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HARRY STEPHEN KEELER

O Dólar de
John Jones
Tradução de Renato Pincelli

Renato Pincelli
2010
O Dólar de John Jones

O Dólar de John Jones


Harry Stephen Keeler1

Imagine um tabuleiro com 64 casas. Coloque um


grão de trigo na primeira casa... Dois na segunda...
Quatro na terceira... Continue dobrando desse modo
e não haverá trigo no mundo para encher a 64ª.
casa. Pode acontecer o mesmo com o juro composto.

1
Traduzido e editado por Renato Pincelli e com notas do tradutor (N. do T.). Para informações sobre o
autor e o tradutor, veja as notas biográficas na última página.
John Jones’ Dollar, texto original desta obra, está sob domínio público nos Estados Unidos.
Esta tradução poderá ser livremente reproduzida desde que não seja utilizada para fins comerciais.
Qualquer modificação na tradução depende de autorização do tradutor.

1
O Dólar de John Jones

N
O 201º. DIA DO ANO 3221, O PROFESSOR DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE
da Terra sentou-se diante de seu Visafone e preparou-se para a
palestra diária que daria à sua class, cujos alunos viviam em
diferentes porções da Terra.

O aparelho diante do qual ele se sentou parecia-se com uma grande janela de qua-
dros de vidro, com a diferença de que havia à vista três ou quatro centenas de peças
de vidro ainda congeladas. Num espaço no centro, que não era ocupado por vidro, fi-
cava uma área escura e oblonga e um pedestal com um pedaço de giz. E em cima fi-
cava um grande cilindro de bronze. É para esse cilindro que o professor iria, em
breve, dirigir suas observações e comentários.

Para se assegurar de que era hora de pressionar o botão que notificaria os membros
da classe de história para que se aproximassem de seus visafones, o professor reti-
rou de seu bolso um pequeno artefato, que ele colocou em sua orelha. Ao mover um
minúsculo interruptor no instrumento, uma voz metálica — que parecia surgir de
algum lugar do espaço — repetia mecanicamente: “Quinze horas e um minuto—
Quinze horas e um minuto—Quinze horas e um min...”. Rapidamente, o professor
guardou o instrumento em seu bolso e pressionou um botão na lateral do visafone.

Como resposta às notificações, as telas congeladas começaram, uma por uma, a


mostrar as faces e ombros de um tipo peculiar de homem jovem. Jovens com gran-
des testas redondas, carecas, desdentados e com profundos óculos de lentes grossas.
Um quadro, porém, continuava apagado. Ao notar isso, um olhar de irritação pas-
sou pela face do professor.

Mas, ao ver que todos os outros vidros menos aquele estavam acesos, ele começou a
falar.

“Eu estou agradecido, gentlemen, ao ver vocês todos postados diante de seus Visa-
fones nesta tarde. Eu preparei uma palestra para hoje que, talvez, seja de interesse
mais econômico que histórico. Diferentemente das palestras anteriores, minha aula
não vai se confinar nos acontecimentos de um curto período, mas vai gradualmente
avançar sobre o curso de dez séculos, os dez séculos que, de fato, terminaram tre-
zentos anos antes da presente data. Minha palestra será uma exposição dos efeitos
do Dólar de John Jones, originalmente depositado nos primórdios da civilização, ou,
para ser mais preciso, no ano de 1921 — há apenas treze séculos atrás. Este John
Jon...”

Neste ponto da palestra do professor, a tela congelada que estava vazia encheu-se e
mostrou uma imagem. Severamente, ele encarou a cabeça e os ombros que acaba-
vam de aparecer.

“B262H72476Masculino, você chegou atrasado de novo. Que desculpa você tem


para hoje?”

Do cilindro oco emanou uma voz esganiçada, enquanto os lábios da imagem no qua-
dro de vidro moviam-se em uníssono, com as seguintes palavras:

2
O Dólar de John Jones

“Professor, você perceberá, ao consultar sua lista de alunos, que eu recentemente


passei a residir próximo ao Pólo Norte. Por alguma razão, a comunicação sem fio
entre a Estação Central de Energia e todos os pontos ao norte do paralelo 89 foi
cortada durante algum tempo. Por causa disso, não pude aparecer no Visafone. En-
tão...”

“Já basta, senhor...” gritou o professor. “Você sempre tem uma desculpa pronta,
B262H72476Masculino. Eu vou apurar imediatamente essa sua história.”

Do bolso de seu jaleco, o professor retirou um aparelho que, apesar de ter um mi-
crofone e um fone de ouvido, não tinha fios. Movendo seus lábios, ele disse:

“Alô. Por favor, a Estação Central de Energia”. Uma pausa se seguiu. “Estação
Central de Energia? Aqui fala o professor de história da Universidade da Terra.
Um dos meus estudantes me informa que a região do Pólo Norte ficou sem comu-
nicação com o Sistema Visafone nesta manhã. Esta informação é verdadeira? Eu
gostaria...”

Uma voz, aparecendo do nada, falou ao ouvido do professor: “Bastante verdadeira,


Professor. Uma de nossas ondas de éter entrou acidentalmente em paralelismo com
as ondas da Subestação Vênus. Pela falha mais peculiar possível, as duas ondas
apresentavam, uma em relação à outra, meio comprimento de onda, com o infeliz
resultado de que os pontos negativos de uma coincidiram com os pontos de máxima
amplitude da outra. Assim, as duas ondas anularam-se mutuamente e a comu-
nicação cessou durante 185 segundos — até que a Terra girasse o bastante para
desfazer o paralelismo.”

“Oh! Obrigado.”, respondeu o professor. Ele devolveu o aparelho ao bolso de seu ja-
leco e voltou o olhar para a direção da imagem que o deixara irado. “Queira me des-
culpar, B262H72476Masculino, por suspeitar de sua veracidade — eu tinha em
mente todas as experiencias anteriores.” Ele recebeu um gesto positivo. “Agora vou
retomar minha aula.”

“Há pouco, senhores, eu mencionei o Dólar de John Jones. Alguns dentre os calou-
ros devem estar se perguntando: „O que é John Jones? O que é dólar?‟

“Naqueles dias antigos, antes do atual registro de seres humanos ser instituído
pela Sociedade Eugênica Nacional, os homens passavam a vida sob um sistema tos-
co de nomenclatura multirrepetitiva. Sob esse sistema, havia mais John Joneses do
que calorias em uma Unidade Termal Britânica2. Mas havia um John Jones, em
particular, que vivia no século vinte e é a quem me refiro nesta aula. Pouco se sabe
de sua vida pessoal, exceto pelo fato de que ele era um socialista ardoroso — de fa-
to, era um ardente inimigo da propriedade privada de riqueza.

2
Aqui, o autor faz referência ao fenômeno da Homonímia, que é o uso de nomes próprios
(nomes e sobrenomes) iguais por pessoas diferentes. Nesse caso, para dar uma dimensão
de como os nomes se repetiam entre os homens, o professor compara a quantidade de pes-
soas chamadas John Jones ao número de calorias que há um uma Unidade Termal Britânica
(BTU). Uma BTU tem 252 calorias. (N. do T.)

3
O Dólar de John Jones

“Agora, em relação ao Dólar. Naquela época, o Psico-Erg — a combinação de 1 Psi-


co, unidade de satisfação estética e 1 Erg, unidade de energia mecânica — não era
reconhecido como a verdadeira unidade de valor. Parece difícil acreditar que no sé-
culo vinte, e durante os déz séculos que se seguiram, o Dólar, um disco metálico,
era passado de mão em mão em troca dos bens essenciais à vida.

“Mas as coisas eram assim mesmo. O homem trocava sua energia física ou mental
por esses Dólares. Depois, ele trocava novamente esses Dólares por seu sustento,
vestuário, lazer e para a cirurgia de remoção do apêndice vermiforme.

“Um grande número de indivíduos, porém, depositava seus Dólares em fortalezas


chamadas de banco. Estes bancos usavam os Dólares em empréstimos e empreen-
dimentos comerciais. Assim, toda vez que a Terra atravessava a eclíptica solar, os
bancos obrigavam os emprestadores a pagar, ou como diziam, cobravam, a quantia
emprestada acrescida de seis por cento do montante. E, para o depositante, o banco
pagava três porcento dos dólares depositados para fazer uso dos discos. Isso era co-
nhecido como três-porcento, ou juro bancário.

“Mas a segurança dos Dólares, quando depositada em bancos, não era totalmente
absoluta para o depositante. Às vezes, os guardiões desses Dólares apropriavam-se
deles e mandavam-nos para terras distantes, despovoadas e de difícil acesso. E, às
vezes, grupos nômades conhecidos como „arrombadores‟ visitavam os bancos,
abriam os depósitos à força e fugiam, levando embora o que encontravam.

“Mas vamos voltar agora ao nosso sujeito. No ano de 1921, um desses numerosos
John Joneses fez uma ação aparentemente inconsequente e que colocou o nome de
John Jones na História. O que foi que ele fez?

“Ele foi a um daqueles bancos, conhecido na época como „The First National Bank
of Chicago3‟ e lá depositou um daqueles discos — um Dólar de prata — a crédito de
certo indivíduo. E este indivíduo a quem o Dólar estava creditado era ninguém
menos que o quadragésimo descendente de John Jones, que estipulou num papel
guardado nos arquivos do banco que seria considerado seu descendente a criança
mais velha de cada uma das gerações que constituiria sua posteridade.

“O banco aceitou o Dólar sob essa condição, junto com outra imposta por esse John
Jones, a saber, de que o juro deveria ser composto anualmente. Isso significa que ao
fim de cada ano, o banco iria acrescentar à conta do quadragésimo descendente de
John Jones três por cento do valor da conta no início do ano.

“A História nos conta muito pouco sobre esse John Jones. Sabemos apenas que ele
morreu em dez anos depois, em 1931, e que deixou vários filhos.

“Agora, os senhores que acompanham as aulas de Matemática com o Professor


L127M72421Masculino , da Universidade de Marte, devem se lembrar que se te-

3
The First National Bank of Chicago — Primeiro Banco Nacional de Chicago. Este banco real-
mente existia na época em que o conto foi escrito, e tinha uma poupança muito popular. (N.
do T.)

4
O Dólar de John Jones

mos um valor X, que passa por mudanças cíclicas e cresce ao fim de cada ciclo pela
proporção p, então o valor original de X, após n ciclos, é igual a X(1 + p)n.

“Obviamente, nesse caso, X equivale a 1 dólar; p equivale a 3%; e n vai depender do


número de anos decorridos da data da depósito. Por um cálculo simples, aqueles
dentre vocês que estiverem mentalmente alertas poderão checar os resultados que
eu vou apresentar nesta aula.

“Na época em que John Jones morreu, a quantia que o First National Bank of
Chicago guardava em nome do quadragésimo John Jones era a seguinte:”

O professor dirigiu-se ao quadro-negro e escreveu rapidamente naquele espaço


oblongo:

1931 10 anos depois $1,34

“Aquele hieroglifo sinuosamente peculiar,” — explicou ele — “é um ideógrafo que


representa o Dólar.

“Bem, senhores, o tempo passou como o tempo passará, até que 100 anos se pas-
saram. O First National Bank ainda existia, e sua localização, Chicago, tornara-se
o maior centro populacional da Terra. Através dos investimentos e dos juros com-
postos anualmente, o estado do depósito de John Jones era o seguinte...” Ele escre-
veu:

2021 100 anos depois $19,10

“É claro que, no século seguinte, muitas mudanças ocorreram no modo de vida do


homem. Mas os chamados socialistas ainda criavam grandes agitações a favor do
fim da propriedade privada. O First National Bank ainda aceitava depósitos em dó-
lar e o Dólar de John Jones continuou a crescer. Faltando trinta e quatro gerações
para o herdeiro chegar, a conta estava assim:

2121 200 anos depois $364

“E ao fim dos cem anos seguintes, a quantia chegou a um valor que era bastante
considerável naquele tempo:

2221 300 anos depois $6 920

“Agora, o século seguinte contem uma data importante. A data à qual me refiro é o
ano 2299, ou o ano no qual cada ser humano nascido no globo foi registrado com um
nome numérico no Escritório Central da Sociedade Eugênica Nacional. Em nossas
próximas aulas, vamos tratar desse período com maiores detalhes, mas eu já peço
que memorizem aquela data.

“Os socialistas ainda agitavam-se, sem sucesso. Mas o First National Bank of Chi-
cago era agora o First International Bank of Earth4. E quanto havia crescido o

4
First International Bank of Earth — Primeiro Banco Internacional da Terra (N. do T.)

5
O Dólar de John Jones

Dólar de John Jones? Vamos examiner a conta tanto naquela importante data his-
tórica quanto no fim do 400º. ano desde a abertura. Vejamos:

2299 378 anos depois $68 900

2321 400 anos depois $132 000

“Entretanto, senhores, o montante ainda não havia alcançado o ponto em que pode-
ria ser chamado de uma acumulação de riqueza incomumente grande. Pois maiores
acumulações já existiram. Um descendente de um homem conhecido como John D.
Rockfeller possuía uma acumulação de grande tamanho, a qual, de fato, foi dimi-
nuindo rapidamente ao passar de geração para geração. Então, vamos saltar mais
cem anos. Durante esse tempo, como aprendemos em nossos arquivos políticos e
históricos, os socialistas começaram a desaparecer, após finalmente se convencerem
da futilidade de combater o poder. A conta, porém, agora estava em:

2421 500 anos depois $2 520 000

“É um tanto desnecessário fazer qualquer comentário. Aqueles dentre vocês que são
mais astutos e aqueles que já bombaram no meu curso e estão aqui pela segunda
vez já sabem o que está por vir.

“Durante a época em que este John Jones viveu, também viveu um homem, cha-
mado Metchnikoff, considerado cientista. Nós sabemos, a partir de nossos estudos
de nossa vasta coleção de papiros egípcios e de livros da Biblioteca Carnegie, que
esse Metchnikoff criou a teoria segundo a qual a velhice — ou melhor, a senilidade
— era causada por colonbacilos. Este fato foi verificado mais tarde. Mas apesar de
estar correto na etiologia da senilidade, ele era bastante primitivo na sua tera-
pêutica.

“Ele, senhores, propôs combater e matar esses bacilos através do uso do fluido lác-
teo fermentado de um animal chamado vaca, agora extinto e cujos modelos vocês
podem ver qualquer dia no Museu Solaris.”

U M CORO DE RISADAS ESTRIDENTES emanava do cilindro de bronze. O professor


esperou a algazarra abaixar e continuou:

“Senhores, peço-lhes que não riam. Esta era apenas uma das muitas superstições
existentes naquela época.

“Mas um verdadeiro cientista, o Professor K122B62411Masculino, retomou o pro-


blema no século 25. Já que a vaca estava extinta, ele não pode perder seu precioso
tempo em experiências com o fluido lácteo fermentado da vaca. Ele descobriu que
os velhos raios µ [gama] do Rádio — raios que, lembram os senhores físicos, não são
desviados por um campo magnético — eram compostos por dois tipos de raios, que
ele chamou de raios g e raios e. Estes últimos raios — apenas isolada-mente — des-
vitalizam completamente todos os colonbacilos em seu caminho, sem o menor efeito
na integridade de qualquer célula orgânica. O grande resultado, como vocês já sa-

6
O Dólar de John Jones

bem, foi que a vida do homem se extendeu até cerca de duzentos anos. Aquele, sem
dúvida, foi um grande século para a raça humana.

“Mas vamos falar de outro acontecimento — um, talvez, mais interessante do que
importante. Eu me refiro à conta bancária de John Jones, o quadragésimo. Ela, se-
nhores, crescera em uma soma tão prodigiosa que um banco especial e um conselho
de diretores teve que ser criado espcecialmente para gerenciá-la e reinvesti-la. Ao
ver a próxima anotação, vocês vão perceber a verdade do que estou falando:

2521 600 anos depois $47 900 000

“Por volta do ano 2621, dois eventos de suma importância aconteceram. Poucos há
nessa sala que não ouviram falar em como o Professor P222D29333Masculino
topou acidentalmente com um fato científico: o efeito da gravidade é revertido em
qualquer corpo que vibre perpendicularmente no plano da eclíptica com uma fre-
quência que é um múltiplo par do logaritmo de 2 da base Naperiana „e‟5. Assim, veí-
culos vibratórios foram construídos e levaram a humanidade a todos os planetas. A
descoberta do Professor P222D29333Masculino não apenas abriu sete novos territó-
rios aos nossos habitantes — ou seja: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno,
Urano e Netuno. Na corrida por terras que se seguiu, milhares que antes eram po-
bres tornaram-se ricos.

“Entretanto, senhores, a terra, que por tanto tempo foi uma das principais fontes
de riqueza, logo tornou-se valiosa apenas para golf links6 individuais.

“Esta segunda descoberta não foi, na realidade, uma descoberta, mas um perfeito
processo químico, cujo princípio já era conhecido há muitos séculos. Faço alusão à
construção de vastas fábricas de redução, uma em cada planeta, nas quais os corpos
de todas as pessoas que morreram em cada planeta são transportados pela Aerial
Express. Como o processo está em uso atualmente, todos vocês entendem os mé-
todos empregados; como cada corpo é reduzido pelo aquecimento aos seus com-
ponentes: hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, carbono, cálcio, fósforo, e assim por
diante; como esses elementos de pois de separados são armazenados em reser-
vatórios especiais junto com os elementos extraídos de outros cadáveres; como eles
são sinteticamente combinados em pílulas alimentares para aqueles de nós que
ainda estão vivos — assim, fechando a cadeia sem fim entre os vivos e os mortos.
Naturalmente, portanto, a agricultura e a pecuária deixaram de existir, uma vez
que o problema da alimentação, contra o qual a humanidade lutava desde tempos
imemoriais, estava resolvido. Os dois resultados diretos foram: primeiro, que as ter-
ras perderam os valores inflacionados que tinham quando eram necessárias para o
cultivo de alimentos; e, segundo, que o homem pôde, enfim, ter tempo livre o bas-
tante para entrar nos campos da Arte e da Ciência.

5
O logaritmo natural de 2 (ou ln 2) vale aproximadamente 0,693147.... Essa teoria diz, basi-
camente, que se você vibrar no plano da órbita da Terra numa frequencia igual ao múltiplo
par daquele número, é possível se livrar da gravidade. O único problema é que, como indi-
cam as reticências, aquele valor é irracional (é uma dízima infinita e não-periódica) e o múl-
tiplo de um número irracional também é irracional. (N. do T.)
6
Golf link — antigo tipo de campo de golfe arenoso ou situado à beira-mar. (N. do T.)

7
O Dólar de John Jones

“E quanto ao Dólar de John Jones, que agora contava com inúmeras indústrias e
vastos territórios na Terra, e cujo valor era:

2621 700 anos depois $912 000 000

“Na verdade, senhores, esta era agora a maior fortuna privada do globo terrestre. E
naquele ano, 2621, havia ainda treze gerações por vir, antes que o quadragésimo
John Jonhes chegasse.

“Continuando, no ano 2721 uma importante batalha política foi concluída na Câ-
mara dos Representantes7 e no Senado do Sistema Solar. Eu estou falando da gran-
de controvérsia: se a lua da Terra era uma ameaça à navegação interplanetária o
bastante para ser removida. O resultado da disputa considerou a questão como afir-
mativa. Consequentemente...

“Mas eu peço que me perdoem, meus jovens. Ocasionalmente, eu perco de vista o


fato de que vocês não são tão bem-informados em matérias históricas como eu. Cá
estou eu, falando para vocês sobre a lua, completamente esquecido de que vocês
estão quebrando a cabeça para entender o que quero dizer. Eu aconselho aqueles
que ainda não conheceram o Museu Solaris em Júpiter a fazer uma visitinha numa
tarde de domingo qualquer. A Linha Suburbana Interplanetária corre a cada meia
hora no domingo. Lá vocês verão um modelo completo e em pleno funcionamento do
velho satélite da Terra, o qual, antes de ser destruído, fornecia a este planeta luz
durante a noite por meio de uma simples reflexão.

“Quanto a esta decisão sobre a inconveniência de manter a lua onde ela estava, os
engenheiros começaram a removê-la no ano 2721. Pedaço por pedaço, ela foi des-
montada e enviada à Terra em carros de frete interplanetários. Tais pedaços foram
então propulsionados por explosivo de Zoodolita, na direção da Via Láctea, à velo-
cidade de 11.217 metros por segundo. Esta velocidade, é claro, deu a cada pedaço
lançado a exata quantia de energia cinética para se desprender do puxão gra-
vitacional da Terra e ir daqui ao infinito. Eu diria até que estes pedaços de lua es-
tão indo até hoje.

“No começo da remoção da lua, em 2721, a riqueza acumulada para o quadragésimo


John Jones era de:

2721 800 anos depois $17 400 000 000

“É claro que, com tamanha soma ao seu dispor, os diretores do fundo fizeram gran-
des investimentos em Marte e em Vênus.

“No princípio do vigésimo nono século, no ano 2807, a lua havia sido completamen-
te desmontada e despachada pelo espaço, após 86 anos de trabalhos. Eu registro,
aqui, os resultados do Dólar de John Jones, tanto na data em que a lua foi comple-
tamente removida quanto no fechamento de seu 900º. ano após o depósito inicial:

7
Câmara dos Representantes (orig. House of Representatives) — Equivalente norte-america-
no da Câmara dos Deputados.(N. do T.)

8
O Dólar de John Jones

2807 886 anos depois $219 000 000 000


2821 900 “ “ , $332 000 000 000

“O que essas cifras significam, senhores, é que o Dólar de John Jones agora equi-
valia a praticamente todas as riquezas da Terra, de Marte e de Vênus — com exce-
ção de uma universidade em cada planeta, que eram, evidentemente, propriedades
públicas.

“Agora vamos avançar até o ano de 2906. Neste ano, os diretores do fundo de John
Jones descobriram que estavam às vésperas de uma crise assustadora. De acordo
com as condições sob as quais John Jones depositou seu dólar em 1921, o juro seria
composto anualmente a uma taxa de três por cento. Em 2900, a trigésima-nona
geração de John Jones estava viva, representada por um gentleman chamado
J664M42721Masculino. Ele estava com trinta anos de idade e era noivo de uma
jovem chamada T246M42652Feminina.

“Sem dúvida, vocês vão perguntar qual era essa crise em que os diretores se
encontraram. Simplesmente isso:

“Após um cuidadoso inventário de todas as riquezas em Netuno, Urano, Saturno,


Júpiter, Marte, Vênus e Mercúrio, e da Terra, com um cálculo acurado do calor res-
tante no Sol, e uma avaliação de tal calor a uma taxa decente por caloria, ficou de-
monstrado que a riqueza total do Sistema Solar valia $6 309 525 241 362,15.

“Mas, infelizmente, um simples cálculo mostrou que, se o Sr. J664M42721Masculi-


no se casasse com a Senhorita T246M42652Feminina e fosse abençoado com um fi-
lho por volta de 2921, ano que marcava o milésimo aniversário do depósito do Dólar
de John Jones, naquele ano, a quantia recebida pela crainça seria a seguinte:

2921 1 000 anos depois $6 310 000 000 000

“Isso simplesmente significa que, acima de qualquer argumento, por volta do ano
2921, teríamos um saldo negativo de $474 758 637,85 — isto é, nós seríamos inca-
pazes de pagar a dívida com o quadragésimo John Jones.

“O Corpo de Diretores, nem é preciso dizer, ficou desesperado. Foi feita uma suges-
tão fantástica de mandar uma força expedicionária para capturar outro Sistema
Solar e obter mais território para saldar o déficit. Mas tal projeto era impossível
dado o número da anos que consumiria.

“Visões de imensos processos judiciais perturbavam o sono daqueles infelizes sujei-


tos que formavam a Diretoria do Dólar de John Jones. Mas às vésperas de uma das
maiores ações civis jamais conhecidas chegar aos tribunais, aconteceu uma coisa
que mudou tudo.”

O professor retirou novamente o pequeno aparelho do bolso de seu jaleco, levou-o ao


ouvido e apertou um botão. Uma voz metálica repetia: “Quinze horas e cinquenta e
dois minutos — Quinze horas e cinquenta e dois minutos — Quin...”. Ele guardou o
aparelho e deu prosseguimento à sua palestra.

9
O Dólar de John Jones

“Senhores, devo adiantar a conclusão desta aula, pois tenho um compromisso com o
Professor C122B24999Masculino da Universidade de Saturno às 16 horas. Agora,
onde eu estava? Ah, eu estava explicando que a maior ação civil da história balan-
çava sobre as cabeças dos diretores do Dólar de John Jones.

“Bem, este Sr. J664M42721Masculino, trigésimo-nono descendente do John Jones


original, teve uma discussão coma Srta. T246M42652Feminina que imediatamente,
destruiu todas as possibilidades de casamento. Nenhum dos dois se arrependeu. Os
dois nunca se casaram. E quando o Sr. J664M42721Masculino morreu em 2946,
após uma falha cardíaca, ele era, como se diz, um solteirão sem filhos.

“Como resultado, não havia ninguém a quem dar o Sistema Solar como herança.
Imediatamente, o Governo Interplanetário tomou posse de todos esses bens. Na-
quele momento, é claro, a propriedade privada deixou de existir. Quase num piscar
de olhos, alcançamos a verdadeira condição socialista e democrática que tantos ho-
mens perseguiram inutilmente durante tantos séculos.

“Isso é tudo por hoje, senhores. A classe está dispensada.”

Uma por uma, as faces desapareciam dos Visafones.

Por um momento, o professor ainda continuou matutando. “Que homem maravilho-


so foi aquele velho socialista, o John Jones primeiro.” — disse ele de si para si, em
voz baixa — “Que homem visionário, que homem brilhante, considerando-se que ele
viveu numa era tão obscura quanto o século 20. Mas quão próximo esteve o seu pla-
no de dar errado... E se o quadragésimo descendente tivesse nascido?”

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O Dólar de John Jones

Sobre o Autor
Nascido em Chicago, cenário de muitas de suas obras,
Harry Stephen Keeler (1890-1967) é um dos escritores
mais estranhos de todos os tempos. Notabilizou-se por sua
prolixidade, com contos e romances cheios de iterações
textuais (histórias dentro de histórias), muitas vezes con-
siderados bizarros e nonsense.

Um de seus primeiros trabalhos, O Dólar de John Jones (John


Jones’ Dollar) foi escrito em 1927 e publicado duas vezes na
revista Amazing Stories: em Abril de 1927 e novamente em
Abril de 1956. O texto original de John Jones’ Dollar está em
domínio público e disponível no Projeto Gutenberg
(http://www.gutenberg.org/etext/26867).

Keeler teve seus livros publicados nos Estados Unidos entre 1924 e 1942, quando
seus editores demitiram-no por considerar que suas obras cada vez mais incom-
preensíveis afastavam o público. Para sobreviver, Keeler continuou publicando
seus trabalhos no exterior, principalmente no Reino Unido, Espanha e Portugal, lu-
gares onde alcançou relativo sucesso nos anos 50. Seus tírulos costumam ser bas-
tante estravagantes: Finger! Finger! [Dedo! Dedo!], The Case of the Crazy Corpse [O
Caso do Cadáver Louco], The Six from Nowhere [Os Seis de Lugar-Nenhum], The Ca-
se of the Flying Hands [O Caso das Mãos Voadores], The Scarlet Mummy [A Múmia Es-
carlate], dentre muitos outros.

Atualmente, as obras de Keeler estão sendo redescobertas (e compreendidas) por


estudantes universitários e pela crítica literária, que considera-o um precursor do
pós-modernismo. Há até mesmo uma Sociedade de Admiradores de Keeler na
internet (http://site.xavier.edu/polt/keeler).

Sobre o Tradutor
Renato Pincelli (rntpincelli@hotmail.com) tem 20 e poucos anos e leva uma vida
tripla: é bibliotecário em uma escola pública durante o dia, estudante de jornalismo
na UNESP-Bauru durante a noite e blogueiro ocasional (http://hypercubic.blogspot.com).

Após aprender o idioma inglês (quase) sozinho, passou a traduzir videoclipes e


contos de ficção científica como hobby durante as férias, feriados, fins-de-semana
ou qualquer outra oportunidade de ócio criativo. Gosta de rock californiano, artes
gráficas, boas histórias, biografias, carros, astronomia, ironia e humor. Não gosta
de comer saladas, nem de religião e nem de fazer planos, mas pretende tornar-se
um poliglota troglodita até o fim da vida.

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