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MANA 5(1):149-155, 1999

ENTREVISTA
OS LIMITES DE NOSSO AUTO-RETRATO.
ANTROPOLOGIA URBANA E GLOBALIZAÇÃO
Ulf Hannerz

Ulf Hannerz é Professor Titular do Ins- interessado pela África, e isso, de vez
tituto de Antropologia Social da Uni- em quando, vem à tona em meus traba-
versidade de Estocolmo. Desde seu tra- lhos. De qualquer forma, quais teriam
balho clássico acerca de um bairro ne- sido, então, os principais textos que me
gro em Washington – Soulside. Inquiries influenciaram? Isso certamente variou
into Ghetto Culture and Community, desde que comecei a estudar antropo-
de 1969 – até seu último livro sobre a logia, em 1961. No começo, eu me im-
vida transnacional – Transnational Con- pressionei muito com a antropologia so-
nections. Culture, People, Places, de cial britânica, e, por volta do fim dos
1996 –, Hannerz tem sido um dos no- anos 60 e início dos 70, particularmente
mes mais influentes na antropologia com a Escola de Manchester, Gluck-
urbana, teoria da cultura e nos debates man, Mitchell e outros. Eu gostava das
contemporâneos acerca da globalização noções de estrutura social, de morfolo-
e das temáticas transnacionais. Atual- gia social, da questão de como as socie-
mente Hannerz desenvolve uma pes- dades se articulam, e meu interesse pe-
quisa sobre jornalistas que trabalham las redes de relações [networks] fazia
como correspondentes internacionais. parte desse sentimento.
Esta entrevista foi concedida a Fer- Então, no começo dos anos 60, eu
nando Rabossi no gabinete de trabalho passei um período muito fértil nos Esta-
de Hannerz, em 16 de abril de 1998. dos Unidos, como aluno de pós-gradua-
ção. Comecei ali a ampliar minhas lei-
Rabossi turas, estendendo-as a disciplinas vizi-
O senhor tende a não ser considerado nhas, especialmente à sociologia. Li
um antropólogo tradicional, provavel- bastante do interacionismo simbólico,
mente por não trabalhar com as chama- quase tudo que Erving Goffman escre-
das sociedades “primitivas”. Quais são, veu, além de outros. Devo mencionar
nesse sentido, os autores e as tendências também Clifford Geertz, que foi impor-
intelectuais que mais o influenciaram? tante para minhas reflexões sobre cul-
tura: eu apreciava seu estilo quase en-
Hannerz saístico; imagino que gostei de Robert
Talvez eu seja um antropólogo mais tra- Redfield pelas mesmas razões. Estou
dicional do que se pensa. Eu me aproxi- certo de que muitas outras coisas tam-
mei da antropologia devido a um inte- bém me influenciaram, como fragmen-
resse pela África que estava marcado tos, pedaços, que eu dificilmente pode-
por um interesse especial no que então ria identificar agora, mas que para mim
se chamava de “mudança social”. Na se combinaram de uma maneira talvez
verdade, ainda estou particularmente um tanto idiossincrática.
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Rabossi alguns antropólogos tenham se preocu-


Ao sugerir uma compreensão distributi- pado com a questão da distribuição.
va da cultura como estrutura de pers- No que diz respeito à atividade hu-
pectivas, parece-me que o senhor tenta mana [agency]… bem, para mim, talvez
incorporar dois aspectos críticos de uma a pertinência dessa idéia se deva em
teoria da cultura: a relação entre cultu- parte ao meu próprio individualismo, já
ra e estrutura social – com a ênfase na que acredito que as pessoas pensam
distribuição – e a relação entre cultura e por si mesmas e agem por conta pró-
atividade humana [agency] – com a ên- pria. Além disso, creio que minhas pes-
fase nas perspectivas. quisas de campo, tanto em Washington
quanto na Nigéria, se deram em situa-
Hannerz ções nas quais a cultura não estava tão
Bem, em primeiro lugar, gostaria de estreitamente estruturada, em que ha-
ressaltar que penso em “perspectivas” via uma boa margem de ambigüidade
como um conceito distributivo também, cultural e alguma necessidade de adap-
embora o interesse na atividade huma- tação individual ou algum espaço de
na [agency] também esteja presente. manobra. Meu interesse na “criouliza-
Na verdade, meu interesse em um en- ção” reflete essa situação. Se eu tivesse
tendimento distributivo da cultura tem trabalhado em uma sociedade um pou-
muito a ver com o que disse antes sobre co mais “tradicional”, mais homogênea,
o sentido de estrutura social que encon- eu não teria, talvez, me preocupado
trei na antropologia social britânica. tanto com esses temas. Assim, creio que
Mas isso tinha de ser combinado com a ênfase na atividade humana [agency]
uma visão da cultura como processo… se deve, em parte, a mim e, em parte,
Devo mencionar uma influência em às próprias situações sociais com as
particular, mais uma vez fora da antro- quais trabalhei.
pologia stricto sensu. Na mesma época
em que estava envolvido com meu pri- Rabossi
meiro trabalho de campo, em Washing- A crítica da visão do mundo como um
ton, li The Social Construction of Real- mosaico permeia seus trabalhos, e a vi-
ity, de Peter Berger e Thomas Luck- são de mundo alternativa aí proposta
mann, e para mim foi importante tê-lo parece enfatizar a interconectividade.
lido em um momento tão estratégico. É Quais são as implicações dessa idéia?
claro que minha perspectiva distributi- Trata-se apenas de uma questão que
va da cultura está relacionada, em ter- reflete a condição do mundo atual ou se
mos gerais, com algum tipo de sociolo- trata de uma questão teórica?
gia do conhecimento, já que o termo
“perspectiva” emerge dessa tradição; Hannerz
mas a ênfase no caráter processual em Você tem razão, isto aparece tanto em
particular deve-se a Berger e Luck- meus estudos urbanos quanto nos trans-
mann. De maneira geral, meu interesse nacionais. Provavelmente há uma gran-
em perspectivas tem a ver com uma in- de dose de variação empírica no mun-
satisfação com a tendência da antropo- do, que em alguns lugares se manifes-
logia clássica – que se estende até mes- ta mais como um mosaico de unidades
mo a Geertz – em homogeneizar as pes- distintas e interligadas e, em outros,
soas em termos culturais. E isso ainda mais como interconectividade. Minha
que, pelo menos desde Edward Sapir, posição, contudo, deve-se, em grande
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parte, às experiências de campo. Quan- Rabossi


do fui trabalhar em uma cidade nigeria- Em seu último livro, o senhor critica a
na, tinha a convicção um tanto conven- dicotomia entre o local e o global mais
cional de que faria um estudo local da ou menos nos termos de uma crítica à
vida na cidade. No entanto, após certo reificação do local…
tempo, percebi que as pessoas estavam
interessadas em mim e em minhas ex- Hannerz
periências, pois, de tempos em tempos, Certo, creio que há um sério risco de que
elas vinham com propostas do tipo: “po- reifiquemos o local, mas há também um
deríamos começar um negócio de im- risco semelhante que é o da reificação
portação-exportação juntos?” ou “você do global. Em síntese, como eu já disse,
poderia levar meu brilhante sobrinho quando retomo minhas primeiras im-
para sua universidade no exterior?” As- pressões acerca de uma das tendências
sim, eles me fizeram entender, das mais da antropologia social britânica, penso
variadas formas, que seus horizontes se que aí aprendi a ver o mundo e a socie-
estendiam para além dos limites da ci- dade como constituídos por relações so-
dade. ciais: a visão relacional se torna mais
Ao longo de sua história, a antropo- fundamental do que os pressupostos so-
logia tem oscilado entre orientações que bre espaço e localidade. É certo que as
enfatizam a abertura e orientações que relações podem se estender através de
enfatizam o fechamento, de forma que, um espaço maior ou menor, mas pode-
em parte, trata-se de uma questão teó- se lidar com elas através de um arca-
rica. No entanto, dadas as atuais condi- bouço conceitual flexível, em vez de ter-
ções do mundo, penso que precisamos minar com uma dicotomia mistificadora.
trabalhar mais com a etnografia, com a
análise, e até mesmo com o vocabulário Rabossi
da interconectividade, pois boa parte No que diz respeito ao debate acerca do
das pessoas no mundo hoje estão envol- impacto cultural da globalização e dos
vidas em vários tipos de mobilidade fluxos transnacionais de significado, o
geográfica, além da existência da mídia senhor tem sido um dos críticos da tese
e de instituições educacionais muito da homogeneização. Poderia explicar
semelhantes pelo mundo afora – o que sua posição, especialmente no tocante
não se adequa à imagem do mosaico. à idéia da crioulização?
Eu e algumas outras pessoas temos uti-
lizado a noção de “fluxos”, metáfora Hannerz
que me parece conduzir efetivamente Você sabe, quando comecei meu traba-
para uma preocupação com os proces- lho de campo em uma pequena cidade
sos que se desenrolam no espaço e no no interior da Nigéria em meados da
tempo. Evidentemente, na medida em década de 70, havia de fato duas visões
que se considera o espaço, eu não ne- principais acerca da interconectividade.
garia de forma alguma que processos Uma delas era a abordagem do sistema
locais ainda possuam um certo peso, mundial, de Immanuel Wallerstein, que
uma vez que ainda gastamos muito do na época não tinha realmente muito a
nosso tempo em um único espaço, que dizer sobre a cultura – e eu não culpo
freqüentemente abriga a maioria das Wallerstein, seus interesses eram ou-
pessoas realmente significativas para tros. A outra visão, que tinha muito a
nós: parentes, amigos etc. ver com a política do momento, enfati-
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zava o “imperialismo cultural”. Era uma mais línguas historicamente distintas –


crítica da dominação ocidental que su- por exemplo, a combinação de uma ou
geria que a interconectividade ope- mais línguas africanas com o português,
rante sob essa dominação levaria a uma inglês, ou francês. E essas situações
homogeneização cultural. Havia ainda, tendiam a envolver desigualdades so-
do outro lado do espectro político, uma ciais, com a língua européia em cima e
teoria da modernização que, se não era a língua africana em baixo, formando,
mais tão forte quanto antes, era ainda de todo modo, um continuum com di-
uma teoria da homogeneização global. ferentes camadas de línguas mistura-
Quando eu estava naquela cidade das entre as formas extremas. A noção
nigeriana, comecei a pensar que o que de crioulização combinava, então, uma
faltava a todas essas perspectivas era compreensão das formas de linguagem,
algo que desse conta do tipo de mistura da desigualdade social e das estruturas
cultural que eu tinha diante de mim, e centro-periferia. É claro que não se po-
que teríamos de achar uma maneira de de sempre traduzir a teoria lingüística
falar sobre isso. Como eu já disse, meu para a teoria cultural, mas me parecia
primeiro interesse na antropologia foi a que nesse caso eu havia encontrado um
mudança cultural e social – aquilo que modo de relacionar forma cultural a es-
na antropologia norte-americana foi trutura social – como eu já disse, através
chamado de “aculturação”. No entanto, de um tipo de compreensão distributiva.
por várias razões, esse conceito mais ou Pode-se dizer, talvez, que você te-
menos caiu em desuso. Pensei, então, nha razão: em certo sentido, ao criticar
que tínhamos de encontrar um modo de as perspectivas da homogeneização, eu
descrição apropriado a esse tipo radical tomei parte em um debate. Mas eu gos-
de mistura cultural, que contivesse, de taria ainda de enfatizar que grande par-
preferência, uma dimensão socioestru- te do que quer que represente meu tra-
tural. Dois fatores me levaram à idéia balho teórico vem da minha experiên-
de “crioulização”. Um deles é o fato de cia etnográfica. Mesmo que parte desse
que vários antropólogos tinham usado a trabalho possa parecer um tanto pós-
noção – especialmente Lee Drummond, moderno, por exemplo, o certo é que eu
em um artigo que escreveu sobre a nem mesmo estava ciente de alguma
Guiana para a revista que então ainda coisa chamada pós-modernismo quan-
se chamava Man (The Cultural Conti- do comecei a pensar sobre meu mate-
nuum: A Theory of Intersystems, de rial nigeriano. E eu não sou o tipo de
1980). Drummond enfatizava a idéia de “debatedor” que se serve de toda e
um continuum crioulo, noção inovadora qualquer oportunidade para argumen-
que fazia eco às minhas próprias expe- tar acerca de discordâncias, ou mesmo
riências anteriores. Meu primeiro tra- pura e simplesmente sobre mal-enten-
balho de campo em Washington, nos didos ou deturpações. Algumas vezes
anos 60, estava ligado a um projeto so- eu simplesmente acho o resto do mundo
ciolingüístico cujo resultado foi uma es- mais interessante do que a academia.
treita interação com lingüistas, inclusi- Deixe-me dizer ainda mais uma coi-
ve com dois crioulistas. Herdei desse sa a respeito da sua questão inicial,
contato uma certa consciência da criou- quando você diz que eu não exerceria a
lização como fenômeno sociolingüísti- forma clássica ou ortodoxa de antropo-
co: a idéia de que algumas línguas sur- logia. Creio que na maior parte do tem-
giram de uma combinação de duas ou po tenho levado a sério certas reivindi-
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cações mais gerais, mais programáticas, ram muito influentes, e uma da provas
da antropologia acerca da relevância de é que foram traduzidos em vários idio-
sua perspectiva, assim como tenho ten- mas. De fato, boa parte do argumento
tado testar os limites desse nosso auto- soa persuasiva; mas há vários argumen-
retrato antropológico. Por um bom tem- tos e pressupostos que não somos obri-
po, o procedimento operacional padrão gados a aceitar. De modo geral, as uni-
da antropologia pressupunha, antes de dades civilizacionais de Huntington es-
tudo, uma pesquisa em campos conven- tão calcadas em religiões, particular-
cionais, sociedades de pequena escala mente nas principais religiões do mun-
e quase homogêneas, ao mesmo tempo do, que são consideradas estáveis, mais
em que pretendia se afirmar como estu- ou menos atemporais, e básicas para as
do da humanidade. Imagino, então, que identidades das pessoas – totalizantes,
minha questão em geral tenha sido a poderíamos dizer. Minha concepção de
seguinte: se esses são os nossos concei- cultura tal qual organizada no mundo
tos gerais, como é que eles se adequam de hoje supõe que, em grande parte,
a situações para as quais não foram ori- ela é fluida, não atemporal, e que, no
ginalmente desenvolvidos? Devemos que diz respeito às identidades, não é
rejeitá-los, ou podemos redefini-los, ou nada óbvio que aquilo com que as pes-
ainda estendê-los de alguma forma? soas se identificam seja o mais durável.
Minha visão distributiva da cultura, por Algumas pessoas podem se identifi-
exemplo, é um modo de estender o con- car fortemente com uma cultura de ju-
ceito de cultura, e de tentar salvá-lo, em ventude; outras com uma profissão; ou-
vez de dizer que ele não é bom, que de- tras ainda com uma classe, e assim por
vemos descartá-lo. diante. Da mesma forma, no seio dessas
entidades civilizacionais há uma orga-
Rabossi nização da diversidade, debates inter-
Lembro-me do que o senhor disse a res- nos em andamento, superposições e
peito de Huntington e suas unidades ci- transversalidade de ligações, que co-
vilizacionais. Artigos recentes, que fo- nectam de modo bastante firme pessoas
calizam especialmente os artifícios re- de uma civilização com aquelas de ou-
tóricos utilizados para apoiar a discri- tras civilizações. Para mim, é interes-
minação e o racismo, alertam para a sante, e ao mesmo tempo curioso, que
culturalização das diferenças – penso Huntington esteja agora retornando a
particularmente na discussão de Vere- autores como Spengler e Toynbee a fim
na Stolcke sobre “fundamentalismo de encontrar as bases de sua visão das
cultural” (Talking Culture: New Boun- civilizações. Recordo, então, que Alfred
daries, New Rethorics of Exclusion in Kroeber, um antropólogo clássico que
Europe, de 1995). Como se pode contes- escreveu sobre civilizações, já havia ar-
tar esses discursos sem colocar de lado gumentado que teorias da civilização
o conceito de cultura? como estas subestimam de antemão os
fluxos culturais entre as civilizações.
Hannerz Creio que deveríamos recomeçar desse
Evidentemente, o livro de Huntington ponto.
(The Clash of Civilizations and the Re- Evidentemente, os antropólogos ten-
making of the World Order, de 1996) – dem a reclamar de Huntington e de sua
bem como o artigo de Foreign Affairs influência na arena pública. O proble-
do qual ele é um desenvolvimento – fo- ma, a meu ver, é que para enfrentá-lo
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devemos tentar produzir formulações Nesse meu último livro, há um capítulo


que estejam de alguma forma na mes- acerca do papel cultural das cidades do
ma escala que as suas. Responder ape- mundo, inspirado em um artigo clássico
nas com as narrativas minuciosas que de Redfield e Singer (The Cultural Role
tendemos a privilegiar na maior parte of Cities, de 1954). A meu ver, boa parte
da nossa literatura acadêmica, não é de da antropologia transnacional está ba-
grande valia. Devemos afirmar uma ma- seada nas cidades – ou pelo menos, es-
crovisão antropológica do mundo com a tas são o locus da maior parte da ação.
qual possamos estar razoavelmente sa- Há, também, uma ênfase na conceptua-
tisfeitos e que possa, além disso, ser lização relacional. Creio que as coisas
compreendida por um público mais am- que escrevi, no começo dos anos 80, em
plo. Parece-me que há muito tempo não meu livro sobre antropologia urbana –
temos feito isso. Exploring the City. Inquiries Toward an
Em resumo, como podemos nos opor Urban Anthropology, de 1980 – estão
ao fundamentalismo cultural? Por meio bastante próximas do que estou fazen-
de uma desmistificação do conceito do agora. Quanto ao que a antropologia
de cultura: tornando-o mais proces- urbana deveria estar fazendo agora…,
sual, por um lado, e, por outro, ligando- bem, estou um pouco desapontado com
o mais estreitamente à atividade huma- o fato de a antropologia urbana ter con-
na [agency], em vez de a algum tipo de tribuído tão pouco para o pensamento
fatalismo determinista. antropológico mais geral. De meu pon-
to de vista, por exemplo, as cidades de-
Rabossi veriam ser os lugares estratégicos para
Em seu último livro, o senhor escreveu pensar a cultura em termos de uma or-
algo sobre o movimento que o levou da ganização da diversidade. Mas o que se
antropologia urbana à antropologia da verifica, em grande parte, da primeira
vida transnacional. Essa mudança está fase da antropologia urbana é que esta
clara em sua produção, mas o que ela se esquiva, buscando as menores e
significa para o senhor em termos teóri- mais homogêneas camadas de vida na
cos? Qual é o lugar da cidade na ecú- cidade, bairros étnicos etc., e perceben-
meno global que o senhor tem em men- do-as isoladamente, em vez de imersas
te? E, tendo sido um dos grandes nomes na diversidade. A antropologia urbana
da antropologia urbana, qual seria a deveria ter-se concentrado mais em cer-
agenda que o senhor proporia para a tos tipos de coisas que não são tão facil-
antropologia urbana neste momento? mente encontradas em outro lugar que
não a cidade e, ao mesmo tempo, deve-
Hannerz ria ter tentado dar-lhes um sentido teó-
Creio que essa última questão é difícil rico. Temos muitas boas etnografias,
de ser respondida. Quanto à minha pró- mas o trabalho teórico parece ainda não
pria mudança, posso dizer que foi bas- ter sido realizado. Assim, como eu disse
tante simples, dada a importância das antes, os antropólogos urbanos deve-
cidades para a cultura transnacional. riam pensar não somente sobre o que
Quer dizer, a cidade tende a ser o lugar é antropológico na antropologia urba-
onde a relações de distância e curta dis- na, mas também sobre o que ela tem
tâncias coexistem, e onde as pessoas de propriamente urbano. Presumo que
interagem mais intensivamente a par- muitos dos trabalhos urbanos que cha-
tir das combinações dessas relações. maram mais a atenção nos últimos vin-
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te e poucos anos podem não ter sido rapidamente na antropologia, como o


pensados como antropologia urbana. atestam tantos programas de pesquisa,
Em outras palavras, a maior parte da propostas de projetos, teses de douto-
antropologia feita na cidade não tem rado, que abordam de algum modo a
realmente focalizado o urbanismo. Mas “globalização”.
isso foi o que tentei fazer em Exploring Alguns colegas mais velhos dirão:
the City: encontrar as coisas que de al- “olhe, essas pessoas parecem nem co-
guma forma parecessem mais urbanas. nhecer o que foi escrito há anos atrás
sobre aculturação, difusão, moderniza-
Rabossi ção e assim por diante” – eles parecem
E a respeito da “virada global” [global um pouco tristes com o fato de que os
turn] da antropologia, tal qual o senhor jovens estejam, de alguma forma, re-
o coloca em seu último livro…? descobrindo a pólvora. De fato, parece-
me que não seria ruim se mais pessoas
Hannerz se voltassem para os trabalhos antigos,
Não creio que o termo “globalização” que a meu ver são muito interessantes.
estivesse realmente em uso quando co- Mas nesse caso algumas das pessoas
mecei a pensar nessa direção mais sis- mais velhas também diriam: “é claro
tematicamente, a partir de meu traba- que isso é um modismo, alguma outra
lho na Nigéria no fim dos anos 70 e iní- coisa logo será o assunto do mês”. Creio
cio dos 80. Lembro-me que em minha que depois que as implicações gerais
primeira proposta de projeto acerca tenham sido exploradas, a globalização
dessas temáticas, utilizei o termo “siste- será de alguma forma normalizada: ela
ma mundial de cultura”, que sugere, não será necessariamente o problema
sem dúvida, a influência wallersteinia- central por muito tempo. Quando as
na nesse ponto – mas ressalta também, pessoas escolherem os tipos de unida-
que Wallerstein não havia trabalhado des com as quais trabalharão em seus
muito com significados, símbolos etc., projetos, tornar-se-á talvez evidente pa-
uma vez que sua posição estava basea- ra elas que o mundo é uma mistura de
da em uma visão da cultura como ideo- relações locais e de longa distância, e
logia. Creio que o termo “globalização” isso será percebido nas diferentes ca-
só passou para o primeiro plano por vol- madas da vida social com as quais tra-
ta do fim da década de 80. Posterior- balharão. Mas elas não farão muito ba-
mente, é claro, em um debate mais am- rulho em torno disso, e o constraste en-
plo, ele adquiriu uma ênfase fortemen- tre “o global e o local” também não se-
te econômica: a interconectividade dos rá tomado como uma evidência. Quero
mercados e a expansão do capitalismo. dizer com isso que, no futuro, veremos
Penso que alguns de nós lutamos para uma maior variedade de tipos de uni-
que o termo possa significar uma inter- dades a serem estudadas: algumas lo-
conectividade crescente que não é ape- cais, outras combinando relações de di-
nas econômica. Em meu livro Cultural ferente alcance e, talvez, algumas que
Complexity. Studies in the Social Orga- envolvam majoritariamente conexões
nization of Meaning, de 1992 – espe- de longa distância. Haverá, então, uma
cialmente no último capítulo – escrevi normalização da diversidade na esco-
sobre tudo isso, e desde então creio que lha dos problemas e das unidades de
não tenho feito outra coisa. Trata-se de pesquisa antropológica… se houver
um tema que realmente cresceu muito uma antropologia, é claro.

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