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Lygia Fagundes Telles

(Brasil, 1923)

O x do problema

Em cima da pilha dos jornais, a imagem ficou pior ainda. César começou a
sacudir o aparelho, Porra, queria encontrar agora o Silésio pra enfiar esta droga
de tevê no rabo dele, droga, droga! Na véspera, dera um murro na caixa e a cara
do detetive Kojak, multiplicada por seis, reduziu-se a quatro, mas hoje não
podia se arriscar, o farmacêutico tinha acabado de responder sobre as cobras,
mais um pouco e chegaria a vez do Aryosvaldo, olha só as faixas se abrindo,
beleza de auditório, meu Deus, tem faixa à beça, até bandeiras, todo mundo
torcendo. Estamos contigo, Aryosvaldo! Estamos aí!...
- E esta droga! Não enxergo nada, o que é isso? É ele entrando, Clorinda?
É o Ary? Este daqui não é ele?
- Qual, este? Ih, tá ruim demais, espera... Parece que é o anúncio, não é o
anúncio? Mexe no som, César, não estou escutando o que ele diz. Vai ver entrou
água na caixa, ela estava no fogão quando a enxurrada engrossou. E amanhã
vai chover mais, viu?, o moço aí do jornal já falou. Mais água, minha mãe, esta
casa já tá podre, olha o fedor, não se agüenta mais de tanto fedor. Vira a antena,
César. Não, assim não, piorou! Pronto, embaralhou tudo, agora sim, me
representa até que o próprio diabo entrou aí. Sacode, sacode ela!
- Desliga e liga de novo, pai - disse Duda.
César obedeceu, puxando a antena para os lados num giro desvairado, E
assim? Melhorou? Empurrou-a para dentro, trouxe-a para fora num arranco e
de repente ficou com a antena na mão. Atirou-a longe, Puta-que-pariu, justo
hoje, mas tinha que ser hoje? Deu socos na cabeça, chutou o cachorro, que saiu
ganindo, e parou diante do vídeo. Ajoelhou-se e humildemente recomeçou o
toque nos botões com gestos suaves de arrombador de cofre tentando nas
pontas dos dedos desvendar o segredo. O suor começou a escorrer da sua testa
crispada. Em preto e branco, a imagem também escorria empastada, as
silhuetas se derretendo como cera no fogo, o líquido se fazendo gasoso na
composição e decomposição das imagens - mágica lição de que nada se perde,
tudo se transforma por entre os estalidos da máquina metalizando vozes e risos,
fragmentados em pequenas explosões.
- É só acontecer alguma coisa e esta pamonha já fica fodida. No dia do
jogo, lembra?, foi igual. Na horinha do gol, sumia rede, bola, parece que tem
um olho escondido aí pra saber o pedaço que a gente se interessa e pronto,
some tudo. Ainda taco esta merda no rio!
- E subiu mais, viu César? O rio. O moço do jornal já avisou que vai ser
que nem no domingo, o céu já tá preto, esta parede aqui num vai agüentar. Que
barulho é esse? A chuva?
- Cala a boca, Clorinda. Besteira, esse cara saca demais, o pior já passou.
Tudo bem. A mulher da Previdência prometeu ajudar, ela falou com você, não
falou? Então. tudo bem, queria agora era aquele raio de gato pra sentar aqui em
cima, quando ele senta aí, melhora. Cadê o gato?
- Ontem teve carne lá na Mercedes. Vai ver, cozinharam ele - disse
Clorinda voltando lentamente o olhar para o teto. - É a chuva?
- Melhorou um pouco? Ô! Cristo, me conformava se ao menos pudesse
escutar - suspirou César esfregando na palma da mão a cara lustrosa. - Lembra
aquela história do colar de brilhante, Duda? O Imperador pediu pra Marquesa
devolver o colar, não pediu? Não foi isso, Duda? Ele pediu o colar, não pediu?
Responde!
Duda abriu a braguilha. Começou a se coçar.
- O colar ou uma coroa, agora não sei, pai. O Mário da Nena disse que esse
programa é tudo marmelada, que foi combinado pergunta e resposta, ele
conhece o Aryosvaldo, disse que é um cabeleireiro fajuto que sabe dessa
Marquesa de Santos tanto quanto a gente.
- Fajuto é ele. Cafetão besta, tudo inveja. Inveja. Vocês vão ver hoje que
beleza, vai pro milhão a aposta, porra. E Ary pega fácil esse milhão, você viu da
outra vez? A turma quer embrulhar mas ele entope a boca desses porqueiras,
tudo baixo astral...
- Espera, pai, o que é isso aí? Foi ele que chegou? -Confusão desgraçada,
menino, olha só, acho que é ele, este aqui de branco, não é ele? A gente tem que
adivinhar, porra, não é anúncio?
- De cigarro, conheço pela musiquinha, esta coisa é um barco, o cara está
num barco fumando. A Circe fuma essa marca, aquela vacona. A Creuza
também, tudo o que a Circe faz ela faz igual.
- Quase morreu de tanto apanhar - disse Clorinda puxando o cachorro
para perto dela e do filho encarapitado no rolo de colchões. - Adiantou? A peste
continuava igualzinha, não demorava e ficava que nem a irmã, perdida de
doença e com uma barrigada por aao, era só o trabalho de desencher e já enchia
de novo. Feito o rio.
- E agora? Não é ele? - gritou César. Torceu os botões, mas não era pra
endoidar? O Aryosvaldo já dando a resposta e essa zoada, se o som ao menos
melhorasse, porra, se...
- Ele acertou, pai, todo mundo bateu palma! Inteirinho de branco, um dia
também vou ter uma roupa assim.
- Olha a beleza de auditório cheio das madames, tudo torcendo feito
louco, uma puta enchente e ele sem orgulho, sem nada, te agizenta, nego,
estamos aí !
- Acho tão lindo o cabelo dele - disse Clorinda apanhando um punhado de
palha enegrecida que escapava de um buraco do colchão. Foi apalpando meio
ao acaso até achar um buraco maior onde enfiou a palha. Enxugou a mão na
saia. Concentrou-se: - E a chuva? só ; - Essa também ele sabe, olha lá a torcida,
escutei falar em Qu jóia, acertou, acertou!
- A velha que apareceu é a mãe dele, veio todo mundo do norte porque
diz que hoje é o último dia - murmurou Clorinda saiu espiando debaixo do
guarda-louça. Pensava em outra coisa. – O programa vai acabar, Duda? -
Acabar, nada, esse programa não acaba, sai o Aryosvaldo e no Sábado já entra
um que sabe tudo do Pelé. O Mário da Nena diz que é marmelada.
- Essa ele não sabe? Olha lá - gritou César. Correu para Aí E pegar a
antena no meio da poça d’água, introduziu-a no furo da caixa e recomeçou o
movimento desvairado. - Ele não sabe? Responde, Ary, responde! Estamos
contigo, porra!
A mão de Duda se imobilizou no fundo da braguilha. - Ih, engrossou, olha
o sambinha tocando, quando começa é porque ele não sabe, aí é que está... ta-ra-
ra-ra! O X do problema!
- Ah, coitado, me dá um nervo - gemeu Clorinda voltando a espiar
debaixo do guarda-louça. - Fedor desgraçado, acho que ela essa lama veio do
inferno.
César ficou de pé.
- Responde, Ary, responde! Vai em frente, fala! Mas porque ele não fala?
Fala, nego, fala!
- Acho que ele não sabe, coitado. Duda começou a se coçar com mais força.
A mão livre quis abraçar o cachorro que se esgueirou ligeiro. Cantou aos gritos.
- Aí é que está o X do problema!...
- Ele não falou, Duda? Não falou? ama - Escutei uma coisa de jóia, parece
que ele tá falando numa jóia que ela usava, brinco...
- Mas tinha jóia essa Marquesa!
- Respondeu, respondeu! - gritou César dando um murro no aparelho que
apagou e reacendeu em seguida, Então ele acertou?
Recuou de punhos cerrados, golpeando o ar, Acertou, sim, olha a gritaria,
beleza de nego, beleza, estão levando ele no ombro! Que carnaval, porra,
estamos contigo, Ary! Estamos contigo!
- Essa daí que começou a chorar é a mulher dele, coitada. Uma choradeira
- murmurou Clorinda enxugando os olhos na saia.
- Eu sabia - disse César deixando-se cair no rolo de colchões. Tremia
inteiro, o olhar úmido. - Eu não disse? Eu sabia, repetiu rindo baixinho, um riso
difícil, quase como um soluço: Um milhão, porra. Um milhão!
- Todo mundo chorando, que festa! A Circe tem esse disco. Aí é que está...
ta-ra-ra-ra! O X do problema!
- Ninguém segura! Olha só, carregado no ombro, beleza de vitória, ô! Ary!
Vai que você merece! E esse besta falando, que é que ele tá falando agora, vai lá
depressa segurar o nego, cala essa boca! Tem um rato aqui embaixo, estou
vendo o olhinho dele.
- Um milhão. Se a Ponte Preta ganha amanhã, já pensou? - Tudo foi na
enxurrada, até o coitadinho do Nando, mas esses ratos desgramados ficam. E
ainda me olha, a peste - gritou ela batendo com um pedaço de pau no guarda-
louça. Ficou quieta, ouvindo: - Que é isso? A chuva?
- Diz que vai ter agora um cara falando de Pelé, mas quem quer Pelé? Pelé
está velho, eu queria o Zico Zico, Zico!
- Vou forrar o peito, que mereço, porra. - É a chuva, César? É a chuva?
Ele abriu a porta. Enfiou as mãos nos bolsos, o queixo nítido de vencedor.
- Um chuvisco de nada, não esquenta não, tudo bem, amanhã vai fazer um
puta de um sol.

In “Seminário dos Ratos”

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