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ENTREVISTA
OS LIMITES DE NOSSO AUTO-RETRATO.
ANTROPOLOGIA URBANA E GLOBALIZAÇÃO
Ulf Hannerz
Ulf Hannerz é Professor Titular do Ins- interessado pela África, e isso, de vez
tituto de Antropologia Social da Uni- em quando, vem à tona em meus traba-
versidade de Estocolmo. Desde seu tra- lhos. De qualquer forma, quais teriam
balho clássico acerca de um bairro ne- sido, então, os principais textos que me
gro em Washington – Soulside. Inquiries influenciaram? Isso certamente variou
into Ghetto Culture and Community, desde que comecei a estudar antropo-
de 1969 – até seu último livro sobre a logia, em 1961. No começo, eu me im-
vida transnacional – Transnational Con- pressionei muito com a antropologia so-
nections. Culture, People, Places, de cial britânica, e, por volta do fim dos
1996 –, Hannerz tem sido um dos no- anos 60 e início dos 70, particularmente
mes mais influentes na antropologia com a Escola de Manchester, Gluck-
urbana, teoria da cultura e nos debates man, Mitchell e outros. Eu gostava das
contemporâneos acerca da globalização noções de estrutura social, de morfolo-
e das temáticas transnacionais. Atual- gia social, da questão de como as socie-
mente Hannerz desenvolve uma pes- dades se articulam, e meu interesse pe-
quisa sobre jornalistas que trabalham las redes de relações [networks] fazia
como correspondentes internacionais. parte desse sentimento.
Esta entrevista foi concedida a Fer- Então, no começo dos anos 60, eu
nando Rabossi no gabinete de trabalho passei um período muito fértil nos Esta-
de Hannerz, em 16 de abril de 1998. dos Unidos, como aluno de pós-gradua-
ção. Comecei ali a ampliar minhas lei-
Rabossi turas, estendendo-as a disciplinas vizi-
O senhor tende a não ser considerado nhas, especialmente à sociologia. Li
um antropólogo tradicional, provavel- bastante do interacionismo simbólico,
mente por não trabalhar com as chama- quase tudo que Erving Goffman escre-
das sociedades “primitivas”. Quais são, veu, além de outros. Devo mencionar
nesse sentido, os autores e as tendências também Clifford Geertz, que foi impor-
intelectuais que mais o influenciaram? tante para minhas reflexões sobre cul-
tura: eu apreciava seu estilo quase en-
Hannerz saístico; imagino que gostei de Robert
Talvez eu seja um antropólogo mais tra- Redfield pelas mesmas razões. Estou
dicional do que se pensa. Eu me aproxi- certo de que muitas outras coisas tam-
mei da antropologia devido a um inte- bém me influenciaram, como fragmen-
resse pela África que estava marcado tos, pedaços, que eu dificilmente pode-
por um interesse especial no que então ria identificar agora, mas que para mim
se chamava de “mudança social”. Na se combinaram de uma maneira talvez
verdade, ainda estou particularmente um tanto idiossincrática.
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cações mais gerais, mais programáticas, ram muito influentes, e uma da provas
da antropologia acerca da relevância de é que foram traduzidos em vários idio-
sua perspectiva, assim como tenho ten- mas. De fato, boa parte do argumento
tado testar os limites desse nosso auto- soa persuasiva; mas há vários argumen-
retrato antropológico. Por um bom tem- tos e pressupostos que não somos obri-
po, o procedimento operacional padrão gados a aceitar. De modo geral, as uni-
da antropologia pressupunha, antes de dades civilizacionais de Huntington es-
tudo, uma pesquisa em campos conven- tão calcadas em religiões, particular-
cionais, sociedades de pequena escala mente nas principais religiões do mun-
e quase homogêneas, ao mesmo tempo do, que são consideradas estáveis, mais
em que pretendia se afirmar como estu- ou menos atemporais, e básicas para as
do da humanidade. Imagino, então, que identidades das pessoas – totalizantes,
minha questão em geral tenha sido a poderíamos dizer. Minha concepção de
seguinte: se esses são os nossos concei- cultura tal qual organizada no mundo
tos gerais, como é que eles se adequam de hoje supõe que, em grande parte,
a situações para as quais não foram ori- ela é fluida, não atemporal, e que, no
ginalmente desenvolvidos? Devemos que diz respeito às identidades, não é
rejeitá-los, ou podemos redefini-los, ou nada óbvio que aquilo com que as pes-
ainda estendê-los de alguma forma? soas se identificam seja o mais durável.
Minha visão distributiva da cultura, por Algumas pessoas podem se identifi-
exemplo, é um modo de estender o con- car fortemente com uma cultura de ju-
ceito de cultura, e de tentar salvá-lo, em ventude; outras com uma profissão; ou-
vez de dizer que ele não é bom, que de- tras ainda com uma classe, e assim por
vemos descartá-lo. diante. Da mesma forma, no seio dessas
entidades civilizacionais há uma orga-
Rabossi nização da diversidade, debates inter-
Lembro-me do que o senhor disse a res- nos em andamento, superposições e
peito de Huntington e suas unidades ci- transversalidade de ligações, que co-
vilizacionais. Artigos recentes, que fo- nectam de modo bastante firme pessoas
calizam especialmente os artifícios re- de uma civilização com aquelas de ou-
tóricos utilizados para apoiar a discri- tras civilizações. Para mim, é interes-
minação e o racismo, alertam para a sante, e ao mesmo tempo curioso, que
culturalização das diferenças – penso Huntington esteja agora retornando a
particularmente na discussão de Vere- autores como Spengler e Toynbee a fim
na Stolcke sobre “fundamentalismo de encontrar as bases de sua visão das
cultural” (Talking Culture: New Boun- civilizações. Recordo, então, que Alfred
daries, New Rethorics of Exclusion in Kroeber, um antropólogo clássico que
Europe, de 1995). Como se pode contes- escreveu sobre civilizações, já havia ar-
tar esses discursos sem colocar de lado gumentado que teorias da civilização
o conceito de cultura? como estas subestimam de antemão os
fluxos culturais entre as civilizações.
Hannerz Creio que deveríamos recomeçar desse
Evidentemente, o livro de Huntington ponto.
(The Clash of Civilizations and the Re- Evidentemente, os antropólogos ten-
making of the World Order, de 1996) – dem a reclamar de Huntington e de sua
bem como o artigo de Foreign Affairs influência na arena pública. O proble-
do qual ele é um desenvolvimento – fo- ma, a meu ver, é que para enfrentá-lo
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