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Capitulo 1 A fecundidade da histéria oral* Etienne Francois** A titulo de introdugao as observagdes que se seguiréo, uma primeira nota me parece se impor, visto que, longe de ser uma simples fi- gura de retérica, pelo contrério, ela precisa 0 alcance, ou melhor, os li- mites do meu pensamento. De fato, se acompanho com interesse e simpatia 0 que se faz hé alguns anos em matéria de histéria oral na Ale- manha — donde, por exemplo, a iniciativa de organizar, em dezembro de 1981, juntamente com Jean-Pierre Rioux e o THTP, de um lado, e Lutz Niethammer e a equipe do projeto Lusir, do outro, o semindrio de historia oral de Essen sobre “A meméria dos anos 1930-50”! —, nem por isso sou especialista em histéria contemporanea ou mesmo praticante da historia oral, de modo que minha competéncia no assunto necessariamente se res- tringe a de um observador atento e interessado. Por que, entao, aceitei o convite dos organizadores desse semindrio? Antes de mais nada, porque me parece que as contribuicées da histéria oral, bem como os debates e as discussées que ela suscita, interessam nao sé aos seus praticantes, mas também a toda comunidade de historiadores. Contudo, levando em conta * Francois, Etienne. Fécondité de Whistoire orale. Les Cahiers de UTHTP. Paris (4):23-43, juin 1987. “** Misséo histérica francesa na Alemanha (Gottingen), Universidade de Nancy Il * Sobre o semindrio de Essen, ver minha exposicao publicada no Bulletin d'information de ta Mission Historique Francaise en Allemagne (4), jan. 1982, bem como a exposicao de Jean- Pierre Rioux no Bullerin de "Institut d'Histoire du Temps Présent (8), mars 1982. aN USOS & ARUSOS OA HISTORIA Ong, ju i preferivel dar a minha intervencg, minha relativa exterioridade, julguei preferivel dar aha 30. eno numero de obser. um caniter limitado, concentrando-me em um pequeno mi di S vagdes © indagagdes. A complacéncia da alteridade Minha primeira observagio sera sobre 0 papel e 0 status da his. tona oral dentro da pesquisa histérica. Faz seis anos, os Annales, inaugu. rando uma serie de artigos sobre arquivos orais, levantaram a questdo de saber se se tratava de uma “outra histéria”.? De fato, especialmente nos Purses _germinicos, muitos sdo os que sustentam a pretensdo da historia oral a ser uma “ uutra historia” e ue véem nela a ponta avangada, como gue a tropa de choque dessa nova corrente histérica chamada Alltagsges- ‘hte — corrente tanto impetuosa quanto heterogénea e que, para grande sscindalo dos papas da corporagao histérica, se apresenta como defensora Ge uma historia diferente, tanto em seus objetos quanto em suas priticas, Se uma historia “alternativa’, livre e emancipadora, em ruptura com a his. tona académica institucional. Para justificar essa pretensdo, apresentam-se dois argumentos em ‘orma de programa. A historia oral seria inovadora primeiramente por seus objetos, pois da atencdo especial aos “dominados”, aos silenciosos ¢ sos excluidos da historia (mulheres, proletarios, marginais etc.), a historia do cotidiano e da vida privada (numa ética qu francesa da historia da vida cotidiana), & histé segundo lugar, seria inovadora por suas aborda 2 uma “historia vista de baixo” (Geschichte von nen), atenta a ¢ € 0 oposto da tradicao ria local e enraizada, Em gens, que dio preferéncia unten, Geschichte von in- maneiras de ver e de sentir, e que As estruturas “ € as determinagées coletivas prefere ‘objetivas” as visbes subjetivas e os percursos in- dividuais, numa perspectiva decididamente “micro-historica”, * Archives orales: une autre histoire? Annales E SC * Abordet esses debates de manera mais detalhada e1 Penche sur son passé (Vingtiéme Siecle. Rev bre um dos aspectos mais originais dessa de Michael Pollack, La féte dune autre histoire A Berlin, (Vingtiéme Sidcte, 4:146-8, 1984). Ver também a coletinea Tecentemente publicada sob Paul e Bernhard Schossig, Die andere Geschichte: Geschichte von unten, logische Geschichte, Geschichtswerkstatten (Kéln, 1986), » 35(1):124-99, janfév. 1980, m meu artigo L’Allemagne fédérale se vue diistoire, 7:151-63, 1985), Ver, igualmente so- nova corrente — os “ateliés de histéria” — a nota Revue d'Histoire, a direcao de Gerhard Spurensicherung, Oko- A FECUNDIDADE DA HISTORIA ORAL 5 , Entretanto, reparando melhor, nenhuma dessas_ razdes alegadas Para justificar a pretensio da histéria oral a ser uma “outra” historia — € que de tao repisadas quase se tornaram banais — resiste a um exame de especificidade. De fato, longe de serem préprias da historia oral, a atengao dada a novos objetos e a adocio de novas abordagens sao, pelo contrario, observadas muito além dos seus limites — da histéria antiga a historia urbana ou da histéria das representacées politicas a histéria social — © constituem apenas um aspecto entre outros das redefinigées meto- dolégicas e das mutagées internas da pesquisa histérica atualmente em curso.4 Duas trajetérias de historiadores de nosso tempo, ambos total- mente estranhos a histéria oral, servem para explicitar essa questao. A p meira € a do historiador francés Daniel Roche, que no espaco de uma década passou de uma abordagem estritamente “quantitativista” e “obje- inte” das estruturas sécio-culturais da Franca do Antigo Regime — a mesma que ele utilizou em sua tese sobre as academias provincianas no século XVIII — a uma abordagem biografica, subjetiva e “micro-hist6rica”, especialmente em sua notivel edigio do Journal de ma vie do artesao v dreiro parisiense Jacques-Louis Ménétra, figura por exceléncia do “excep- cional normal” de que fala Grendi.5 A segunda é a do_historiador germano-suico Arthur E. Imhof, também um modernista, defensor até ha pouco de uma demografia histérica “cientifica” (se ndo positivista), glo- balizante, e adepto do computador e da modelagen matematica, mas que em seu ttiltimo livro, langado em 1984, denuncia as aporias das aborda- gens estatisticas e as miragens das médias e, valendo-se da mesma “mu- danga de ética” de Daniel Roche, busca agora descobrir, de alguma forma pelo interior e através de trajetérias de vida individuais, como os homens tivi 4 Encontraremos uma excelente retrospectiva sobre as mutagdes recentes da pesquisa his- t6rica na nova edigéo do livro de Georg G. Iggers, New directions in European historiography (Middletown, Connecticut, Wesleyan University Press, 1984), especialmente 0 capitulo 5: Epi- logue: the last ten years in retrospect, p. 175-205. 5 Roche, Daniel. Le Siécle des Lumiéres en province, académies et académiciens provinciaux, 1680-1789 (Paris/La Haye, 1978, 2 x); Journal de ma vie. Jacques-Louis Ménétra, compagnon vitrier au 18e siécle (apresentado por Daniel Roche), Paris, 1982. D. Roche retragou as etapas @ as razées dessa mutacdo intelectual na introdugao de sua tiltima obra (escrita junto com Pierre Goubert), Les francais et Ancien Régime (Paris, 1984. t. 2: Culture et société), defesa de uma ‘mudanga de ética” que nos faca passar de uma “histéria das estruturas e das ¢s- tranficagoes sociais a uma historia social das percepcdes, das préticas e das apropriagées”. US08 BANUSOS PA MISONO, | do século XVII tentavam dar, cada um a sua maneira, um sentido a gy, vida em sua irredutivel unicidade.® Esses exemplos, que poderiamos multiplicar & vontade, provam ¢a. balmente: nem em seus objetos nem em suas abordagens a histéria oral me. rece a qualificagio de “hist6ria diferente”, e a acreditar-se que ela é uma “frente pioneira” da pesquisa histérica e um dos campos em que se opera a sua renovagio, como ignorar os miiltiplos impulsos, os incentivos e os exem. plos que ela encontrou fora dela, a ponto mesmo de alguns se perguntarem se a historia oral ndo deveria parte do seu sucesso ao fato de ter sabido adaptar & histria do tempo presente as problemdticas e os métodos desen. volvidos pelo que ainda ha pouco chamavamos de “nova histéria”?7 A des. peito dos manifestos que proclamam com benevoléncia a alteridade da historia oral, a indagago que se fazia hd seis anos hoje ndo tem mais razio de ser: fazendo © balango critico, no capitulo que encerra o terceiro tomo da Publicacao oriunda do projeto Lusir, dos aprendizados e das aquisigdes do em- Preendimento comum, mas também das crises e das dificuldades decorrentes dos objetivos militantes iniciais, Lutz Niethammer reconhece desde Jogo e sem a histéria oral nao é uma outra histéria.® a menor reserva: Melhor do que uma técnica Prosseguindo nesse mesmo balango, Lutz Niethammer propée em seguida uma nova definigio da histéria oral: sendo assim, ela nao seria nada mais (e nada menos) do que uma “técnica de investigacao prépria da historia do século XX", de certa forma uma ciéncia auxiliar que estd “ Para se ter uma nogio dessa mutagdo, basta comparar duas obras desse historiadon, lam sadas somente com sete anos de diferenga: Imhof, Arthur E. Einfidhrung in die Historische De- ‘mographie (Munchen, 197) € Die verlorenen Welten. Alltagsbewaltigung durch unsere Vorfahren — und weshalb wir uns heute so schwer damit tun... (Miinchen, 1984). 7 Quanto a mim, estou muito impressionado com o fato de que, nos “metadiscursos” mul- tiplicados na Alemanha e na Austria pelos debates € controvérsias em tomo do Alleagsges- chichte, os defensores mais ardorosos da histéria oral como “historia alternativa” vao, na realidade, buscar muitas de suas justficativas tedricas fora da historia oral propriamente dita © apelam mais para exemplos de E. Le Roy Ladurie, C. Ginzburg, N. Davis ou E. ‘Thompson, e até mesmo de F Braudel. ® Niethammer, Lutz, Fragen — Antworten — Fragen. Methodische Erfahrungen und Erwagun- gen zur Oral History. In: Niethammer, Lutz & von Plato, Alexander (dit). Wir kriegen Jetzt an- dere Zeiten. Auf der Suche nach der Erfakrung des Volkes in nachfaschistichen Léndern. Lebengeschichte und Sozialkuleur im Ruhrgebiet 1930 bis 1960. Bonn, 1985, 3, p. 392-445, A FECUNDIDADE DA HistORIA ORAL para a histéria do tem: Po presente assim como a arqueologia esta “8 esta historia antiga? 2 aul i Historia oral como simple contempordnea? Na verdade, isent, ara a s ciéncia auxiliar da histéria essa nova definigao, cuja modéstia nao est a de desencanto, nao ganha muito mais adesdes do que Ela nao convence, em primeiro lug: que a histéria oral & capaz de Temotos; ora, a precedente. at, porque negligencia tudo o trazer para o conhecimento de séculos mais ° inda que a histéria do tempo presente seja 0 campo pre- dileto da investigagdo oral (e isso mais ainda nos paises germanicos do que na Franca), somente as pesquisas de Philippe Joutard bastam para mostrar que a histéria dos séculos mais remotos pode tirar proveito das Pesquisas sobre as tradicdes orais, a meméria e 0 legendario histéricos.!° Em segundo lugar, ela no convence porque, pelos aportes, pelas contribuigdes e pelo alargamento de perspectiva que ela ja trouxe, a his- toria oral parece-me ter demonstrado que é mais do que um simples aper- feigoamento técnico ou um requinte metodolégico. Basta comparar os resultados de duas grandes pesquisas, feitas recentemente na Alemanha e que procuravam compreender melhor a realidade concreta e 0 impacto efetivo do nazismo em meios sociais e regionais bem delimitados. Essas duas pesquisas, que a meu ver séo 0 que de mais interessante se publicou sobre 0 nazismo nos tltimos anos, foram a do Institut fiir Zeitgeschichte de Munique, sobre a Baviera na época nazista, realizada a partir de ar- quivos escritos e de fontes impressas, e aquela jé mencionada da equipe de Lusir, de Essen, sobre “Historias de vida e grupos sociais do Ruhr de 1930 a 1969”, na qual se deu prioridade a histéria oral.!! Ora, enquanto a pesquisa de Munique, por recorrer a um método mais clissico e pro- ceder de alguma forma de cima para baixo, é antes de mais nada uma investigagio de aprofundamento, contribuindo sobretudo para verificar, 9 “Eine spezifisch seitgeschichtliche Forschungstechnik", definigao que ele retoma um pouco mais adiante nos seguintes termos: “sie stellt ein Instrument zeitgeschichtlicher Heuristik unter anderen dar” (Niethammer, 1985:420). 10 Joutard, Philippe. Ces voix qui nous viennent du passé. Paris, 1983. ; 11 Qs resultados da grande pesquisa sobre a Baviera foram publicados sob a dirego de Mar- Bayern in der NS-Zeit. Studien und Dokumertationen (Miinchen, 1977-84. 6 ¥). lumes originados da pesquisa Lusir (Lebensgeschichte und Niethammer, Lutz (dit). Die tin Broszat, ‘As referéncias dos dois primeiros vol : ¥ Sozialkultur im Ruhrgebiet 1930 bis 1960) sao as seguintes pi nicht, wo man sie heute hinsetzen soll e Hinterher merkt man, dass es richtig Taney i 1983). As referencias do terceiro volume j4 foram in- Jahre war, dass es schiefgegangen ist (Bonn, dicadas na nota 8. USOS £ ASESOS DA HISTOR Og, o r ou invalidar localmente e para precisar concretamente as teses ge rais sobre o nazismo, a pesquisa do Ruhr, por recorrer a0 meétodo ora} e de baixo para cima, parece-me, p, proceder, ao contnirio da precedente, de baixo p ° mati todo, muito mais renovadora e inovadora. Quanto a mim, vejo af trés contribuigdes principais. A primeira na lembranga das pessoas entrevistadas (incu. a relativizagio da politi ticos), as determinantes essenciais so a faixa XO, a crenca rel , © bairro ou a profissdo, constituindo a Politica, em todos os pontos. elemento de superestrutura frigil e de ins. pressionante como os entrevistados, que ja tinham re entre os milisantes po! etaria, 0 s igios tincia secundaria: é ir ; ue atingido a idade adulta em 1933, conseguiram isolar a influéncia do par- cotidianas, contentando-se em viver numa “normalidade a a qualquer forma de recuperacao vinda de cima. A se- © € a importincia do impacto cultural (e, portanto, in- direto) do nazismo: mesmo para os que guardaram em relacdo ao regime uma adtude de prudéncia ou até de reserva, os 10 anos que medeiam en- te a chegada de Hitler e 0 poder do inicio dos bombardeios aliados for- mam um grande remanso de “normalidade”, sinal de uma ampla conivén- cia tacita entre a pratica do regime e as aspiracdes coletivas da maioria da Populacdo: se a juventude operiria se mostrou — em particular nos pri- meiros tempos — literalmente fascinada pelo regime, também ai as razdes © menos politicas do que culturai operdria, possibi s (afinidades com certos elementos da idades de promogio e até de revanche social — e, mais ainda, de emancipacdo das normas sociais e das coagées familiares). A erceira contribuigio — em boa parte devida ao fato de na amostra pes- guisada as mulheres serem tio numerosas quanto os homens — é a evi- ‘anga original, situando as cesuras as em 1940 € 1948. De fato, os anos que ocupam © lugar mais importante na meméria do Ruhr sio precisamente aqueles em que a histéria “de cima” veio brutalmente perturbar e transtornar as “nor- malidades” familiares e profissionais, com um forte contraste, porém, entre anos do inicio da guerra — em denciagdo de uma cronologia da lembr: nao em 1933 e 1945, m:; geral vividos como uma Tuptura po- sitiva, tanto para os homens (na frente de combate ou no trabalho) quanto Para as mulheres, que sairam dos seus lares e assumiram novas respon- sabilidades — e os anos do fim da guerra, do desmoronamento e do ime- diato pds-guerra, anos de sofrimento e incerte: dominados pela obsessio da sobrevivéncia no dia -a-dia, sem outro apoio que nao a familia e a iniciativa individ ual. Y A FECUNDIDADE DA HISTORIA ORAL 9 Esse xemrplo mostra bem que se uma pesquisa oral péde revelar tantos elem ents novos sobre 0 periodo da histéria contempordnea da Ale- manha que foi mais intensamente investigado, é porque seu potencial do- Cumental_e_heuristicovai_além dos aperfeigoamentos técnicos de uma simples “cigncia auxiliar", podendo, desde que utilizado com conhecimento de causa, desembocar num verdadeiro salto qualitativo, Quaisquer que sejam as precau s No emprego dos depoimentos orais,!2 como historiador modernista iio posso deixar de assinalar (com certo despeito) o contraste entre as limitagées das rarissimas entrevistas (freqiientemente arrancadas sob violéncia judicidria, inquisitorial ou policial) ou histérias de vida (deixadas somente pelos que sabiam e tinham vontade de escrever) que encontramos nos arquivos e as possibilidades quase infinitas e a representatividade bem maior das entrevistas e histérias de vida suscitadas pela pesquisa oral.)? Um convite @ pertinéncia Existe, enfim, uma terceira razdo que faz com que a comparacao com uma ciéncia auxiliar seja ainda menos convincente: em contraste com a arqueologia ou a demografia histérica, que no podem fazer mais do que suscitar novos objetos e uma nova documentacio, a histéria oral nao somente suscita novos objetos e uma nova documentacdo (os “arquivos orais”, to caros a D. Schnapper), como também estabelece uma relacdo original entre o historiador e 0s sujeitos da hist6ria. Que essa relacao, di- ferente daquela que © historiador mantém com uma documentacio ina- nimada, é de certa forma mais perigosa e temivel, nem é preciso lembrar: uma testemunha nao se deixa manipular tao facilmente quanto uma série estatistica, e 0 encontro_propiciado pela entrevista gera interagées sobre as quais 0 historiador tem somente um dominio parcial. Donde as decepcées, os desencantos, as crises e até os fracassos que marcam a histéria ainda 2 Sobre os problemas priticos € tedricos ligados A constituigio dos “relatos de vida” e, em geral, das entrevistas narrativas, ver a util reflexdo critica de Heinz Bude, Der Sozialfoscher als Narrationsanimateur: Kritisch Anmerkungen zu einer erzahltheoretischen Fundierung der interpretativen Sozialforschung. Kner Zeitschrift fiir Soziologie und _Sozialpsychologie (37):327-36, 1985. ; : "9 Quanto a este ponto, ver as observagoes pertinentes de Lutz Niethammer na introdugao Es war einmal... Vom Wandel mindlicher Uberlieferung, do mimero de maio/junho de 1984 do Journal fiir Geschichte, consagrado especialmente & histéria e as tradigdes orais (p. 8-10). USO & ABUSOS DA HISTOR gy, 10 ; recente da histdria oral, desde a_recusa em responder até a decisao to. mada ha alguns anos por uma equipe de Tabingen de interromper a pes. quisa que iniciara sobre 0 nazismo num vilarejo da Sudbia, depois due se percebeu que as lembrangas evocadas podiam comprometer ttremediavel, mente a paz dos lares. Sendo assim, parece-me, contudo, que a histérig oral, precisamente na medida em que se constitui num encontro com sy. jeitos da historia, pode contribuir para reformular_o eterno Problema da pertinéncia social da histéria e também o do lugar e do Papel do. histo. riador na cidade: por isso mesmo ela pode representar para a histéria, co. mo disciplina, uma chance que nao se deve subestimar. Para corroborar essa afirmagdo geral, gostaria de apresentar um alemfo. Nas origens dessa experiéncia exemplo, desta vez austriaco, e néo instrutiva quanto bem-sucedida, est4 apaixonante e que considero tanto um problema historiografico banal. Estudando jé ha varios anos, numa perspectiva de histéria social e de demografia histérica quantitativas, a evolucdo das estruturas familiares da Europa central do perfodo moderno ao inicio do nosso século, Michael Mitterauer, titular da cadeira de his- toria econémica e social da Universidade de Viena, ficou impressionado com © contraste entre a enorme importancia, em todos os estados, da po- pulacéo que ele inclui na rubrica “trabalhadores diaristas, domésticos e criados” e 0 extremo laconismo, para nao dizer mutismo, da documen- tagdo escrita no tocante a toda essa parte da antiga sociedade rural. Di- ante da insuficiéncia gritante de sua documentacéo habitual, Mitterauer decidiu recorrer ao que, de inicio, para ele nao passava de um paliativo (ou, para usar a comparagio de L. Niethammer, uma ciéncia auxiliar): no caso, a pesquisa oral. Com a ajuda de estudantes do seu semindrio, ele organizou, para colher depoimentos, varios encontros com pessoas idosas que viviam em Viena mas eram oriundas do proletariado rural, nascidas € criadas no campo, no fim do século passado e no inicio deste. Ora, es- ses encontros logo deram origem a uma dindmica inesperada e impetuosa, que levou_historiadores e depoentes muito além dos objetivos iniciais. De fato, ndo sé eles atrafram a atengdo dos pesquisadores para aspectos da condigdo rural até entao insuficientemente considerados (em particular, 0 problema da ilegitimidade),!4 mas sobretudo suscitaram entre as pessoas % Sobre a histéria da ilegitimidade (particularmente da ilegitimidade rural maciga na Europa central no século XIX), ver: Mitterauer, Michael. Ledige Miitter Zur Geschichte unehelicher Ge- burten in Europa (Miinchen, 1983), A FrCUNOI ADE DA HISTORIA O ww FAL n entrevistadas rea “oes emocionais muito fortes, sempre que elas se viam controntidas cont aspeetos sensiveis (e enterrados) de sua juventude (po- breza,_privagio, miséria, dependéncia, incerteza do futuro etc.), desper- tundo-Thes assim a vontade de partici par ativamente da pesquisa em curso lora de recuperagio de sua prépria histéria teprimida e, portanto, de redescoberta de identidade — e levando os his- toriadores a Huma perspectiva emanci se interrogarem sobre sua maneira de relacionar-se e comu- nicarse com aqueles cuja histéria esto escrevendo. sa_dindmica, por sua vez, resultou em duas iniciativas, Primeiro - depois que uma mulher de cerca de 80 anos, que ouvira falar da pes- quisa, entregou a M, Mitterauer 0 relato de sua infancia e juventude no campo como doméstica — 0 lan amento de uma série de publicagdes reu- nindo autobiografias © relatos de vida inéditos (mas, em geral, redigidos com a ajuda de historiadores profissionais) de antigos proletarios rurais.!5 Depois, um programa de ridio co-dirigido por M. Mitterauer, no qual as pessoas que vinl 4m ler trechos dos seus relatos de vida dialogavam sobre © mesmo assunto com historiadores especialistas na questio; alids, esse programa logo se tornou muito popular No todo, portanto, uma expe- rigncia cuja conseqiiéncia foi dupla: por um lado, gracas ao apelo feito as testemunhas ¢ As autobiografias assim suscitadas (mais ou menos como J. Ozouf procedera em sua pesquisa sobre os professores primérios), a cons- tituigio de um abundante corpus documental sobre um campo histérico mal conhecido; por outro, a experimentagao, pelos historiadores, de novas formas de intervengiio e de comunicagéo & margem das formas habituais do ensino e da pesquisa, mais participativas do que académicas, porém cientificamente tio rigorosas quanto as precedentes.1© ste exemplo bem-sucedido de histéria “participativa”, na qual o historiador & nao sé aquele que induz a um depoimento emancipador, mas 18 Q primeiro volume dessa série é a autobiografia pungente, sdbria e de tom muito pessoal de Maria Gremel, Mit neun Jahren im Dienst. Mein Leben im Stiibl und am Bauernhof 1900- 1930 (Wien, 1983), © titulo dado A colegio, Damit es nicht verloren geht..., mostra bem a intengio de preservar uma meméria em perigo. 16 sobre essa experiéncia, ver 0 artigo de Michael Mitterauer, Aber arm wollte ich nicht sein, na coletinea organizada por Hubert Ch. Ehalt, Geschichte von unten. Fragestellungen, Metho- den und Projekte einer Geschichte des Alltags (Wien, 1984. p. 143-62). Ver na mesma cole- 14 a introducao do editor, Geschichte von unten (p. 11-40), ou ainda a contribuicdo de tines Heimut Konrad, Neue Wege in Forschung und Vermittlung von Geschichte (p. 41-38). gM ARUSOS UA Hist o, 12 1 de um bom especialista EM sua dix, ¢ depoimento nao Seys apenas ing; resto, ainda mj, : se trat com que ess também — contanto qt sobre si mesmo, Jativizar a conh ente ade cognitiva € finalidade py. me, de scida antinomia plina — aquele que pare tre histori, vidual e fechado interessante porque leva a rel aa militante e histéria cientifica, entre finali¢ eee litica da historia. E se é verdade qu ainda hoje a h aol pevar des ie dl ‘a aises germanicos (Ale. dos “desencantos” dos tiltimos anos, conserva nos paises ge ‘min s (Al anha, fc i) e também na Italia um cq manha, Austria e até mesmo a Suiga alemé) € também na Itdlia um cz ‘ do do que na Franga, isto se di te permane rater militante muito mais pronuncia a seguramente ao fato de que nesses paises, cuja histéria rec : al pelo nazismo e pelo fascismo, cla tem mais marcada de mancira indelé F condigées de contribuir para que se libere o que estd reprimido € se ¢ prima o inexprim{vel. Por isso mesmo a histria oral tem uma fungao pro- priamente politica de purgagdo da meméria, de “luto” ou, como se diz em alemao, de Vergangenheitsbewaltigung.’” Duas observacées mais alusivas serviréo para concluir essa breve intervengao. A primeira é que, mesmo tendo perdido suas primeiras ilu- sdes, a historia oral ainda pode ser fecunda. Deixando por ora 0 campo da histéria do tempo presente, tomarei, para apoiar essa primeira afir- macao, um exemplo da historia do século XIX, 0 dos irmaos Grimm. E sa- bido que, no inicio do século passado, Jakob e Wilhelm Grimm, em sua utopia populista, percorreram a regio do Weser para levantar a tradicao oral germanica em sua autenticidade imediata e original e reproduzi-la Por escrito. Ora, desde entéo provou-se que os contos, que eles conside- Tavam a mais verdadeira expresséo da alma alema, eram em sua maioria exatamente 0 contrario, pois tratava-se de fato de contos de origem fran- cesa € escrita, trazidos para a regiéio no fim do século XVII por hugue- notes expulsos pela revogacéo do Edito de Nantes. E dificil imaginar desilusdo mais completa. Devemos, por isso, falar em fracasso? Em ab- ¥7 Para uma boa descricio dos riscos politicos e sociais de um trabalho sobre a meméria por melo de um didlogo entre as geragdes — e, portanto, de uma espécie de historia oral es- Pontanea, de base —, ver o ensaio perspicaz de Lothar Baier, Un Allemand né de la derniére suerre, Essai d lusage des Frangais (Bruxelles, 1985). A FECUNDIDADE DA HISTORIA ORAL 13 soluto, pois 0 abandono das hipéteses explicativas que guiaram a inves- tigagdo dos irmaos Grimm suscita por sua vez uma série de questées Novas que revigoram a pesquisa, como as questdes sobre as formas de transferéncia cultural entre Franga e Alemanha, bem como entre cultura escrita e cultura oral, ou ainda as questdes sobre o poder da popularidade dos contos de Grimm, suas fungées e aquilo de que so a expressdo.!8 Minha segunda observagao serd para assinalar — ao contrario das diatribes espalhadas nos meios académicos alemies por H. W. Wehler contra © neopositivismo da Alltagsgeschichte e sua pretensa rentincia a qualquer exigéncia tedrica — que conheco poucos setores da pesquisa his- torica que atualmente esclaregam melhor do que a histéria oral como a pesquisa empfrica de campo e a reflexio tedrica sobre as problemiticas e 0s métodos esto indissociavelmente ligadas, e que demonstrem de ma- neira mais convincente que 0 objeto histérico é sempre o resultado de sua elabora (© pelo historiador: em suma, que a histéria & construgdo. Em- bora nao seja praticante da histéria oral, reconhego de bom grado que aprendi muito sobre a historia e a profissdo de historiador gracas a his- t6ria oral. 18 Sobre a histéria particuk..uente complexa dos contos de Grimm, ver, a titulo de in- troducao, 0 artigo de Dietz-Ridiger Moser, Keine unendliche Geschichte. Die Grimm'schen Marchen — eine Treppe in die Vergangenheit? Journal fiir Geschichte (3):18-23, 1984, bem como as observacdes de Arthur E, Imhof, Die verlorenen Welten.... 1984:70-1, e Darnton, Robert. Le grand massacre des chats: attitudes et croyances dans Vancienne France. Paris, 1985. p. 17-8, cap. 1: Contes paysans; les significations de Ma Mére l’Oye.

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