Вы находитесь на странице: 1из 26
5. TRABALHO COM PROJETOS E A AVALIACAO NA EDUCAGAO BASICA Menca Lipxe* A participaggo na série “ Avaliacio e aprendizagens significativas” do programa “Saltoparao Futuro” da TVE, em setembro de 2002, me proporcio- nou a oportunidade de enriquecimento em peio menos trés importantes aspectos: a) 0 encontro com colegas muito competentes na area trabalhada, aavaliagio educacional; b) 0 contato com 0 publico interessado no assuntoe implicado em seus problemas (os professores de todo o pais); ¢) 0 acess0 a temas e recursos relativamente novos dentro do campo da avaliagao em educaco, dentre os quais se destacam a nocao de projetos, como recurso de trabalho com alunos da educacao basica, ea idéia, ainda muito pouco venti- Iada entre nés, de desenvolver rubricas, para enfrentar 0s espinhosos desa- fios no caminho de uma avaliago mais aproximada de aprendizagens sig- nificativas. Neste trabalho pretendo considerar alguns dos elementos mais relevantes na composigao do terceiro aspecto. ‘Antes de entrar propriamente na andlise da nogao de projeto, dentro do Ambito de trabalho na educagio basica, nao posso me furtar a revelar uma associacéio que passou a me perseguir a partir da decisao a respeito do tema deste trabalho. Trata-se de uma ligacao que me parece cada vez mais evidente (embora talvez surpreendente, para alguns), entre o que significa o termo projeto, para alunos da educagao basica eo que significa esse termo para estudantes de cursos de mestrado. Minha longa experién- cia como professora desses cursos, especialmente em disciplinas ligadas ao campo da metodologia de pesquisa, tem me oferecido intimeros exem- plos que sugerem uma comparagao um tanto atrevida, mas talvez provei- tosa para a discussio da idéia de projeto, de sua importancia e das dificul- dades envolvidas em sua concepcio e em sua concretizagao. Depois de cursarem varias disciplinas, obrigatérias e optativas, variando de acordo com 0 modelo seguido pelo programa de pos-graduacio, os estudantes * Graduada em Filosofia pela USP e Doutora em Sociologia pela Universidade de Paris X. Professora Titular da PUC-RIO. Editora Mediacao 68 Praticas avaliativas dos cursos de mestracio, em geral, se véem frente a tarefa de apresentar os Projetos de suas futuras dissertacdes. Como muitas vezes tenho sido res. Ponsavel pela disciplina que os acompanha nos pasos iniciais em direc&o ao projeto, tenho sido também testemunha das muiltiplas dificuldades que enfrentam nessa ocasiao, por vezes transformada em dificil travessia, infe- lizmente nao transposta por todos os mestrandos, pois ha alguns que néio conseguem concluir com éxito a tarefa prevista. Tenho algumas hipéteses para ajudar a entender porque alguns estudantes, até bem-sucedidos nas disciplinas cursadas, ndo conseguem elaborar uma proposta de pesquisa, © aqui reside o ponto de conexao com o significado do termo “projeto” no trabalho com alunos do Ensino Fundamental. Enquanto no trabalho com as disciplinas 0 estudante se encontra em uma situacao basicamente vinculada a orientagdo de um professor, que domi- na ocontetido da matéria e o guia através de programas, objetivos, bibliogra- fias, prazos, sugestes e avaliacdes, quando chega o momento de propor € claborar seu préprio projeto, o estudante tem de se valer de seus proprios recursos, de sua propria criatividade, de sua autonomia, enfim, que suposta- mente deveria ter sido desenvolvida ao longo de toda a sua formagao, Entre tanto, esta foi se desenrolando, em geral, de modo muito mais proximo do jeito de trabalhar ligado as disciplinas ea orientagao de um professor respon- savel, e muito mais distante do modo que pode ser representado pelo trabalho com projetos, jé com alunos do Ensino Fundamental. As caracteristicas desse novo modo de trabalhar, discutidas mais adiante, podem propiciar ao aluno uma familiaridade com conceitos, processos e atitudes proprios de um outro tipo de relacao com a aprendizagem e a construcdo de conhecimentos. Isso pode lhe assegurar um processo de crescimento, no sentido da construgio da autonomia, que ultrapassa os limites da educagio basica, acompanhando-o em seu curso universitério, chegando até o curso de pés-graduagio. Alguns dos nossos mestrandos chegam ai sem terem conquistado essa autonomia, O trabalho com projetos, desde os primeiros anos de escolarida- de, pode ir proporcionando ao aluno situacées em que ele é gradativamente estimulado a ir desenvolvendo qualidades préprias 20 trabalho independente, que comumente ficam latentes, ou mesmo em- botadas pelo jeito tradicional de trabalhar na escola. Os projetos nao aparecem como panacéias, por certo, mas vale a pena chamar atengao Para o papel que podem representar no esforco em diregio a aprendi- zagens significativas e 4 propria func’o essencial da escola na forma- sa0 do cidadao. Nao pretendo tragar aqui um panorama completo a Tespeito desse importante tema, mas sugiro alguns trabalhos que apre- sentam uma boa introdugao a ele (Hernandez e Ventura, 1998; Leite, 1996). Gostaria apenas de ressaltar a importancia de algumas caracte- Editora Mediagio Janssen Felipe da Silva (Oxg.) 69 risticas do trabalho com projetos e suas relagdes com 0 complexo papel da avaliagao na escola de educagao basica Algumas caracteristicas basicas dos projetos Destaco aqui alguns dos tragos proprios do trabalho com projetos, numa selecao arbitréria e nao exaustiva, mas que encaminha A discussa0 dos aspectos ligados ao complexo trabalho de avaliacdo na educacio basica. - Ruptura com o esquema tradicional de ensino por disciplinas. Toda a nossa formacao de alunos e professores tem sido tradicional- mente centrada no ensino e aprendizagem de dominios de conheci- mentos consagrados, a partir de um esforco individual e coletivo de estudiosos que dedicaram sua inteligéncia e seu tempo a construgéo desses campos de saber. Foi importante e mesmo indispensével que assim ocorresse, como ouvi do grande fisico e fildsofo David Bohm, em uma conferéncia na Universidade de Berkeley, em 1980. Se nao tivesse sido assim, como poderia o homem deslindar fios condutores que o ajudassem a encontrar caminhos em meio ao caos e a complexidade do emaranhado constituido pela massa geral de informagoes a serem des- vendadas? Assim, como disse Bohm, o homem foi dividindo essa mas- sa em compartimentos de porte compativel com sua propria capacida- de de elaboracao, dando lugar ao nascimento e desenvolvimento de disciplinas, que vieram entao a facilitar 0 necessario dominio dos dife- rentes campos de trabalho e desenvolvimento da propria humanidade. Entretanto, prosseguia Bohm, o que foi necessario, imprescindivel mes- mo, em periodos iniciais de construgio do conhecimento em seus mul- tiplos setores, passou a ser inconveniente, com o correr do tempo, quan= do foram surgindo itens que nao se enquadram num ou noutro desses setores, mas necessitam de elementos de uns e de outros para a cons- trucdo do seu conhecimento, Insinua-se assim a idéia do aporte de va- rias disciplinas no trato com uma multiplicidade de temas importantes para a vida do homem e da sociedade. O recurso de divi do do saber em campos ou compartimentos, uma estratégia didatica indispens4- vel, no dizer de Bohm, passou a se revelar insuficiente ou desapropria- do para enfrentarmos 08 desafios impostos hoje a construgio do conhe- Cimento, quer em ambito geral, coletivo do desenvolvimento cientifico e tecnoldgico, quer no individual, de desenvolvimento de cada aluno, em seu processo de formacao através do sistema de escolarizacao. Oo trabalho com projetos na educagio basica procura romper com 0 mo- delo centrado nas disciplinas, focalizando temas que ultrapassam suas Editora Mediagao 70 Praticas avaliativas fronteiras e demandam dos alunos um esforgo de busca em diferentes campos e fontes de informacéo, em um modo de abordagem mais con- dizente com a natureza dos fendmenos estudados e com seu préprio desenvolvimento pessoal. ~Possibilidade de reunir 0 que jé foi aprendido pelo aluno e o que pode vir a sé-lo, nos vdrios campos do conhecimento. Os projetos envol- vem, necessariamente, 0 conjunto de conhecimentos ja acumulados pe- los alunos e toda a gama virtualmente Possivel de novos conhecimentos a serem adquiridos, sem que se possa estabelecer limites ou tipos espe- cificos. Eles se abrem para 0 novo, sempre a partir de pontos ja constitu- dos, que asseguram o caminho preparatorio para o salto ao que ha de vir. Nao se pode prever exatamente até onde se vai chegar, em termos de conhecimento novo, mas se pode garantir o melhor aproveitamento do que ja esté dominado pelo aluno, na busca de todo novo conhecimento que ele conseguir desenvolver. As possibilidades de abertura so ilimi- tadas, levando a escola a se projetar para além de suas fronteiras, procu- rando aproveitar bem os recursos que possui dentro dessas fronteiras ¢ ampliar, através dos projetos, 0 seu alcance, multiplicando os alvos de sua agdo. Os projetos irradiam a influéncia da escola na comunidade e Por sua vez captam possiveis influéncias desta sobre a propria escola, numa simbiose vital para a vida escolar e o desenvolvimento dos alunos. Jé se Pode aqui vislumbrar o desafio posto para uma avaliagio voltada para apren- dizagens significativas. ~Participagdo ativa, dindmica, dos alunos, desencadeando for- gas em geral apassivadas no modelo escolar tradicional. Enquanto no modelo orientado para as disciplinas a iniciativa se concentra na transmissao do conhecimento acumulado pelo professor, no trabalho com projetos sao os alunos estimulados a proporem um estudo, com © auxilio do professor, mas num movimento origindrio de seus inte- Tesses e perspectivas. Desencadeiam-se assim forcas muitas vezes adormecidas durante o trabalho escolar, no qual os alunos ficam reti- dos em uma posicio passiva, apenas receptiva, armazenando infor- mag6es por certo importantes ¢ titeis para o seu crescimento, mas de’ xando de liberar energias também indispensdveis para ele. Com os Projetos pode-se combinar a indispensavel transmissio do capital de conhecimentos acumulados com a necessaria abertura aos novos con- tinentes a serem conquistados pelos alunos, pela sua propria iniciati- va, de acordo com sua prépria dinamica e ainda com a vantagem de fazer a ponte em diregao a realidade que os cerca. Como sao eles mes- Editora Mediacéo Janssen Felipe da Silva (Org) 71 mos que propdem os temas a serem estudados, fica assegurada essa vinculagiio, como nos ensina o mestre Paulo Freire. Com os projetos talvez s¢ consiga a conexo entre 0 jé vivido e o porvir, to dificil, mas tao desejada pelos professores conscientes de sua funcao-chave nessa relagao. - Construcéo de conhecimento pela investigacao propria dos alu- nos. Este é um desafio assumido pela estratégia de trabalho por projetos, que se aproxima muito de uma visdo atual sobre a atitude de pesquisa propria aos alunos. O proprio conceito de pesquisa tem sido objeto de jntensa discussdo, tanto no que se refere a sua concepgao no ambito académico cientifico, quanto no do trabalho dos alunos da educagao ba- sica. Eu mesma tenho tido oportunidade de analisa-lo, dentro de estudo sobte as relagdes entre 0 professor da escola ce educacao bésica e a pes- quisa (Liidke, 2001). Ja se pode considerar consensual a valorizagao de uma atitude de pesquisa, traduzida sempre que possivel em atividades de pesquisa, por parte de todo professor da ediucagio bisica, trago consi- derado inerente ao professor da educagao superior. Em que condicoes isso ocorre e que tipos de pesquisas tém sido mais encontrados junto aqueles professores sfio objetos da nossa pesquisa jé mencionada. No que se refere aos alunos da escola basica, também ja tive ocasiao de me pronunciar, em livro com Marli André, publicado em 1986, mas que con- tinua utilizado por estudantes de graduacao e pos-graduagao em educa- do (Liidke e André, 1986). Ao discutir 0 conceito de pesquisa, afirma- mos nesse livro a importancia de o aluno do Ensino Fundamental ndo receber esse conceito de forma truncada e restrita, como algumas vezes ecorre, quando o professor reduz a atividade de pesquisa do aluno a simples mecdnica de recorte e colagem de figuras ou a mera repetigio de verbetes de dicionarios e enciclopédias. Se 0 professor se preocupar em introduzir o aluno em uma verdadeira atitude de indagag&o, com per- guntas a respeito de um verdadeiro problema aos seus olhos, mesmo com alunos das séries iniciais, a seu modo e em seu nivel, claro, se forem eles estimulados a buscarem respostas para essas perguntas em varias fontes e a partir de sua propria iniciativa e depois forem encaminhados para a articulagdo dessas respostas em torno do problema inicial, ja tere- mos uma boa iniciacdo aos passos introdutérios de toda pesquisa. E pre- ciso distinguir aqui as nogdes de temas e de problemas, pois os temas sao em geral propostos pelos professores, preocupados com a evolugao line- ar de suas disciplinas, compostas por uma sucessao de temas. Masa idéia de projeto procura romper com essa I6gica, focalizando um problema, ligado a um ou mais temas e levando a tantos outros, sem esgotar os Editora Mediacao 72 Praticas avaliativas conhecimentos oferecidos pelas disciplinas, mas servindo-se deles de maneira criativa, em elaboragées proprias aos niveis de desenvolvimen- to dos alunos envolvidos. Nunca se sabe ao certo aonde vai dar o desen- rolar de um projeto com os alunos, lembram os autores Hernandez e Ventura ja citados (1998). Isso em termos de construgao de conhecimen- to, pois em relacdo a processos e atitudes creio que se pode antever um crescimento certo dos alunos em diregio a uma postura muito favoravel ao desabrochar de futuros pesquisadores - Articulacéo entre trabalho individual e coletivo e valoriza- cao de atitudes e comportamentos sociais. Como extensao das ca- racteristicas comentadas no item anterior, 0 trabalho com projetos estimula tanto a iniciativa individual, quanto a feita em conjunto pelos alunos. Eles teréo oportunidade de ver suas idéias sendo dis- cutidas e talvez seguidas por todo o grupo, assim como aprenderao a considerar e a respeitar idéias de outros colegas, a partir das deci- ses tomadas pelo proprio grupo. Diferentemente da dtica indivi- dualista, que supée o sucesso de cada um isoladamente, a partir do dominio dos conhecimentos previstos e verificados pela avaliacéo tradicional, 0 trabalho com projetos privilegia a evolucao de todo 0 grupo, sem desconsiderar, por certo, 0 crescimento de cada um de seus membros. Supde-se que o esforco coletivo envolve todos os participantes do grupo, e seu sucesso se reflete em cada um deles. Todos aproveitam do alcance dos objetivos esperados e sobretudo do processo de atingi-los. Mais uma vez é bom lembrar o desafio que isso representa para uma avaliacdo coerente com a busca de aprendizagens significativas. - Combinagéo entre o trabalho escolar e o de varias outras insti- tuigdes e agéncias. Trabalhando com projetos, a escola multiplica as fontes de informacao e de interacdo para os alunos, por tantas agéncias e instituigdes quantas estejam dispontveisna comunidade e mesmo além dela. As familias sio logo as primeiras lembradas, pois esto natural- mente envolvidas no processo de educacao de sues filhos, tendo o maior interesse em oferecer sua contribuigao, dentro dos limites de cada uma delas. Mesmo considerando esses limites, nossas escolas tm em geral aproveitado muito pouco da contribuicdo das familias, dadas as condi- ces usuais de trabalho até o presente. Com os projetos é possivel que se desenvolva na escola um jeito mais aberto para todas as fontes de informagio e de formacao acessiveis aos estudantes. Além das famili- Editora Mediagao Janssen Felipe da Silva (Org) 73 as, S40 importantes nesse contexto as igrejas, os clubes, as associagdes profissionais, as ONGs, as bibliotecas, os museus, enfim todas as insti- tuigSes que possam ajudar a escola e seus alunos na busca do conheci- mento necessario para a sua formacao. A dinamica de procurar informa- Ses em diferentes fontes ¢ pela propria iniciativa ja representa para o aluno um processo formativo fundamental, que vai acompanhé-lo em toda a sua escolaridade e, muito além, em toda a sua vida profissional e como cidadao, como jé foi comentado. Os projetos servirdo de eixo para articular a contribuigio das varias entidades envolvidas, cada uma den- tro de suas possibilicades e do interesse para o projeto em andamento. O importante é a integraco das atividades ligadas aos projetos ao progra- ma geral de formacio proposto pela escola, ou seja, 0 seu projeto peda- gégico. Com isso elas ganham legitimidade e cidadania, como partes integrantes do proceso educacional. Ea avaliacao como fica? Toda a discussio a respeito da idéia de projetos e de como pode ser interessante trabalhar com eles na educacao basica deixa em. suspenso 0 aspecto relativo a avaliacdo. S6 foi possivel destacar nesse texto algumas das caracteristicas que considero mais relevantes e su- gestivas, para provocar a discussao de tema tao interessante para nos- sas escolas e nossos professores. Ha varios outros pontos que merecem consideracdo e tém sido tratados pela bibliografia j4 mencionada. Em todos eles se vislumbra a sombra da avaliacao, como sempre um dos aspectos mais complexos e dificeis de enfrentar no processo educativo. Lembro-me sempre de um alerta de Gimeno Sacristén, que inspirou varias andlises em nossa pes- quisa sobre o processo de avaliagao na escola basica (Liidke e Mediano, 2002): uma excelente proposta pedagégica pode ser inteiramente sola- pada por uma avaliagao inadequada (Gimeno,1988). Embora nao devam ser considerados como panacéia ou solucéo salvadora para os problemas vividos em nossas escolas, 0s projetos re- presentam uma via interessante para conjugar recursos, j4 utilizados por elas de maneira mais ou menos esparsa, com uma consciéncia clara por parte de nossos professores de que 0 esforco escolar tem que se aproximar mais das necessidades dos alunos, de maneira mais produ- tiva e eficaz. Ter as criangas na escola é uma parte do direito constituci- onal que ainda nao conseguimos garantir a todas elas em nosso pais. Mas jé estamos mais do que convencidos de que isso nao basta, de que Editora Mediagao ‘74 Praticas avaliativas Epreciso assegurar um percurso escolar bem sucedido a todas elas, ofe- recendo as bases necessérias & formacao do cidadao. Os Projetos en- tram no conjunto de recursos sugeridos Para nos aproximarmos mais do cumprimento desse dever da escola. Nao nos precipitemos pensan- do que eles podem se converter na mola mestra do proceso de escolarizacao, ou do curriculo escolar. Por certo ha outros elementos constitutivos basicos com os quais os projetos entram em colaboragao. Como pensar a dimensio avaliativa desses novos colaboradores do trabalho escolar? Pelos aspectos discutidos acima se pode perceber que 0 jeito tradicional de tratar a avaliagdo da aprendizagem nao pare- ce compativel com as inovacdes propostas pelo trabalho com projetos, O rompimento com a linearidade da transmisséo de conhecimentos Pelas disciplinas, a dinamica envolvida no processo, cuja iniciativa se volta sempre para o aluno, a articulacao entre envolvimento individu- al e coletivo, a integracao de varias fontes formadoras, a prépria imprevisibilidade de metas precisas fazem dos projetos objetos a espe- ra de uma avaliagao a sua altura. E preciso também romper com a ética tradicional na avaliacao, proxima da verificacao do que foi ensinado pelo professor, aproximan. do-a mais do que foi aprendido pelo aluno. Procurando auxilio na lite- ratura mais recente, acabei encontrando a idéia de “rubrica”, ainda muito pouco discutida entre nés, embora ja tenha alguns anos de vivéncia nos Estados Unidos (Howe,1997 e Liu,1995; Andrade,1997), Ela me pareceu interessante, inclusive Por evocar uma velha novidade dos anos 70 quando, preocupados com a exclusividade de instrumen. fos avaliativos muito centrados na comparacéo com a norma, estudio- sos de avaliacao propuseram novos instrumentos voltados, diferente- mente, para critérios (criteria referenced measurements). Esses novos instrumentos partiam, portanto, de critérios estabelecidos especifica- mente para cada curso, programa ou tarefa a ser executada pelos alu- nos € estes eram avaliados em relacao a esses critérios, sem a preocupa- S40 de situa-los em confronto com normas ¢ padrées estabelecidos em medidas de larga escala, em nivel de sistemas estaduais ou nacionais. As rubricas agora propostas também tém como ponto de partida uma lista de critérios estabelecidos para avaliacao de um trabalho, ou seja, “o que & que conta” (what counts) nessa avaliacéo, por exemplo, Propésito, organizacdo, detalhes, voz, articulago, num trabalho de re. dacdo. Blas incluem também graduagées de qualidade para cada crité- tio, de excelente a pobre, por exemplo, na apresentacao do termo “ru- brica” feita por H.G. Andrade (1997). Depois de reconhecer que o ter- Editora Mediagao — Janssen Felipe da Silva (Org) 75 mo desafia as definicdes de diciondrios, a autora declara que, a despei- to disso, esse recurso parece jé ter confirmado seu lugar na pratica dos professores das escolas americanas, justamente por ajuda-los a respon- vor de necessidades de uma avaliacao mais adequada ao trabalho com projetos, voltados para o estudo de problemas. Pelas caracteristicas dos projetos, vimos nao ser possivel enquadré-los nos esquemas comuns da avaliacao tradicional. Talvez as rubricas possam ser pensadas como alternativas. Vejamos algumas das tazbes apresentadas por Liu (1995) para empregé-las: _ as rubricas dizem aos estudantes que eles deve fazer um trabalho cuidadoso, Sho dadas informacBes sobre a qualidade esperada da tarefa realizada, oe rubricas estabelecem padres. Os estudantes sabem de antemaoo que devem fazer para atingir determinados niveis; was rubricas esclarecem as expectativas. Quando os niveis sao baseados numa “expectativa minima”, todos sabem o que é requerido. Isto € particularmente importante em classes com grupos heterogéneos; see rubricas ajudam os estudantes a assumirem responsabilidade sobre sua propria aprendizagem. Os estudantes usam as rubricas para ajudar a estudar bs informagies (08 contetidas) valorizadas pelo professor: 1s rubricas tém valor para outros responsaveis pela educacao. Qualquer pessoa {incluindo paise membros da comunidade), vendo uma rubrica e uma avaliagao Soestudante baseada nela, sabe que contetido foi dominado por aquele estudante (Liv, 1995, p3)- Nao é facil 0 estabelecimento de rubricas, como também nao 0 €a proposicao de projetos. Como estes precisam envolver, necessariamen= fe, o interesse e a iniciativa dos estudantes, a avaliagio desses projetos nao poderia também deixar de cuidar disso. O uso de rubricas parece poder ajudar nesse cuidado. Elas fazem a ponte entre o que se propoe & G que se espera (e como se espera), deixando claro 0 compromisso as- sumido pelos alunos e pelo professor, frente a cada situacdo de traba- Tho. Cada participante (alunos e professores) saberé o que se espera de sua atuagao, dentro de uma perspectiva que faz sentido para ele e para todos, ja que foi definida e balizada pelo grupo, ao decidir que proble- ma seria importante estudar por meio de um projeto. O termo “rubrica” é novo, a preocupaciio com a busca de instru- mentos mais satisfat6rios para a avaliacio é, entretanto, muito antiga. Eu mesma jé venho assinalando essa preocupacao ha muito tempo (Liidke 1984). Um termo novo pode suscitar uma onda favoravel de en- tusiasmo nessa busca, nao devendo, porém, nos fazer esquecer cami- nihos j4 tragados e avancos jé efetuados. Nossos professores ha muito vém procurando enriquecer set trabalho na area espinhosa da avalia- Editora Mediagao 76 Praticas avaliativas co, tateando no encalgo de maneiras que possam atender as necessida- des de seus alunos, reconhecendo suas diferencas, atentos ao fato de que muitas vezes 0 curriculo e os padrées estabelecidos nao dao conta delas. Toda contribuicho que possa ajuda-los a pensar sobre sua realidade de maneira concreta, ainda que se origine de contextos muito diferentes, pode ser valida. Nao para funcionar como modelos ou padrdes, mas an- tes como estimulo a sua propria criatividade que saberd o que convém e © que nao convém considerar. Nesse intuito vou trazer alguns exemplos de rubricas, desenvolvidas por professores americanos com alunos do Ensino Fundamental, extraidos de um trabalho de H. Goodrich Andrade (1997). Acho especialmente interessante observar as graduacées de cum- primento, dos critérios estabelecidos para a tarefa. Em geral, temos mui- a dificuldade para operacionalizar, isto é, para traduzir em graus uma qualidade que consideramos importante ser desenvolvida por nossos alunos. Ainda mais dificil indicar como representar esses graus, de for- ma que os proprios alunos passam perceber se os atingiram ou nao. O primeiro exemplo é ligado & tarefa de apresentar oralmente (ou em video tape) um livro, 0 que em inglés se chama book talk. A professo- ra apresenta uma série de critérios importantes a serem atingidos ¢ os lista em uma coluna. Ao lado de cada um dos critérios, em outra coluna sob 0 rétulo de “qualidade”, ela apresenta indicadores do que seriam os graus de preenchimento de cada critério. Vou procurar traduzir todo o exemplo, conservando 0 quadro proposto pela professora. Pode-se notar que a rubrica apresenta as caracteristicas de um bom book talk, com as proprias palavras dos alunos. Mas também se pode no- tar algumas das dificuldades de se elaborar uma boa rubrica, como assina- laa propria autora. Uma das mais comuns é procurar evitar uma lingua- gem pouco clara, como “comeso criativo”. Se a rubrica pretende ao mes- mo tempo ensinar e avaliar, é preciso definir bem termos como “eriatividade”, realmente de muito dificil definicao. A professora, no caso, enfrentou o problema discutindo com seus alunos 0 que seria para eles um “inicio criativo” na apresentacao oral de um livro. Duas outras profes- soras, também citadas por Andrade (1997), apresentaram uma solucao para ele em uma rubrica sobre apresentagio oral, listando maneiras pelas quais os alunos poderiam realmente atingir o critério. Fazendo assim se oferece a eles informagao sobre como comecar uma apresentagao oral, evitando a dificuldade de definir termos como criatividade. Eis 0 exemplo: Editora Mediagao Janssen Felipe da Silva (Org) 77 Rubrica para apresentacao oral de um livro (book talk) Critérios Qualidade Conseguiu a aten-| Comegocriativo | Comeco chato Sem comego ao da audiéncia? (boring) gore ne et aes Informou sobre o | Disse exatamente | Naoficouclaroou | Nao mencionow tipo de livro? qualotipodelivro. | certo isso. Falou alguma coisa | Incluiu fatos sobre | “Passou porcima” | Nao disse nada so- sobre a personagem | a personagem. da personagem. | bre a personagem principal? principal. Mencionou 0 cend-| Contou quando e | Naoficouclaro ou | Nao mencionou 0 rio? ondeahistéria acon- | certo. cenério. teceu. Relatou uma parte | Fez o livro parecer | Relatou uma par- | Esqueceu de fazé- interessante? interessante a pon- | tee passou rapida- | lo. todesequerercom- | mente para outra priclo. coisa. — hay Disse quem poderia | Sim, disse. Passou muito ré- | Esqueceu de dizer. gostar desse livro? pido sobre isso. Como se apresen- | Cabelos pentea- | Aparénciadescui- | “Do jeite que see, tou o relator? dos, limpo, com | dada vantou da cama...” roupas apresenté- veis. Feliz! SS eo | Comoestavaosom? | Voz clara, forte, | Voz sem expres- | Voz dificil de en- entusiamada S40. tender, arrastada ou estridente. Rubrica para uma apresentacao oral Critérios Qualidade if Ganhaa atengioda | D4 detalhes ou um | Faz uma ou duas | Nao procura ga audiéncia? fatodivertido, uma | sentengas deintro- | nhar a atengao da sétie de questdes, | ducdo e entéo co- | audiéncia, inicia tumacurtademons- | mega a apresenta- | logo a apresenta- iragio, uma razao | ¢a0 oral. gio oral visual colorida ou pessoal, pela qualo t6pico foiescolhido. Editora Mediagao 78 Praticas avaliativas Um outro desafio no estabelecimento de rubricas evitar expres- sdes negativas de linguagem. Vemos que no segundo exemplo evitou- sea palavra “chato”, procurando descrever o que representaria um co- meco de apresentacdes menos interessante, em comparacao com o de mais alto nivel de qualidade. Assim, os estudantes sabem exatamente 0 que fizeram errado e como podem fazer melhor na proxima vez, e no apenas que o inicio de sua apresentacao foi chato. Outra sugestao da autora (Andrade, 1997) é usar uma graduacio “experta”, indicando nuancas da qualidade através das palavras Sim”, “Sim, mas...”, “N&o, mas...” ¢ “Nao”. Vejamos um de seus exemplos: Rubrica para um album de recortes Critérios Qualidade Dé detathes | Sim, colocou | Sim, colocou al- | Nao, naocolo- | Nao, quase suficientes? | detalhessufi- | guns, mas deta- | cou detalhes | nao colocou cientes para | Ihes-chave estdo | suficientes, | detalhes. dar ao leitor | faltando. mas incluiu al- um sentido guns. do tempo, do lugar e dos eventos. As rubricas podem ser valiosos auxiliares dos alunos na orienta- cdo de seus proprios trabalhos, sem necessariamente representarem itens para a avaliacao do professor. Claro que podem e devem entrar na ava- liacdo feita pelo professor do conjunto de trabalhos, desempenhos, ati- tudes, processos e outros aspectos relativos ao aluno, durante todo o periodo avaliado. Mas nao precisam forcgar sua entrada como item es- pecifico de auto-avaliagao do aluno, ou avaliacao pelo professor, funci- onando mais como recurso de aprendizagem utilizado diretamente pelos alunos, facilitando bastante o trabalho avaliativo do professor, que € essencialmente formativo. A comunicacio entre alunos e profes- sor fica muito enriquecida e ao mesmo tempo simplificada com 0 uso de rubricas, pois elas explicitam coisas que o professor levaria horas explicando aos alunos e estes outras tantas horas discutindo e recla- mando pela falta de compreensio. Concluindo Os projetos parecem representar importantes meios para aproxi- mar o trabalho na educacao basica de uma visio mais voltada para as Editora Mediagéo Janssen Felipe da Silva (Org). 79 necessidades de aprendizagem sentidas pelos nossos alunos ¢ ha mui- to percebidas pelos nossos professores. Eles permitem maior respeito a dindmica natural de crescimento das criangas no sentido da construcio Go conhecimento, nem sempre possivel com o trabalho centrado nas disciplinas. Também ampliam o alcance da acao da escola, ao mesmo tempo que incentivam a iniciativa de cada aluno, individual e coletiva- mente. Sao valorizadas as potencialidades dos estudantes de buscarem por si préprios respostas a problemas que eles mesmos propdem como importantes, para os quais todas as fontes de informagoes sao validas, vvetro e fora da escola. Busca-se, assim, o desenvolvimento de quali- dades préprias a autonomia de pensamento, que acompanharao toda a formagao do futuro cidadao. © trabalho inovador com projetos, do qual vimos apenas algu- mas caracteristicas, requer novos recursos por parte da avaliagao. Ali- 4s, esta representa um aspecto sempre necessitado de novos recursos, pois, embora tenha seu componente tedrico (psicolgico, sociolégico e mesmo 0 filos6fico) razoavelmente discutido e renovado, no que se refere a componentes praticos ainda tem muito a caminhar. Buscando algo que pudesse vir ao encontro das inovagoes introduzidas pelos pro- jetos, encontrei a idéia de rubricas, que procuram explicitar itens de avaliacdo qualitativa aos olhos de professores e alunos. Ao propor Bra duagdes de critérios estabelecidos de comum acordo pelos participan- tes, elas acabam servindo melhor aos propésitos formativos, essenciais 4 avaliacao na educacao basica De maneira breve procurei introduzir os dois temas inovadores, tra- zendo aspectos basicos e mesmo alguns exemplos praticos, num esforgo dirigido precipuamente aos professores da educacao bésica- Espero que eles possam encontrar neste texto sugestdes estimulantes para a sua ima- ginacao, na busca de meios que tornem cada vez mais efetivo o trabalho- chave que desempenham na escola de Ensino Fundamental. Além das re- ferencias bibliogrdficas, que podem ajudar no aprofundamento da discus- sdo sobre o trabalho com projetos, vou indicar alguns sites que trazem exemplos e sugestdes sobre o uso de rubricas. Referéncias Bibliograficas* ANDRADE, H. G. Understanding rubrics. Originalmente publicado em Educational Leadership, 54(4), 1997. Disponivel em:chttp: //wwwamiddleweb.com/ rubricsHG-htm|>. GIMENO S.J. El curriculum: una reflexin sobre la practica. Madi: Ediciones Morata, 1988. Editora Mediacao 80 Praticas avaliativas HERNANDEZ, F; VENTURA, M. A organizagao do curriculo por projetos de trabalho: o conhecimento € um caleidoscépio. Porto Alegre: ArtMed, 1998, HOWE, A. A. Realiability study on the use of a rubric in elementary science. Research paper presented in partial fulfillment of requirements for the Degree of Master’s of Arts. Adams State College. Alamoso, Colorado, 1997. Disponivel em: . Abstract prepared by Chuck Downing, LEITE, L. H. A Pedagogia de projetos: intervengao no presente. Presenca Pedagégica, Belo Horizonte, v2, n8, p. 24-33, mar./abr.1996. LIU, K. Rubrics revisited. The Science Teacher, p. 49-51, oct. 1995. Disponivel em . Abstract prepared by Chuck Downing, LUDKE, M; MEDIANO Z. (Coords.) Avaliagdo na escola de 1° grau: uma anélise socio- Jogica. Campinas: Papirus, 2002. LUDKE, M. (Coord.) O professor e a pesquisa. Campinas: Papirus, 2001. LUDKE, M.; ANDRE, M. Pesquisa em educagao: abordagens qualitativas. Sio Paulo: EPU, 1986. LUDKE, M. O que vale em avaliacdo. Educagao e Selecdo, Sio Paulo, n. 9, p. 27-36, jan./jun.1984. Outras recomendacées: Através do site indicado em ANDRADE pode-se encontrar outras referéncias relativas ao trabalho com rubricas, entre as quais: ‘The Rubrics Machine Using Rubrics to Promote Teaching and Learning Tools for Creating Useful Rubrics Building Rubrics for Project Based Learning The Rubric Construction Set Using Rubrics in Midlle School A Selectyion of Reading Rubrics from our Midlle Web Reading Wokshop Project Sobre projetos ver também: KATZ, Lilian G. El método llamado proyecto. Eric Digest. ericeece@uiuc.edu http:// ericeece.org. *Agradeco a Hugo de los Santos Rojas as boas indicagoes bibliogrsficas, especialmente as obtidas pela Internet, Editora Mediagaio 6. PEDAGOGIA DE PROJETOS: ENTRELACANDO O ENSINAR, O APRENDER E O AVALIARA DEMOCRATIZACGAO DO COTIDIANO ESCOLAR Maria Teresa ESTEBAN" A pedagogia de projetos estimula a introdusao de atividades mais dinamiens na relacdo ensino-aprendizagem. Atividades cooperativas, paseadas no didlogo, em que professores e professoras, alunos e alunas interagem no process’ permanente de: construcéo de conhecimentos. Essa modalidade, que pretende produzir aulas mais favoraveis a aprendiza- gem, também imprime um novo desenho ao processo de ensino, exigin- a uma tedefinigio das agbes relacionadas ao ensinar ¢ 20 aprender. Os procedimentos didaticos criam oportunidades para que 0s di- ferentes percursos de aprendizagem, que se entrecruzam no cotidiano escolar, se explicitem, evidenciando a sala de aula como um eSf0G0 cons- tituido pela heterogeneidade. Os pontos de partida sao multiplos, assim como $20 diferentes os caminhos percorridos, 0 que 36 pode gerar varios pontos de chegada. Ao potencializar a diferenca, a pedagogia de proje- tos me faz interrogar sobre 0 processo avaliativo constituido na perspec- tiva da homogeneidade: de instrumentos, procedimentos, objetivos, per- cursos e resultados. Homogeneidade que nao implica rigidez absoluta; ha possibilidade de alguma flexibilidade, sobretudo nos tempos e per cursos de aprendizagem, porém, 0 movimento esta fortemente demarca- do pelo resultado esperado e pelo tempo previsto como limite. ‘Avaliar tem se confundido com a possibilidade de medir a quan- tidade de conhecimentos adquiridos pelos alunos € alunas, conside- rando 0 que foi ensinado pelo professor ou professora- O ensino tem sido a referencia para a atribuigéo de valor & aprendizagem. No entan- to, a dinamica estabelecida pela pedagogia de projetos tira os pontos de apoio para os procedimentos € jnstrumentos de avaliagao que compa- —__—— Tpoutora em Educagio pela Universidade de Santiago de Compostela ~ Espanha. Pro- feccota da Faculdade de Educagio da Universidade Federal Pluminense- Pesquisadora do Grupo de Alfabetizacao de Alunos e Alunas de Classes Populares, Editora Mediacao 82. Praticas avaliativas ram o desempenho do aluno ou aluna ao resultado previsto. Nesta di- namica, a comparagao exerce um papel extremamente relevante. Atra- vés deste procedimento se torna possivel gerar uma medida, traduzida em nota ou conceito, que informa o quanto o resultado apresentado pelo estudante se aproxima dos objetivos formulados no planejamento do ensino. Tal medida orienta a produgdo da hierarquia escolar, ofere- cendo elementos para a classificacao dos alunos e alunas, dentro de uma escala que opera com pares excludentes como: maduro/imaturo, capaz/incapaz, forte/fraco, bom/mau, entre outros, que vao delimi- tando os lugares dos estudantes na escola, seus limites ¢ possibilidades de aprendizagem, apresentando indicadores significativos para sua insergao social. Portanto, sao informagdes que justificam a selec3o - ins- crita na relagdo aprovacdo/reprovagao, que se expressa através de di- versos discursos - e a dinamica inclusio/exclustio em suas faces esco- lar e social. A referéncia do processo nao é o movimento do estudante, mas 0s objetivos do ensino, de modo que, ao longo da vida escolar, os alu- nos vao aprendendo ser mais importante mostrar os resultados espera- dos do que expor seu real processo de aprendizagem. Os trajetos sinu- sos, mtiltiplos, indefinidos e imprevisiveis, caracteristicos da apren- dizagem, vo sendo excluidos da dinamica pedagégica, na medida em que vao recebendo valores negativos, enquanto sao estimulados, pelos valores positivos a eles atribuidos, aqueles percursos que se asseme- lham ao previsto. Mantém-se, deste modo, a aprendizagem como um processo fortemente marcado pela reproducio e subordinado ao ensi- no. Manutengao muitas vezes ocultada pelo discurso amplamente as- similado, com freqiiéncia repetido e aparentemente consensual, de que 0s sujeitos constroem conhecimentos, havendo diferencas de ritmos, 0 que indica uma concep¢ao da aprendizagem como um processo mar- cado pela acio de quem aprende, nao como mera reac&o ao ensino A contradicao se explicita quando aqueles que nao apresentam um ritmo compativel com o esperado sao avaliados negativamente e Postos nos pontos mais baixos das hierarquias produzidas. Aqueles, cujas medidas - produzidas, reafirmo, pela comparagio do resultado do estudante ao objetivo proposto - sao insuficientes, tém sua aprendi- zagem desconsiderada, desqualificada, sendo classificados como os que “nao aprendem”, os que “nao sabem”. Essa avaliacao, através das classificacdes que promove, define 0 lugar de cada aluno, atuando no sentido isold-lo dos demais, pela cons- tante negacao dos sujeitos que a busca da homogeneidade impée; o Editora Mediacao Janssen Felipe da Silva (Org) 83 ssolamento dificulta o didlogo, reduzindo as potencialidades educaivas das praticas escolares. O isolamento dificulta que @ heterogeneidade enriqueca 0 proceso e que cada um atue para saber mais, ampliando suas possibilidades individuais, sem deixar de investir nas ‘possibilida- tjes de ampliacao dos conhecimentos de todo 0 grupo. Acredito que nem sempre a relagdo entre as atividades realizadas no cotidiano da sa de aula e a dindmica social em que o par incluso /exclusao ¢ Pro- qiuzido, fique clara para o professor ou professora que utiliza a avalia- Gio classificatoria como parte do processo pedagogic Comparar e classificar: avaliar? Embora haja concordancia sobre a heterogeneidade como carac” teristica das salas de aula e dos processos pedagogicos, uma andlise mais cuidadosa do cotidiano escolar revela que determinados conteti- Gos e formas de pensar, de agit, de se expressar, de conhecer, S40 privi- Jegiados em relagao a outros ‘A attibuicao de valores diferenciados aos processos ¢ produtos, de acordo com sua proximidade do objetivo definido, expresso do re- sultado que deve ser produzido pela interagio pedagégica, é parte do movimento de progressivamente homogeneizar os resultados da esco- la. Determinados instrumentos mediadores, elaborados difundidos em contextos socialmente valorizados, vao adquirindo posicoes privi- legiadas em relacdo a outros, especialmente por referirem objetos, ex- periéncias, conhecimentos e géneros discursivos que correspondem as Enalidades da escola. O proceso avaliativo traz profundos vinculos com a dinamica de produgao da exclusio/inclusao social. Tomando como referéncia 0 trabalho de Wertsch (1993) sobre os procedimentos utilizados para a classificagdo dos estudantes, encontro trés aspectos que orientam a naturalizacao, na avaliagao, dos processos cwonlates de inclusio /excluséo.O primeiro se refere a configuracéo dos instrumentos mediadores, usados para a classificacdo dos estudantes. Sua natureza institucional faz com que a ago seja coerente com 08 Va- lores hegeménicos no contexto em que sao elaborados. Os instrumen- tos sao construidos para priorizar determinados valores em detrimen- to de outros. O segundo diz. respeito ao nao reconhecimento do poder que os instrumentos mediadores tém na organizacdo da acao das pes- soas que os utilizam. Os instrumentos mediadores sio reconhecidos como elementos neutros, sao naturalizados, ocultando, assim, as mul- tiplas relacdes sociais, historicas, culturais e institucionais que permeiam Editora Mediagao 84 Praticas avaliativas sua elaborac&o e uso. Finalmente, como os instrumentos mediadores sao produgées sociais, portanto, compostos também por relacées de forca, eles interferem nas relagoes inter e intrapsicolégicas, provocan- do efeitos nem sempre desejados, planejados ou explicitados, amplian- do ou reduzindo a eficacia de determinadas acdes pedagégicas Considero os procedimentos e instrumentos do processo de ava- liacdo instrumentos mediadores na dinamica ensino-aprendizagem. E significativo indagar as relacées dos sujeitos com esses instrumentos, a partir, inclusive, dos contetidos que introduzem na relacao, na compo- sigdo da avaliacao. A elaboragdo e o uso de instrumentos e proced: mentos de avaliagao podem estar contribuindo para que alguns suje’ tos sejam potencializados ¢ incluidos na dinamica pedagégica, enquanto outros vao sendo desvalorizados, isolados e excluidos. Os processos avaliativos, configurados na perspectiva da homogeneidade (expressa pela busca da igualdade de resultados), portam valores conectados ao movimento de inclusao/exclusao. Oconceito de privilegiacdo”, formulado por Wertsch, é significa- tivo para ampliar a compreensao da relacio homogeneidade-avalia- do-exclusio-inclusao, que deve ser tensionada para 0 desenvolvimen- to mais favordvel do trabalho pedagégico articulado pela realizacao de projetos. A privilegiagao se refere a um instrumento mediador, tal como uma linguagem social, que se concebe como mais apropriado ou eficaz do que outros em um determinado cenario sociocultural. (..) Esté relacionada com o fato de os usudrios suporem que determinados instrumentos mediadores sao apropriados, e indlusive a tinica alternativa possivel, ainda que, em principio, existam outras possibilidades (Wertsch, 1993, p.146). O processo de privilegiagaio pode nos ajudar a compreender 0 papel da comparacao e da classificacao, na configuracao da avaliagao como participante do proceso de inclusio/exclusao. A avaliacio ve- rifica se os alunos e alunas apreenderam os conhecimentos supostos como os mais apropriacios e que compéem o planejamento de ensino Freqiientemente, na avaliacao, eles sao apresentados como a “tinica alternativa possivel”; sio naturalizados como o conhecimento igual- mente necessério para todos. Aqueles que demonstram possuir os instrumentos mediadores privilegiados vao sendo confirmados em seu processo de aprendizagem, enquanto os demais vao sendo pro- ? O autor usa, em espanhol, a expressao privilegiacidn, que traduzo, neste texto, como privilegiacao, Editora Mediagao Janssen Felipe da Silva (Org) 85 duzidos como incapazes, imaturos, desatentos, maus estudantes- Os instrumentos mediadores, no entanto, sao usados freqiien- temente com pouca reflexao consciente, de modo que os alunos € alunas expressam, na realizacao das atividades escolares, as diver- gas modalidades de linguagem social, os varios géneros discursivos © os diferentes conceitos elaborados nas multiplas interagdes sociais das quais participa e nos diversos cenérios socioculturais em que transitam. O que apresentam ¢ permanentemente confrontado ao conjunto circunscrito de contetidos relativos ao contexto escolar, re- sultando em uma distribuicao desigual de valores entre 0s estudan- tes, por meio de um processo em que a classificacdo é naturalizada. E preciso lembrar que os procedimentos de avaliagéo também séo instrumentos mediadores, portanto, 0 processo de privilegiagao atua em sua constituicao. Também nao é excessivo recordar que os instrumentos mediado- res privilegiados pela escola se referem fundamentalmente ao conjun- to compartilhado pelos segmentos sociais hegeménicos, recortando, expressivamente, 0 amplissimo leque de possibilidades socialmente elaboradas. HA, interagindo no cotidiano da sala de aula, um conjunto heterogéneo de instrumentos mediadores, demonstrando que diferen- tes atividades ou contextos, dentro e fora da escola, demandam e pro- duzem essa heterogeneidade, enquanto a escola preve apenas @ Co cadancia com o que por ela é privilegiado. A historia de vida dos alu- nos e alunas se articula as suas possibilidades de desempenho escolar, segundo Iturra (1997), “quem vai a escola é a genealogia, nao 0 indivi- duo’. A privilegiacdo faz a multiplicidade de pereursos encontrar, na escola, uma tinica via de validacao. ‘A avaliacao classificatéria nao é somente um elemento justificador da inclusdo/exclusio, ela est constituida pela légica excludente domi- ante em nossa sociedade. Légica que define apenas alguns saberes € percursos como validos, determinando, por conseguinte, quais sujeitos ferdo, pela escola, validados. Porém, esse nao é um movimento wnidivecional, a escola possui alguma margem de autonomia que permi- te o exercicio de novas praticas, configurando outros resultados e intro- duzindo novos elementos nas tensoes sociais. Segundo Barriga (1984), a ‘avaliagéo é condicionada socialmente, ao mesmo tempo em dub, por seus resultados, condiciona a sociedade. Concordando com a potencialidade da escola para se inserir nos movimentos de transformacio da sociedade fexcludente, é preciso dar visibilidade aos nos que atam as praticas esco- Jares aos processos de jnclusdo/exclusao e aos fios que tecem e conectam. possibilidades emancipatorias no cotidiano escolar, Editora Mediagso 86 Praticas avaliativas A diferenga no centro do processo pedagégico Embora muito criticada, a avaliacao do desempenho escolar, como restiltado do exame que o professor ou professora realiza sobre 0 aluno ou aluna, ainda é predominante. Nesse contexto, praticas como a peda- gogia de projetos sao vistas como procedimentos relevantes para o pro- cesso ensino-aprendizagem, sem, no entanto, oferecerem informacdes significativas para a avaliacdo da aprendizagem do estudante. Tal com- preensio é fruto de uma concepgao parcelar da relacdo pedagégica, na qual o ensino e a avaliagdo ocupam tempos e espacos diferentes no cotidiano. ‘A pedagogia de projetos tem como fundamento a compreensio da aprendizagem como ato dindmico, compartilhado, multiplo e processu- al, enquanto a avaliacio classificatéria se configura a partir de uma con- cepgao mecanicista de aprendizagem, que valoriza as capacidades de armazenamento e de reproducio do que foi ensinado. Estando 0 concei- to de avaliagio aprisionado a idéia de verificacdo, a diferenca que emer- ge na realizac&o dos projetos nao oferece informagGes suficientes para a avaliacio, na medida em que ndo permite a comparacao entre a resposta que o aluno da e a resposta esperada, que tem como referéncia os objeti- vos do ensino. Neste caso, estabelecem-se praticas contraditérias no coti- diano escolar: por um lado, o convite a diferenca, por outro, 0 enquadramento dos alunos alunas em modelos homogéneos. A organizagao do ensino-aprendizagem, através da pedagogia de projetos, demanda uma profunda reflexdo sobre os sentidos dos pro- cessos de avaliacao implementados na escola. Aavaliacao classificatoria fomenta a distancia entre processo e pro- duto. Pode-se prever, por exemplo, que no processo de realizacéo do projeto vo sendo analisados o comportamento do aluno ou aluna, seus habitos e atitudes, sua capacidade de trabalhar em grupo, seu espirito de lideranga, sua iniciativa, atributos quese referem ao seu modo de interagir coms demais sujeitos, deixando em segundo plano sua aprendizagem. E sobre o produto, no entanto, que se realiza a verificagao da aprendiza- gem: mede-se o desempenho do estudante a partir dos conhecimentos predeterminados como relevantes pelo professor ou professora, utilizando instrumentos que permitam a comparagao do resultado com 0 proposto. Entende-se que a avaliagao do sujeito é 0 resultado da soma da andlise do processo com a verificagéio do desempenho, gerando uma informa- co que permite a classificagao de cada um Essa perspectiva de avaliagio fragmenta 0 aluno ou aluna, re- Editora Mediagao Janssen Felipe da Silva (Org.) 87 duz a dinimica do processo ensino-aprendizagem e esvazia @ riqueza que se anuncia com a explicitagao da heterogeneidade. A comparagéo da produgao dos alunos, com a aprendizagem prevista, reduz as possi- pilidades que as nuiltiplas relagoes proporcionadas pelo desenvolvi- mento do projeto criaram, ao alcance dos objetivos priorizados no pla- nejamento. Esses objetivos conduzem organizacio e a andllise dos ins- trumentos e dos procedimentos de avaliagao, enfatizando, portanto, a construcao da homogeneidade e a consolidacio de um universo limita- do de instrumentos mediadores. {A realizagio dos projetos no cotidiano pedagégico dé margem para a emergéncia da heterogeneidade, para @ didlogo entre vozes dife- rentes que se entrecruzam, para a experimentagao de diversas possibi- lidades, para 0 confronto de saberes, para o surgimento do desconheci- do, para a exploragio de varios contextos. Mostrarse mais interessante redefinir o sentido da avaliagao para que ela seja parte da pratica peda- gogica, inserida no movimento proposto pelo projeto, e possa dialogar aoe a diferenca que tecea dindmica escolar, fazendo da heterogeneidade uum elemento significativo para 0 processo de ampliagao dos conheci- mentos de todos. Como afirma o conceito de “zona de desenvolvimento proximal” (Vygotsky; 1988), a colaboragao entre sujeitos com conhecimentos dife- rentes potencializa a aprendizagem e 0 desenvolvimento. A diferenca nos ajuda a compreender que somos sujeitos com particularidades, com experiéncias proprias, constitufdas nos processos coletivos de que par- ticipamos, dentro e fora da escola; posta em didlogo, enriquece a agao pedag6gica, relacionada a diversificacao dos instrumentos mediadores © 4 ampliacio dos modos de sua utilizacao Uma possibilidade de conectar a avaliagao ao processo estabele- cido pela pedagogia de projetos ¢ tornd-la uma “pratica de investiga- cao” (Esteban; 2001) dos processos desenvolvidos e dos resultados apre- sentados, incorporando alunos e professores como sujeitos interativos ha realizacao do projeto, que esta sempre atravessado por conhecimen- tos, desconhecimentos e aprendizagens. Como pratica de investigacao, expoe a natureza coletiva e dialogica da avaliacao, resultado do ereolvimento de diversas pessoas, diferentes pontos de vista e varias possibilidade de compreensao e de acdo, no processe No lugar de conclusées que delimitam as possibilidades do alu- no ou aluna, essa modalidade de avaliagéo encontra no processo peda- gogico espaco para perguntas. Perguntas que trazem a multiplicidade aoe entidos, a complexidade e a heterogeneidade com que 0s “sujeitos Bditora Mediagao 88 Praticas avaliativas encarnados” (Najmanovich; 2001) tecem as prdticas pedagégicas. Per- guntas que podem indicar os percursos, mesmo que aparentemente tortos, pelos quais os conhecimentos vio sendo tecidos, expondo os fios que estao sendo puxados e os modos de fazer a trama. Perguntas que podem nos ajudar a ver, no aparente desconhecimento, aprendiza- gens relevantes e processos significativos. Perguntas que permitem nos aproximarmos do intenso dialogo que se estabelece entre as muitas 16- gicas que se entrelacam no cotidiano escolar e perceber como essa dife- renga vai produzindo diferentes aprendizagens, sem que isso signifi- que atribuir as aprendizagens valores diferenciados. Perguntas que colocam ensinar e aprender como processos interativos, que nao po- dem ser circunscritos e que constituem, simultaneamente, as acdes dos alunos, alunas, professoras e professores. Perguntas que tornam a ava- liagdo um proceso articulador da dinamica ensino-aprendizagem. ‘As conclusées, que entretecem o processo de avaliacao classificatOria, resultam de uma compreensio do processo pedagégico com énfase na transmissao da informacio. Parte-se da possibilidade de circulagéo de um texto univoco, uma mensagem no sujeita a altera- do, com significado fixo e imutavel, compartilhado plenamente pelo professor ou professora e cada aluno ou aluna em interacao. ‘As perguntas, que orientam o proceso de avaliacao como prati- cade investigacao, ressaltam outra concepcio de ensino-aprendizagem. O pressuposto é um proceso interativo, do qual participam diversas vozes, muitos contextos, diferentes cenarios, produzindo trajetos mul- tiplos pelos quais os discursos trafegam, constituindo significados plu- rais, sempre abertos a outras possibilidades. A relacao ensino-aprendi- zagem 6 apreendida como um processo marcado pela diferenca que se articula em diregdo a producio, individual e coletiva, de novos e mais profundos conhecimentos. O enfoque da avaliacao muda. O importante nao é a atribuigéo de nota ou o conceito, interessa coletivamente a compreensao do pro- cesso ensino-aprendizagem, para permitir a ampliacao do conhecimen- to. Ampliar para onde? Para o que se revela, no processo, desconheci- do, necessario, interessante, desejado, significativo. Também muda o sujeito da avaliacdo. Como nao se trata apenas de verificar o desempenho do aluno ou aluna, todos os sujeitos participan- tes do processo ensino-aprendizagem estdo implicados na avaliacao. Esta 6 um processo compartilhado que busca contribuir para uma melhor compreensio de como o “outro”, parceiro no processo pedagégico, com- preende, aprende, ensina; o que aprende, ensina, sabe e nao sabe, nao Editora Mediagao Janssen Felipe da Silva (Org.) 89 a0 final do proceso, mas enquanto o realiza. Aqui, a avaliagao focaliza 0 desconhecido, porém, ni como registro da ineapacidade, mas como locus potencial de ampliacio, individual e coletiva, do conhecimento. A avali- acéio como pratica de investigacao dé visibilidade ao processo perma- nente de construcao/desconstrucdo/reconstrucaio dos conhecimentos de todos que participam da relagao pedagégica. A pedagogia de projetos trabalha na perspectiva do movimento e da diferenca, portanto, a avaliacdo precisa estar conectada ao per- manente movimento de construgao de conhecimentos, aqui traduzi- do pela idéia de “ainda nao saber”, que estimula 0 didlogo e o encon- tro das diferencas. A palavra “ainda” marca, no processo, a possibili- dade, a continuidade, o movimento, o devir. A palavra “ainda” res- salta, na aprendizagem, sua potencialidade, sua dinamica, permitin- do que a relacio pedagégica seja enriquecida pela heterogeneidade. A palavra “ainda” alimenta 0 processo de investigacao. Qutra se torna a apreensao da heterogeneidade no processo de avaliacao. Parte-se do principio de inexisténcia de uma forma homogé- nea de pensamento; h4 modos qualitativamente diferentes de repre- sentar 0 mundo e de nele atuar. Havendo multiplicidade de instru- mentos mediadores e de formas para seu uso, 0 sujeito, na agao, esco- Ihe, segundo uma determinada logica, o instrumento que vai usar e como ira usa-lo; deste modo, é possivel que, tendo algumas vezes ins- trumentos mais sofisticados, mais elaborados, use instrumentos apa- rentemente mais elementares. Os diferentes instrumentos mediadores nao possuem uma escala de poder ou eficacia, seu uso se articula a compreensao do sujeito sobre as atividades nas quais sao empregados. Os instrumentos mediadores organizam a acéo mental e a atividade interativa e nao devem ser postos numa escala em que recebam valores diferenciados. A “avaliacéo como pritica de investigagéo” tem um horizonte mével, indefinido, pois nao trabalha a partir de uma tinica resposta esperada, mas indaga as muitas respostas encontradas, os diferentes caminhos percorridos, os muiltiplos conhecimentos anunciados, com 0 sentido de ampliacio permanente dos conhecimentos existentes. As- sim, o aluno ou aluna pode ir se sentindo livre para dar a sua resposta, mesmo que diferente da resposta padronizada, porque ela seré admiti- da como conhecimento, e como tal, parcial e provisério. Movimento em que também vai ampliando sua autonomia na realizagao do proces- s0 e na tessitura do projeto. Também o professor ou professora encon- tra maior liberdade e autonomia para dialogar com os estudantes e 90 Praticas avaliativas para organizar a dinamica pedagégica, incorporando os conhecimen- tos e desconhecimentos apresentados ao trabalho pedagégico. O erro nao é resultado da impossibilidade de aprender, é parte do processo em que o conhecimento se tece. O valor negativo que Ihe é atribuido, na pratica classificatéria, decorre da impossibilidade de re- conhecimento e validacao do conhecimento que nele se faz presente. A negacio esta relacionada a dificuldade de os sujeitos escolares percebe- rem que instrumentos mediadores similares podem ser utilizados de diferentes modos por grupos diferentes, gerando processos e produtos diferentes. A leitura fragmentada do contexto, fazendo com que a parte que falta adquira tanta visibilidade que termina por ocultar 0 conheci- mento presente, mesmo que parcialmente, também contribui para sua negacdo. Nessa perspectiva, 0 que aparece como erro do aluno ou alu- na pode ser resultado da incapacidade do professor ou professora para compreender a ldgica da resposta que nao coincide com o demarcado pelo processo de privilegiacio. ‘Nao se trata de culpabilizar 0 professor ou professora pelo erro do estudante. Apenas, ha a compreensao de que o erro nao é um resul- tado negativo a ser evitado; o erro, assim como 0 acerto, 6 a expressdo do conhecimento que esta sendo tecido na relacao pedagégica, indica 0 que ja se avancou, o que ja esta consolidado ¢ 0 que esta em elaboracao, pelos sujeitos em interacao no cotidiano da sala de aula, na realizagio de um projeto coletivo de trabalho, sem apagar a acao singular de cada um dos participantes da atividade. Nesse caso, 0 erro deixa de representar a auséncia de conheci- mento valido, sendo apreendido como pista que indica como o aluno ou aluna esta articulando os conhecimentos que jé possui com os no- vos conhecimentos que vao sendo elaborados, na realizaco do proj to, permitindo uma melhor compreensao dos conhecimentos consol dados, dos desconhecimentos presentes e dos conhecimentos necessa- rios e/ou em processo de construgao. O erro explicita percursos possi- veis para o “saber mais”, ressaltando a diferenca de conhecimentos, logicas e processos; expde a diferenca que efetivamente compée a sala de aula e anuncia modos de incorporé-la potencializando a relacao en- sino-aprendizagem, pois ele indica particularidades que devem ser in- tegradas A dinamica coletiva e trabalhadas com a marca da originalida- de e da criacio, aspectos centrais no desenvolvimento dos projetos. Aavaliagao nao prioriza o resultado ou 0 processo. Como pratica de investigacao, interroga a relagéo ensino-aprendizagem em sua com- plexidade e busca identificar os conhecimentos e desconhecimentos Editora Mediagao Janssen Felipe da Silva (Org) 91 que estao em didlogo. Toda resposta, certa ou errada, é simultaneamen- te um ponto de chegada aceitavel, por mostrar os conhecimentos ja ela~ borados, e um novo ponto de partida, por possibilitar novos questionamentos. A avaliacio oferece elementos para uma melhor com- preensao do movimento vivido, individual e coletivamente, na realiza- ao do projeto, contribui para a elaboragao de propostas que possam alimentar o processo de construcao de conhecimentos e indica desco- nhecimentos que podem gerar desdobramentos no préprio projeto ou novos projetos. A avaliacao nao é 0 ponto final, a classificag&o de cada individuo a partir do resultado do processo ensino-aprendizagem, pelo contrario, 6 um conjunto de acdes desempenhadas no processo pedagdgico que contribui na coleta de dados, no registro de informacées, na reflexao sobre o material acumulado e na exposigao dos processos efetivados e das possibilidades abertas. A avaliacdo, investigando 0 processo ensino- aprendizagem, organizado através da pedagogia de projetos, ressalta a diferenca e estimula que cada um traga para o trabalho coletivo suas particularidades, enriquecendo 0 processo e buscando elementos que possam ampliar seus conhecimentos. A diferenca é posta em didlogo, nao em uma escala. Esta avaliacao faz emergir limites e possibilidades conhecimento e desconhecimentos; caminhos, atalhos, obstaculos e des- vios; explicita o que jé foi feito e indica o que pode ser explorado. E con- vite e desafio, é fio que se tranca a toda dinamica estabelecida no cotidi- ano escolar para produzir processos democraticos e emancipatérios. Referéncias Bibliograficas ALVES, N.; GARCIA, R. L. (Orgs.) O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. APPLE, M.; BEANE, J. (Orgs.) Escolas democraticas. So Paulo: Cortez, 1997. AQUINO, J.G. (Org,) Etro e fracasso na escola ~ alternativas tericas praticas. S40 Paulo: Summus, 1997. BARRIGA, A.D. Tesis para una teoria de la evaluaci6n y sus derivaciones en la docencia. Didictica y curriculo, México: Nuevomar, 1984. ESTEBAN, M. T. (Org.) Avaliagdo: uma pratica em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A, 2001 O que sabe quem erra? Reflexées sobre avaliagio e fracasso escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. GARCIA, R. L. (Org.) Novos alhares sobre a altabetizagao. Sao Paulo: Cortez, 2001. ITURRA, R. O imagindrio das criancas. Os siléncios da cultura oral. Lisboa: Fim de Século, 1997. NAJMANOVICH, D. O sujeito encarnado - questdes para pesquisa no/do cotidiano. Rio de Janei P&A, 2001 Editora Mediacao 92 Praticas avaliativas PERRENOUD, P. Pedagogia diferenciada, Das intengOes & agso Porto Alegre: Artmed, 2000. SACRISTAN, J. G. La pedagogla por objetivos: obsesin por la eficiencia. Madrid: Morata, 1997. SAUL, A. M. Avaliagdo emancipatéria. S20 VYGOTSKY, LS. A formagao social da ment WERTSCH, J. V. Voces de la mente. Un enfoque soci accién mediada. Madrid: Visor, 1993. Paulo: Cortez, 1991. te, S40 Paulo: Martins Fontes, 1988. ‘ocultural para el estudio de la Editora Mediaao

Вам также может понравиться