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Capitulo 1 LQMe gs PRATICAS DA MEMORIA FEMININA* No teatro da meméria, as mulheres so uma leve sombra. A narrativa historica tradicional Ihes da pouco espago, justamente na Z~ medida em que privilegia a cena publica ~ a politica, a guerra ~ onde elas apa- 4 recem pouco. A iconogratia comemorativa thes é mais aberta. A estatuaria, mania cara a 111° Republica, semeou silhuetas femininas pela cidade. Mas ale- <> gorias ou simbolos, elas coroam os grandes homens ou se prostram a seus pés, relegando um pouco mais no esquecimento as mulheres reais que 0s apoiaram de seu marido. Protagonistas 1 no verdadeiro sentido da pala- vra, elas desfilam nos saloes, no teatro ou no passeio, e €por roupas que 5 cronistas se interessam (vejamos as Lettres parisiennes, do visconde de Lau- nay, alids, Delphine de Girardin’). ‘ Quanto as mulheres do povo, fala-se delas somente quando seus mur- ) 2. murios inquietam « em caso de pao caro, quando f fazem algazarra contra os co- <& merciantes ou os senhorios, quando ameacam subyerter com sua violéncia, 2 uma passeata de grevistas. > Em suma, a observacdo das mulheres de outrora obedece critérios de \<"* — ordem e de papel. Ela concerne os discursos mais do que as praticas. Interés sa-se pouco pelas mulheres singulares, desprovidas de existéncia.e mais. 4“mu- 6 Madame de Girardin, Lettres parisiennes du Vicomte de Launay (1837-1848) Présentés et anotés par Anne-Martin Fugier. Paris: Mercure de France, 1986. 2 v. 34 . nak Q 4 to YO" Cer then J A hoo Conuin0 Capitulo 1 Pritieas da meméria feminina net » Mularn' so Koo pnoyradon Quonde,na ” do Prwodo ; = Iher’, entidade coletiva e abstrata 4 qual atribuem-se caracteres de convencio. Sobre elas, nao hd nenhuma verdadeira pesquisa, mas somente a constatagao de seu eventual deslocamento para fora de suas zonas reservadas. ' Um tiltimo exemplo dara uma idéia deste déficit documental e de sua significagdo complexa. Os arquivos do crime, tdo ricos para 6 conhecimento da vida privada, dizem pouco sobre as mulheres, na medida em que seu peso na criminalidade é fraco e decrescente (de aproximadamente um tergo, no ini- cio do século 19; ele cai para menos de 20% no seu final), nao em virtude de uma natureza doce, pacifica e maternal, como pretende Lombrosso,’ mas de- vido a uma série de praticas que as excluem do campo da vinganga ou do afrontamento. A honra viril ultrajada é vingada com o assassinato. O roubo nas estradas ou 0s furtos, os assaltos ou 0 atentado eram, até uma-data Tecen- te, coisas de homem, pe Assim, olhar de homens sobre homens, os mulheres. “E preciso, todavia, nao esquecer as mulheres, entre todos estes ho- mens que ss, vociferavam, clamavam 0 que haviam feito ou que sonhavam fa- » zer. Fala-se muito deles. O que se sabe delas?” escreve Georges Duby como conclusao do livro que dedica ao casamento na Franca feudal, Le Chevalier, la Femme et le Prétre (O Cavaleiro, a Mulher e o Padre). Kis ai toda a questao. 0S 6EGREDOSDOS SOTAOS Os arquivos privados, outro s6tdo da histéria, dizem mais? Sim, de ou- tra maneira, na medida em que as mulheres se expressaram muito mais abun- dantemente neles, e até mesmo devido ao fato que, como secretarias da fami- lia, elas foram produtoras destes arquivos. Livros de anotagdes da casa em que mantém 0s anais da familia. Correspondéncias familiares de que elas so as es- cribas habituais, didrios intimos cuja pratica é recomendada para as mocas por seus confessores, e mais tarde por seus pedagogos, como um meio de controle de si mesmas constituem um abrigo para os escritos das mulheres, cuja imen- sidao € atestada por todos os fatores. Mas quantas destruicGes foram realiza- 7 LOMBROSO, C.; FERRERO, G. La Femme criminelle et la prostituée, Paris: Alcan, 1896, Trad. fr. 35 Parte 1 Tragos das nestes arquivos cujos restos, conservados até hoje, nos sugerem a sua ri- queza tanto como 0 seu interesse enfim reconhecido! Estas destruigées vém dos acasos das sucessées ¢ das mudangas de casa, de um gosto pelo secreto que cimenta a intriga familiar, mas também da indi- ferenca de descendentes embaragados pelos legados de seus predecessores que causam tanto estorvo: indiferenga agravada pelo carater subalterno dado a es- tes escritos das mulheres. As cartas das filhas de Karl Marx foram imperfeita- mente conservadas e publicadas tardiamente; ao desvendar as manias ou as fra- quezas do pai ou do homem privado, elas chegam a constituir, para alguns, uma certa inconveniéncia.* Outro exemplo: a correspondéncia que Tocqueville man- teve com seu amigo Gustavo de Beaumont foi preciosamente guardada como uum testemunho tinico sobre suas empreitadas intelectuais e politicas; paralela~ mente, a correspondéncia mantida por suas esposas desapareceu por completo. De resto, muitas mulheres, pressentindo a indiferenga, adiantaram-se a ela ao “colocar ordem em seus negocios’, isto é, ao destruir seus cadernos inti- mos, temendo a incompreensio ou a ironia de seus herdeiros, Deixar para tras de si cartas de amor nao seria introduzir um terceiro personagem em um ca- sal cuja bela imagem o tempo ja havia alterado? O mesmo acontece para a ami- zade. Eis duas amigas. Héléne ¢ Berthe que durante quarenta anos trocaram uma intensa correspondéncia. De Hélene, restam 625 cartas; de Berthe, nada: ala pediu a Héléne para destruir tudo, pois nao desejava nenhum testemunho de sua amizade. Hélene resistiu, mas finalmente, dilacerada, queimou as ama- das missivas. Como a leitura,” a escrita é freqiientemente, para as mulheres, um fru- to proibido. Para retomar o mesmo exemplo, o pai de Héléne irrita-se ao vé-la passar tantas horas em sua correspondéncia. Bla deve se defender e esconder- se para continuar 9 que, aos olhos do pai, é uma criancice e um desperdicio. Uma certa culpa acompanha esta transgre: 9 de um dominio sagrado. Nao se deixard vestigios desta parte secreta de si mesma, deste pecado que foi gozado. 8 Lettres des filles de Karl Marx. Preface de M, Perrot. Paris: Albin Michel, 1979. 9 Anne-Martin Fugier, “Tes lettres célibataires’, artigo a ser publicado. 10 THIESSE, Anne-Marie. Le Roman du quotidien, Lecteurs et lectures populaires a la Belle Epoque. Paris: Le Chemin Vert, 1984. 36 S = Pe Ss. 10K re 4 Capito 1 Praiéas da memiria fersinina Assim as mulheres freqtientemente apagam de si mesmas as marcas ténues de seus passos neste mundo, como se sua aparicao fosse uma ofensa a ordem. Fate ato de autodestruicao é também uma forma de adesio ao siléncio que a sociedade impo as mulheres, feitas, como escreve Jules Simon, “para es- conder sua vida”; um consentimento a negacao de si que estd no centro da edu- cacio feminina, religiosa ou laica, e que a escrita — assim como a leitura = con- ey Picttoeprivadicdas fnulhcres ac'hesmns tempo due ds ative Baie: res de que a’sua longevidade as tinha transformado em guardias, A morte sti i eos beeniiticd esquecitios dos guindes casas. provincials'st0 os tuaicob gunned fogos deste incéndio. A imagem das mulheres ateando fogo em seus cadernos in- timos ou em suas cartas de amor na noite de sua vida sugere a dificuldade femi nina de existir de outra forma além do fugaz instante da palavra e, conseqilen- temente, a dificuldade de reencontrar uma memoria desprovida de tracos. biGe ns COISAS Hurrsa d Sh cP wade Mais do que ao escrito proic} a0 mundo calado ¢ permitido das coisas que as mulheres confiam sua meméria, Nao aos prestigiosos objetos de colegio, coisa de homens preocupados em conquistar, pelo acamulo de qua- © dros ou de livros, a legitimidade do gosto. No século 19, a colegao, e ainda mais a bibliofilia, sao atividades masculinas. As “mulheres se retraem em matéria maig{humilde:)s 10 Toupa branca ¢ os objetos,|Ninharla, presentes recebidos em © um aniversirio ou uma festa, bibelés tr ne 5 cursao, “mil nada: nina. As mulheres tém a paixao pelos estojos, pelas caixinhas e medalhes em que elas guardam seus tesouros: mechas de cabelo, flores secas, j6ias de fami- lia, miniaturas que, antes das fotografias, permitiam que se conservasse 0 r03- to amado. Mais tarde, fotografias individuais ou de familia, emolduradas ou reunidas em élbuns, estes herbarios da lembranca, alimentam uma nostalgia indefinidamente enfraquecida. Coletaneas de croquis ¢ de cartdes postais me- morizam as viagens. Além do mais, as mulheres sao levadas a fazer tais cole- ges pela engenhosidade de uma papelaria em pleno desenvolvimento. Agen- ” preenchem vitrines, pequenos museus da lembranga femi- Parte 1 Thagos das keepsakes vindas da Inglaterra incitam ao registro dos acontecimentos pri- yados, “Durante a Monarquia de Julho, toda moga de boa familia tem seu dl- bum que ela apresenta aos amigos da casa. £ Lamartine quem abre o dlbum de Léopoldine Hugo’, escreve Alain Corbin. No fim do século 19, 0 editor Paul Ollendorf langa 0 Recueil Victor Hugo, transposiao dos birthday books br nicos; a pagina da esquerda ¢ ocupada por trechos da obra do Mestre, ada di- reita menciona apenas a data do dia; ele pode ser usado como uma coletanea de poemas, de pensamentos, uma agenda ou um diério, pouco intimo por ser aberto aos familiares. Estas praticas implicam na idéia de uma capitalizagio do tempo, cujos instantes privilegiados podem ser revividos pela rememoragao, reinterpreta- dos, como uma pega de teatro representada sem cessar. Elas inscrevem-se em um século 19 que faz do privado o lugar da felicidade imével, eujo palco é a casa, 0S s atores, ‘08 membros da familia, ¢ as mulheres as testemunhas e as to nistas. Mas esta missio de memorialista deve respeitar limites implicitos. O pessoal, o muito intimo sio banidos deste registro como indecentes. Se a moga. apropriar de seu didrio, a mulher solteira chega a atrever-se timidamente a s casada, no entanto, renuncia a ele. Nao ha espaco para tal forma de escrita ¢ de pensamento na camara conjugal. Como a escrita,.a memoria feminina ¢ fami- liar, semi-oficial, i Tee ‘A roupa branea, as roupas, constituem uma outra forma de acumula- go. O enxoval, cuidadosamente preparado nos meios populares, rurais sobre- » tudo, é “uma longa historia entre mae e filha’. A. confeceaio do enxoval é um “Theres, sobretudo das burguesas.A moda, no’ legado de conhecimento e de segredos, do corpo e do coracao, longamente destilados. O armario de roupa bran relicario. A espessura dos lencdis, a finura das toalhas de mesa, as dobras dos guardanapos, a qualidade dos panos de po tém sentido em uma cadeia de ges- tos repetidos e enfeitados. A roupa branea pertence a esfera ‘do intimo, as roupas, 4 esfera do pu- blico. Elas estao ligadas as aparéncias cujo cuidado é um grande dever das mu- €ao mesmo tempo um cofre-forte e um forma de-civilidade, é um cé- digo ao qual convém submeter-se sob pena de cair em desgraca, uma tirania 11 BINE, Agnés. Le trousseau, In: Une histoire des femmes est-elle possible? Sous la direction de M. Perrot. Marseille: Rivages, 1984. 38 Capitulo 1 Priticas da memériaforninina que se exerce sobre © corpo das mulheres a toda hora do dia, a cada més de uma estacao. Devéria mostrou-o ao detalhar os trajes que uma mulher elegan- te deve usar, hora apés hora. Mas este dever, no qual algumas mulheres encontram prazer ¢ outras um tédio profundo, dé forma a meméria, Uma mulher inscreve as circunstan- cias de sua vida através dos vestidos que ela usa, seus amores na cor de un cor de uma echarpe ou na forma de um chapéu. Uma luva, um lenco, so para ela reliquias de que sé ela conhece o valor. A monotonia dos anos se diferencia pela roupa que fixa também a representacao dos-acontecimentos que fazem seu coragao bater: “Eu usava, naquele dia ..” ela dird. A meméria das mulheres é vestida. A roupa é sua segunda pele, a unica de que se ousa falar ou ao menos sonhar. A importancia das aparéncias faz que as mulheres sejam mais atentas ao léxico destas mesmas aparéncias. O rosto do outro é tudo o que elas podem permi- tir-se. Pelos olhos, elas pensam atingir a alma. £ por isso que elas se lembram de sua cor, 4 qual os homens sao geralmente indiferentes. UMA MEMORIA DG] eau 5 \ / eer es ne i x si Assim, os modos de registro das mulheres estdo ligados a sua condicao, ao seu lugar na familia € na sociedade. O mesmo acontece com seu modo de Tememoracao, da encenacao propriamente dita do teatro da meméria. Por for- a das coisas, ao menos para as mulheres de outrora'e para 0 que resta do pas- sado nas mulheres de hoje (¢ que nao é pouco), é uma meméria do privado, voltada para a familia e para o intimo, aos quais elas esto de certa forma re- legadas por convengio e posigiio. Cabe as mulheres conservar os tragos das in- fancias em que elas sto governantib. Cabe a elas a transmissao das historias de feita geralmente de mae para filha, a0 folhear albuns de grafias a0 dado com as tumbas, 0 que as Taearabe as velae pela manutengio dat sepultu- ras. Ir colocar flores nos timulos dos seus, no dia dos mortos, costume instau- rado na metade do século 19, torna-se um mandamento das filhas ou das viti- vas. A proximidade do cemitério fixa s vezes a sua ultima moradia, como se ele fosse uma dependéncia da casa. Esta situacao é ainda acentuada pelas guer- 39 Parte 1 ras, sobretudo a Primeira Guerra Mundial, devoradora de homens, cujos no- mes sao tragicamente enumerados sobre 0s monumentos aos mortos das pra- ¢as dos vilarejos, Mas delas, tragic ‘A memoria das mulheres é verbo, Ela est4 ligada a oralidade das sacie- dades tradicidnais que Ihe confiavam a missio de contadora da comunidade da aldeia. No vilarejo de Martin Nadaud, na Creuse, a velha Fouéssoune des- fia, nas vigilias, a cancao de gesta do lugar, Mas quando se instauram as migra- s carpideiras, nao nos lembraremos. g6es que, no meio do inverno trazem de volta da cidade os operarios da cons- trugdo, carregados de presentes ¢ de boatos da capital, ela se encolhe em seu canto e, pouco a pouco, cala-se. Durante a vigilia, a partir de entao, “a palavra esta sempre com o pedreiro, é ele que faz girar a cabeca das mogas, é a ele que os pais cedem geralmente a mao de suas filhas”." Cena significativa: provavelmente houye, no século 19, uma certa recu- sa da fala feminina, desqualificada pelos meios de comunicagao modernos, pe- los sucessos saltitantes do escrito: correspondéncia, cartées postais, didrios. E ao mesmo tempo, perda insidiosa de uma funcao tradicional e ruptura de an- tigas formas de meméria. AS RECITANTES E por isso que os desenvolvimentos recentes da historia chamada de sao de certa maneira uma revanche das mulheres. Sabe-se tudo 0 que esta nova forma de coleta de materiais para a historia deve as experiéncias nor- te-americanas (Quebec, sobretudo) e polonesas, ¢, acima de tudo a obra pio- neira de Oscar Lewis, Les Enfants de Sanchez. Dar a palavra aos deserdados, as pessoas sem historia, aplicar as populagdes urbanas contemporaneas os méto- dos empregados pelos etndlogos para os pseudo-“primitivos”: tais foram, no inicio, os pressupostos deste procedimento, Na Franga, ela se desenvolveu em diversas direcoes desde a década de 1970; da public history dos grandes atores sociais, individuais ou coletivos, ao humilde “relato de‘ vida” arrancado das “pessoas comuns”. Um certo populismo herdado de 1968, mas também o de- 12 CORBIN, Alain. Archaisme et modernité en Limousin. Paris: Rivieré, 1975.1, p. 224. Capitulo 1 Priticas da metre fenvinina sejo de conservar a meméria de mundos que se desmoronam ~ como a Lore- na metalurgica e sinistrada — levaram nesta diregao.” Por seu cardter nao dire- tivo (ou semi-diretivo), sua exigéncia de participacao por parte do observador necessariamente mais implicado do que em um banal questioniirio, 0 relato de vida deve mais a etnologia do que a sociologia. “As mulheres foram amplamente uma parte integrante desta aventura, entre as pesquisadoras bem como entre as pesquisadas, e € isto o que nos in- teressa aqui. E por diversas razdes. Inicialmente, a longevidade nitidamente mais clevada das mulheres (na Franga, atualmente, a diferenca entre a expec- tativa de vida dos homens e das mulheres é de oito pontos)'* que lhes confere um status efetivo de testemunhas, sobreviventes de €pocas remotas. Trata-se de reconstituir a histéria factual ou cotidiana, de uma familia ou de um bair- ro, captar a“vivéncia” de um grande acontecimento puiblico? Para 0 entreguer- ras, ainda mais evidentemente para 0 inicio do século 20, foram as mulheres que restaram..A maioria dos pesquisadores trabalhando com este método teve . Necessariamente eles trabalham com uma amostra sexual- esta experiénci mente desigual. Segunda razao: 0 mutismo dos homens, em um casal, a partir do mo- mento em que s¢ trata de lembrangas de infincia ou da vida privada, contrasta com a loquacidade muito maior das mulheres, quer seja porque o trabalho ¢ as empreitadas do exterior tenham atrofiado a memoria masculina, quer seja ain- da porque falar de si mesmo € contrério & honra viril que considera estas coisas negligencidveis, abandonando as esposas o lado dos bercos ¢ as questdes do lar. Esta concepgao de uma indecéncia do privado é particularmente forte na clas- se operaria, toda voltada para a realizacdio do homem de marmore da conscién- cia de classe. Falar de sua vida ¢ expor-se, entregar-se ao olhar de seus inimigos, desta burguesia sempre pronta para o desprezo. Esta era a opiniao de Proudhon {que sempre se recusow a escrever a sua autobiografia, por medo de parecer um saltimbanco de feira.“Os fatos de minha vida sao menos do que nada’, dizia ele. “Nao é bom para a liberdade-e para a honra de um povo que os cidadaos colo- 13. Por uma anilise sugestiva destes fendmenos, ef. JEUDY, Pierre. Mémoires du Social. Paris: PUR, 1986. 14. LEVY, M. L. Modernité, Mortalité. Populations et Sociétés, n. 192, juin 1985. 41 Parte 1 Tragor quem em cena a intimidade de suas vidas, tratando-se uns aos outros como va- »_ letes de comédia ou saltimbancos.”* “Os militantes operdrios, sobretudo os: que sao ligados 4 CGT e ao PC rejeitam falar de sua existéncia pessoal ¢ limitam-se 4 sua vida sindical e militante. Sobre a familia ¢ 0 cotidiano, que se interrogue as mulheres! Este aspecto das coisas cabe a elas, Mesmo em um casal de tradi- s40 autogestiondria (anarco-sindicalista) como o intertogado por Jacques Ca- roux-Destray, a divisio da memoria obedece uma defini¢do muito estrita dos papéis sexuais, Amédée fala do trabalho, de greves e de acdo reivindicativa; © Marcelle fala de casa, de vida material e de historia familiar." Na rememoragao, ee as mulheres sao, em suma, as porta-vozes da vida privada, Enfim, o feminismo desenvolveu uma enorme interrogacao sobre a vida (das mulheres obscuras., Tornar visivel, acumular dados, instituir lugares de } memoria (arquivos de mulheres, diciondrios...) foram preocupagoes de uma historia das mulheres em pleno desenvolvimento, por cerca de quinze anos. E na falta de testemunhos escritos, procurou-se fazer surgir 0 testemunho oral. > = Interrogou-se sobre 0 papel das mulheres nos acontecimentos publicos, por exemplo, a Resisténcia onde a acao das mulheres, dissimulada na trama do co- tidiano — uma sacola de compras, uma xicara de cha — foi muitas vezes consi- derdvel, bem como sua existéncia particular na sociedade comum. Inicialmen- te as mulheres manifestaram muitas reticéncias e sew pudor abrigava-se atrds do pretest de sua insignificancia, Dizer “ ma,a a tal g ponto que, vara contar sua vida, uma. oper dria — Lise Vanderwi preferiu abrigar-se detrés da ficcio de um pseudo-romance.” Tudo depende finalmente da natureza da relagao com a pesquisadora: uma certa familiaridade pode vencer as resisténcias e liberar, a0 contrario, um desejo recalcado de falar de si, com o prazer de ser levada a sério e, enfim, con- siderada sujeito da historia. As mulheres criaram o hébito de usar 0 megafone, 15 PROUDHON, B,J. Mémoires de ma vie, Paris; Maspéro, 1983. Textos autobiogrifi- €0s diversos feunidos por B, Voyenne. 16 CAROUX-DESTRAY, J. Un couple ouyrier traditionnel, La vieille garde autogestion- naire. Paris: Anthropos,1974. 17 VANDERWIBLEN, Lise, Lise duu Plat Pays, roman, Lille: PUL, 1983. Posficio de Frangoise Cribier. a2 Capitulo ? Pratieas da meméria ferinina chegando a sentir até mesmo certo orgulho por iss0. Os asilos de mulheres for- snaram-se terrenos de pesquisa, com resultados diversos, ligados & qualidade das interlocutoras. Estas experiéncias permitirdo talvez um dia analisar mais precisamente «6 fancionamento da meméria das mulheres. Hé, no fundo, uma especificida- de? Nao, sem duavida, caso tentemos ancoré-la em uma natureza que nao se “P pode encontrar e no substrato biologico. Sim, provavelmente, na medida em que as priticas socioculturais em ago na tripla operagao que constitui a me- acumulagio primitiva, rememoragio, ordenamento do relate —

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