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São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2010

CONTARDO CALLIGARIS

Torcer ou pensar, eis a questão


O torcedor pensa e grita algo que não tem nada a ver com o que ele pensa quando
está sozinho

Pela minha história, sinto-me parte de várias nações e, na Copa do Mundo, torço por
todas elas. Quando se enfrentam duas seleções com as quais me identifico, sou
privilegiado: seja qual for o desfecho, um de meus times preferidos ganhará.
Embora tenha uma verdadeira repugnância por qualquer forma de nacionalismo, a
torcida da Copa do mundo é a única à qual consigo me juntar. É porque, na Copa, os
torcedores vibram, festejam ou se desesperam sem transformar os adversários em
objetos de ódio e desprezo.
Exemplo. No jogo de domingo entre Brasil e Costa do Marfim, o time africano pegou
pesado, a ponto de me inspirar uma certa antipatia. Também, por ufanismo continental,
o público sul-africano torceu pela Costa do Marfim e aplaudiu a expulsão de Kaká, cuja
única culpa foi de se irritar e manifestar sua irritação.
Pois bem, ninguém, nem o exuberante pessoal na sacada do prédio em frente do meu,
gritou impropérios contra o time da Costa do Marfim e ainda menos contra seu povo.
Tampouco ouvi insultos contra o público sul-africano.
Na hora da expulsão de Kaká, ecoou, isso sim, um único berro que expressava uma forte
dúvida sobre a honra e o recato da mãe do árbitro. Mas aí, também, ninguém é de ferro
(estou brincando).
Por que é possível torcer na Copa do Mundo sem ser devorado pela irracionalidade que
afeta as torcidas organizadas de nossos clubes?
A Copa acontece só a cada quatro anos, ou seja, as rivalidades são esporádicas, não se
cristalizam. Além disso, os adversários da Copa são variados, distantes e diferentes de
nós, enquanto, em geral, os humanos gostam de odiar seus vizinhos.
Justamente, quando existe uma rivalidade estabelecida entre duas seleções nacionais, é
entre países próximos, com similitude de destino, como Brasil e Argentina.
Mas mesmo esse tipo de rivalidade "tradicional" não se compara com o ódio que opõe
as torcidas de clubes da mesma cidade e do mesmo Estado. Essas torcidas são vítimas
dos piores efeitos do grupo sobre o pensamento e os critérios morais do indivíduo.
O que é efeito de grupo? Exemplo: UM jovem playboy entediado não colocaria fogo
num índio que dorme num abrigo de ônibus. QUATRO playboys entediados são
capazes disso; é possível, aliás, que os quatro se reúnam justamente para, juntos,
autorizar-se a fazer algo que, separados, eles nunca fariam.
Vamos agora a um jogo entre São Paulo e Corinthians (ou qualquer dupla de rivais da
mesma cidade).
O torcedor corintiano, que está do meu lado, bem antes que a bola role, já roga pragas à
torcida do São Paulo, que são "a bicharada" ou "os bambis". Nosso corintiano, uma vez
extraído de sua torcida, não imagina, obviamente, que todos os são-paulinos, jogadores
e torcedores, sejam "viados".
Tem mais: na grande maioria dos casos, na sua vida "real", fora do estádio, ele
tampouco pensa que a opção sexual de alguém possa servir de insulto, ou seja, ele não
acredita que os são-paulinos sejam bichas e não acredita que "bicha" seja um insulto.
Meu amigo torcedor, aliás, poderia ser ele mesmo homossexual; tanto faz, não por isso
ele deixaria de gritar "bicha-raaaada". O mesmo vale para um são-paulino e seus gritos
contra a torcida corintiana.
Resumindo, por fazer parte da torcida e para se integrar nela, o torcedor diz ou grita
algo que não tem nada a ver com o que ele pensa quando pensa sozinho (que, cá entre
nós, é o único jeito de pensar).
Por isso, só consigo torcer na Copa, e para quatro nações. Isso sem contar os times pelos
quais me apaixono "só" porque jogam bem.

Começo hoje meu Twitter: ccalligaris, com o "s" final que falta no meu e-mail,
www.twitter.com/ccalligaris. Postarei minirelatos de eventos do cotidiano, reflexões
(minhas ou lidas, ouvidas e citadas), fotografias, indicações de filmes, peças, livros,
exposições (e, por que não, restaurantes, pratos e vinhos). Haverá avisos de atividades
(palestras etc.) e crônicas de minhas viagens.
Em outras palavras, será um microdiário -com um pouco de sorte, um novo estilo; de
qualquer forma, uma nova experiência. Como se diz, todos estão convidados.

ccalligari@uol.com.br

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