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| | k 7 A Marcha Infinita da Personalidade Isso de querer ser ‘exatamente aquilo que a gente & ainda vai nos levar além (Paulo Leminsky, Incenso Fosse Misica) 1. Transformagées do direito contemporaneo O aluno hesitou. Em tese, « pergunta ndo era diffeil. Afinal, qualquer estudan- te do segundo ano do curso de direito deveria saber que 0 Cédigo Civil divide as obrigacdes em trés modalidades: obrigagies de fazer, obrigacdes de néo fazer € obrigacdes de dar. 0 aluno, todavia, estava inseguro. A prova oral o deixava nervo- 0. Pensou mais um pouco, engoliu em seco e respondeu: “Obrigacées de fazer, de no fazer, de dar... e de nao dar!” Foi aprovado, pela ousadia. LJuristas tém tendéncia excessiva a classificar. O positivismo juridico, j4 cha- ‘mado o “grande lastro metodolégico do século vinte” foi levado ao extremo na primeira metade do século, resultando em uma abordagem cientifcista, quase laboratorial, do direito. Apartada de consideragdes “metajuridicas” (politicas, ‘morais, socias), a “ciéncia do direito” foi tao depurada que se distanciou dos pro- blemas conczetos. Os debates passaram a gravitar em torno de conceitos e catego- ras abstratas, que eta preciso distinguir, ordenar, classificar. Métodos e posturas préprias das ciéncias naturais foram importados para o campo jurldico. Normas, direitos, deveres passaram a ser subdivididos em esquemas taxonémicos e, ainéa ¥ Autdaio Meneses Conde, Inodugto & Bdgdo Pormguesa da Obra de Claus-nthetn Canis, Pansamento Sisterticoe Conceita de Sistema ne iénla do Dret, Lisboa: FundagSo CalousteGul- Denkian, 1996, pV 214 Din sresonbose «sehen hoje, quando o legislador ria um novo instiuto, a primeira pergunta que se fazem muitos jurists, antes mesmo de avaliar suas consequéncias prticas, é 0 seguince: qual a sua “natureza juridica”? Institutos juridicos ndo tém, a rigor, “natureza”. Sto produtos do engenho hhumano eriados para atender a uma finalidade pritiea, 2 uma fungio especifca, E preciso ter a consciéncia de que “a cultura juridica se exprime por problemas ¢ possiveis solugées, em uma perspectiva histricae relativistca, ndo jé por dogmas, vverdades fixas endo histéricas’." Em esséncia, “o direito é um modo de resolver casos coneretos". O distanciamento da realidade faz. mal ao jurist. Seu objeto de atencio «std em permanente mutacio. Com impressionante celeridade, os problemas sociais se transformam e as leis, como respostas que séo a esses problems, se alteram. Com umma nica norma, o legislador pode fazer desmoronar todo um editicio de conceitos juridicos, comando obsoletas paginas e mais paginas de clasiticagdes Essa percepcao tem inspirado, desde as thtimas décadas do século XX, uma nova abordagem do direito, que, sem renunciar & seguranga e sobretudo& objetivi- dade, toma o ordenamento juridico como um “sistema aberto”, O juiz deixa de ser, na eélebre expresso de Montesquieu, a mera “boca da le". 0 intérprete da norma chamado a participar de modo mais ativo da construgio e da aplicagio do dire to, contribuindo criativamente para a solugdo de cada caso concreto. E é 0 préprio legisiador quem faz esse convite, Em toda parte, o Poder Legislativo passa a legislar de um modo bastante diferen- te do que vinha fazendo até a metade do século XX. Aré entio, o legislador empre gava de modo macigo uma técnica legislativa conhecida como técnica regulamentzs, ‘que consiste em descrever uma situagdo fitica especifca e lhe atibuir uma conse- ‘quéncia juridica predeterminada. Sdo regras casuisticas, que deixam potco espaco para o intérprete, Embora regras desse tipo continuer existindo e sejam mesmo necessérias ao sistema juridio, a partir de meados do século XX, o Poder Leisiativo comeca a dar énfase & produce de normas de outra espécie: normas de enuinciados abertos, vagos, genéricos, que no descrevem uma hipétese fética determinada, nem atribuem uma consequéncia juridica especifica, mas ditam um norte valorativo para ‘ atuacio do intérprete, que € convocado a colaborar com a constrigio da solugéo de cada caso concreto, O legslador passa, em outras palavras, ase valer de elénslas getais, de conceitos jurdicos indeterminados, de conceit discriciondrios e de uma série de outras espécies normativas que nao nascem fechadas em si mesmas.* * Pleto Pestingiri Ditto Che nella LepaitsCositusionale, Napoli: EdizioniScientcheIlia- ne, 2001, 9.2. 2 Anténio Menezes Cordero, inirodugdo &Bdicto Poreuguesa de Clau-Wihelm Canaris,Pensarento Sisemicoe Gonceit de Sistema na Cieia do Direc, et, XX “Fara mats éealhes Kai Engisch, nvedusdo oo Peneament Jura, Lisboa: Fundacdo Calousve Gulbenkian, 1996, especialmente p, 208-255, ee A qualquer leitor seré fécil pereeber @ distingéo entre as normas “fechadas’ € as normas “atertas". Por exemplo, 0 art. 573 do Cédigo Civil afirma que 0 con- trato de locacio por tempo determinado “cessa de pleno direito findo 0 prazo estipulado, independentemente de notificaclo ou aviso”. Trate-se de uma norma casuistica, que euida de uma situagao fitica especiica, atribuindo-the um efeito Juridico predeterminado. Aqui, hd pouco espaco para a atuacdo do intérprete. Bem Aiversa é a norma contida no art. 422 do Cédigo Civil, que afirma: “os contratantes ‘io obrigados a guardar, assim na conclusdo do contrato, como em sua execuco, 69s principios de probidade e bos-”. O dispositiva, como se vé, nao descreve uma situagéo fitica especifica, nem tampouco uma consequénciajuridica predererm’- nada, mas cria uma cldusula geral que impSe 20s contratantes um comportament© robo ¢ leal. Ao advogado, a0 juiz, a0 estudante é que compete, na anilise de cada caso conereto, concluit, a partir dos pardmetros desenvolvides pela doutrina e pela Jurisprudéacia, se 0 art. 422 restov ou nao violado. Em paralelo ¢ em estreita conexao com essa nova técnica legislativa, a comuni- dade juridica assiste, 20 longo do século XX, & retomada da importéncia dos prin- ipios. Abandonados pelo cientificismo juridico como meras “recomendagoes” 20 legislados, os prineipios voliam a ser reconhecidos como normas de forga cogente aplicdveis diretamente na soluc3o das disputas judiciais. As Constituicdes, reches das de prineipis, deixam de ser “cartes polttcas” para se tornarem normas funda mentais do sistema juridico, no apenas ditando a interpretagio do direito infra- consticucional, mas incidindo permanentemente sobre cada conflito de interesses. Do inevitével choque entre prineipios os juistas extraem também tm renova- do modo de aplicasio do direito. Se, diante das regres casuisticas, parecia dbvio que a aplicagéo de uma norina afastava necessariamente a de outta, na colis60, entre prineipios, tal afirmac4o nZo prospera. Dois principios podem e devern ser aplicados simultaneamente a uma mesma situacio concreta. A aplicagdo de um principio no exclui a aplicacéo de outro. Os principtos aplicam-se sempre, exigin- do do aplicador ume espécie de balanceamento.* Assim, o método secular da sub- sungdo cede espaco para 0 método da ponderagio, em que se busca wim caminho intermedirio, equilibrado, que no exclua por completo a aplicaco de nenhum dos dois principios em conflito, mas que impoaha um sacrificio reciproco e pro- porcional entre ees, afim de se encontrar a melhor resposta para o caso concreto. A partir da sua aplicagéo aos principios, 0 método da ponderacSo difunde-se por outros géneros de colisées, envolvendo interesses protegidos por normas abertas de igual hierarquia.® * Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, 17. ed, Cambridge: Harvard Univesity Press, 1999, p.2h * vara mais detaes, sejapermiido rermeter a Anderson Sehreiber, Novas Paradigms da Responsa- biidade Gc, p. 153-2 | aon 216 DietorssFomenwldide + seer ‘Todas cssas profundas uausforiacdes do direlto contempordneo fA sfio, a essa altura, conhecidas do leitor. A anlise dos direitos da personalidade talver sea a melhor forma de perceber a sue importincie e sus ullidade prtica, Trata-se de um privilegiado laboratério para o exame das mudancas mais recentes da ciéncia juridica 2 O direito no laboratério Em diversas passagens dos capitulos anteriores, terd sido possivel ao leitor perceber que 0s direitos da personalidade se amoldam mal & técnica legislativa regulamentar: Sempre que 0 Cédigo Civil procurou, nesse campo, descrever uma situagdo fética especifica, attibuindo-the uma consequéncia juridica determinada, acabou oferecendo solucées insuficientes, que deixam de fora uma vasta gama de conflitos. Relembre-se, por exemplo, oart.20, que, repleto de detalhes sobre o uso a imagem, esquecew-se simplesmente da liberdade de informacdo. Ou recorde-se © disposto no art. 18, que limita 2 vecacao do uso desautorizado do nome alheio & propaganda “comercial”, sugerindo equivocadamente que a mesma solugdo no se aplicaria a outras espécies de propaganda. ‘Tratar dos direitos da personalidade de modo regulamentar, com normes ‘asuisticas, fechadas, ¢ extremamente perigoso. Isso por ts razbes principais. Primeiro, porque sio direitos de indole constitucional, cuja protegio ndo pode ser indevidamente limitada pelo legislador ordinério. Segundo, porque as situacBes {ticas em que se configura a ameaca aos direitos da personalidade sao amplissimas ¢ tm se expandido continuamente em face das novas teenologias. Terceiro, nfo ¢ incomum que @ protecio dos direitos da personalidade colida com a tutela de outros direitos de ordem constivucional. Nesses casos, as normnas fechadas estabe- lecidas pelo legislador ordindrio perdem sentido, exigindo que o intérprete proceda a necessdria ponderagao entre os interesses conflitantes Se aio deve tratar dos direitos 4a personalidade com normas fechadas, 0 legislador também nao deve incorrer na tentagio oposta: enunciar normas extre mamente vagas que nada acrescentam de wil A solugdo dos confitos. Também esse equivoco incorreu 0 Cédigo Civil. O leitor nao terd esquecido da retumbante diesio do caput do art. 21, que declara que “a vida privada da pessoa natural é {inviolével", ¢ acrescenta que o juiz adotaré, a requerimento do interessado, “as rovidéncias necessérias para impedir ou fazer cessar ato contrério a esta norma” 0 dispositive ¢ inteiramence dispensavel. Nada acrescenta ao jé disposto no art, 5¢ {da Constiuiséo. Methor seria, como jd visto, que 0 legislador tivesse feito o esforgo de enumerar instrumentos especificos de proteglo & privacidade ou parametros Para a solugdo dos conflitos mais comuns na matéri Eis 0 momento especial que vive a comunidade juridica. Diante das transfor- rages que levaram ao reconhecimento de que o direito consiste em um sistema aberto, o grande desafio esté, hoje, em atribuir seguranca e uniformidade & solu- fo dos casos concretos. Quando o legislador transfere ao juiz e aos advogados 2 construgio da solucdo do caso concreto, é preciso que essa construgio sige alzuns perimetros uniformes, evitando-se solugdes opostas para casos semelhantes. E: preciso, ainda, que essas diretrizes sejam buscadas nos principios constitucionais, fentendidos como normas que exprimem os valores fundamentals da sociedade brasileira, Essa é a missio das novas geragoes de juristas: estabelecer as linhas -mostras para que o sistema juridico aberto nao se reduza ao “achismo” judicial ou 2 uma “justiga de cada um". E aqui 2 contribuigio do estudante pode ser tio decsiva ‘quanto a dos seus professores. Como prova a leitura dos capitulos antecedentes, os confltes envolvendo os d- reitos da personalidade permanecem, em sua imensa maioria, a espera de solugées aequadas. Nao se trata apenas de corgi, por meio de uma interpretacao conscru- tiva, os lapsos e desvios do Cédigo Civil no capftulo dedicado ao tema. Trata-se de cenxergar além. A codificagéo limitou-se a umas poucas disposicBes sobre o dieito a0 corpo, 0 direito ao nome, o direito & imagem, o diteito & honra e o direito? pri- vvacidade. A singular condigdo humana no se encerra, contudo, nesses atributos. A personalidade caminha, E caminha a passos largos. 3. Funcdes dos direitos da personalidade Os direitos da personalidade desafiam as classficacbes e taxonomias a que tanto se apegaram os juristas emn um passado recente. A histéria mostra o fracasso de todas as tentativas de enumerar os direitos da personalidade em um rol definit ‘vo, Concluiu-se, enfim, que ndo so numerus clausus, ou seja, de mimero fechado. ‘Como atributos considerados essenciais & condigéo humana, sua compreensto € amplitude variam no tempo e no espaco. O cardteraberto da dignidade humana rio permite o congelamento des suas mtitiplas expressdes. A propria distingio centre essas expressdes nd é r{gida, Muitos confltos coneretos envolvem, a um sé tempo, a violagdo do direito 20 nome, do direito & imagem, do direito& privacida- de, dentre outros. O que resta atingido, em tltima andlise, ¢a dignidade humana, A categoria dos direitos da personalidade nao tem como escopo cristalizar r0l dos atributos essenciais a0 ser humano. Suas fungSes juriicas sfo outras, como, por exemplo: (j) evidenciar as diferentes ameacas que cada um desses atributos pode softer, faciltando a prevengio de danos (fungao preventiva): (i) permitit por meio do desenvolvimento de instrumentos espectfcos, a mais plena reparacia das lesdes que venham @ atingi-los (Fungo reparatdria); (il) auxiiar a formulagéo de 218 ofatus da Pesoidate + Schotne pardmetros préprios para a ponderagdo nas hipéteses de colisdo entre os proprios direitos da personalidade ou enize eles e outros direitos fundamentais (funglo paci- ficadora); e (iv) estimular 0 desenvolvimento desses atributos por meio de politicas piiblicas e iniciativas sociais adequadas (funcio promocional). A construgio dos direitos da personalidade como ume categoria geral tem a utilidade de evidenciar, para fins préticos, as semelhangas ¢ as diferencas entre os varios atributos da con- A jurisprudéncia brasileira tem seguido 0 mesmo caminho, como se vé, pot plo, de acérdao do Superior Tribunal de Justica, em que se afirmou: “mantendo 0 autor da heranca uniZo estével com uma mulher, 0 posterior relacionamento com ‘outa, sem que se haja desvinculado da primeica, com quem continuov a viver como se fossem marido e mulher, nao hé como configurar unido estével concomitante”.* ‘Uma outra conclusio parece ser possivel. O art. 226, § 3%, da Constituigto atrbui protecio juridica & unio estdvel como “entidade femiliac’, sem qualquer exigéncia de exclusividade, E 0 art, 1.723 do Cédigo Civil define @ uniao estavel ‘como “convivencia pibica, continua e duradoura e estabelecida com o objetivo de ‘constiruicdo de familia". O dispositivo estampa, claramente, os requisitos para a configuracdo da unido estével. Sobre exclusividade nao ha palavra Confira-s, ainda, 0 § 1" do art 1.723. Ali, o legislador, em momento de duvi dosa constitucionalidade, eriou impedimento para a constituicdo de unido estave! por pessoa “casada”, se ndo estiver separada de faro ou judicialmente.® A contrario serau’ a pessoa que f vive em uni estvel ndo estéimpedica pela lt de consticuir nova unigo estével. Assim, 20 contrério do que ocorre com 0 casamento, a confi- guracio de unio estavel néo afastada pelo legislador na hipdtese de existéncia prévia ou concomitante de outro vinculo idéntico. E 0 art. 1.724 do Cédigo Civil, ao arrolar os deveres dos companheiros, empregou, de modo emblematico, a ex pressdo dever de lealdade, evitando a expresslo fidelidade que emprege no &mbito do matrimonio (art, 1.866). Néo hd, assim, em nosso ordenamento juridico, real ‘obsideulo ao reconhecimento de unides estéveis simuleaneas, protegendo-se em ‘gual medide os conviventes miltiplos de uma mesma pessoa, que no tem vincalo matrimonial. Questio mais tormentosa diz respeito & unio estével formada por pessoa co- sada. Nao hd diivida de que tods a disciptina do casamento é construide em totno 4a ideia de monogamia. Também é inegével que o Cédigo Civil, em seu art. 1.566, inciso I, estabelece entre os cBnjuges o dever de “fidelidade reciproca’. O que nenhum autor consegue explicar, de modo satisfatério, é por que a violagdo deste 5 Paulo bo, Direico Cl - Farag, So Paulo: Serave, 2006, p. 154, 5 Superior Tabunal de Josica, Recutso Especial 789.295/R4, 162.2006, = A inconstitucionalidade do impedimento 8 consticuggo de unio estel se voltaré logo adits ao se dscuti aexisténca imutdnea de uniso estivel «easement . 5 Para mais detshes, sea consenide remeter a Anderson Schrebox, Familias Simultdnease Redes -emares, in Giselda Hironaka etal. (Org), Dveto de Ramee dex Sucerses~ Temes Atucis, S80 Paulo: Méiodo, 2009, . 237-254 a i i 228 Diora Pesonsiade + Se dever de Bdelidade por um dos cénjuges acaba por resulkar eur sauyai para um terceiro: a companheira ou companheiro com quem o cSnjuge infil estabeleceu, sabe-se Id por qual razéo, um relacionamento estavel e duradouro. Em outras palavras: por que a companheira deve ser privada de protegao juridica na relagéo inegavelmente familiar que estabelece? Na pratica, 0 resultado ¢ odioso. Néo é raro que uma mulher eonstinua com seu companheiro uma familia, confiando no seu trabalho em outra cidade, nas suas noites no quartel, na sua profissao de caminhoneiro ou comerciante que conduz ao longe, e que, no momento da separacéo ou do bito, veka a descobrir ‘que, & parte o golpe emocional, nlo faz jus a alimentos ou a outros amparos que, normalmente, teria porque seu ex-companheiro era casado. O direito, nas palavras dde Maria Berenice Dias, acaba por premiar a infidelidade.* A solucdo que a jurisprudéncia reserva a esses casos é a aplicagdo da Stimula 380 do Supremo Tribunal Federal, que prevé para a “concubina” uma indenizag decorrente do rompimento de sociedade de fato # uma solugdo tecnicamente insustentavel. Sociedade, no diteito brasileiro, é comunhio com propésito de lucro, situagéo antagénica & relagdo familiar 4 aplicagéo da referida Siimula acaba por equiparar @ companheira a uma prestadora de servigos, de modo verdadeiramente degradante. Nega-se protecio de ordem familiar a algo que se ndo é familia, nin- guém sabe dizer 0 que €. £ bem verdade que o jé mencionado art. 1.723, § 14, do Gédigo Civil cria impedimento & formagao de unio estével por pessoa casada. O dispositive, con- tudo, é clarmente inconstitucional. Em primeiro lugar, a prépria disciplina dos impedimentos afigura-se incompativel com a unio escivel, entidade familiar de constituicdo espontinea e informal, néo controlada previamente pelo Estado, Em outras palavras: a enumeragdo de impedimentos faz sentido no casamento, ue ¢ ato solene, controlado pelo Poder Publi¢o, Nao tem qualquer cabimento na unito estavel, em cuja constituigao 0 Estado néo desempenha papel algum. Além disso, ¢ Constituiglo reconhece protegdo familiar & unio escével sem aludir 20 impedimento previsto no art. 1.723, § 14, do Cédigo Civil. E, agi, ganha forca o argumento do Ministro Ayres Britio, quando afirma que o legislador infeaconst- tuclonal nfo pode reduzir 0 espectro de protecio reservado & unio estével pelo Consticuinre, Maria Berenice Dias, Manuat de Divito das Famfoe, Sio Paulo: Revists dos Tauris, 2007, 173. 5 [Sdmule 960: “Comprovada a exstincia de sociedad de fro entre os concubines, €cabvel sua _Sssolupio judicial com a partiha do pariménia sdquisid pelo esforg camura™ * Ea ettiea cereira de Paulo Lbbo, Dito Ci - Familias, ct, p. 168 Aveche nose Revmsiesey 229 ‘Além de inconstitucional, negar protegio & unio estdvel formada por pessoa casada ¢ contraditério com outros dispositives do préprio Cédigo Civil. Hé varios eles que poderiam ser invocados, mas o mais importante é, sem duivida, o art. 1.561, que, ao tratar do casamento, afirma: “Art 1.561. Embora anulével ou mesmo nulo, se contro de boa-fé por ambos os cBnjuges, 0 casemento, em relacio a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentences anulacéria, § 1* Se um dos cdnjuges estava de boa-fé ao celebrar o casemento, os seus efeitos Civs 6 a ele 20s fills aproveitaréo.” Ore, se a pessoa que, de boa-fé, se casa com pessoa jé casada continua a me- recer a protegdo do ordenamento, 20 menos, por uma questio de coerénci, se deveria reservar protegio idéntica a quem, de boa-fe, sem conlnecimento do vin- culo matrimonial, forma unido estével com pessoa caseda. Seria 0 minimo, como resultado de uma analogia por demsis evidente. O problema, contudo, ndo deve ser encarado como um jogo intelectval ou como um quebra-cabecas de dispositives legis. Aqui, ndo rao a realidade da vida prega pecas aos conceltos: como provar que a companheira conecia ou desconhecia 0 vincula matrimonial do seu convi- vente? Trata-se de prove durfssima, sabendo-se que dados dessa espécie, na maior parce das vezes, néo so conhecidos ou desconhecidos, apenas frequentam aquela zona cinzenta que se estende entre o mundo das suspeitas eo temor da convieedo. Falar aqui em boa-fé (como estado de consciéncia) é empregercritéro falho, que no conduaira com seguranca @ lugar algum. Nas relagées afetivas, hd, para muito além da boa-fé, uma vontade enorme de se acreditar na paixio sincera do outro. O debate nesse campo ndo pode ganhar contornos teenicistas, O tema situa-se fo campo dos valores. Diz respeito a qual direito de familia a sociedade brasileira pretende para si, De um lado, ha um direico de familia que seleciona uma familia oficial, langando todas as demais na clandestinidade. De outro, ha um dieito de familia que teconhece que 2 vida afetiva se desenvolve de maneiras muitas vezes intrincadas e que todo ser humano tem direito & sua autodeterminagéo familia, do competindo ao Estado dizer que algumas familias séo mesmo familias € outras, rio. Ao Exado compete, isso sim, reconhecer as convivéncias familiares que cada pessoz instirul em sua vida, com a chancela oficial ou nao. Retorne-se 20 caso de Joana da Paixio. Ndo hé diivida de que Valdemar do Amor Divino violou seu dever de fidelidade conjugal, ao trair sua esposa e constitu uma outra familia com Joana da Paixio. Talves fosse justo impor a Valdemar sangées severas por essa violagéo, mas Valdemar jé sofreu a sangéo definitiva. Quem pede abrigo ao direito ¢ Joana da Paixéo. Hla sabia do casamento? Nio sabia? Deveria saber? Suspeitava? Temia? Sao perguntas muito difceis de se responder. Nem o A 1 f : 230 inde Pesos + Sete, Supremo Tribunal Federal tentou respondé-las. Decidiu o caso com base em um, {inicofato objetivo: Valdemar do Amor Divino era casado. Por conta disso, Joana da Paixdo nio receberd pensio previdencidra, nem seguro de vida, nem terd direito& participacéo na heranca. O Supremo afirma que ela é "concubina’ e que, por iso, aquela convivéncia apaixonada de mais de 37 anos, geradora de nove fills, néo era uma familia. Joana da Paixdo tem absoluta cerceza de que era : 8 Liberdade religiosa e o caso do véu islamico Em 2004, a Franca editou lei extremamente polémica, que proibiu o uso nases- colas piblicasfrancesas de simbolos que manifestassem ostensivamente as opcdes religiosas dos alunos. A medida impediu 0 uso de crucifixos de grandes dimensbes, do kipah judeu e, especialmente, do véu islamico,cuja utilizagio no isla éobrigaté- sia para as mulheres. Por se recusarem cumprir a lei, algumas edolescentes foram cexpulsas das suas escolas. A polémica foi reaberte em setembro de 2010, quando © Senado frances aprovou nova lei, proibindo, dessa vez, o uso em lugares puibli- 0s do véu islémico que cubra total ou parcialmente o rosto da mulher. Antes da Votacio, a Ministra da Justica, Michelle Alot Marie, decarou que “o véu de rosto inteiro dissolve a identidade de uma pessoa na comunidade”e “desafia 0 modelo francés de integracto, com base na aceitacio dos valores da nossa sociedade”.” Em outubro de 2010, ale foi aprovada pelo Conselho Consttucional francés, que ressalvou, todavia, a possibilidade do uso do véu em lugares piblicos onde ocorram cerimbnias religiosas, para evita ofensa a liberdade religiosa Assim como 0 Estado frances, 0 Estado brasileiro nao possui religiéo oficial Nossa Constituico reconhece, em seu at. 5, inciso VI, a liberdade de crenga e 0 livre exercicio de cultos religiosos. Trata-se de um direito essencial a toda pessoa Jhumana, Apesar disso, a liberdiade religiosa nfo vem normalmente arrolada entre ‘08 direitos da personalidade, mas sim entre os direitos fundamentas, pois sua tre- jet6ria histérica foi sobretudo a da afirmacio frente ao Estado. E nesse sentido que © texto constitucional assegura, no inciso VIII do mesmo art. 5 que “ninguém ser4 privado de direitos por motivo de crenca religiosa, salvo se a invocar “para eximir- -se de obrigagio legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestacio alternativa, fixada em lei", Além de vedar a discriminacéo, a Constituigdo brasileira garante & protecao aos locais de culto e suas liturgias (art. St, VD € a prestacio de assisténcia religiosa nas entidades civs e militares de internaco coletiva (art. 5, VI). 2 Probie Vr limzo Pasa no Senado Front, mati enon om 14.920N0-99 0 bn ‘A abundancia de normas constitucionais ndo tem impedido que a liberdade de calto das minorias sejasacrificada em nome de valores tides como superiores pela ‘maioria da populagdo. Caso dramatic, jé examinado a fundo, é o das testemunhas de Jeovs, compelidas, muitas vezes, a receber transfusio de sangue por conta de ‘uma suposta superioridade da vida humana em relacéo & (sua) escolha religiosa** Problemas semelhantes se verifieam no campo dos costumes privados e das priti- cas insttucionais. Mecanismos cotidianos, como os hordros de funcionamento dos fesabelecimentos pibicos, 08 trajes exigidos em determinadas situagbes socials a5 ceriménias clveas, 0 cardapio dos refetérios piblicos, as normas de compor- tamento em empresas privadas e instituigbes de ensino raramente se encontram aadaptados 8s necessidades findamentais de religides minoritérias, o que acaba por feigiro recurso a0 Poder Judiciduiu para assegurar« liberdade de cult. Mencione-se a tituiustratvo, julgamento em que o Supremo Teibunal Fede ral, ainda sob a vigéncia da Constituigdo anterior, relativizou normas de suspensio condicional da pena que impediam ex-detenta de frequentar cultos religiosos em “residencies ou locais nio destinados especificamente a este fim". A corte suprema entendeu, na ocasiéo, que a liberdade religiosa pode ser exercida “numa igreja, numa outra casa e até em praca publica (missa carpal, por exemplo)”. Em 2002, por outro lado, o mesmo Supremo Tribunal Federal indeferiu pedido de extraditan dos que, na condigdo ¢e judeus ortodoxos, solicitavam autorizacio para celebrar em suas residéncias 0 evento religioso correspondente & Pascoa catslica, endo em vista que sua religio “impde a observincia de principios rigidos" naquele periodo. Por decisio monocrética do Ministro Moreira Alves, o pedido foi indeferido, 20 “argumento de que a legislacio ndo autoriza a concessto do beneficio e que a Cons- timuigdo brasileira assegura, em seu art. 5 inciso VU, “a prestaclo de assisténcia religiosa nas entidadescivs e militares de iternagio coletiva”.* (Outro pedido polémico foi examinado no Tribunal de Justiga do Rio Grande do ‘sul: adepto da Igreja Adventista do 7© Dia solicitou judicialmence a determinacéo de um horério especie! para realizagéo do concurso piblico para magistratura, diante do fato de que a sua religido proibia atividades seculares do entardes de sexte-feira até 0 po: do sol de sébado, Mesmo diante da regra rigida de isono- o tribunal concedeu liminar autorizando 0 decisio ‘mia que pauta os concursos puilicos, candidato a realizar a prova no prOprio sébado, das 20h17min as 24h. A foi adotada por maioria, tendo os votos dissidentes sustentado que havia risco de (quebra da isonomia na ealizacSo do concurso e que o requerente teria dificuldade, diante de seu “radicalismo” religioso, de exercer adeguadamente o cargo publica 50 vem foi examinade no capitulo atinente ao direio a proprio corpo, » STE Recurso Extrardinio Criminal 92.916/PR, Rel. Min, Antonio Neds 2 > STE Extrediggo 815/21 Rel, Mio. Moreira Aes. 64.2001, 5.981 ret ue visava, id que impossibltado de apreciar medidas urgentes entre as tar sexta-feira € 0 pér do sol de sdbado.” — Quatro séclos de influéncia hegeménice da grejaCatlica sobre o Estado bra Siero explicam, em parte, a dificuldade de aeiarao de prévcas« hbitos rligi. 505 distintos daqueles majoritariamente aceitos e jd incorpor “naturais” pelo inconsciente coletive. A. aus de una dose mea Cemprege de simbolos religiosos em locais piblicos, coms a que se instauton ee tomo do so do véu islimico na Franca, nao deriva de uma maior tlerdneia da {ovo brasileiro com as minoriasrligiosas, caracteistica muitas veres romania Mia ae Decor isso sim, de uma composico singular do nossa populag Gus ssmagadora maioria é declaradamente catdlica, Nesse context, as decussicg Sniuer Ghegam a se impor. Costumes e simboloscatdlics sio ineotporedos comme algo natural ao cotidiano das instituigbes privadas e piblcas © isencao temas como 0 abortoe a eutandsia, pende um cristo crucificado. Apesar da absoluta separaco entre Estado. © religiéo, reconhecida em sede constitucional, 0 Bink daa acre doa exy em saparch see a 9 Liberdade de expresso Como a liberdade religiosa, a liberdade de expressdo aio vem usualmente tnclaa ete 0° direitos da personalidade, Iso porque, também aqui, o embate sf Shtoteamente no ‘entre os préprios particulares, mas entre eles ¢ 0 Estado, Go absolution a oerdade de expressio marca ndo apenas perodo longinus brasilva, tonto eratiieo, mas se reedita na expergneia recente dz Repibhcs oe cel fepresentado uma das mais nitdas Facets daditaduta militar Det 4 clareza com que a Constituicéo de 1988 declara, em seu a. 5%, inciso DE, que 5 TERS, Mandade de Sepang 7000 202 a 70002025906, Rl. Des, Aken de Asis, {0 head por no er sido candida prone oo cs Sobre 0 ma, ver: Gustavo Tepedino, it Brasil, Revita Timestal de Be oedema iat Givi, #10, Rio de Janica:Pacma p. 195-16 (AE “6 livre a expressio da atividade intelectual, atistica,cienifica e de comunicagéo, independentemente de censure ou licenca” A liberdade de expresso assume, assim, a tradicional conotagio de um direito contra a intervencéo do Estado ou de ums “Iiberdade”, em sentido cléssico. Nos dias aruais, em que se discute no Brasil a regulementacSo de midia, no faltam vozes nos grandes velculos de comunicacéo para invocar o receio de um retorne a censura estatal. De outro lado, setores menos convencionais do jornalismo cele- bram 2 iniciativa de regulamentacio, como o fim do império dos “grandes congio: metados da meia dizia de familias que mandam na comunicagdo brasileira”. *® Em meio ao debate, a visdo do Estado como inimigo da liberdade de expressio comega 4 esmorecer, inclusive no ambiente juridico. Sendo chamado a examinar, com frequéncia cada vez maior, abusos cometidos por certos érgaos da imprensa, o Poder Judicidrio comeca a se ressentir da falta de efetividade dos remédios colocados & sua disposigdo. Ao mesmo tempo, 0 setor das concess6es piblicas de rédio e TV aparece como altamente desregulamentado, se ‘comparado com outros campos de interesse piblico, como energia eléticae telefo- nia, que jd contam com agéncias reguladoras especificas, A tudo isso soma-se a pre- ‘ocupagio com uma cetta unicidade de discurso e de agenda que vem marcando a atuaedio dos nossos principals veiculos de comunicagao. Se é certo que o Estado no deve, de nenhumn modo, interferir no contetida veiculado pela imprensa, também 6 certo que Ihe compete assegurar que o setor seja caracterizado pelo pluralismo de opinides, como instrumento indispensével para teforcar o debate democrético De fato, o papel da imprensa s6 pode ser plenamente realizado por uma im- prensa que, além de livre, seja plural. £ natural que o mercado tenda ao resultado ‘posto: a concentracio de atividades em conglomerados de longa experiéncia no setor e forte poder de negociacio. Ao Estado compete, contude, gerantir 0 mais pleno acesso aos meios de comunicagao, evitando, por meio de medidas instrumen {ais, que as minotias sejam privadas da sua liberdade de expressio, juridicamente tio importante quemto a iberdade de expressao da maioria Mesmo nos Estados Unidos, onde longe tradicio reserva conotaglo quase intocdvel is iberdades de expressio e de imprensa, a necessidade de alguroa atua~ gio do Poder Publico comeca a ser sentida. Nessa esteira, sustenta Owen Fiss que “devemos aprender a abragat uma verdade que é cheia de ironia ¢ contradicao que 0 Estado pode ser tanto um inimigo como um amigo do discurso; que ele pode faver coisas terniveis para enfraquecer a democracia, mas também algumas coisas ‘maravilhosas para fortalecé-1a".* Para o professor da Universidade de Yale, alguns ® ‘Alexandre tiaubrich,Jomaiismo B (), ent 20.13.2030. % Owen M. Fss, A Ironia da Uberdade de Express ~ Estado, Repulagdo ¢ Diersidade na Esfera Piblia, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 146 234 bieiosanPasoutde + sehr precedentes judiciais norte americanos jé revelam o arrefecimento da tradicional hostiidade ao Estado no campo da liberdade de expresséo, mostrando algum re- conhecimento do papel que ele pode desempenhar na garantia de um ambiente piblico efetivamente democratic. No Brasil, exemplo claro de atuado do Estado como agente regulador para ga- Tantito pluralism e a diversidade democrética tem-se no horério eleitoral gratuito, “Trata-se, como apontam diversas emissoras, de uma clara interferéncia na liberda- de editorial dos meios de comunicacdo. No entanto, argumenta-se também que tal {nterferéncia se da para gerantir a liberdade de expresso de partidos ¢ candida tos que seriam banidos da grande midia na ausdneia da referida obrigatoriedade. ‘A ponderacéo entre esses dois argumentos centais - um em favor da eutonomia da ‘idia para escolher 0 que transmitir e outro em defesa do pluralsmo na transmis: so € que define os contormos da atuacso estatal nessa esfera."* A aruagio do Estado sed também de outros mods, Compete the nfo apenas garantro pluralsno na comanicagio social, mas também evtar que aiberdage de expresso (instrumental, por defini) seconverta em arma contra outros direitos fundamentals da pessoa humana, que Constingao tutela em idéntica medida, Eo que ocorre naquelassituagées que envolvem, por exemplo, a veieuagio de por. nografia infantil na intemet ou, ainda, a propagacio de discursos de incitaglo 20 Gio, também chamado hate speech, tema esinhoso que bem expr o content entre a lberdade de expresso e outros direitos fundamentals. Nese campo, o¢ casos s40 polémicos ¢néo raro dividem os tbunals, Foi o que aconeeeu com 0 nosso Supremo Tribunal Federal no eonhecid easo Elwanger 10 0 caso Eliwanger Escritor e sécio de um editora, Siegfried Ellwanger Castan editou, distribuiu ¢ vendeu 2o piiblico obra de sua autora intitulada Holocausto Judeu ow Alero? ‘Nos Bastidores da Mentira do Século. Por meio de sua editora, publicou ainda livros de autores nacionais e estrangeiros em torno da mesma temética, como O Judeu Internacional, de Henry Ford, e Hitler ~ Culpado ou Inocente?, de Sérgio Oliveira. Foi denunciado criminalmente por prética de racismo contra os judeus, jf que, se. ‘gundo a dentincia, os livros “abordam e sustentam mensagens anti-semitas, racistas ¢ discriminatérias”, procurando com isso “incitar e induzir a discriminagao racial, % Gustave Binenbfm; Caio Mano ds Sitva Perera Neto, Pref & Elo Rrasleia de Owen M. Fits Aronia da Liberdade de Expresso ~ Etodo,Reguleed ¢ Diversidade ne EyeraPiblica, cit, p 178, 4 semeando em seus leitores sentimentos de dio, desprezo e preconceito contra 0 ovo de origem judaica”. O editor foi absolvido em primeira instancia. Entendeu a juiza substituta da 8¢ Vara Criminal de Porto Alegre que a atividade do réu consistia em legitimo exercicio dda sua liberdade constitucional de expresso, tendo o acusado se limitado a mai {estar sua opinido sobre fatos hist6ricos, sob um angulo diverso da maioria, Houve recurso por parte dos assistentes de acusagéo. O Tribunal de Justiga do Rio Grande do Sul reformou a sentenca, condenando 0 editor pelo crime previsto no art. 20 da Lei 7.716/1989, cuja redacao era entio a seguinte: “Ant 20. Pratica, induzr ov incitar, pelos meis de comunicagSo social ow por pur bijcagdo de qualquer natureza, a diseriminagéo ou preconceita de raca, por religit emis ou procedéncia nacional. ena: reclusio de dois a cinco anos.” O réu foi condenado & pena de reclusfo. O Superior Tribunal de Justica con firmou a decisto, restando vencido o Ministto Edson Vidigal. Os advogados do editor impetraram habeas corpus sustentando que “seu delito foi contra os judeus, € no so os judeus uma raca”. Por conta disso, argumentaram que o crime no poderia ser considerado “racismo” para os fins do disposto no art. 54, inciso Xi. da Constituiggo, segundo o qual “a prética do racismo constitui crime inafiancavel ¢ imprescritivel”. Como resultado da tese, 0s advogados pretendiam ver recone cida a extingdo da punibilidade do editor pela preserigio da pretensio punitiva do Estado, O Superior Tribunal de Justica rejeitou, por maioria, o habeas corpus e © «aso chegou 20 Supremo Tribunal Federal.* Iniciado 0 julgamento, o Ministro Moreira Alves votou pelo acolhimento do habeas corpus. Ap6s longa exposicio histérica, na qual ressalta que a intengdo de Constituinte brasileiro foi tomar imprescrtivel apenas os crimes de discriminagio baseados na cor da pele, concluiv 0 Ministto: “Wi sendo, pols, o8 judeus uma raga, nfo se pode qualificar 0 rime por disesimi- nnagfo pelo qual foi condenado o ora paciente como delite de racismo,e, assim, prescritivel apretensio punitiva do Estado. E tendo ele sido condenado a dois anos de reclusdo, a presrigdo da pretensto puntiva corre em quatro anos, 0 que, no aso, jd se veriicou, porquanto, entre a demincia que fo recebida em 14.11.199% 0 acérdio que, reformando a sentenca absolucéra, 0 condenou, e que foi profe- ido em 31.10.1996, decorreram mais de quatro anos. Em face do exposto, defiro 1+ ST Habeas Corpus 82.474.2/RS, Rel. origindro Min. Moreire Alves, Rel. pars acdrdio Min, Mauricio Correa, 17.9.2003 o presente habeas corpus para declarar a extineso da punibilidade do ora paciente pela ocorréncia da prescriclo da precensio punitva.” Em sentido diametralmente oposto, votou 0 Ministro Mauricio Correa, concluindo: “Por tudo que jd foi dito, permito-me arrematar que racismo, longe de basear-se ‘no conceito simplista de raca reflee, na verdade, reprovavel comportamento que corre da convieedo de que ha hierarguia enue os grupos humanos,suflcient para justfiar atos de segregagéo, inferiorizacio, e até de eliminagio de pessoas, Sua relagdo com o termo raco, até pela etimologi, tem a perspectiva de raga enquanto manifestagdo socal, tanto mais que agora, como visto, em virtude de conquistas cientifcas acerca do genoma humano, a subdivisSo racial da espéeie humana nfo encontra qualquer sustentacio antropolégiea, eeudo origem em teoriasracistas que se desenvolveram ao longo da histéra, hoje condenadas pela legislacSo criminal [Nao resta divida, portant, que o preceito do incso XLIL do artigo 3° da Constituigho aplica-se 8 espécie, dado que todos aqueles que defendem e divalgam ideias dessa ‘mesma natureza so, dliberadamente,racstas, , em consequéncia, esto sujeitos as sangdes penais de que se valeram os acérdlos impugnados. (..] Ante essas cizcuns- ‘tncias, ogando todas as vénis so Ministre Morera Alves, indefiroo habeas corpus." (© Ministro Moreira Alves confirmou seu voto, por meio de nova manifestagio nna qual, além de repisar seu argumento central acerca da intengo do Constituinte, retomou 0 tema da liberdade de expresso: “No caso, salientese, 0 enquadremento no crime de racismo se deu também por ecigdo de obras que se encontram em bibliotecas © no comércio de livos, como as de Gustavo Barroso, que foi membro da Academia Brasileira de Letras, como ‘core com a ‘Histéria Secreta do Brasil, em que ataca o capitalism judaico, qi foi editada na Colesio Brasliana, colegio clissica de obras da bistéria do Brasil Reedité-la seré crime, e crime imprescritvel? Estaré ela inelufda num index de livros proibidos, de certa forma de consequéncias temporais mais graves, por im pliear crime, de origem religiosa?” Foi interrompido nessa passagem pelo Ministro Sepiilveda Pertence, que afirmou: “Creio que a beleza © a seriedade excepcional da discusséo sobre 0 conceito de racismo esté deixando um pouco de sobra uma outra diseussdo relevante: o livro como instrumento de um crime, eyjo verbo central é ncitar’. Fico muito preocupa- do com certas demtincias do Pés-64 neste Pai, da condenacio de Calo Prado porque escreveu e da condenagSo de outos porque tinham em suas residéncias livros de pregagio marsista, [Avene da Penonicade 237 (Qs Ministros Celso Mello e Carlos Velloso votaram, em seguida, acompanhando © Ministro Mauricio Correa, em favor do indeferimento do habeas corpus. O Minis- ‘tro Nelson Jobim iniciou seu voto acompanhando os Ministros que o antecederam. Foi interrompido, também ele, pelo Ministro Sepilveda Pertence, que realcou sua reocupagéo com a tutela da liberdade de expresséo: “Nie Ihe cause nenhuma freocupacio o problema de definir como crime de incita ‘mento ao racismo a reedigio de livros de ha muito conhecidos?” ‘Ao que o Ministro Jobim respondeu: “(a a questio nfo ¢ o problema especifco da edigéo do livro; € a forma pela qual esta edigio tenka sido uslizada e para que foi utilizada. Vamos admitir que 2 Biblioteca do Exército 01 2 Biblioteca Nacional editasser o livro para registros histéricos. Mas aqui ndo €0 caso. Aqui, temos esses livros, de conzroe histo — ‘como € 0 cas0 do Gustave Barroso, que também jé Ii-,e juntando aos demais, © 2 toda conduta atrés disse mostra que a edicdo do livro é um instrumento para 8 prética de racismo. (..] £ fundamental examinar 0 caso concreto e, neste coajunto de condutas definias, esti claro que as edigSes dos livras nio foram por motivos historias, no foram para. enriquecimento de sua biblioteca, foram instrumentos para se opor e produziro and-semitismo”. © Ministro Jobim concluiu seu voto, acompanhando o Ministro Mauricio Cor rea no indeferimento do habeas corpus. A Ministra Ellen Gracie antecipou seu voro no mesmo sentido e igual poscdo foi adotada pelo Ministro Cezar Peluso. Veio, enti, 0 voto do Ministro Ayres Britto que, discordando daqueles que o antecede- ram, concedeu habeas corpus de oficio por entender que o editor “no incorrew em conduta penalmente tipica”. O Ministro analisou em seu voto diversos trechos do livro de autoria do editor, e assim coneluiu: "Ao cabo de cuidadosa e até mesmo penoss leitura do liv do eseritor-paciente, tanto na primeira quanto na iltima edicio (o estilo redacional do autor & pouco atraente, devo dié-la, ea dstribuicio dos temas se me afigurow um pouco baralha a), convenci-me de que ee tentou produit uma obra abjetivamente convincente Fsforgou-se por tansitar a0 puro dominio das ideias e se valeu de fario material de pesquise: livos, revitas,jornais, filmes, documentiios, entrevista, fotos, ‘mapas, et., com indicagdo das respecsivas fontes (contei 86 citacdes, entre livros artigos, 16 jomais, 8 revisas e 2 agéncias de noticias). Apelando, entdo, para fa propria razBo out senso eritico do leitar. Nilo pars aqueles baixos sentimentos. aquelesinstintos menores que respondem pelo desvario das condutes humanas de ‘ego apaixonamento, Incilizadas, portanto, Que me esforco por dizer? Esforgo me por que dizer que, no contexco de obra que tem por autor Sigfied Ellwanger CCastan,trilhel um caminho de nenhum deleite intelectual ou agrado literdrio. Mas i 7 ‘sem poder negar a ele, paciente, o que & proprio dos estudiosos: a objetiva andlise de fates, agbes, eventos, personalidades. [J # uma obra de revisiohistérca, ainda {que muito pouco atraente Iterariamente,e em parte quixotesca. B obra de quer rofessa uma ideologia. Ainda que pouco verossiml,” © Ministro analisou, também, os demais livros publicados pelo editor, afirman do nao ver tampouco neles prética discriminatévia, “Quanto is duas oucas publicaées objeto de deninela promotarial pice, o que sso dizer é que seuis autores io conhecidos (Henry Ford & 0 famoso industrial da montadora multinacional Ford de auroméveis, entre outros titulos, e Gustavo Barroso foi membro e presidente duas vezes da Academia Brasileira de Letras) ¢ las circulam, também livremente, por Estadas como a Franca e a América do Norte (mesmo site amazon.com). Mas os proprios titulos desses obcas também sinalizam © idéntico propésito de falar dos judeus como erernos pretendentes& conquista do ‘mundo, sob inspiagdo e decidide militancia sinista. O que nde tenia como prtica diseriminadora (mesmo sem aderis, pssoaimente, 3 tals pontos de vista), porgue desacompanhada daqueles argumentos que buscam entorpecer o raciocinio do Teitor e conduzi-ios &liberacdo de instintos bestiais (como de instinto bestia é, de fato, a pritica do raeismo).” Em seguida, votou 0 Ministro Marco Aurélio, Em seu voto, concluiu também pela inexisténcia de crime de racismo na conduta do editor: “0 livro do paciente deixa claro que o autor tem wma iia preconceltuosa aceree dos judeus. Acredito que, em tese, devemos combater qualquer tipo de ideia pre- conceiuosa, mas ndo a partir da probislo da divulgacto dessa ideia, nfo a partir de conclusio sobre a prética do crime de racismo, de ums erime que a Carta da Repiiliea levou as dltimas consequéncies quando, declarendo-o imprescrtivel, ddesprezou 2 consagrade e salutar seguranga juriica. O combate deve basearse «em critérios justos ¢ limpos, no confromto de ieias, Parafteseando Voltaire, citado pelo ministro Carlos Brito, afirmo: néo concordo com o que o paciente escreveu, ‘as defend o dielto que ele tem de divulgar o que penss, NEO éa condenacio do paciente por esta Corte ~ considerado o crime de racismo —a forma ideal de com bate aos disparates do seu pensamento, cendo em, vista que o Estado toma-se mais democritico quando nio expde esse tipo de trabalho a uma censuraofical, mas, 20 contrévio, deixa & cargo de sociedade fazer ta censure, formando as prdories ‘conclusbes. $6 teremos uma sociedade aberta tolerante'e consciente seas escolhas uderem ser pauradas nas discussbes geradas 2 partir das diferentes opinides sobre (5 mesmos fates.” Na sequéncia, o Ministro Celso Mello pediu licenca para reiterar seu voto, afirmando que, em nenhum momento, negou tutela 4 liberdade de expressao limitando-se a rechagar o abuso no exercicio dessa liberdade. Nesse sentido, acres centou referéncias a techos das obras dis das: “Eis, exemplifcativamemt, alguns fragmentos desses publicagdes, por ele editados ‘04 de sut préprie autora, cujo teorrevelao caro propésitocriminoso de estinular ‘ou de fomentar 0 édio publico contra o povo judeu Forgue todo judew ¢ impelido ‘ela mesma tendénci, que se enratza'no sangue:o anseio de dominagt."[.. 0 ju. dew é um autoerata encarnicado ..] ‘Que os outros lavrem a tera: o judew, quando ‘pode, vierd do lavrador’..]"Povas antiudateos do mundo, uni-vos, antes que sea tarde demais (..1." ‘Também 05 Ministros Carlos Velloso, Gilmar Mendes e Nelson Jobim confirma ram seus votos. A discusséo prosseguiu acaloradamente entre os Ministros da corte suprema, como se pode constatar, a titulo ilustrativo, da sguinte passagem: “Min, Celo de Melio:~[..] De outro lado, Senhor Presidente, @ alegagio do ora paciente, quando do seu interzogatcro judicial, de que pretende ‘evar avante vin ‘deat, movido por razéesideolégicas, em nada pode benefiié-lo, pois ~ como pro- ‘rel demonstrar em meu voto ~ ideais riminosos, como os de que se acha impres- nado Siegfried Ellwanger, no encontram apoio em nosso ordenamento positivo é um polieo; tansitou por area Min. Cortos Briro: ~ Nao. HA prova de que politica. Sou um idedlogo, quero levar avante um ideal, disse ele. Isso c ropésito politico idealégico, ‘Min. Nelson Jobim: ~ Nada. Ele quer matarjudeu.” ‘Novas discusses se seguiram quando do voto do Ministro Sepiilveda Pertence, ue, a0 final, aesmpanhou a maioria indeferindo o habeas corpus. Sem renunciat 8 sua preocupacio com os riscos de censura & liberdade de expresso, o Ministro Pertence destacau: "Mas, € claro, nio posso tachar de absurda a detisio do Tribunal de Justca que analisa um limo do paciente como este ~ Holocausto~ Judeu ou Aiea? ~ 0 qual apés, segundo 0 autor ~ 2 fotografia de um desenho de cadiaveres, se Iés'A foro Dachau, fo do mesmo, mostra os corpas de aprovimadamente 160 pessoas, que ‘apis liber foram propositadamente expastas no chao para servirem de propaganda antialem ‘im de jusificar ow tentarjstfcar um pouco 0 que tinkam feta contra a Alemer deicando suas ci rel de civis mertas, homens, rulheres,criangase velhos, como paderdo ver em ca hos como esses, de que o Livro €fértil, & conclusfo que o Tribunal de m ttalu dos autos, de um propésito de poseltimo da publicago no posso ent e coiss aleuma lo préximo [..J'. copa Jo como rentativa subjesivamente séria de revisSo hits Encerrou-se assim o polémico julgamento do caso Ellwanger. O Supremo Tri- bunal Federal, por maioria, indeferiu o habeas corpus, restando venicidos os Minis. {tos Moreira Alves, Marco Aurélio e Ayres Britto, O debatido acérdgo aporta impor. tantes subsidios ao estudo da liberdade de expresso, como o exame do propésito a obra e do contexto de sua publicagéo, remetendo ainda a outro tema de extrema importancia no campo dos direitos da personalidade: a igualdade substancial, 11 Igualdade substancial ¢ acao afirmativa: as cotas na Universidade Piiblica Em 2003, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro reatizou o primeiro vestibular do pais com cotas reservadas para estudantes negros e oriundos de es- colas publicas. A iniciativa foi amparada em lei estadual especifica, que reservava ‘opercentual minimo de 45% das vagas dos cursos de graduagao das universidades estaduais do Rio de Janeiro pare “estudantes cazentes", na seguinte proporgio: 20% das vagas para estudantes oriundos da “rede puiblica de ensino”, 20% para “negros”e 5% para “pessoas com deficiéncia, nos termos da legislacdo em vigor, © {ntegrantes de minorias étnicas".” Apesar do nitido comando legal, instaurou-se acesa polémica em como da reserva de cotas. Muitos juistas argumentaram que s¢ tratava ce medida inconstitucional, uma vez que contrariava a igualdade de condigdes de acesso a universidade piiblica. O argumento precisa ser examinado com caurela, A Constituigdo de 1988 afirma, no cqput do seu art, 5, que “todos so iguais perante 2 lei, sem distinglo de qualquer natureza”. Trata-se da chamada igueldade formal. Garantia jé antiga que as Constituigdes de toda parte herdaram da Revolt- ‘0 Francesa ¢ das demais revolucées liberas, a igualdade formal surge como rea: ‘Ho direta 20 periode histérico do Absolutismo Monérquico, em que as les faziam distingdes entre nobres e plebeus, insttuindo privilégios que ndo se coadunam com o Estado Demoerdtico de Direito. As ies, como comandos gerais¢ abstrates, ever, em regra, trata: a todos da mesma maneira, Ninguém imaginaré, contudo, que o direto a igualdade se exaure niso. Dian- te de uma realidade marcada por profundas desigualdades (sociais, econdmicas, sexuais, raciais etc), limitar-se & igualdade formal significaria consagrar uma verdadeira farsa, Seria como dizer que séculos de tratamento desigual devem set 2A Prima le sada ob o tema (al 4151/2000) fo evogad pla Let 5346/2008, qu, com algumasaleacSesponuais, manere a reserva de cots para ingcso ss niveredee taduals a8 percents etaeleidos na legis aneriot Ente as ven Lt 366/2008 sero dos indigent ao Indo dos nero, comme gro abled 3 pura Ge ‘esquecidos porque a lei hoje trata a todos como iguais. Da ordem jutidice espera-se algo mais que uma igualdade puramente formal. Entre nds, jé Rui Barbosa advertia que “a regra da igualdade nao consiste endo em quinhoar desigualmente aos dest guais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada a desigualdade natural, & que se acha a verdadeira lei da igualdade”. ‘A igualdade, portanto, ndo consiste apenas em tratar a todos igualmente, mes também em tratar desigualmente os desiguais “na medida em que se desigualam”. # a chamada igualdade substancial, que também consta, a rigor, do nosso texto constitucional.Vejase, por exemplo,o art. 3, inciso Il, da Constiuicéo, que insere dentre os objetivos fundamentais da Reptiblica brasileira “erradicar a pobreza e & marginalizagao e reduzit as desigualdades sociais e regionals”. Sobre o dispositivo, {8 afirmou o Ministro Marco Aurélio de Mello: “*Posso asseverar, sem receio de equivoco, que se passou de uma igualizaggo es. titica, meramente negariva, no que se proibia a diseriminsséo, pare uma igual ago eficaz, dindmica, a que os verbos construi, garantie eradicar e promover ‘mplicam, em si, mudanca de éptiea, ao denotar acio, Nao basta ndo diseriminar EE preciso viabilizar ~e encontramos, na Carta da Repiblica, base para fazé-lo as ‘mesmas oportunidades."* © que a Lei Maior exige do Estado ¢, portanto, um papel ativo na redugio des desigualdades, que passa necessariamente pelo tratamenta desigual dos desiguais Confira-se, ainda, o disposto no inciso XL do art. S*, em que o Constituinte afir ma que “a lei puniré qualquer discriminacio atentatéria dos direitas ¢ liberdades fundamentais", Vale dizer: ndo é vedada toda e qualquer discriminagéo, mas tio somente aquela que atenta contra os direitos e liberdades fundamentais. Hé, de outro lado, uma discriminagao que ndo viola tais direitos, mas, muito ao contratio, 0s realiza. ‘Tome-se como exemplo a Lei 8.112/1990, que garante 20% das vagas em com- ccurso piiblico para portadores de deficiéncia (art. $8, § 28). Em sentido semelhante, a Lei 9.504/1997 asseguta participacdo feminina na candidatura eleitoral, ao de terminar que “cada partido ow coligagdo preencherd o minimo de 30% (trinta por cento) ¢ 0 maximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo” (art. 10, § 39. A Lei 8,666/1993, por sua vez, dispensa a licitagdo para a contra- tago de associagées de deficientes fisicos, sem fins lucratives (art. 24, inciso XX), Essas so apenas algumas das situagbes em que 0 ordenamento juridico no trata © canto aos Moga. So Pula: Papago, 2003, p26, > Marco Auto Malo, price Constuconal~A guaade cx Aes Afrmatvas, texto de paesra proferia no semindvo Dieimingdoe Sema Lgl Bras, promowico plo Tbutl Ssperior fo Trabalho, em 20.17 2002 22 Diese Penna & todos igualmente, Discrimina, mas o faz.com o escopo de promover a igualdade, sob o prisma substancial Essas iniciativas piilicas e privadas voliadas tancial séo chamadas de acdes afirmativas. J4 de Unidos, as ages afirmativas comecaram a atrair at realizagéo da igualdade subs- Um conjunto de polices publics e privadas de eardter compulséri, facultative os olunsiio, conceblas com wists ao combate & cisriminagéo racial de génere e ‘de crigem nacional, bem como para corrigros efeitos presents da dicing Frahitade no passado, endo yor objetivo a concreizacio do ideal de efetive igual, dade de acesso a bens fundamentais como a educacao e o emprego" Nada hd de inconstitucional, poranto, no sistema de cotes para ingresso na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, iniciativa, j repicada pela Univers dade de Brass, néo contrariaodieto & igualdade, mas orealiza, sob o aspento substancial, preservando o principio meriocritico, jd que, mesmo no amine dee ‘agas reservadas, ¢6 0s melhores restam aprovados. O propésito de sistema de cotas & conigi a histéricas distoredes no acesso & universidade publica no Braet Chamado a examinar eve ntual inconstitucionalidade da medida, o Grgdo Especial do Tribunal de Justica do Rio de Janeiro corroborou esse entendimens “Rigualdade somente pode #0 equivalente, sendo levados eonémica, sociale cultur ever ser simplesmente tre pessoas que se encontram em situa n consideragio os fatores ditados pela realidade lO prinefpio da isonomla garante que as normas lboradas e aplicedas a todos os individuos, vai alémm na ‘medida em que considera a existéncia de grupos minotttios ¢hipossuicients, ee nesessitam de uma protec especial para que alcancem a gualdede real, esta sim uma exigéncia do principio maior da dignidade da pessoa humane. Fortanto, 4 Jualdade previsea na Consttuiio Federal e repetida na Consttuigao do Eade do Rio de Janeiro ¢ igualdadesubstancicl. Se assim nao fesse, ainda estariamos nna época do Impéro, cuja Car ‘ava o principio da igualdade, mes permitia 8 convivéncia do indigtado principio com a vergonha do regime escravoerara. a sto afirmativa ig se por um vincalo inquebrantdvel ao principio da sonoma, Hie 0 insrumentoefca 9 garam sua concretzagio no seio das socedaes que, 2 cada pela desigualdade e pelo preconceito, Neste 4 Cotas (Lei Estadual nt 5.346/08) surge ndo como um diploma comeessivo de dicetos, veo que estes slo assegurades na Constite * Joaquim 8. Barbose Gomes, ‘neiro: Renovar, 2001, p40, Afrmatva & Principio Consteulonal da iguadade, Rio de diplomas. A Lei de Cotas, em verdade, é diploma coneretizador de direitos, de cons. tituclonalidede induvidosa.* : ‘Tramita atualmente no Senado Federal projeto de lei voltado A aplicagao do necesséria, Em 2010, 0 Congresso Nacional aprovou o Estarat da gual [Art 10. Para o cumprimente do disposto no art , os governos federal, estaduats, istrtal e municipais adotario as seguintes provigéncas: 1 - promogdo de agées para viabilizar © ampliar o acesso da populagia negra ae ensino gratuito es atvidades esponivase de lazer (.] O dispositivo autoriza a adogis pelo Governo Federal e pelos Gov rte © Municipais do sistema de cotas em suas respectivas tniversidades puiblicas, se Je 9/2009, Rel Des. Ss = TORY, Grgo Especial, Representagio por Ineansttuconal ee iho, 18.12.2009, Rio de Janeiro: Re Sobre o tems, vale confer: TELLES, Eaward, Rocamo & Arasilra Damar, 2008, a : itanae (Rie Janeiro. Sto Paulo, Selvador,B ‘© Pesquisa realtzad em sete egibesmetropoianas s cs soe, Sandor Rel Por Ale) pl BGE sie Basin de Geng Bat ile en 71 2006 erga etoxace denied no se desi - “Tete edo Projet de ei 10/2008, qu de sobre "gro nas ues cis sodas e as instituicbesfederais de ensine tecnico de nivel medio dé 0 es 5 iuigdo de outros tants projets vlados 0 Projeta€fruto da converséo ou subse ros oan ae ema, “© 0 Projero de Le! 180/2008 fol encamintado so Plendrio do Sena Federal | necessidade de qualquer atc do Congresso Nacional. f certo que uma lei geral, de ccunho nacional, seria bem-vinda ndo apenas para impor reserva de vagas, indepen- dentemente de iniciativa de cade Poder Executivo,* mas também para regulamentar e unificar minimamente o modo de implementacao do sistema de cotas no pais. Com efeito, os aspectos operacionsis da medida tém despertado intensos debates. Diseute-se, por exemple, o critério para que os candidatos se tornem aptos @ disputar vagas reservadas & populagio negra ou indigena. A legislacio fluminense adota o critério da autodeclaracto, critério que é também empregado pelo IBGE na realizacio do censo derografico brasileiro. O Projeto de Lei Federal segue © ‘mesmo caminho. O tema, contudo, é polémico. Hé quem enxergue no critério uma Janela pata o oportunismo, sugerindo a formagio de comissbes de avaliacéo do fenécipo dos candidatos, sitagéo estranha e desconfortével, para se dizer o mi- nimo. A autodeclaracdo tem justamente a virtude de corrigit, em alguma medida, © racismo velado que se instiruiu na realidade brasileira. Além disso, néo parece hhaver nenhum outro crtério mais seguro para guiar o process, pois, como jé visto, © proprio Supremo Tribunal Federal reconheceu, no caso Ellwanger, que 0 nosso ‘ordenamento juridico acolhe “a perspectiva de raga enquanto manifestagao social, tanto mais que agora, como visto, em virtudle de conquistas cientificas acerca do genoma humano, a subdivisio racial da espécie humana ndo encontra qualquer sustentagao antropoldgica’.* ‘Ainda no campo dos aspectos operacionais, iscute-se se acaréncia econémica deve ser requisito necessério pata a qualificagéo do candidato como apto & dispura das vagas reservadas. A legislagdo estadual do Rio de Janeiro resolveu afirmativa- mente a questéo, limitando a reserva ao estudante que, além de preencher 0 re- ‘quisito setorial (negros, indigenas, oriundos da rede publica de ensino, deficientes fisicos etc.) seja “carente”, ou seja, “aquele assim definide pela universidade pi blica estadual, que deverd levar em consideracio o nivel socioeconémico do candi dato e disciplinar como se fard a prova dessa condicao, valendo-se, para tanto, dos indicadotes socioecondmicos utlizados por érgios piblicos ofciais”** O Projeto de Lei Federal segue caminho diverso. Reserva 50% das vagas destinadas a alunos origindrios da rede publica de ensino aos “estudantes oriundos de familias com renda igual ou inferior a 1,5 salério-minimo per capita”. A questio racial assume, “ ALal 12.286/2010 limite aimpor “promote ce aie” nose podenio exer og teedae de adogio do stra decoy, sin somente acrgatvecae de odode meas ue cada Governo entendayerieses paras vaelitasioeaplagie de sents de poeta ne {aap enn ear, Ure le fal tratando de satin de crs segeente ie maaan & Veto do Min. Marco Gres, lator para acne n ulgemets co Habeas Corpus 8242427 5, Rl ini Mn. Morcra Aves, 179.2005, * foc 4,615 date EeadalS386/2008 * Projets de Let 286/2008 a1 partonic, parr nico contudo, independéncia na inictativa tederal, enquanto na legislagao estadual apa- rece vinculada, em certa medida, ao critério socioeconémico. ‘Também os percentuais de vagas reservadas sio objeto de intenso debate. A lei fluminense estabelece, como visto, percentuais fixos, que alguns consideram ele- vvados, outros redusidos. J 0 Projeto de Lel Federal deixa 0 percentual em abero, exigindo que seja “no minimo igual & proporcio de negros, pardos e indigenas na populacio da tnidade da Federagio onde esté instalada a instituigdo, segundo o ‘iltimo censo de Fundagdo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ~ IBGE". Diante da flagrante diversidade entre os Estados brasileiros nesse aspecto, tal cri tério afigura-se, de fato, mais adequado a uma lei que ter4 aplicacio em todo 0 territ6rio nacional EA ainda, outros aspectos da implementagio do sistema de cotas que, em wn cestudo detalhado, mereceriam atengéo. A verdade, contudo, € que parece impossivel alcancar consenso quanto a esses aspectos sem a implementagio observacio de ‘uma iniciativa real. claro que o sistema de cotas deve ser pautado pela adequacio e proporcionaliade entre o meio empregadoe o fim a que se destina, Sua legitimidade depende, em larga medida, éa eficiéncia na realizacfo do seu propésito central, que 6 atingir a incluso das minorias na exate medida em que foram deixadas de lado (left out) pelo processo histdrico de desenvolvimento de cada nacéo." © graue asca- racteristcas da excluslo dessas minorias e, portanto, as necessidades relativas & sue inclusdo variam de pais para pais e, num pais como o Brasil, de regizo para regio. Dal decorre a nitida dificuldade de obtengio de um consenso no Congresso Nacional, onde ptojetos de lei sobre o tema tramitam hé mais de dez anos:* [Em outras palavras: nao ha diivida de que o debate contribui para o aperfeigoa- mento teérico da iniciativa, mas, reconhecida a sua importancia, sua implemente~ fo ndo pode estar eternamente & espera de um acordo generalizado quanto 205, seus miltiplos aspectos operacionais, Dat a preciosidade de uma iniciativa pioneira como a que ocorreu na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Suas earacreris- ticas tém sido continuamente analisadas e aperfeigoadas no cotidiano das salas de aula e das coordenadorias académicas.* A necessidade de programas de apoio ¢ medidas paralelas ganha forca, restando evidente que o problema da incluso nao 5 Proje de Lal 180/2008, ar 3. ‘© arbara R, Bergmann, In Defense of Affirmative Acion, New Yorks New Republic, 1996, p.7. +2 O anual Projet de Let 1807/2008 ¢fruto do Projeto de Lf 73, que ramita no Congresso Nacional desde 0 ano de 1998, 4a ad fine ems sar amreneipl 5 Merece destaqie nesse particular o estudo de Si Jo. Sseme de Cotas na, VERY ~ Una ‘Anise Quanta dos Dades de Ingress, publicado a Reva Elerénice do Vesbulr,en0 08 22008, ecsporivel em . Als autora constateo dectécimo 2 ‘Semenda por vazes dentro dos limites pereentuaisestabeleidos e ates “a diflewidade de ex ‘ilen aqdosfrmatva pontval em reduzir as aruis desigualdadesdinica, soca eecondmiss#” ed ease 286 Ohlone Pesonsdade = Shae se Fesume a0 acesso a universidade pablica, mas se ditige ao propésito maior de reequilbrar 0 processo educativoe ofetecer oportunidades iguais 0s integrantes das minorias para a conduicdo dos seus proprios projetos de vida. Além disso, gracas ao sistema de ctas, retoma-se com renovado vigor o papel democratico da universidade pibica, recolocada no rumo do pluralismo soctel ao exato momento em que a crescente dsputa por vages, x alta especializagao des vestibulares ¢ 0 sucateamento do ensino médio gratuito empurravam 0 ensivo uni. versitrio de eardter piblico para diregto diametralmente oposta. Agora, a propria luniversidade se transforma, para percebere ineluir de mode mais conersto erm sua agenda os problemas ¢ vicissitudes sociais que, antes, nio pateciam tao proximos Ga realidade dos seus alunos e, consequentemente, dos seus professores. © proprio currfeulo universitério deve se transformar pare atender a novos temas, sabido que © proceso educacional nfo ¢ via de mio tinict, mas didlogo constante.* Brasil afora, professores da UERJ ouvem perguntas sobre se os cotistas esto Preparados para o eurso, quando, na verdade, & 0 curso que deve estar preparado para os cotistas. A inclusdo ndo deve vir como favor ou privlégio para o incluido, “Bas como oportunidade dupla, que contribu para corzigir no apenas um desequi, lio historco, mas também um desvio mais recente, relativo ao papel que deve ser desempenhado pela universidade brasileira, Eis a boa nova: a corregio esté em curso, 12 Direito a diferenga “Hse viu que todo ser humano tem diteito a igualdade. Seja em seu aspecto formal, seja em seu aspecto substancial, a igualdade representa garantia consegre Gano texto constitucional brasileiro endo passa despercebida a qualquer cidado, Bem mais recente é a alusfo ao que se tem denominiado de direito& diferenca ou “giteito de ser diferente” Em uma realidade mareada pelo multiculeuralismo, afirma-se, com intensidade cada vez maior, a importincia de nao se desconside, rarem 0s particularismos de grupos e pessoas. Na ligéo de Boaventura de Sousa Santos, "as pessoas e 0s grupos soiaistém 0 diteito a ser iguais quando a diferenca os inferioriza, eo direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza” =* gaihit €imprescindivel a remissio & obra de Paulo Frise, em especial Pedagogia do Autonoma, uo Palo: Pz ¢ Tetra, 1996, «For uma Pedogogia ce Perguita (com Antonio facnden), hs anc Paz e Tera, 2002, tarde us Lorenzen, Fundamentos do LiveoPrvad,Séo Palo: Revita dos Tibunais, 1998, pss. pengaventura de Sousa Santos, As Tenses da Modemidade,Actigo disponivel no sie da Rede de Direites Humanas: ). primordial do ordenamento juridico tem resultado na releitura e remodelamento no apenas de normas, conceitos e insticutos, mas da prépria ciéncie do diteito como tum todo, Mesmo direitos hd muito reconhecidos tém sido redirecionados, em sua fungéo ¢ estrutura, para o desenvolvimento da personalidade humane. Nesse sentido, 0 diteito ao trabalho, o direito & educacio, o direito & moradia e tantos outros classificados como “direitos socias” tamtém reconciliam-se com 0 seu des- tinatdrio essencial: pessoa humana, Deixam, assim, de ser tomados como meras aspiragbes coletivas, de ordem politica, para se converterem em direitos de cada um, dircitos cuja prestagdo pode ser exigida em bases individvais © cuja protegao pode ser reconhecida em casos concretos de cardcer especifico. Parece ser esse todo 6 esforso da doutrina publiciste mals moderna, que néo mais se dispde a negar @ exigibilidade especifica dos direitos socias, Esforca-se. isso sim, para criar parame- ‘ros ¢ balizas que pautem o grau das exigéncias, de modo a evitar uma demanda generalizada e irrealizével em face do Poder Puslico, sem, contudo, abrir mio da tutela concreta da dignidade humana. No campo do diteito privado, ou melhor, des relagées entre particulares, em ‘que a protecio pessoa humane jé vinha sendo hi muito recorihecida, irrompem casos emiblematicos, derivados da coliséo entre os proprios direitos fundamentais, como se viu dos conflitas envolvendo, de um lado, a Iberdade de manifestacao dos bidgrafos e, de outro, o direto do biografado & sua privacidade. Surgem hard cases, cas0s de dificil solucio, que desafiam no as normas em si, mas o préprio método de aplicacio do direito. Constituem por isso mesmo campo privilegiado para o desenvolvimento das novas habilidades que sto exigidas do jurista conter pordneo. Dele ndo se espera uma solucdo tecnidista, fra, matemética, caleada na mera literalidade de alguma norma secundaria extraida de obscuros recantos do ordenamento juridico. Nem Ihe compete tampouco ceder ao particularismo da sua prépria concepeao do que ¢ “justo” ou “razodvel”.termos que tém sido empregedos de modo vazio, sem explicacio ou justificativa, em um niimero amplo demais de decisbes judiciais e debates juridicos. Do jutista contemporéneo se espera algo que germina no vasto campo entre esses dois extremos: a construcéo, a partir dos va- lores fundamentais consagrados na Consticuicdo brasileira de parimetros objetivos para guiar a aplicagio de normas abertas e a solucdo dos casos concretos. Nem 0 positivismo exacerbado, preso a etre da lei, nem 0 decisionismo judi cial, fonte de inseguranga e solugbes desiguais, o que se espera do jurista de hoje, para além do conhecimento técnico, &a sensibilidade e a coeréncia para identificar ‘no apenas qual o direito aplicével (quid juris, mas em que medida se deve aplica- -lo. Num contexto caracterizado pele pluralidade de fontes normativas e pela alte (0 Principio de grid da Feszon Humana, Rio de Janeiro: Renee, 2002, ‘especializacéo dos mais variados setores do ordenamento juridico, o dominio das regras ndo pode suprimir a importncia srimordial dos principios.E os principios, ‘como se sabe, nfo tém ou delxam de ter aplicacao. Aplicam-se sempre, variando stua aplicacio apenas em grate intensidade. Nesse cendrio, o oficio do jurista se transforma, Retoma a antiga vocacio de sensibilidade (a velha “arte do direito”) que a enxurrada de normas altamnente derathadas havia soterrado. Hoje j4 nfo basta conhecer o ordenamento juridico, [Nao basta ao jurista brasileio ter & mao a portaria ministerial ou a resoltcéo nor. mativa da Agéncia Nacional de Said. £ preciso saber confrontarteis normas com 0s principfos constitucionais, dosando a sia aplicacéo na exata medida. Fé preciso faz8-lo com coeréneia, de modo que se atenda as exigéncias de seguranca e unifor- ‘midade, a que néo pode renunciar nenhum sistema juridico, sob pena de perda da sua legitimidade. A tarefa é delicada € ndo hd aqui formula magica. $6 0 estudo e 0 debate permitem ao jurista perceber aquilo que diferencia as diversas situagSes que 0 Pensamento comum tende a teunir sob um tinico rétulo. $6 a dedicacéo conduz & Identficacio e & construcio dos pardimettos e eritérios exigidos pata a solugdo dos casos dificeis. Os direitos da personalidade oferecem amplas oportunidades nesse sentido. Suas potencialidades permanecem adlormecidas no texto da Constituicao ¢€ do Cédigo Civil. A maior parte da doutrina e da jurisprudéncia brasileiras parece no ter despertado, ainda, para a extraordindria importéncia do tema. Com raras € preciosas excegtes, as discussbes sobre o assunto permanecem vages e fluidas, éenquanto os dramas coneretos se multiplicam na realidade social. Ninguém esté 2 salvo. Os confitos atinentes aos direitos da personalidade estdo tao presentes nas ‘cortes de justica quanto nas paginas da internet. As importantes questoes que esses diversos casos suscitam poucos tém tentado responder. Os direitos da personalida- de continuam, nesse sentido, & espera das pessoas. Que este livto Ihes sirva de convite } Bibliografia AMADEL, Stella Sister de cotas na UERJuriaanitse quanticativa dos dados de ingresso, {in Revista Eletronia do Vestibular, ano 1, n* 2, 2008. 'AMORIM, José Roberto Neves; AMORIM, Vanda. Direito ao nomie da pessoa fica. Rio de Janeiro: Campus, 2010. ARAUUJO, Adriane Reis de, Asso moral coltiv. Revista de Direto Piblico da Economia, v5, n° 17, p. 213, 2007. BARBOZA, Heloisa Helena, A autonomia da vontate ea relagdo médico-paciente no Brasil Lex Medicinae ~ Revista Portuguesa de Dirito da Said, Faculdade de Direito da Universida- de de Coimbra, ano 1, n* 2, 2004. Poier familiar em face das préicas mééicas. Revista do Advogado, n® 76, jun, 2007. 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