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Deve ser cegueira, você pensa. Ou será que o sol em que você se bronzeava poderia
sumir instantaneamente e te deixar no mais completo breu?
Então os nervos de seu corpo te informam que você está de pé, ainda que um
segundo antes você estivesse sentado confortavelmente, quase reclinado, numa
cadeira de praia. No pátio da casa de um amigo, em Beverly Hills. Conversava com
Barbara, sua noiva. Admirava Barbara — ela estava em trajes de banho — com sua
pele dourada sob o sol radiante. Linda.
Você vestia uma sunga. Agora não a sente mais; a leve pressão do elástico não está
mais em volta da sua cintura. Com suas mãos, você toca o seu quadril. Você está nu.
E ainda está de pé.
Aconteça o que tenha acontecido com você, foi mais do que uma mudança súbita
para a escuridão ou a cegueira.
Você levanta as suas mãos diante de si e toca uma superfície plana e macia. Uma
parede. Abre os braços e cada mão encontra um canto. Lentamente, você gira sobre
os calcanhares. Uma segunda parede, uma terceira e então uma porta. Você está
num closet com pouco mais de um metro quadrado.
Sua mão encontra a maçaneta da porta. Ela gira e você empurra a porta. Você abre-
a.
Agora há luz. A porta abriu para uma sala iluminada... Uma sala que você nunca
viu antes.
* * * * *
Você dá um passo para fora e vira-se para dar uma olhada no closet, agora
iluminado pela luz da sala. O closet não é um closet; tem o tamanho e a forma de
um closet, mas não contém nada, nenhum gancho, nenhum suporte para pendurar
roupas, nenhuma prateleira. É um espaço vazio, branco, medindo 1,2m por 1,2 m.
Você fecha a porta e começa a olhar a sala à sua volta. Tem uns 3 por 4 metros. Há
uma porta, mas está fechada. Não há janela alguma. Os móveis são cinco. Quatro
deles são reconhecíveis — mais ou menos. Um é parecido com uma escrivaninha
bastante funcional. Outro, obviamente, é uma cadeira... Uma que parece bem
confortável. Há uma mesa, mas seu tampo tem vários níveis e não apenas um. Por
fim, uma cama ou um sofá. Há algo lustroso ali e você se aproxima. Você pega
aquela coisa lustrosa e a examina. É uma peça de roupa.
Você está nu, então se veste; encontra pantufas debaixo da cama (ou do sofá) e põe
seus pés dentro delas. Elas servem, e você sente algo quente e confortável como
nada que seus pés já tenham calçado. Como a lã de um carneiro, mas ainda mais
macio.
Você está vestido agora. Você olha para a porta — é a única da sala, com exceção
daquela do closet (closet?) de onde você veio. Você vai até a porta e, antes que
estenda a mão até a maçaneta, percebe um pequeno bilhete datilografado colado na
porta:
O bilhete não tem assinatura. Você volta-se para a escrivaninha e lá está o envelope.
Você ainda não tirou o envelope da escrivaninha e começou a ler a carta que está
dentro dele.
Não se fazia uma iluminação assim no meu tempo. O que você quis dizer com “no
meu tempo”?
Você fecha os seus olhos. E diz para si mesmo, em voz alta: “Eu sou Norman
Hastings, professor-associado de matemática da University of Southern Califórnia.
Tenho vinte e cinco anos e este é o ano mil novecentos e cinqüenta e quatro.”
* * * * *
E LES NÃO USAM aquele estilo de mobília em Los Angeles — nem em qualquer
outro lugar conhecido — em 1954. Aquela coisa lá no canto — você nem é
capaz de adivinhar o que é. Como se fosse o seu avô, com a sua idade, diante de um
aparelho televisor.
Você abaixa seu olhar para si mesmo, para a roupa lustrosa que estava à sua espera.
Com seu dedão e o indicador opostos, você sente a textura. Não se compara a nada
que você já tenha tocado antes.
De repente, você se lembra. Vai até a escrivaninha e pinça o envelope que repousa
sobre ela. Seu nome está em escrito à máquina, no verso: NORMAN HASTINGS.
HASTINGS
Suas mãos tremem enquanto você abre o envelope. Você devia culpá-las?
Não tenha medo. Não há nada a temer, embora haja muito a explicar.
Muito que você deve entender antes da trava-relógio abrir aquela
porta. Muito que você deve aceitar e — obedeça.
Você já deve ter pensado que está no futuro — no que, para você,
parece ser o futuro. As roupas e a sala devem ter feito você
perceber. Eu planejei isso de forma que o choque não fosse tão
forte, para que você se localizasse durante alguns minutos em vez
de ler isso aqui — é bem provável que você não acredite no que
está lendo.
O closet do qual você acaba de sair, como você já deve ter notado
agora, é uma máquina do tempo. Você saiu de lá para encontrar o
mundo de 2004. A data é 7 de Abril, exatos cinqüenta anos desde o
tempo de sua última recordação.
Eu fiz isso com você e você deve me odiar por isso; eu não sei. A
decisão é sua, mas não importa. O que importa, e não apenas para
você, é outra decisão que você deve tomar. Eu sou incapaz de
decidi-la.
Quem escreve para você? Eu ainda não vou te revelar. Quando você
terminar de ler, mesmo que não esteja assinado (por que eu sabia
que você procuraria por uma assinatura antes de começar), eu não
precisarei te dizer quem sou. Você saberá.
* * * * *
F IM DA PRIMEIRA PÁGINA.
imagina o que está por vir.
Por um momento você levanta os olhos. Hesita. Já
E vira a página:
Eu construí a primeira máquina do tempo há uma semana. Os
cálculos indicavam que ela funcionaria, mas não explicavam como.
Eu esperava mandar um objeto de volta no tempo — funciona
apenas em direção ao passado, não ao futuro — e mantê-lo
fisicamente intacto e original.
* * * * *
V OCÊ COMEÇA A ENTENDER. E a suar frio.
O Eu que escreveu aquela carta que você está lendo agora é você, você mesmo, 75
anos de idade, neste mundo de 2004. Você é aquele senhor de 75 anos com o corpo
de volta ao que era 50 anos antes e com todas as memórias de cinqüenta anos de
vida apagadas.
E antes de usá-la em si mesmo, você fez esses arranjos para que pudesse se orientar
depois. Esta carta que você está lendo foi escrita por você para você mesmo.
Mas, se, para você, todos esses cinqüenta anos se perderam, o que aconteceu com
seus amigos e seus amados? Com seus pais? O que houve com a garota com quem
você está — estava — para se casar?
Você lê:
Sim, você quer saber tudo o que aconteceu. Mamãe morreu em 1963;
Papai em 1968. Você e Barbara se casaram em 1956. Sinto em dizer-
lhe que ela morreu três anos depois em um acidente de avião.
Vocês tiveram um filho. Ele ainda está vivo: seu nome é Walter e
ele é um contador de Kansas City.
Lágrimas rolam dos seus olhos e você já não consegue mais ler. Barbara está morta
— morta há quarenta e cinco anos. Alguns minutos antes, em seu tempo subjetivo,
vocês estavam sentados, juntos, sob o sol brilhante de um pátio de Beverly Hills...
Dado o estado do mundo como ele está hoje, em 2004, dentro de uma
geração haverá fome, sofrimento e guerra. E talvez um completo
colapso global da civilização.
Lembra-se de Barbara morta por todos esses quarenta e cinco anos. Pensa nos três
anos em que vocês foram casados. E que todos estes anos estão perdidos para você.
Cinqüenta anos. Perdidos. Você xinga aquele homem de 75 anos que você se
tornou e que fez tudo isso — e que ainda te deixou com uma difícil decisão nas
mãos.
A MARGAMENTE, você sabe qual decisão deve ser tomada. Você acha que ele
também sabia e vê que ele poderia simplesmente deixá-la em suas mãos. Dane-
se ele. Ele devia saber.
Você deve ser o guardião dessa descoberta e mantê-la em segredo até que se torne
segura a sua revelação. Até que a humanidade tenha alcançado as estrelas e
encontrado novos mundos para povoar ou até que, mesmo que nada disso aconteça,
a civilização humana tenha chegado a um estado no qual a superpopulação possa ser
evitada com o racionamento de nascimentos ou com certo número de acidentais —
ou voluntárias — mortes.
Nenhuma das duas coisas aconteceu em cinqüenta anos. Não há sinais de que
possam ocorrer nos próximos cinqüenta. Então você, quando tiver novamente 75
anos, estará escrevendo outra carta como aquela ali. Você fará outra experiência
similar àquela pela qual acaba de passar. E tomará a mesma decisão, evidentemente.
V EZ APÓS VEZ, você vai preservar o segredo até que o Homem esteja pronto
para conhecê-lo.
Por quantas vezes isso terá que se repetir? Por quantas vezes terá que se sentar
numa escrivaninha e pensar o que está pensando agora? Sentir o que está sentindo?
C OM UM CLIQUE, a porta se destrava. Uma hora já se passou. E agora você
está livre para deixar esta sala, livre para começar uma nova vida para si
mesmo no mesmo lugar onde você já viveu e deixou de viver.
Mas você não tem pressa. Não vai sair correndo por aquela porta agora.
Você continua sentado aí, olhando bem diante de si. Fecha os olhos e tem uma visão
na sua mente. A visão de um par de espelhos lisos e paralelos, refletindo o mesmo
objeto vez após vez, diminuindo-o através das distâncias.
— FREDRIC BROWN,
BROWN,
com tradução de RENATO PINCELLI
NOTA DO TRADUTOR:
Este texto foi publicado originalmente na revista Galaxy Science Fiction de Dezembro de
1953.
A versão eletrônica do original está disponível no Projeto Gutenberg e corrigiu os erros
tipográficos do original. O Projeto Gutenberg fez uma extensa pesquisa e não encontrou
qualquer evidência de que o copyright daquele periódico tenha sido renovado.
Esta tradução poderá ser livremente usada e distribuída, desde que não seja
comercializada. Eventuais correções deverão ser endereçadas ao e-mail do tradutor.