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MINISTERIO PUBLICO FEDERAL EXCELENTISSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA, com fundamento nos artigos 102, I, “a” e “p”; © 103, VI, da Constituicdo Federal, e nos dispositivos da Lei 9.868/99, vem propor +=ACAO ODIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de medida liminar, contra a Lei 15.299/2013, do Estado do Cearé, que regulamenta a vaquejada como pritica © desportiva e cultural. 2. A presente inicial segue acompanhada de representagdo formulada pela Procuradoria da Reptblica no Estado do Ceara, bem como de cépia da lei impugnada (art. 3°, parégrafo tinico, da Lei n° 9.868/99). 3. A Lei 15.299/2013 estabeleceu parimetros para a realizacdo de vaquejadas no Estado do Cear4, nos seguintes termos: “LELN? 15.299, 08 de janeiro de 2013. Art.1° Fica regulamentada a vaquejada como atividade des- portiva e cultural no Estado do Ceara. Art.2° Para efeitos desta Lei, considera-se vaquejada todo evento de natureza competitiva, no qual uma dupla de va- queito a cavalo persegue animal bovino, objetivando domi- né-lo. §1° Os competidores sio julgados na competicio pela des- treza e pericia, denominados vaqueiros ou pedes de vaque- jada, no dominar animal. §2° A competicio deve ser realizada em espago fisico apropriado, com dimensdes e formato que propiciem segu- Tanga aos vaqueios, animais ¢ ao piblico em geral. §3° A pista onde ocorre a competico deve, obrigatoria- mente, permanecer isolada por alambrado, nao farpado, contendo placas de aviso e sinalizagéo informando os lo- cais apropriados para acomodacio do pablico. Art, 3° A vaquejada poder ser organizada nas modalidades amadora e profissional, mediante inscricéo dos vaqueiros em tomeio patrocinado por entidade piblica ou privada, ‘como ocorre o transporte Arta? Fica obrigado aos organizadores da vaquejada adotar medidas de protecio A satide e & integridade fisica do pabli- co, dos vaqueiros e dos animais. §1° 0 transporte, o trato, 0 manejo e a montaria do animal utilizado na vaquejada devem ser feitos de forma adequada para nao prejudicar a satide do mesmo. §2° Na vaquejada profissional, fica obrigatéria a presenca de uma equipe de paramédicos de plantio no local durante a realizagao das provas. §3° O vaqueiro que, por motivo injustificado, se exceder no trato com 0 animal, ferindo-o ou maliratando-o de forma intencional, deverd ser excluido da prova. Art.S° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicagio. Art.6° Revogam-se as disposi¢des em contrério.” ww 4, Conforme seré demonstrado adiante, as normas transcritas violam 0 disposto no art. 225, § 1°, VII, da Const ituicdo da Reptblica’ DA FUNDAMENTACAO 5. ‘A Constituicdo da Republica representa um projeto de sociedade que se fundamenta em alguns principios basilares, os quais percorrem todo o texto e conferem sentido e unidade ao complexo de normas ali presentes. A Constituigéo é, pois, um documento que espelha o tipo de sociedade que se almeja ser e que, a0 mesmo tempo, estabelece os mecanismos necessérios para atingir tal finalidade. 6. © projeto de sociedade brasileira, conforme delineado pela assembleia constituinte de 1988, inseriu-se na tradic&o do Estado Democritico de Direito’, aderindo a visio que privilegia a participagio dos cidadios nas insténcias decisérias ¢ retira desse procedimento sua legitimidade’, Os direitos fundamentais sio funcionalmente relevantes para esse modelo na medida em que impedem o esvaziamento e destruicgéo da minoria‘, garantindo a participacao efetiva de todos os individuos: “O avango que o direito constitucional apresenta hoje ¢ resultado, em boa medida, da afirmacio dos direitos 9 fundamentais como niicleo da protegio da dignidade da « Art. 225 Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo © essencial 8 sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Publico ¢ a coletividade 0 dever de defendé-Io preservé- lo para as presentes e futuras geragies. § 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Pabli & VIL - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as priticas que coloquem em risco sua fungio ceolégica, provoquem a extingéo de espécies ou submetam os animais a crueldade. * DE SOUZA, Cléudio; © SARMENTO, Daniel. Direito Consttucional ~ Teoria, Histéria e Métados de Trabalho, Belo Horizonte: Editora Férum, 2013, p. 155, CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: uma justificagdo democritica do controle jurisdicional de canstitucionalidade das leis e do pracesso legislative. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 79. * DESOUZA, Cldudio; e SARMENTO, Daniel. Op, et. p.85. 7. pessoa e da visio de que a Constituigto é 0 local adequado para positivar as normas asseguradoras dessas pretensdes.”° Para além dos diteitos fundamentais que garantem a consolidacio do sujeito de direito (dimenséo negativa) e dos que combatem as desigualdades sociais (dimensio positiva), existem aqueles que protegem ¢ tutelam aquilo que pertence a todos, aquilo que é comum. Trata-se dos chamados direitos da 3* geragio, “denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade”*, nesse contexto que se insere 0 direito ao meio ambiente. 8. O Supremo Tribunal Federal corrobora essa perspectiva: “O direito integridade do meio ambiente — tipico direito de terceira gerago — constitui prerrogativa juridica de titu- laridade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirma- 40 dos direitos humanos, a expressao significativa de um poder atribufdo, néo ao individuo identificado em sua sin- gularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abran- gente, a propria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geragiio (direitos civis e politicos) — que com- preendem as liberdades clissicas, negativas ou formais — realcam o principio da liberdade e os direitos de segunda geracdo (direitos econdmicos, sociais ¢ culturais) — que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas = acentuam o principio da igualdade, os direitos de terceira geracdo, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuidos genericamente a todas as formag6es sociais, con- sagram o principio da solidariedade e constituem um mo- mento importante no processo de desenvolvimento, expan- ‘séo e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponiveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.” (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, Plenério, DJ 17-11-1995.) No mesmo sen- tido: RE 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Tur- ma, DJ 22-9-1995, GONET BRANCO, Pau 2011, p. 153. SARL Consttucional, Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. $11 wy ET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel, Curso de MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 6 edigio. Sio Paulo: Saraiva, Direito 9. A questéo ora em debate envolve conflito entre a preservagio do meio ambiente e a protecio conferida as manifestagdes culturais’ enquanto expressées da pluralidade. A sua solugao requer o exame: (i) da efetiva pratica da vaquejada; (ii) da perspectiva atual sobre o meio ambiente; ¢ (iii) dos limites juridicos as manifestacoes culturais. AS VAQUEJADAS 10. A vaquejada, pratica considerada esportiva e culturalmente fundada no nordeste do Brasil, consiste na tentativa de uma dupla de vaqueiros, montados em cavalos distintos, derrubar um touro puxando-o pelo rabo, dentro de uma érea demarcada. 1. Tal atividade remonta a uma necessidade antiga de fazendeiros daquela regio para reunir 0 gado. Segundo relato de José Euzébio Fernandes Bezerra, os campos das fazendas nio eram cercados e era preciso encontrar todos os animais pertencentes ao respectivo fazendeiro, para que ndo houvesse confusio quanto ao patriménio de cada um. A técnica de derrubar 0 boi se justificava tanto para impedir que eles fugissem como para “algemar” os animais que tinham se tornado rebeldes. Veja-se: “Na verdade, tudo comegou aqui pelo Nordeste com 0 Ci- clo dos Currais. E onde entram as apartagdes. Os campos de criar nao eram cercados. O gado, criado em vastos cam- pos abertos, distanciava-se em busca de alimentacio mais abundante nos fundos dos pastos. Para juntar gado disperso pelas serras, caatingas e tabuleiros, foi que surgiu a aparta- cio. Escolhia-se antecipadamente uma determinada fazen- da e, no dia marcado para o inicio da apartagao, numerosos fazendeiros e vaqueiros devidamente encourados partiam para o campo, guiados pelo fazendeiro anfitrido, divididos © 7 Art. 215. O Estado garantité a todos o pleno exercicio dos direitos culturais ¢ acesso as fontes da cultura nacional, ¢ apoiard ¢ incentivard a valorizagio ¢ a difusio das manifestagées culturais. 12. produgio agricola, passou a ser explorada como esporte e vendida como espetaculo, mor 13, do boi para que ele caia no chéo. Mas, com sua profi processos que antes incxistiam. Atualmente, por exemplo, os animais sio em grupos espalhados em todas as diregdes & procura da gadaria solta pelos ‘campos tio bonitos', no dizer do poeta dos vaqueiros, que em vida se chamou Fabio das Queima- das. Naquele tempo, o fazendeito também fazia 0 'servigo de campo! e se arriscava aos mesmos perigos enfrentados pelos vaqueiros profissionais, O gado encontrado era cer- cado em uma malhada ou rodeador, lugar mais ou menos aberto, comumente sombreado por algumas Arvores, onde as reses costumavam proteger-sc do sol, ¢ neste caso 0 gru- po de vaqueiros se dividia. Habitualmente ficava um va- queiro aboiador para dar sinal do local aos companheiros ausentes. Um certo mimero de vaqueiros ficava dando o cerco, enquanto os outros continuavam a campear. Ao fim da tarde, cada grupo encaminhava 0 gado através de um vaquejador, estrada ou caminho aberto por onde conduzir 0 gado para os currais da fazenda. O gado era tangido na base do traquejo, como era chamada a pritica ou jeito de conduzi-lo para os currais. Quando eta encontrado um barbatdo da conta do vaqueiro da fazenda-sede, ou da conta de vaqueito de outra fazenda, era necessario pegé-lo de carreira. Barbatao era 0 touro ou novilho que, por ter sido criado nos matos, se tornara bravio. Depois de derrubado, 0 animal era peado e enchocalhado. Quando a rés no era peada, era algemada com uma algema de madeira, pequena forquilha colocada em uma de suas patas dianteiras para nfo deixé-la correr. Se 0 vaqueiro que corria mais préximo do boi nfo conseguia pegé-lo pela bassoura, 0 mesmo que rabo ou cauda do animal, c derrubé-lo, os companheiros Ihe gritavam: - Vocé botou o boi no mato!” Essa pratica, inicialmente associada a atividades necessdrias a jentando, hoje, “cerca de R$ 14 milhdes por ano”. A vaquejada mantém da tradi¢do cultural a técnica: puxa-se 0 rabo ‘mundo~da-vaque No mundo do vaqueiro. Disponivel em: httpy/www-barcelona.educ.ufrn.br/mundo. him, “O Miliondrio Mundo da Vaquejada”. Revista Dinheiro Rural, ediglo 68, julho de 2010, acessada em 26/04/2013 no enderego eletrGnico —hitp://revistadinheirorural.terra.com.br/secao/agroncgocios/o-milionario- ada, jonalizagao, vieram Ha) enclausurados antes do momento em que sio lancados a pista e, enquanto aguardam, sao acoitados e instigados. Somente assim garante-se que o animal correrd quando aberto o porto". 14. Diferentemente do que ocorria no campo, os objetivos do esporte ¢ do espeticulo hoje ditam a maneira como se trata o animal. Durante 0 evento sao. formadas duplas de competidores que correm a galopes, cercando 0 boi em fuga. O objetivo é conduzir o animal até uma drea marcada com cal e, estando ali, agarra-lo pelo rabo, torcendo-o, para, na queda, posiciond-lo com as quatro patas para cima", 15. Os atos da vaquejada, segundo consta no laudo técnico da Dra. Invénia Luiza de Santis Prada, acarretam danos aos animais em fuga. Explica: “Ao perseguirem o bovino, os pedes acabam por seguré-lo fortemente pela cauda (rabo), fazendo com que ele estan- que e seja contido. A cauda dos animais é composta, em sua estrutura Gssea, por uma seqiiéncia de vértebras, cha- madas coccigeas ou caudais, que se articulam umas com as outras. Nesse gesto brusco de tracionar violentamente 0 animal pelo rabo, € muito provavel que disto resulte luxa- Q- “* Relato registrado pelo Projeto Esperanga Animal (PEA), OSCIP cuja finalidade & a “protego ao meio ambiente © a biodiversidade”, demonsire a crueldade a que sto submetidos os bois das vaquejadas: ““Chegamos por volta das 20:40h, Na estrada ja havia placas indicando onde seria a vaquejada, Chegando no local, havia uma fila de carros para entrar no Parque da Vaquejada. A entrada era franca, s6 pagamos 0 estacionamento que ficou em RS 10,00. Logo que entramos no ‘parquc’ ja demos de cara com algumas carrctas repletas de bezerros ¢ bois. Havia charretes © cavalos soltos. A maioria das pessoas eram do sexo masculino. As oucas mulheres que haviam por ld ou trabalhavam nas barracas que vendiam, em sua maioria, bebidas aleodlicas e churrasco, ou estavam acompanhadas. Chegamos perto do brete. Diversos animais misturados e com aparéncia assustads. Um vaqueiro comegou a toci-los com um pedago de pau' para a fla que daria acesso para a arena. O espago apertado permita apenas um boi por vez. Ali os animais eram avaliados. Quando tinham chiftes, seus chiftes eram serrados com serrote. Muitos chifes sangravam. O que chamou a atencéo foi a agressividade ‘com que os vaqueiros amarravam esses animais para poder serrar a ponta de seus chifres. Alguns se debstiam, caiam no chao. Outros tentavam pular a porteira que dava acesso & arena ¢ quando iss0 ocorria os vaqueiros batiam com pedagos de pau em suas cahecas. Mais de 15 animais passaram por esse procedimento. Houve situagoes em que os animais tiveram suas patas presas entre as madeiras do corredor da atena e por pouco néo tiveram suas patas quebradas. Quando a porteira era aberta os animais saiam em disparada batendo suas patas, cabega, peito na porteira, pois ela era muito estreita, Houve casos em que os vaqueitos fecham a porteita na cara dos animais ou no meio do compo e sempre com muita agressividade. Nao havia fiscais nem veterinirios presentes no local. Investigando 0 evento descobrimos que muitos animais jé morreram na arena a0 baler & ceabeca nas madeiras. Outros tiveram seus rabos arrancados durante a prova, pois 0s vaqueiros estavam utilizando tuma luva nfo adequada. A pritica de serrar os chiftes é super comum. Muitas vezes usam 0s mesmos animais por mais de uma ver durante a prova.” hitp:/www-ped.org,br/denuncia/vaquejadahim. Acessado em 25/04/2013. © huupisiwww-bahiavaquejada.com.br/erbst_127.html, Acessado em 26/04/2012, cdo das vértebras, ou seja, perda da condigao anat6mica de contato de uma com a outra, Com essa ocorréncia, existe a ruptura de ligamentos ¢ de vasos sangiiineos, portanto, es- tabelecendo-se leses traumaticas. Nao deve ser rara a de- sinsercio (arrancamento) da cauda, de sua conexfio com 0 tronco. Como a porcio caudal da coluna vertebral repre- senta continuagao dos outros segmentos da coluna verteb- ral, particularmente na regio sacral, afeccSes que ocorrem primeiramente nas vértebras caudais podem repercutir mais para frente, comprometendo inclusive a medula espinhal que se acha contida dentro do canal vertebral. Esses pro- cessos patolégicos so muito dolorosos, dada a conexao da medula espinhal com as raizes dos nervos espinhais, por onde trafegam inclusive os estimulos nociceptivos (causa- dores de dor). Volto a repetir que além de dor fisica, os ani- mais submetidos a esses procedimentos vivenciam sofri mento mental, A estrutura dos eqilinos e bovinos € passfvel de lesdes na ocorréncia de quaisquer procedimentos violentos, bruscos ¢/ou agressivos, em coeréncia com a constituigio de todos 0s corpos formados por matéria viva. Por outro lado, sendo © ‘cérebro', o drgio de expressdo da mente, a complexa configuragao morfo-funcional que exibe em eqiiinos e bo- vinos € indicativa da capacidade psiquica desses animais, de aliviar e interpretar as situagiies adversas a que sio sub- metidos, disto resultando sofrimento.”? 16. No mesmo sentido, estudo conduzido pela Universidade Federal de Campina Grande/PB revela que os cavalos utilizados na vaquejada também sofrem les6es e danos itrepardveis em razao da atividade: “As observagées do estudo permitem concluir que: nas condig6es da pesquisa, tendinite, tenossinovite, exostose, miopatias focal e por esforco, fraturas ¢ osteoartrite térsica sdo as afecgées locomotoras traumiticas prevalentes em eqitinos de vaquejada; tendinite e tenossinovite so as afec- ges locomotoras trauméticas de maior ocorréncia em eq nos de vaquejada; osteourtrite tarsica primérias e secundéri- as, sio mais ocorrentes em eqilinos adultos de maior idade, exploradas em vaquejada e, conforme as evidéncias refe- renciadas;o percentual das ocorréncias de afeccdes locomo- 00 * Lavdo transerito em: LEITAO, Geuza. A voz dos sem voz, direito das animais. Fortaleza: INESP, 2002. toras trauméticas em eqiiinos de vaquejada constitui-se um dado de conotagao clinica relevante.” 17. Parece evidente, pois, que a vaquejada enseja danos considerdveis aos animais, podendo ser taxada de pritica que implica tratamento cruel ¢ desumano as espécies que dela participam. A CONCEPGAO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE 18. A jurisprudéneia do Supremo Tribunal Federal se apoia numa concepgio de meio ambiente que: (i) supera a dicotomia cultura/natureza™; (ii) reconhece a necesséria harmonia entre a construgao do ser social e sua convivéncia no meio em que vive; e (iii) entende os direitos das geracdes futuras como direito fundamental. Veja-se: “E MEN T A: MEIO AMBIENTE - DIREITO A PRESERVACAO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARATER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERACAO (OU DE NOVISSIMA DIMENSAO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSAO A ESSE DIREITO FACA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS = ESPACOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS ho "FERNANDES DE OLIVEIRA, Carlos Eduardo, Afecydes locomotoras traumiticas em eqiinos (Equus caballus, LINNAEUS, 1758) de vaquefada atendidos no Hospital Veterinério /UFCG, Patos ~ PB. hitp:/wworw.estrfeg.edu.br/mono_rv_2008_2/monogr carlos eduardo_fernandespdf. Acessado em 2604/2013. “Essa circunsténeia faz.com que seja extraordinariamente diffil tragar uma linha entre o que & natural, universal © constante no homem, € 0 que & convencional, local ¢ variével. Com efeito, cla sugere que tragar tal linha & falsificar a situacio humana, ou pelo menos inferpreté-Ie mal, mesmo de forma séria.” GEERTZ, Clifford. O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem. In: A interpretacio das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. 10 (CF, ART. 225, § 1°, I) - ALTERACAO EB SUPRESSAO DO REGIME JURIDICO A ELES PERTINENTE - (..) COLISAO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITERIOS DE SUPERACAO DESSE ESTADO DE TENSAO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BASICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERACOES (FASES OU DIMENSOES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160- 161) - A QUESTAO DA PRECEDENCIA DO DIREITO A PRESERVACAO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITACAO CONSTITUCIONAL EXPLICITA A ATIVIDADE ECONOMICA (CF, ART. 170, VI) (..) A PRESERVACAO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSAO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE A GENERALIDADE DAS PESSOAS. - Todos tém direito a0 meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um tipico diteito de terceira geragio (ou de novissima dimensio), que assiste a todo o género humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado c & propria coletividade, a especial obrigacao de defender € preservar, em beneficio das presentes ¢ futuras geragoes, esse direito de titularidade coletiva e de caréter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que ¢ irrenuncidvel, representa a garantia de que nao se instaurardo, no scio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo destespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impée, na protegio desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina, A ATIVIDADE ECONOMICA NAO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCIPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTECAO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente néo pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivagées de indole meramente econ6mica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econémica, considerada a disciplina constitucional que a rege, esté subordinada, dentre outros principios gerais, aquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das nogées de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaco urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos juridicos de cardter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que nao se alterem as propriedades e os atributos que Ihe sao inerentes, 0 que —_provocaria __inaceitavel comprometimento da sadde, seguranga, cultura, trabalho e bem-estar da populagdo, além de causar graves danos ecolégicos ao patriménio ambiental, considerado este em seu aspecto fisico ou natural. A QUESTAO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3°, I) E A NECESSIDADE DE PRESERVACAO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINC{PIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL COMO FATOR DE OBTENCAO DO JUSTO EQUILIBRIO ENTRE AS EXIGENCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O principio do desenvolvimento sustentavel, além de impregnado de cardter eminentemente constitucional, encontra_suporte legitimador em compromissos _internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtengdo do justo equilibrio entre as exigéncias da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocagao desse postulado, quando ocorrente situagéo de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condi¢éo inafastavel, cuja observancia nao comprometa nem esvazie 0 contetido essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito a preservacio do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras geracdes. (...) (CP, art. 225, § 1°, Ill). (ADI 3540 MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03-02-2006)” 19. Segundo José Afonso da Silva, é nesse sentido que o critério adotado pela Constituigao engloba trés aspectos interdependentes do meio * 12 ambiente, abrangendo “toda a natureza, o artificial e original, bem como os bens culturais correlatos""’. 20. Dentro dessa mesma perspectiva, a Declaracao de Estocolmo sobre o ambiente humano de 1972 enunci: “1, O homem € ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que © cerca, 0 qual Ihe dé sustento material e Ihe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espititualmente. Em larga ¢ tortuosa evolugéo da raga humana neste planeta chegou-se a uma ctapa em que, gragas 3 répida aceleracio da ciéncia e da tecnologia, o homem adquiriu 0 poder de transformar, de indmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural ¢ 0 artificial, s4o essenciais para 0 bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive 0 direito a vida mesma.” 21. Entende-se, por conseguinte, que os principios de preservacao (ao meio ambiente e A pluralidade cultural) convivem entre si, tendo como horizonte os objetivos de uma sociedade mais justa, solidaria e cooperativa. DOS LIMITES AS MANIFESTAGOES CULTURAIS 22. Nas situagées especificas em que houve embate entre as manifestagSes culturais e 0 meio ambiente, o STF resolve o conflito de normas utilizando a ponderagao como fio condutor da anélise"*, 23. Prevalece 0 entendimento de que se deve afastar toda e qualquer pritica que trate inadequadamente os animais, ainda que sob o pretexto dela ocorrer dentro de um contexto cultural ou esportivo: “ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - BRIGA. DE GALOS (LEI FLUMINENSE N° 2.95/98) - ay SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 5 ed. Sio Paulo: Malbciros, 2004, p. 20. © COSTUME - MANIFESTACAO CULTURAL - ESTIMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVACAO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUBLDADE. A obrigacio de 0 Estado garantir a todos’ pleno exercicio de direitos cullurais, incentivando a valorizagao e a difusto das manifestagdes, ndo prescinde da observineia da norma do inciso VII do artigo 225 da Consttuigéo Federal, no que veda pritica que acabe por submeter os animais & crueldade, Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do boi". (RE 153531, Rel. Min, Francisco Rezek, Rel. p/ AcGrdio: Min. Marco Aurélio, julgado em 03/06/1997, DJ 13- 03-1998) 13 LEGISLACAO ESTADUAL QUE, PERTINENTE A EX- POSICOES E A COMPETICOES ENTRE AVES DAS RACAS COMBATENTES, FAVORECE ESSA PRATICA CRIMINOSA - DIPLOMA LEGISLATIVO QUE ESTIMULA 0 COMETIMENTO DE ATOS DE CRUELDADE CONTRA GALOS DE BRIGA - CRIME AMBIENTAL (LEI N° 9.605/98, ART, 32) - MEIO AMBIENTE - DIREITO A PRESERVACAO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARATER DE. METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERACAO (OU DE NOVISSIMA DIMENSAO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - PROTECAO CONSTITUCIONAL DA FAUNA (CF, ART. 225, § 1°, VII) - DESCARACTERIZACAO DA BRIGA DE. GALO COMO MANIFESTACAO CULTURAL - RECONHECIMENTO DA INCONSTITUIONALIDADE DA LEI ESTADUAL IMPUGNADA - ACAO DIRETA PROCEDENTE. LEGISLACAO ESTADUAL QUE AUTORIZA A REALIZACAO DE EXPOSICOES E COMPETICORS ENTRE AVES DAS | RACAS COMBATENTES - NORMA QUE INSTITUCIONALIZA A PRATICA DE CRUELDADE CONTRA A FAUNA INCONSTITUCIONALIDADE. - A promogio de briga de galos, além de caracterizar prética criminosa tipificada na Iegislacéo ambiental, configura conduta atentatéria 2 Constituicéo da Repiblica, que veda a submissio de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, & semelhanga da Yarra do boi’ (RE 153.531/SC), nao permite sejam eles qualificados como inocente manifestagio cultural, de caréter_meramente folel6rico. Precedentes. - A protecéo juridico-constitucional Gispensada a fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluidos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cléusula genérica, qualquer forma de submissao de animais a atos de crucldade. - Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituicio da Repiiblica, € motivada pela necessidade de impedir a ocorrénci de situagdes de risco que ameacem ou que fagam periclitar todas as formas de vida, no s6 a do género humano, mas, também, 2 propria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, néio fora a vedacdo constitucional, por priticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga (“gallus-gallus”). Magistério da doutrina. ALEGACAO DE INEPCIA DA PETICAO INICIAL. - Nao se revela inepta a peticéo inicial, que, ao impugnar a validade constitucional de lei estadual, (a) indica, de forma adequada, a norma de parimetro, cuja autoridade teria sido desrespeitada, (b) estabelece, de maneira clara, a relacéo de antagonismo entre essa legislagio de menor positividade juridica ¢ 0 texto da Constituigio da 14 Repiiblica, (c) fundamenta, de modo inteligivel, as razdes consubstanciadoras da pretensio de inconstitucionalidade deduzida pelo autor © (d) postula, com objetividade, 0 reconhecimento da procedéncia do pedido, com a conseqiiente declaracao de ilegitimidade constitucional da lei questionada em sede de controle normativo abstrato, delimitando, assim, © Ambito material do julgamento a ser proferido pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes.” (ADI 1856, Rel. Min. Celso de Mello, Dje-198, 14-10-2011) 24, No mesmo sentido, cite-se a ADI 2.514 (Rel. Min. Eros Grau, SJ 9.122005), ocasiio em que restou consignado que “a sujei¢iio da vida animal a experiéncias de crueldade nao é compativel com a Constituigdo do Brasil”. 25. De mais a mais, em demanda semelhante 4 atual (“proibigdo da farra do boi”), o voto condutor do acérdao, proferido pelo Ministro Marco Aurélio, elucida bem o tratamento dado pelo Supremo Tribunal Federal ao conflito entre a protegio a0 meio ambiente ¢ 0 respeito as praticas culturais: “O voto proferido pelo ministro Marco Aurélio parece espelhar claramente 0 conflito (...): (...) “é justamente a crueldade 0 que constatamos ano a ano, ao acontecer 0 que se aponta como folguedo sazonal. A manifestacio cultural deve ser estimulada, mas nao a prética cruel. Ainda a chamada 'farra do boi’, em que uma turba ensandecida vai atrés do animal para procedimentos que estarrecem, como vimos, ndo hé poder de policia que consiga coibir esse procedimento. Nao vejo como chegar-se a posicao intermedidria. A distorgio alcangou tal ponto que somente uma medida que obstaculize terminantemente a prdtica pode evitar o que verificamos neste ano de 1997, (...) Entendo que a prética chegou a um ponto a atrair, realmente, a incidéncia do disposto no inciso VII do artigo 225 da Constituicdo Federal. Nao se trata, no caso, de uma manifestagéo cultural que merega 0 agasalho da Carta da Repiblica. Como disse no inicio de meu voto, cuida-se de uma pratica cuja crueldade é impar e decorre das circunstincias de pessoas envolvidas por _paixdes Qp * ACAO DIRETA DE INCONSITTUCIONALIDADE. LEL N. 11.366/00 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ATO NORMATIVO QUE AUTORIZA E REGULAMENTA A CRIACAO E A EXPOSICAO DE AVES DE RACA E A REALIZACAO DE “BRIGAS DE GALO". A sujeicéo da vida animal a experiéncias de ctueldade nao € compativel com a Constituigho do Brasil. Precedentes da Corte. Pedido de declaragio de inconstitucionalidade julgado procedente. (ADI 2514, Rel. Min. Pros Grau, julgado em 29/06/2005, DJ 09-12- 2005 ) 15 condendveis buscarem, a todo custo, 0 préprio sacrificio do animal.” 26. No caso em tela, de maneira andloga, a comprovada crueldade 20 animal no encontra amparo constitucional, ainda que dentro de um contexto cultural especifico. 27, Conforme exposto, a jurisprudéncia do STF é clara: 0 conflito de normas constitucionais se resolve em favor da preservagio do meio ambiente quando as priticas ¢ os esportes condenam animais a situagdes degradantes, como € 0 caso. PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR 28. Esto presentes os pressupostos para a concessao da medida cautelar na presente agio. 29. A. plausibilidade juridica do pedido est4_suficientemente caracterizada pelos argumentos deduzidos até aqui. 30. Ja a urgéncia da pretensio cautelar esté configurada diante do risco de que animais sejam submetidos a tratamento cruel, o que é em si irreversivel 31, E oportuno lembrar que essa Corte, em caso semelhante (briga de galos), concedeu a cautelar: “CONSTITUCIONAL. MEIO-AMBIENTE. ANIMAIS: PROTECAO: CRUELDADE. 'BRIGA DE GALOS' I. - A Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar € disciplinar a realizagdo de competicées entre ‘galos combatentes', autoriza e disciplina a submissio desses animais a tratamento cruel, o que a Constitui Federal nao permite: C.F, art. 225, § 1°, VIL. II. - Cautelar deferida, suspendendo-se a eficicia da Lei 2.895, de 153.531, Rel. Min. Marco Aurélio, Lex-STF, 239/192(208), APUD GONET BRANCO, Paulo Gustavo; € MENDES, Gilmar Ferreira, Op, Cit, p.273. 16 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro. (ADI 1856 MC, Rel. Min, Carlos Velloso, DJ 22-09-2000 ).” 32. Diante do exposto, requer-se, cautelarmente, seja suspensa a eficicia da Lei n° 15.299/2013 do Estado do Ceara. PEDIDOS FINAIS 33 © requerente pleiteia, ainda, que, colhidas as informagdes necessérias, seja ouvido 0 Advogado-Geral da Unido, nos termos do art. 103, § 3°, da Constituigio da Republica, e, em seguida, seja-Ihe concedido prazo para manifestacio. 34, Requer, por fim, seja julgado procedente o pedido, a fim de que se declare a inconstitucionalidade da Lei n° 15.299/2013 do Estado do Cearé. Brasilia,3ide maio de 2013. bhi DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA VICE-PROCURADORA-GERAL DA REPUBLICA APROVO: IRGEL SANTOS PRQCURADOR-GERAL DA REPUBLICA FA uenomenssaniss

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