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RESENHA Ox sentidos da democracia: politicas do dissenso ¢ hegemonia global de Francisco de Oliveira & Maria Célia Paoli (orgs.), Colegio Zero 4 Esquerda, Destituicgao e criagao: 0 direito a enunciacao Ed. Vozes, FAPESP, NEDIC, 1999. Henrique Zoqui M, Parca* ca, mas o faz. de maneira prépria. No mo- mento em que uma luta social desenvol- ve-se em toro de palavras que sfio comuns aos combatentes, mais que a disputa pelos sentidos ¢ pelas possiveis articulagdes entre as palavras encontramos um litigio por uma determinada realidade. Portanto, no é um livro que se limi- taa refletir sobre diferentes discursos que com- petem por uma interpretagiio de mundo, apesar de também fa78-lo com boa literatura, mas que, como destaca Maria Célia Paoli numa tempera- da introdugio ao livro, trata-se de uma andlise simultaneamente critica € propositiva do “mo- mento onde a agdo ¢ pensamento politicos ten- F sse livro trata de gramatica e de semanti- *Hestrando do progiama de pés-gradvacao do Departamento de Sociologia FFLCH - USP Plural; Sociologia, USP,S.Paulo, 7:131-136, 1° sem. 2000 tam reagir contra a desqualificagao da politi- ca, da vida ativa, feita pelas ordens que se que- rem permanentemente necessdrias" (Paoli, pil). A leitura dos diversos textos que com- péenr o livro, frutos do seminario internacional A Construgdo Democratica em Questéo, orga nizado pelo Nucleo de Estudos dos Direitos da Cidadania da Universidade de Sio Paulo, carre- gi.0 leitor por um solo movedigo onde a cada capitulo © cendrio muda rapidamente, provendo diferentes perspectivas dos resultados da atual forma de internacionalizagio do capital sobre 0s Estados Nacionais, os direitos sociais, a ci- dadania, 0 ensino, a diversidade cultural ¢ sobre as populagdes atingidas pelos estilhagos cirdr- aicos “inevitdveis” de agdes que se descuipam dizendo: “ndo hi alternativa”! 131 Como o préprio nome do fivro faz men- a0 a pluralidade, miltiplos so os recortes que propicia. Escolhi entdo, com a mesma sensagiio do artista que trabalha com recursos limitados, dois problemas que parecem percorrer os dife- rentes capitulos. Como sempre, os textos, as poe- sias € suas metéforas so muito mais ricos que qualquer interpretagio singular. O primeiro problema aparece no artigo de Marilena Chau‘ ao explicar a tarefa que cabe aos universitarios: “o combate liicide ao que impede a democracia e a ética democrdtica na sociedade contempordnea” (Chaui, p.51). Mais precisamente, interessa-nos nesse instante re- fletir sobre alguns dos atuais obstacutos que as democracias enfrentam com o neoliberalismo: Numa bela descrigio das atuais caracte- risticas do capitalismo contempordneo, mos- trando os desencontros entre o discurso neoli- beral € suas evidéncias concretas, Marilena Chant destaca © processo pelo qual o primeito busca justificar, legitimar e dissimular as for- mas contemporaneas de exploragio e domina- Gao, através da criagtio de um modo de vida de- terminado pela inseguranga, pela dispersio, pelo medo e pelo efémero, em que € tomado como “o ser da realidade a fragnentagiio eco- némico-social ¢ a compressdo espago-temporal gerada pelas novas tecnologias e pelo percurso do cupital financeiro” (Chaus, p.32). Trata-se de, naquela problematica equagio, questionar 0 consenso imposto, 0 que poderia caracterizar uma contradigdo em termos, como bem mostra © texto de Francisco de Oliveira, uma vez que a busca do consenso implica uma situagdo de mii- 132 luo reconhecimento e consentimento entre as partes, Entretanto, talvez uma das facetas mais identificdveis do neoliberalismo seja justamen- te essa capacidade das classes dominantes de construir uma realidade na qual aparentemente 86 hi um caminho a ser seguido. Gera-se, por tanto, um consenso que destrdi a dindmica cria- tiva da sociedade ao sufocar aquelas iniciativas que mostram as contradigdes as miiltiplas pos- sibilidades do tempo presente. Assim, a inexo- rabilidade apresentada para as agSes neoliberais acaba finalmente por desresponsabilizar os seus sujeitos, uma vez que eles apenas realizam um destino da “natureza”, Esse problema, apesar de suas novas ea- racteristicas, no € nove no caso brasileiro. Francisco de Oliveira mosteard como as intime- ras tentativas de constituigdo de um espaco pi blico democratico na sociedade brasileira fo- ram frustradas pela anulagdo da politica. Aqui, Oliveira utiliza a palavra politica no sentido dado por Jacques Ranciére', em oposigao & pa- lavra policiat, a qual seria a manifestagio da politica em geral. Para Rancigre, a politica s6 existe como 0 desdobramento de um dano ou de um litigio fundamental que se instala pela afirmagdo de uma igualdade que cria uma liber dade politica. Hi politica no momento em que ocorre o desentendimento, quando a “discussao de wn argumento remete ao litigio acerca do objeto da discussdo e sobre a condigdo dague- les que 0 constituem como objeto”, fazendo com que a ordem supostamente natural da do- minagio seja interrompida por uma liberdade Plural; Sociologia, USPS. Paulo, 7: 131-136, ®sem.2000 que vem atualizar a igualdade dltima na qual assenta toda a ordem social: a igualdade priméi- ria do logos. Oliveira ird reimterpretar as transforma- g6es econdmicas, sociais e politicas da histéria brasileira, destacando os recorrentes momentos em que a fdgica politica foi substituida pela 1d gica policial, impedindo assim a construgao de espagos ptiblicos democriticos. Para esse au- tor, as burguesias acabaram pasando por wm proceso de intensa subjetivagio da acumula- io de capital, que se traduz de forma mais am- pla na privatizagao do puiblico e na experiéncia subjetiva da desnecessidade, aparente, do pii- blico; levando a uma situagiio em que esses mesmos grupos ndo tém mais nenhuma experi cia de transcendéncia dos seus limites de clas- se, convertendo a vivéncia cotidiana em mera homogeneidade, sem diilogo ¢ sem a fala do outro. Diferentemente dos momentos anterio- res da nossa histéria, a atual forma de dissolu- gio do piiblico da politica da-se através da desmoralizagio e da destruigio daquele que foi destituido do discurso, caracterizando assim a substituigio da hegemonia pelo totalitarismo neoliberal Encontraremos um argumento seme- Ihante no texto de Peter Beilharz quando ele re- toma, a partir da idéia de trafico cultural e dos antfpodas centro ¢ periferia, 0 trabalho de Phi- lip McMichael’ para afirmar que a globalizagio um mito em duplo sentido (uma fantasia ma- nipulada e projetada e uma maneira de organi- zar um projeto), revelando uma globalizagio destruidora do terreno que era capaz de criar a Plural; Sociologia, USPS. Paulo, $136, 1° seen. 2000 experiéncia da comunicabilidade e do convivio da diferenga. Diante da radicalidade que a nogio de totalitarismo neoliberal carrega, 0 texto de Boaventura de Souza Santos parece responder com mais um problema. A presente crise do pa- radigma da modernidade cria, segundo Santos, a situagio de um fascismo societal, entendido nio como um regime politico, mas como um regime social ¢ civilizacional. Para esse autor, o contrato social € o elemento fundante da racio- nalidade social e politica da modernidade oci- dental, ¢ onde diacronicamente forma-se um campo de !utas sociais em torno dos seus erité- rigs de incluso e exclusio. Portanto, a trans- formagao do contrato social num “novo” con {rato liberal-individual, para 0 qual o trabalho perde seu estatuto politico de produto e produ- tor de cidadania, desaparecendo das referéneias éticas que sustentam a autonomia ¢ a auto-esti- ma dos sujeitos, leva ao surgimento desse fas- cismo societal Reforcando a tese do neoliberalismo da globalizagiio enquanto agentes antidemocré ticos, Gabriele Muzio argumenta que esses fe- némenos estiio baseados numa simplicagio da realidade. Ao empreenderem a redugio do mun- do aos conceitos de escala ¢ utilidade individu al, 08 quais esto fundamentados na idéia de quantidade e num sistema unificado de prefe- réncias, a globalizagdo aparece, para Muzio, como um projeto impulsionado pelo paradigma do progresso com 0 objetivo final da homoge- neizagio do mundo. De acordo com esse autor = aqui ele nos remete ao trabalho de Tim In- 13 gold’ — a globalizagio representa: uma outra forma de ver ¢ de conhecer o mundo, contra- posta a visio do mundo da vida, onde o homem é integrante do conjunto do ambiente conhecen- do © mundo a partir do local em que se est. Ao contririo, na representagiio da visio mundial, “o globo é objetivado ¢ destacado do dominio da experiéncia vivida" (Muzio, p.137), corro- borando para a instauragio de um cédigo uni cador do comportamento humano (é 0 sonho da escala segundo Muzio), anulando assim qual- quer sistema ou modelo alternativo. Nessa perspectiva escolhida, os autores procuram evidenciar historicamente os mec nismos que criam as condigdes da dominagio de uma realidade aparentemente tinica, repre- sentada hoje pelo neoliberalismo globalizado, tevelando nesse proceso o silenciamento do que poderia ser diferente. Ao contestar a univo- cidade do real abrimos espago para a possibili- dade do exercicio da pritica democritica, que, por um lado, esté continuamente ameacada e, por outro, € um projeto necessariamente em constante ampliay aqui partimos para outro recorte tem: tico possivel dentro do livro. Enquanto no blo- co anterior nos concentramos sobre alguns dos obstaculos a democracia decorrentes da atual forma de internacionalizagio do capital, em es- pecial a constante tentativa de anular a politica (cf. Ranciére) em nome da gestiio ou adminis- tragio do “pliblico”, e a freqiiente reducio dos mundos possiveis, nesta parte final veremos como esse mesmo processo catalisa algumas transformagées nos direitos de cidadania, 134 Essas modificagdes so ao mesmo tem- po de contetido e estruturais, criadoras e de truidoras de direitos ¢ de sujeitos de direitos. Elas se inserem numa disputa, descrita por Ma- ria Célia Paoli na introdugio do livro, em que palavras como “democracia”, “politica”, “dirci ‘cidadania”, “globalizagio”, “bem-estar”, tos”, € tantas outras que se tornaram comuns e de sentidos difusos, so continuamente apropria- das ¢ resignificadas de diferentes maneiras. Huw Beynon conta uma histéria inglesa de muitas semethangas com a experiéncia bra- sileira para criticar os novos sentidos das nog6- es de direitos ¢ responsabilidades, concluindo que: 0 individuo passou a ser 0 tinico responsi- vel pela manutencdo do seu trabalho. Através do exemplo da greve dos mineiros em 1984-85, Beynon descreve como o governo Thatcher, através de um discurso pseudo-libertario, e com uma série de medidas legais que tutelavam e cerceavam a liberdade de agio dos sindicatos, jogou os trabathadores num profundo isolamen- to social. Fazendo uso de uma opercio seman- tica sobre as palavras “direitos”, “privilégios”, “liberdade” e “responsabilidade”, 0 governo Thatcher fez escola no Brasil quando, dez anos mais tarde contra a greve do petroleiros, os mesmos mecanismos foram utilizados pelo go- verno — como bem revelou Cibele Rizek* num artigo para a revista Praga ~ com o apoio mas- sivo dos meios de comunicagio, contando ain- da com 0 tempero das Forgas Armadas. Nessus circunstancias, nas palavras de Jessop sobre 0 caso inglés, vivemos a passagem de um “Wel- fare State keynesiano para um Work-Fare State Plural; Sociologia, USPS. Paulo, 7: 31-136, 1° sem, 2000, Schumpeteriano” (Jessop apud Beynon, p.276) Questionando os limites do Direito mo- derno ocidental, Anthony Woodiwiss faz a se- te questio: é possivel ou ndo imaginar um regime de direitos humanos ¢ trabalhistas alter- native Aqueles projetados pelo liberalismo pela social-democracia? Tomando como refe- réncia quatro paises € uma recente ex-coldnia da Asia do Pacifico, Woodiwi procura eviden- ciar os problemas e as alternativas que surgem da transposigio, ou muitas vezes da imposigio, de um regime de direitos baseados em prinet- pios ligados ao individualismo ocidental para regides que niio compartilham os mesmos valo- res culturais. Mostrando os pontos comuns e as incompatibilidades entre os sistemas de direito ocidental e a cultura oriental, Woodissis procu- ra re-teorizar 0 direito, propondo como alterna- iva “wm regime neopatriarcalista, no qual res- trigdes aos direitos civis ¢ politicos @ liberdade de associagéio sito compensados por direitos so- ciais e econdmicos ao trabalho que sejam obri- gatdrios juridica e socialmente }...]" (Woodi- wiss, p.210). Woodiwiss desenvolve essa tese para afirmar que nao hi na Asia do Pacifico um, conjunto de instituigdes, patriarcalistas ou capi- lalismo que sejam “intrinsecamente antagéni- cas @ manutengao do respeito aos direitos hu- manos” (Woodiwiss, p.258). Mas hé um problema mais profundo que diz respeito a propria crise do Direito mo- derno, Se os autores anteriores indicaram suas modificagdes de sentido e os seus limites cultu: rais, 05 iltimos textos do livro refletem sobre os fundamentos desses direitos. De acordo com Plural; Sociolagia, USP, Paulo, 7:1 136, Laymert Garcia dos Santos, 0 desenvolvimento tecnolégico da biotecnologia ao lado da expan- sio dos direitos subjetivos dilui as diferencas entre © humano € 0 inumano, entre o natural ¢ 0 artificial, de forma que a propria humanidade do homem fica ameagada. Citando Edelman* ele afirma que: “ndo x6 0 sujeito aumentou sua potencia porque a ciéncia the forneceu os meios, como também 0 outro ndo exerce mais 0 papel de fromeira ou de limite" (Edelman apud Laymert dos Santos, p. 303). ‘Ao mesmo tempo que qualquer organis- mo vivo, informagio genética ou molécula tor- na-se passivel de ser apropridvel na forma de uma mercadoria através das modificagées do direito subjetivo e das possibilidades criadas pela engenharia genética, observamos, no con- texto internacional, a criagdo de leis que garan- tem a propriedade intelectual sobre esse conhe- cimento, indicando portanto a possibilidade de uma dupla expropriagio ¢ a derradeira reifica- Gio ¢ privatizagiio do homem. Ainda nessa diregio, Carlos Frederico Marés de Souza Filho aprofunda a explicagiio dessa crise, mostrando as transformagées nos mecanismos juridicos e na relaco entre a titu- laridade e o seu objeto. No texto Os direitos in- visiveis, Carlos Marés mostra que a desmateria- lizagiio do objeto, ou seja, a passagem de uma nogio fisica para uma nogao de objeto intangi- vel, ocorre paralelamente ao desenvolvimento de uma titularidade que deixa de ser individua- lizada. Esse processo pode tanto significar uma ameaga para a humanidade, conforme descrita por Laymert, como abrir a possibilidade de 135 constituigao de novos direitos coletivos, portan- to para o reconhecimento de novos sujeitos de direito, segundo Carlos Marés. 5 tiltimos textos traduzem, em certa medida, 0 movimento de critica e proposigao presente em viirios dos capitulos que consti- tuem esse livro, Assim como Carlos Marés Laymert Garcia analisam as transformagdes no Direito, eles nao deixam de perceber as contra digdes que surgem e que negam esse mesmo processo, nesse caso, 08 novos direitos difusos € 0s novos direitos coletivos. Esses direitos so- mam-se i busca de um direito a sobrevivencia, conforme proposto por Gabriele Muzio, e tam- bém a idéia de modernidades alternativas, de Peter Beilharz, na medida em que sao tentati- vas de promover a autonomia individual ¢ co- letiva ¢ fortalecer a luta pela manutengdo da di- versidade sociocultural. Boaventura de Souza Santos e Anthony Woodiwiss, na busca por no- vas formas de contrato social, procuram, da mesma maneira, possibilitar 0 proceso inven- tivo de solugdes auténomas e impedir que elas sejam apropriadas e resignificadus pela tendén- cia homogeneizadora do capitalismo financei- ro globulizado. Esse livro, portanto, além de enfrentar as ressacas da globalizago com um mergulho analitico, desenvolve a dimensao interpretativa € crialiva das cigneias sociais, convidando-nos para a eterna tarefa de pensar criticamente 0 presente, m 2 Opeit, pid » MeMicha anthropology, Londres. + Rizck, Cibele Saliba, (1998), "A greve dos petrolciros", Edelman, B.ct Hennitte, M-A_( 1988), L’horme, lan 136 jacques, (1996), O Desentendimento, Ed.34, $30 Paulo, I, Philip (1996), Development and social change, Thousand Oaks, Pine Forge. + Ingold, Tim, (1993), "Globes and Spheres. The Lopology of eavironncataisn jn: K.Millon (ed), Environmentalison: The view from Praga, n° 6, Hucitee, $0 Pauto. jure et Ie droit, Paris, Christian Bourgois Ed. Plurat; Sociologia, USP,S.Paulo, 7:131-136, 1° sem. 2000

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