetes de aviao e nao de uma pa. 14h, Ao explorar/expulsar os seus methora- mentos, a Cidade Genérica perpetua a sua propria ‘amnésia (0 seu Unico vinculo com a eternidade?). A sua arqueologia sera portanto a prova do seu esquecimen- ‘to progressivo, a documentagao da sua evaporacao. ‘A sua genialidade acabara de maos vazias —nao no rei ‘que vai nu, mas sim num arquedlogo sem achados ou numa jazida vazia, EES 15:1. As infra- ‘estruturas que se reforgavam e completavam mutua~ mente, estao a tornar-se cada vez mais competitivas e locais; j& no pretendem criar conjuntos que funci nam, agora produzem entidades funcionais. Em vez de redes e organiemos, a nova infra-estrutura cria encla~ ‘ves e impasses: ndo mais 0 grand récit, mas sim des- Vios parasitas (a cidade de Banguecoque aprovou pla~ nos para trés sistemas rivais de metro elevado para chogar de Aa B:que ganhe o mais forte). 18.2. A infra- estrutura jndo 6 uma resposta mais ou menos retar~ dada a uma necessidade mais ou menos urgent, mas antes uma arma estratégica, uma profecia: 0 porto X nao se amplia para prestar servicos a um terrtario, interior de consumidores frenéticos, mas sim para eli- mminar/reduzir as hipteses de sobrevivéncia do porto Y atéao século ox. Numa dnica lha,ametropole meridio- nal Z, ainda na sua infancia, 6 «dotada» de um novo sisterna de metro para fazer'com que a metropole W, J consolidada a norte, pareca pouco fluida, conges- tionada e antiga. A vida em V simplifica-se para fazer com que a vida em U se torne insuportavel. ‘86 0 redundante conta. 16.2. Em cada fuse hora Tig hé mais ou menos trés representagdes do musical Cats. 0 mundo esta rodeado por um anol de Saturno de rmiadelas. 16.3. A cidade costumava ser uma reserva natural de cara sexual. Cidade Genérica 6 como uma agéncia matrimonial: concilia eicazmente a ofertae a procura. Orgasmas em vez de sofrimento:ai esto pro- {gres50. As possiblidades mais obscenas sao anuncia~ das com a letra de impronsa mais limpa: a Helvética tornou-se pornogratica, FEA) 172. maginemos um filme de Hollywood sobre a Biblia. Uma cidade algures 1na Terra Santa. Uma cena de mercado: da esquerda para a direita figurantes vestidos com trapos de cores Vivas, poles e tunicas de seda entram na imagem a gri- tar, gesticulando, revirando os olhos, iniciando brigas, rindo, coganda as barbas, com 0s postigos pingando cola, apinhando-se no centro da imagem, agitando varapaus e punhos, derrubando bancas, pisando ani- aio... Ae pessoas gritam. Vendendo mercadorias? ‘Anunciando futuros? Invacando deuses? Bolsas s40 roubadas, criminosos sao perseguidos (ou ajudados?) pela multidao. Os sacerdotes rezam e pedem calma, ‘Ascriangas correm como loucas por entre uma floresta de pernas e tdnicas. Animais berram. Estatuas caem. ‘Asmulheres gritam —ameagadas? exaltadas? A multi dao agitada torna-se ocednica. As ondas rebentam, Agora cortamas 0 som —siléncio, um alivio abengoa~ do—e fazemos rodaro filme para tras.Os homens € as mulheres, agora mudos mas visivelmente agitados, retrocedem aos trapegdes: 0 observador ja nao regista apenas seres humanos, mas comeca a notar 0s espa- osentre eles. Ocentro esvazia-se:ascltimas sombras saem do enquadramento da imagem, provaveimente queixando-se, mas felizmente nao 0s ouvimos. Agora o siléncio 6 reforgado pelo vazio: a imagem mostra ten- das vazias, alguns restos de lixo pisado. Que alivo.. esta terminado, Esta é a historia da cidade. A cidade ja ndo existe, Agora ja pademos sair do cinema.

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