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ISBN. — 85-225-508-X Copyright © Angela de Castro Gomes Direitos desta edigdo reservados a EDITORA FGV Rua Jornalista Orlando Dasntas, 37 22231-010 — Rio de Janeiro, RJ — Brasil ‘Tels.: 0800-21-7777 — 21-2559-4427 Fax: 21-2559-4430 e-mail: editora@fgy.br — pedidoseditora@fgy.br web site: www.editorafgy.br Impresso no Brasil / Prinied in Brazil ‘Todos os direitos reservados. A reprodugao nao autorizada desta publicagao, no todo ou em parte, constitui violagado do copyright (Lei n° 9.610/98). Os conceitos emitidos neste livro sdo de inteira responsabilidade dos autores. l edigdo — 1988, Vértice uperj 2+ edigdo — 1994, Relume-Dumard 3+ edigaio — 2005, Editora FGV Reimpressio — 2007 Revisdo: Aleidis de Beltran, Fatima Caroni ¢ Mauro Pinto de Faria Capa: Adriana Moreno Foto de capa: Aspecto do trabalho de menores na fabrica Santana e Propaganda, 1940. Arquivo Lindolfo Collor, CPDOC/FGV. Foto de contracapa: Postal da série do Departamento de Imprensa ¢ Propaganda, 1940. Arquivo Getiilio Vargas, CPDOC/FGV. Ficha catalografica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FCV Gomes, Angela Maria de Castro, 1948- A invengdo do trabalhismo / Angela de Castro Gomes. — 3. ed. — Rio de Janeiro : Editora FGV, 2005, 320p. Originalmente apresentada como tese da autora (doutorado — Insti- tuto Universitirio de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1987). Inclui bibliografia. 1. Socialismo — Brasil. 2. Trabalhismo — Brasil. 3. Brasil — Poli- tica ¢ governo ~ 1889-1930. 4. Brasil ¢ governo — 1930-1945, 1. Fun= dagao Getulio Vargas. I]. Titulo. CDD ~ 335 Sumario Apresentacio 4 3* edigao Ss Apresentacao a 1* edi 12 Introducio IF 1 = Reptiblica_e Socialismo na Virada_do Século 1. A cause de la République 3. 2LA Yor do Pove 38 55 6, Povo, politica ¢ trabalho na capital federal 59 7. A luta por um partido operirio 63 Os socialistas nav [os 6 TL O Anarquismo: outta Sociedade, outra Cidadani 1. Em cena, os anarquistas 87 C f ialismo anarquista 8s O anarquismo no sindicato 9 4.0 ontem no amanha: a futura comunidade de homens __96 3. A patria, o sabre © o padre 107 5 cooperativistas... Quem eran os amarelos? 177 si 18 UL Os Anos 20: o Dehate ou “a Razdo se Di aos Loucos” 129 1.O ano de 1920129 2. A questio doutrinaria. 138 3. O debate ou “a razio se da aos loucos” 144 4. A CSCB e 0 debate anarquistas x comunistas. 148 5. A escalada dos neocomunistas 156 Im novo concorrente no mercado: o Ministério do Trabatho: 163 IV — A Légica do “Quem Tem Oficio, Tem Beneticio 175 1, Estado Novo em primeiro moviinento 175 2. “If friends make gi fts make friends 1 Estado Novo em segundo movimento 182 — O Redescobrimento do Brasil 189 1. A cultura politica 189 2. Revolucio de 30 ¢ Estado Novo 197 3. Questio social € Estado Nacional 196 4. A democracia social brasile 198 5. liberducle © a igualdade liberais 202 6. A questi do intervencionismo do Estado 204 7.A critica ao formalismo politico ou A questio da representagao 205 VI — A Invengio do Trabalhismo 277 aos trabalhadores brasileiros 211 ivo 216 1, Falando 2. A ctiagaio do t 3. O povo e o presidente 218 4. Dar, receber, retribuir 1 politica brasileira a vimetes 226 empo NOL Trabalhisino ¢ Corporativisma: 237 A construcio do trabalhador brasileiro 2» calhismo ao P’ 203 L. As primeiras articulacées 265 2. Reforma constitucional e campanha eleitoral 269, en 3. O presidente ¢ a ques 4. Trabalhismo e queremismo 5. As eleigdes de 1945 € © nascimento do PTB 288 Finalizando 299 Bibliografia 303 Apresentacao a 3? edicao Dezessete anos apés ser publicado pela primeira vez, em 1988, es- te livro ganha nova edigdo. Razio suficiente para que algumas palavras 0 introduzam a novos leitores, distantes do contexto politico e intelectual que 0 gerou. Quando o livro foi escrito, ainda na primeira metade dos anos 1980, 0 Brasil se mobilizava para dar fim ao regime militar, ansiando por uma assembléia nacional constituinte que restabelecesse 0 pacto en- tre sociedade ¢ Estado, em bases mais democriticas. Havia alivio e peranca. Havia igualmente muita curiosidade intelectual, traduzida em pesquisas nas dreas de ciéncias sociais, histéria e direito, que contem- plassem temas como 0 autoritarismo, os militares, a classe trabalhadora, o empresariado, os movimentos sociais — enfim, que discutissem como o pais construiu seu conceito de cidacania e de democracia através do tem- po, pois, sendo esse um processo continuo, viveria, em breve, momento estratégico de expans 0 de direitos. Nesse marco, meu trabalho concentrava-se na questio da extensio da participagio politica aos setores populares, investigando como a cla trabalhadora havia se constituido em ator central na cena da politica bra- sileira. O enfoque teérico escolhido estabelecia que a cidadania dessa classe trabalhadora, alids muito plural, era um fendmeno histérico apre- ensivel pelo acompanhamento de um longo (e inconcluso) processo de lutas entre propostas distintas, elaboradas por diversos atores (entre os quais 0 Estado), com pesos variados. Ou seja, a linha interpretativa afir mava 0 protagonismo dos trabalhadores nesse proceso, recusando mo- delos explicativos muito compartilhados a época, que destacavam varid- veis sociolégicas e politicas de cunho mais estrutural, para afirmar um “re- sultado” marcado pela “heteronomia” da aio politica dos trabalhador Minha formacio, reunindo leituras vindas da histéria e da ciéncia politica, com uma pitada de antropologia, certamente ajudou a desconfiar de dicotomias como autonomia versus heteronomia, bem como a me afastar de uma das chaves explicativas entio mais utilizadas: 0 populis- mo. De forma impressionista, diria que, quando lancado, o livro foi re- cebido mais lentamente entre historiadores do que entre cientistas sociais, 1O_v_A_InveNCAo Do TRABALHISMO talvez porque tenha tido a chancela de um prémio dla Associacao Nacional de Pés-Graduacio e Pesquisa em Ciéncias Sociais (ANPOCS), em 1989 Quase 20 anos pass:dos, a incursio interdisciplinar, a busca de atores coletivos ¢ individuais — com nomes ¢ sobrenomes —, 0 aban- dono de um certo vocabulirio ¢ de modelos predeterminados de anilise mio assustam nem espantam ninguém. E nao escrevo isso como estratégia de valorizagao deste texto, mas sim para destacar © quanto se transfor mou ¢ se diversificou 0 panorama da produgao académica nas dreas das ciéncia al tal tipo de investig: ganhou espaco ¢ se afirmou. Apenas como indicac: anos 1980 que autores como Barrington Moore, E. P. Thompson, M: Sahlins, Adam Przeworski € outros comecaram a ser mais lidos e discu- tidos, bastando observar que suas traducdes datam, em geral, do fim da década de 1970. No caso da producao brasileira, tive alguns trabalhos co- mo referéncias importantes, entre os quais os de Maria Herminia Tavares, Maria Antonieta Leopold, Luiz Werneck Vianna ¢ Wanderley Guilherme dos tos, J4 nos anos 1990, sobretudo com © aumento do nimero e qualidade dos programas de pés-graduacao, multiplicaram-se os estudos sobre a classe trabalhadora, bem como os recortes realizados (a questa0 de género, os estuclos regionais, que deslocaram as pesquisas do Rio ¢ de Sio Paulo, os trabalhos monogrificos centrados em fabricas € sindicatos, a questao do corporativismo etc.); uma numerosa, diversificada petente literatura, que retomou o tema da classe trabalhadora, especial- mente no marco de uma histéria social do trabalho. E essa produgio que, felizmente para mim, tem utilizado, criticado e didas neste livro, dialogando com elas. Com essa perspectiva, considero que algumas interpretacdes cen- tis de A invengao do trabathismo foram, efetivamente, incorporadas a esse campo de pesquisa. Entre elas, gostaria de destacar a periodizagio proposia, demarcando linhas tanto de continuidade quanto de descon- tinuidade entie © pré € 0 p6s-1930 ¢ expecialmente dando sentido a “ideo- logia da outorga”, que permitiu ao E propriar e, assim, obscu- recer a “palavra” dos tabalhadores, arduamente construida durante as lu- tas da Primeira Reptiblica. Na mesma linha, estio os dois momentos do Estado Novo e a importancia do periodo do pés-1942, quando, em fun- a0 de um novo contexto internacional e nacional, os investimentos na construgao do pacto tabalhista e da estrutura sindical corporativa des- lancharam. Creio, igualmente, que a proposta de anilise do processo de formagao da classe trabalhacora ¢ de sua emergéncia como ator politico, como um proceso histérico dinamico que comporta uma légica material e outra simbélica, foi, no geral, aceita pelos novos estudos, bem como um debate em torno da eficacia explicativa da categoria populismo. © com- ancado as teses defen- lo se Castro GOMES ¥ A meu ver, como 0 processo de construcao do conhecimento so- cial, da mesma forma que todos os demais, é histérico, o que um pes- quisador deve almejar é que seu trabalho seja lido e discutido, favore- cendo novas investigagdes que, inevitavelmente, apontario suas incor- reces ¢ insuficiéncias, mas também poderao reconhecer suas contribui- ges. Quem pesquisa sabe bem qual é o tamanho da ignorancia, podendo ser, prudentemente, humilde e inteligente. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Ihadora € unir a participacao politica aos direitos desta classe trabalha- dora, Enfim, tratava-se dle investigar como a classe trabalhadora se cons- tituiu em ator politico central & politica brasileir: Para tanto, privilegiei os dois atores que em meu texto de mestrado havia abandonado, mantendo-me fiel ao contexto da cidade do Rio de Ja- neiro. A classe trabathadora ¢ 0 Estado seriam os atores principais, se- cundados agora pelo pationato. Na questio da participa nio mais da legislagdo trabalhista — foram eles os grandes articuladores de propostas, cada qual a sua maneira. Duas pa bem heterogéne meira cobre 0 periodo que vai da Proclamagao da Reptiblica (marco ini- cial da ani é a promulgacao da Constituicio de 1934, quando o Mi- nistério do Trabalho, Industria e Comercio recebe como tituktr Agamenon Magalhies. Este momento, ¢ nao o da Revolugao de 1930, € que constitui, a meu Ver, um marco no tipo de competicio que vinha sendo travada en- ue diferentes propostas de participacio politica. Composta de trés capi- tulos, nesta primeira parte a “palavra” est com liderancas da classe tra- balhadora. Sao elas que colocam suas demandas publicamente, desafi- ando ¢ ao mesmo tempo reas 1 época. O ritmo do tem- po que ai transcorre € lento, como longas e lentas so as lutas travadas pelos trabalhadores no periodo. Pequenas lutas, grandes contratempos, um saldo rico em elaboracoes ages nao tho distantes quanto se poderia acreditar, Em todos esses capitulos, a fonte principal fo nais operirios, complementados por entrevistas com velhos trabalhado- res que me ajudaram a vivificar com sua voz coloquial © material do- cumental impresso. s dio forma a este trabalho. A pri- ise indo ao contexto. lo. 1m Os jor- A segunda parte dedica-se basicamente a um curto periodo cro- nolégico: os anos que vao de 1942 a 1945. O grande ator do cenario po- litico € 0 Ministério do Trabalho, através da figura do ministro Alexandre Marcondes Filho. te pequeno espaco de quatro anos esti decomposto em cinco capitulos, cada um procurando um certo Angulo de visio do mesmo problema ¢ por isso utilizando fontes diferenciad O primeiro capitulo desta segunda parte — ou seja. 0 ca — funciona como uma introdugio aos que se seguem, € seu objetivo & clarecer para o leitor em que contexto politico o Estado assume o con- tole da “palavra operaria’ e, principaimente, que tipo de ldgica comanda sua politica social. O quinto capitulo ocupa-se em mostrar 0 contetido do discurso politico governamental elaborado nesta primeira metade dos anos 40. A sotisticagio e qualidade desse discurso ficam patentes quando se atenta para os nomes dos intelectu: no esforco € no cui- dado dedicado 4 sua divulgacao. A fonte escolhida foi a revista Cultura envolvick aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA DE CasTRO G therme dos Santos, orientador no doutorado, ¢ César Guimaraes, exem- plo porexceléncia da vocagio docente. O professor Guillermo O'Donnell também precisa ser lembrado, pela importiincia que seus cursos tiveram para a elaboracdo deste wabalho. Sou, porém, produto hibrido profissionalmente, € meu outro lado também quericdo é 0 CPDOC, onde trabalho desde 1976. Impos cionar todos aqueles que foram importantes para mim nesta que é a mi- nha casa A ANPOCS foi também fundamental para a feitura deste trabalho. De um lado, foi através desta instituicio que consegui durante dois anos uma bolsa de estudos que me permitiu contratar auxiliares de pesquisa e reproduzir o material necessario ao meu levantamento de dados. De ou- uo lado, como membro do Grupo de Trabalho Pensamento Social no Bra- , pude discutir ao longo de quatro anos textos preliminares desta tese, ivel men- recebendo sempre sugestoes enriquecedoras. A Universidade Federal Fluminense, através do Departamento de Ciéncias Sociais, do qual fui professora. possibilitou que durante este ul- timo ano eu pudesse me dedicar integralmente a redacao deste trabalho, Sem as preocupacdes € ocupacdes que o magistério impoe. Encontrei também na UFF um amigo e leitor critico inestimavel: José Augusto Drummond atravessou pacientemente os originais dos primeiros capitu- los, entiquecendo-os com sugestoes valiosas. Ao CNPq agradego a bolsa de au sivel a compra de fitas cassete ¢ a remuneracdo simbélica de um valioso auxiliar para a realizacio das entrevistas: Eduardo Stotz. Durante o le- vantamento de dados pude contar com a dedicacao de trés estudantes universitarias, todas elas mais do que eficientes porque interessadas no. faziam. Claudia Tavares Ribeiro, Leda Hahn ¢ Simone A. Pereira con- ndo possivel a coleta de uma ruzoavelmente va de documentacao. Outras p: tremamente delicadas comigo durante a tiva e fundamental da mpo. As funciona inte meses co- ilic pesquisa que tornou pos- sta massa sous foram ©: de ca as do. pesquis locaram 2 minha dispo lo, no serio esquecidas. Do Arquivo Edgard Leuenroth as figuras de Marco Aurélio Garcia e Michael Hall tormaram possivel uma consulta ra- pida e produtiva, num petiodo em que as condigées do arquivo eram pre- carias, devido a seus problemas iniciais de instalagdes. Ja na etapa final deste trabalho contei como kipis de Dora Flaksman, a quem atribuo a cla- reza e elegiincia que este texto po: entar, Sua presenca f nimo de tranqiilidade e esper: compreensio pelos leitores Na datilografia contei com a habilidade nao adjetiviivel de Licia Inez. siné- de plen 16_v_A_InvencAo po TRABALHISMO Momento dificil para uma pessoa é aquele em que ela é examinada Publicamente. A.composisao dle uma banca cle doutorado € neste sentido experiéncia de historiador € com sua delicadeza de -penileman Tambem 4 Ledncio Martins Rodrigues, pelo estimulo permanente, € a Luiz Werneck Vianna, Amaury de Souza ¢ José Murilo de Carvalho, que, como profes sores do IUPERJ, me acompanharam. Wanderley Guilherme dos Santos precisa ser mais uma vez lembrado. Uma proximagio inicial de muito peito € certo temor foi sendo transformada em relacionamento de ne- nhum temor, bastante carinho € muito respeito. Finalmente, os familiares que suportam sempre amorosamente momentos dificeis como o da elaboragdo de uma tese. Meus pais, meu marido e Isaura ‘eram comigo todo esse tempo. Mas. iltimos anos consegui realizar um sonho bem mais bonito ¢ im- portante do que elaborar uma tese de doutorado. G lina e Luiza fizeram de mim autra pessoa. Isto significa o exercicio de uma rotina de maternidade, das fraldas ao jardim, fazendo com que minha vi- da estivesse cheia ¢ “cheia” de criancas. A felicidade indescritivel pela possibilidade de realizacao deste sonho talvez s6 possa ser entendida pe- las mulheres que, como eu, tiveram que lutar muito pela eternidade pos sivel. Por tudo isso € pelo amor maior que sinto, s6 4 Celina ¢ Luiza este trabalho é dedicado. —a Tata ~ esi neste anhei duas filhas. Ce- Rio, setembro de 1987 Introdu¢ao Quem é0 opertriv? um homem bonesto, laborioso e que precisa sofrer 0 rigor da sorte para tenttdcuto de todas as cla ciats O que é opertrio? E 1m cidaddo que representa o papel mais importante perante a sociologia humana O que deve ser operdrio? Um bomen respeitado, acatado, porque x6 ele sofre para que os felizes gozem; dere ou nao ser tv bom cidaddo como outro qualquer? Tem on ndo peranie a lei natural on escrita — odireito e dever — de pugnar pelos direitos ¢ defesa das classes a que pertence? Eintuitivo que sim! Echo Popular, 10 de abril de 1890 Este pequeno trecho de um artigo do jornal socialista Echo Popular traduz bem a questdo que é 0 objeto deste estudo e demarca 0 momento a partir do qual ela pode ser datada no Brasil. O wecho se inicia pergun- tando quem é 0 operirio ¢ qual é 0 scu lugar na sociedace em que vive. A resposta traca uma auto-imagem centrada no valor positivo do ato de trabalhar com as prépri ra do trabalhador e 0 seu papel central no mundo econdmico e social. Se o t balhador é 0 esteio da sociedade, mas nao é reconhecido como tal pelas outras “classes so , cumpre lutar pura que esta situacdo se tansforme. Esta luta é uma luta politica, pois se traduz na conquista do status de “bom cidadao", organizado e representado politicamente, jf que cumpri- dor dos deveres ¢ merecedor dos direitos “das classes a que pertence’. Em resumo, o que o articuli ‘ho Popular esta reivindicando € a transformacao da classe trabalhacdora em ator coletivo legitimo do ce- nario politico nacional, exatamente no momento em que a escravatura _ de onde decorre a digniclade da fig) a do 18 vy A_INVENCAO DO TRABALHISMO acabava de ser abolida ¢ a Reptiblica acabava de ser proclamada. Os fun- damentos desta proposta de cidadania envolvem a construgio de uma identidade social positiva capaz de permitir aos trabalhadores se reco- nhecerem como classe dlistinta € solidaria, lutando por seus direitos pe rante as demais classes socitis. A maneira pela qual este proceso hists- rico de constituicao da classe tabalhadora como ator politico teve curso no Brasil é © que se deseja estudar neste trabalho. E. P. Thompson (1966), em seu clissico livro sobre o processo de formacao da classe trabalhadora inglesa, faz uma observacio essencial & naturez de sua aniilise quando enfatiza que a constituigao de uma c trabalhadora é tanto um fato de historia econdmica quanto um fato de historia politica ¢ cultural. W. Sewell (1981), em seu artigo sobre a for- macio da classe trabalhadora francesa, afirma que, embora usualmente as explicacées sobre o desenvolvimento de uma consciéncia de classe entre trabalhadores atribuam um papel muito importante as relagdes de pro- dugao, a consciéncia operiria, no ¢ ruiu muito n segundo o ritmo da politica do que do desenvolvimento econdmico do pais. Em ambo: sos, 0 ponto fundamental é a caracterizagao do pro- cesso de formacio da classe trabalhadora como um fendmeno histérico, e, mais ainda, como um fendmeno cujo compisso se liga essencialmente a historia politica de cada pais (Przeworski, 1977 € 1979). Thompson e Sewell convergem também em ouuos pontos funda- mentais. Para Sewell, a “mentalidade” da el foi por meio f ideologia revolu- cioniria liberal dominante no inicio do século XIX € da ideologia corpo- rativa artesanal de antiga tradicdo na Europa Ocidental. Esta fusdo per- mitiu que os trabalhadores se reconhecessem de uma nova forma, assu- mindo posigdes na sociedade informados por novos valores, e conce- bendo suas associagoes de classe a partir de uma nova perspectiva. Sewell chama este processo de construgio de uma “palavra operdria (Sewell, 1981, p. 650), ressaltando a forca constitutiva do discurso ope: ririo e sua relacdo com a vida politica francesa e com 23 cul- > da Franc A, S@ CO’ S08 5 tradligé turais dos trabalhadores. ‘Thompson considera que uma classe existe (acontece) quando um, grupo de homens que compartilham experiéncias comuns apreende estas — ou seja, ¢ capaz de mate- idéias e formas institucionais. E no decorrer deste processo que se constr6i uma identidade coletiva de interesses préprios a uma classe, distintos clos interesses de outras classes. Por isso, Thompson rejeita frontalmente a idéia de classe como “coisa” Cid, passivel de ser deduzida de uma certa relagio com os meios de pro- ducio e cujos interesses poderiam ser clefinidos em abstrato (os “werda- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA 0& Castro Gomes v 21 ensio de uma légica da aco coletiva. Por esta via, Sahlins critica Olson e também uma certa teoria marxista utilitaria e naturalista. Para Sahlins, como também para Baudrillard (1977), a experiéncia humana nao é organizada segundo uma logica objetiva, natural e pré-sim- bolica. No entanto, nao se wata de pegar a presenga de circunstancias ma- teriais que — por definigio — constituem sempre um limite ao qual os homens tém que se adaptar. © problema é que os homens se relacionam com estas circunstincias, experiéncias, realidades, enfim, com estes cil- culos racionais, sempre segundo um esquema de repres 0 tinico possivel. O ponto, por conseguinte, nao é 0 s cunstancias materiais ou os esquemas interpretativos que tém prioridade na genealogia da acdo coletiva. A questo nao é de “prioridade, mas sim de qualidade”, ou seja, a experiéncia humana ¢ sempre uma experiéncia rica em significados. O pensamento nao é 0 reconhecimento de uma re: ago de situagdes ma- alidade natural. A consciéncia nao é uma identific tais ela nao interfira. As andlises de Thompson e¢ Sewell, brevemente mencionadas an- teriormente, constituem excelentes exemplos de como a construcao de um ator coletivo — a classe trabalhadora — foi tratada a partir de um en- foque tedrico que privilegiou a presenca de uma légica simbdlica. Se am- bos os autores ressaltam que a construcio da identidade operaria é tam- bém um fato de historia econdmica, que tem a ver com a dinamica da Re- volugio Industrial na Inglaterra © na Franca, sto categéricos quando en- fatizam que as experiéncias m 1is destes trabalhadores sio apreendidas segundo modelos interpretativos que se vinculam a suas proprias tradicdes politicas e culturais, bem como ao compasso da vida politica de seus respectivos paises. Para Sahlins, o problema fundamental de um certo marxismo foi justamente ficar aprisionado por uma “légica racional e material da pro- ducao”, 0 que acabou por contradizer as postulacoes do proprio Marx: os homens tansformam a natureza (produzem/trabalham) segundo um construto, isto é, segundo um sistema de representagdes. Contudo, o es copo do pensamento marxista é amplo ¢ dentro dele encontram-se pro- postas de anilise da acio coletiva que também criticam o que se consi dera uma versao ortodoxa do cia de classe. O tra- ter nificado da cons batho de Thompson é mais do que suficiente para demonstrar a impor- tincia dos textos que propdem a superagao de uma ldégica utilitarista. O trabalho de Claus Offe ¢ Helmut Wiesenthal (1979), seguindo uma ver- tente mais te6rica, € outro bom exemplo. Partindo de uma critica ao livro de Olson, estes autores defendem aexisténcia de duas légicas de 1: uma para a burguesia e ou- tra para a classe trabalhadora. F assim uma légica da acio coletiv 40 coletit 22 _v_A_INVENCAO DO TRABALHISMO que procuraria superar as dimensdes individualista e utilitarista da orga- nizacio de interesses olsoniana. A possibilidade de constituigao da classe trabalhadora como ator politico adviria nao da agregacao de interesses materiais comuns, mas da superacdo desta problemitica. O auto-reco- nhecimento dos trabalhadotes como coletividade s6 seria pos definigao do que seriam os seus interesses de classe, 0 que ser através de um discurso capaz ce conformar uma identidade que supera a presenca dos interesses utilitirios. Nao se nega, portanto, 2 existéncia as sim que eles comandem a acdo coletiva dos tra- destes interesses, r balhadores A formaciio de uma identidade coletiva — de uma interpelagao de- finidora e integradora — seria capaz de subverter a logica coletiva utili- tarista pela redefinic I dos termos do calculo racional. Neste sen- tido, poderiam existir diversas identidades pa se wabalhadora e varias formas de consciéncia de classe e definicdo cle interesses, Nao se trataria de encontrar “uma” consciéncia de classe “verdadeira”, pois con- forme aos interesses reais/naturais/materiais do operariado. ac Mas & Pizzorno (1976), outro autor marxista que trabalha nessa di- >, quem traz uma importante contribui 1 ele, que claborou o conceito de identidade coletiva, as agdes que compdem um processo de formacio de identidade podem comportar dois momentos. Em um deles a légica da acio coletiva 36 pode ser entendida quando se abandonam as questdes do que pode ser “ganho” ou “perda” para os atores nela en- volvidos. O fundamental, neste caso, sio as “condutas expressivas” que produzem solidariedade. O objetivo da acao é o reconhecimento de uma identidade comum pelos proprios participant uma reivindic ’s ¢ pelos outros, o que & acio claramente nao-negociivel Em outro momento, quando a identidade coletiva € reconhecida, ‘condutas instrumentais” passam a predominar ¢ as reivindicagdes da acdo tornam-se mais setoriais ¢ baseadas em um céleulo de perdas e ga- nhos. Esta dindimica é permanente, revelando a possibilidade da presenca de uma dupla légica, mais expressiva ou mais instrumental, conforme o momento da constituicao das identidades coletivas. Para Pizzorno, este processo histérico 86 se efetiva quando 0 ator é capaz de se reconhecer por meio do que chama de uma “area dle igualdade”, A agao coletiva, es- pecificamente a participacao politica, € desencadeada quando se esta en- te iguais. Fazendo uma leitura livre de formagio de uma identidade coletiva consiste na construgio de um dis- curso capaz de produzir uma “drea de igualdade” substancial que nega as desigualdades em um espaco definido e, dentro dele, enfatiza um con- Ses autores, € possivel dizer que a aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 24 © A_INVENCAO 00 TRABALHISMO sil, a interpretacao dominante é a que vé este resultado como a quebra de um processo natural que vinha se desenrolando durante as décadas da Primeira Reptiblica, sob 0 comanclo dos proprios trabalhadores, A intervengio do Estado, produzindo uma identiclade “de fora”, te- a gerado uma classe trabalhadora cuja atuago politica estaria conde- ternas 2 classe. Dai a chamada hete- dos trabalhadc ei nada a vinculos com liderangas ronomia da agao politic que nao os seus e incapazes de impulsao prépria. Dai o sucesso do tra- balhismo ser explicado ou pelas condi¢des socioecondmicas de formagao da e trabalhadora (suas origens s dificeis condigdes de in- tegracio ao trabalho fabril; a renovacio constante do contingente de tra- balhadores engajados na producao, enfim, as determinacées estruturais da industrializagao no Brasil); ou pela natureza dos apelos populistas que manipulariam esta massa visando apenas ganhos eleitorais. Dai, por fim, a anomalia da organizacio corporativa, uma invengao autoritiria do Es- tado Novo que sobreviveria no pés-45, A Constituicdo de 1946, neste ra- ciocinio, consagraria um processo diibio, 20 manter o sindicato corpo- rativo num regime liberal-democratico. A eleigio de Getilio em 1950, sua morte em 1954 ¢ 0 posterior crescimento do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) reafirmariam este paradoxo da histéria politica do Brasil O que se deseja neste estudo € questionar toda esta linha inter- pretativa, Para tanto, vai-se retomar o processo hist6rico de construgio da identidade coletiv se trabalhadora no Brasil para compreender melhor as razdes do sucesso do projeto trabalhista que marca a cultura politica deste pais até hoje. Isto significa investigar: 1) quem foram seus principais artifices; 2) quando foi testado e implementado; 3) que recur- os de poder foram mobilizados pelo Estado; € 4) que elementos basicos este discurso trabalhista articulou. Seguir esta linha de andlise é postular que o pacto entre Estado e classe tabalhadora no Brasil nao pode ser entendido apenas segundo um calculo utilitario de custos ¢ beneficios. Ou seja, as interpretagdes que a da legislacao do trabalho, em sentido amplo, para explicar se trabalhadora ao projeto trabalhista, esto cor- retas, mas sao insuficientes. A hipotese deste trabalho é que 0 sucesso do projeto politico estatal — do “trabalhismo” — pode ser explicado pelo fa- to de ter tomado do discurso articulado pelas liderangas da classe traba- Ihadora, durante a Primeira Republica, elementos-chave de sua auto-ima- gem € de os ter investido de novo significado em outro contexto discur- vo. Assim, © projeto estatal que constitui a identidade coletiva da classe trabalhadora articulou uma légi gislacdo social, com uma logica simbélica, que representava estes bene- ficios como doagdes e beneticiava-se da experiéncia de luta dos préprios res, subordinados a interesses. rurais da ch: sinalam a material, fundada nos beneticios da le- ANGELA 01 trabalhadores. Como foi visto, 0 processo de constituicao da classe tra- balhadora em ator coletivo é um fendmeno politico-cultural capaz de ar- ticular valores, idéias, tradi¢des e modelos de organizacao através de um discurso em que o trabalhador € a0 mesmo tempo sujeito € objeto. E fundamental destacar que o objeto desta anilise ¢ sempre 0 pro- jeto que esta sendo proposto, quer seja pelas liderangas da classe waba- Thadora, quer seja pelo Estado, com as ébvias diferengas de recursos de poder, O exame do processo de constituigio de uma identicade coletivs da classe trabalhadora no Brasil é feito a partir da diversidade de versdes construidas pelos atores nele envolvidos. Estas versdes so examinadas, nao a partir da identificagio isolada de elementos que compdem seu con- tetido, mas sim pela articulagao desses elementos em uma certa légica discursiva que constréi seu proprio destinatirio (Laclau, 1979) A classe wabalhadora, por conseguinte, nao esta sendo entendida como uma totalidade harménica, um sujeito univoco em busca de uma identidade. Ela é tratada através do conjunto diferenciado de propostas que lutam e competem pelo monopolio “da palavra operaria”. A multi- plicidade das versdes sobre o passado, presente e futuro desta classe tra- balhadora toma © que “efetivamente se passou” num aspecto secundario para a anilise. O primordial aqui é sempre a proposta dos atores envol- viclos no processo e — 0 que nos remete de forma inevitdvel ao que “efe- tivamente se passou” — seu esforgo e capacidade para wansformar suas versdes em “fatos reais" (Lamounier, 1980). E necessario ¢ conveniente agora voltar ao artigo do Echo Popular. La est, em sintese, o fundamental dos elementos-chave rearticulados pe- lo discurso trabalhista no pos-30: uma ética de trabalho; a figura do tra- balhador como homem honesto ¢ sofredor; a centralidade de seu papel econémico na criagdo das riquezas do pais; sua importincia na sociedade em geral, e, por fim, a naturalidade de sua cidadania. O processo de constituigao da classe trabalhadora no Brasil como ator politico vai ser uatado como um proceso que tem como que dois movimentos principais. © primeiro deles é lento ¢ toma as décadas da Primeira Reptiblica, pontilhadas de propostas politicas e de grandes e pe- quenas lutas comandladas pelos préprios trabalhadores. A “palavra” neste periodo esta com liderangas vinculadas 2 classe tabalhadora (intelectuais ou nao), que indiscutivelmente assumem a construcdo de propostas so- bre sua identidade. A despeito disso, so forgadas a assumir também os. temas da conjuntura politica nacional: os partidos, na virada do século; 0 militarismo € 0 nacionalismo, nos anos 10; a crise econdmica € politica, nos anos 20. Como ja foi assinalado, é histéria politica de um pais que da a este processo de constituigio de atores seu compasso decisivo. E compreensivel, desta forma, que neste longo periodo haja um momento 26 _v_A_INVENGAO Do TRABALHISMO particularmente denso, correspondente a uma conjuntura de grande ten- 0 ¢ mudanga politica. A virada do século, momento que se segue a abo- licio da escravatura e 2 proclamacao da Reptiblica, é especialmente sig- nificativa para a construgao da “palavra operaria Quando se cria um mercado de trabalho livre no pais € necessario também criar um modelo de wabalhaclor, ¢ o referencial da es impoe para a construcdo de qualquer tipo de discu ética do trabalho. No caso deste estudo se esti privilegiando e acompa- nhando os esforcos de construcao de uma ética do trabalho que nasceram da propria classe trabalhadora, por intermédio de variadas liderancas com propostas politicas distintas. Mas vale mencionar que existiram outros projetos dle redefinicio do conceito de trabalho e do papel do trabalhador na sociedade, que se articularam por iniciativa do patronato e de auto- ridades ptiblicas. Desde fins do século XIX — mesmo antes da aboligao da escra- avidao se so que cnvolva uma vatura —o tema do trabalho e de tr lores livres e educados no “cul- to ao trabalho” se impés ao pais. Entendia-se claramente que era preciso criar novos valores e medidas que obrigassem os individuos ao trabalho, quer fossem ex-escravos, quer fossem imigrantes. A preocupacio com o Scio ea desordem era muito grande, e “educar” um individuo pobre era principalmente cniar nele 0 “hibito” do trabalho. Ou seja, era obriga-lo ao tabalho via repressao € também via valorizagao do préprio trabalho co- mo atividade moralizadora ¢ saneadora socialmente. O “pobre” ocioso era indubitavelmente um perigo para a ordem politica € social segundo esta perspectiva, que nao era advogada no seio da classe trabalhadora, como se veri com vagar a seguir Além disso, vale observar, apenas como registro, que paralelamen- te aos esforgos para a criagdo de uma ética do trabalho — quer por ini- ciativa dos trabalhadores quer nio — desenvolvia-se também, em espe- cial na cidade do Rio de Janeiro, uma proposta de produgio de uma ética do nao-trabalho (da malandragem), que convivia ¢ disputava espagos com a primeira. Examinar a dinamica dest extrapola os ob- jetivos deste estudo, mas nio se pode deixar de assinali-la, ja que ela per- corre toda a Primeira Reptiblica e tem desdobramentos no pés-30. O segundo dos movimentos mencionados é bem mais rapido e, embora possa ser, grosso modo, datado do pés-30, tem como ponto de inflexdo os anos que vao de 1942 a 1945, ji no final do Estado Novo. Nes- te perfodo, a “palavra” nao esti com os trabalhadores € sim com 0 Estado. Nao se trata mais da postulagio de diversas propostas de identidade da classe trabalhadora que competem em um espaco politico, enfrentando reacdes poderosas de outras classes sociais. Trata-se de uma propost identidade nitidamente articukida a um projeto politico que conta com re- convivéncia de aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 28 v_A_INVENCGAO 00 TRABALHISMO ha, como Pizzorno sustenta, “uma” consciéncia de classe, “um” interesse “verdadeiro” para a classe trabalhadora, pois nao existe, histérica ou te- oricamente, nenhum modelo que possa ser seguido e defendido. Considerando-se o processo de construgao de uma identidade co- letiva como historico ¢ fundaclo numa I6gica simbdlica, no caso da classe tabalhadora no Brasil € nece io incursionar pelas décadas da Primeira Repiblica € “ouvir os trabalhadores”, para entio avangar para os inicios dos anos 40 e af “ouvir o Estado”, percebendo em sua fala os ecos de ou- tras vozes No inicio do século a “palavra” estava com aqueles que se auto- designavam socialistas ¢ que, num momento extremamente complexo e denso, propunham em nivel de discurso € de organizacao a participagao politica daqueles que trabalham, Esta experiéncia, efémera e fragmenta- da, é rica em significados. Ela demarca 0 esforco de construgao de uma identidade social para o operario, dando-lhe papel de destaque no mer- cado e, resguardado este lugar, defendendo a legitimidade de sua parti- cipacao politica Confrontando-se com outros discursos republicanos e, principal- mente, rompendo com a tradigdo da propaganda abolicionista, os soci- alistas debateram-se com a forca de nosso passado escravista no universo da politica, Sua proposta organizacional de forma¢ao de um partido po- lidico operirio decorreu de uma aniilise que acreditava na congruéncia entre as quest6es de trabatho livre as da Republica recém-proclamada. 1a Opgao, que de inicio subordinou as associagées da classe trabalha- dora ao partido, mas que num segundo momento reconheceu sua grande importincia como base politica, nao foi bem-sucedida, nem no inicio do século, nem durante toda a Primeira Reptiblica. As insistentes e sucessivas tentativas de formacao de um partido operirio (socialista) enfrentaram re- é nao S6 dentro do sistema politico-partidario domi- nante, como também dentro da propria classe trabalhadora. Os anarquistas desempenharam um papel essencial neste sentido, atingindo a proposta socialists do Angulo da organizagio do que no que se refere 4 construcio de uma auto-imagem do trabalha- dor. O valor do trabalho e a centralidade da figura do trabalhador para uma futura sociedade anarquista eram pontos inquestionaveis. Desta for- ma, os libertdrios reforgaram a ética do trabalho que vinha sendo cons- tuida pelos socialistas, bem como seu projeto de identidade fundado na solidariedade dos interesses dos que trabalham. Além disso, enriquece- ram o modelo de homem tabalhador com uma perspectiva de educagio integral que objetivavs io intelectual e moral. © “operario” — sem deixar cle ser definido como aquele que trabalha com suas préprias maos — devia ser também um homem educado, 0 que se traduzia nio sé muito ma pelo acesso 4 educacio basica (ler ¢ escrever) ¢ profissional, como tam- bém pelo acesso & cultura (a arte e 4 “politica”, por exemplo). Mas a “cidadania” anarquista era concebida basicamente como a participacio voluntaria em associacées federadas e confe- deradas: os sindicatos de oficio. A rejeicdo da politica liberal e dos par- tidos e eleigdes completava-se com a rejeicdo das formas associativas mu- tualistas que caracterizavam a experiéncia da classe trabalhadora brasi- leira desde, pelo menos, a segunda metade do século XIX. A opgio pelo “sindicato de resisténcia”, com orientagio doutrinéria explicita ou impli- cita e com o objetivo precipuo de lutar contra o patronato e 0 Estado, ca- racteriza a proposta anarquista em sua forca ¢ fraqueza. As dificuldades de mobilizacio que 0 anarquismo expetimentou, em especial na cidade do Rio de Janeiro, sto mais do que ilustrativas, As dtividas e as propostas alterativas de alguns importantes militantes libertirios 20 longo dos anos 10 demonstram que 0 sindicato de resisténcia nao estava sendo avaliado como uma forma organizacional capaz de colaborar para a construgio da identidade da classe tabalhadora, ou seja, da solidariedade desejada pe- los anarquistas. A questao das formas organizacionais avangou com mais dificul- dade do que lor do trabalho numa economia de mer- cado, e do reconhecimento da classe trabalhadora como fundamental distinta de outras classes na sociedade em geral. A formacao de um Par- tido Comunista no Brasil, em 1922, e o destaque que a proposta coope- rativista ganhou na mesma €poca iriam alimentar este processo. No caso dos comunistas. u sobre a renovacio do projeto de um par- tido politico para a classe trabalhadora e sobre a recuperacao da legiti- midade de sua participagao politica por meio do voto. Ressignificando a proposta dos socialistas, os comunistas teriam o papel de conduzir o pro- jeto partidirio desde entdo, sustentando-o com eficicia até 0 periodo de 1942-5, apesar da repress questdes do 0. JA os cooperativistas propunham basicamente um modelo de or- ganizacao fundado em sindicatos profissionais cuja finalidade era realizar acordos entre a classe trabalhadora € 0 patronato, dentro dos ditames da ordem e do progresso social, Estes sindicatos operavam por meio de co- quais preenchiam funcdes que abarcavam o crédito aos , a distribuigao da producao, a educacio ete. Os sindicatos co- operativistas aproximavani-se, portanto, de um modelo associativista mu- tualista de carater mais assistencial, sendo radicalmente opostos ao mo- delo associative anarquista. Embora com caracteristicas absolutamente di- versas, 0 sindicato também aparecia — neste contexto dis mo o instrumento por exceléncia capaz de articular a classe trabalhadora cursive — co- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGeta 0& Castro Gomes v 31 nistério do Trabalho, fechou-se com vigor o tativa de encaminhar 0 processo de constitui partir dos proprios trabalhadores. O que se pode observar, contudo, é que ‘spaco para qualquer ten- » da classe trabalhadora a ‘ste momento de repre: so nao foi simultineo ao da construgao e implementacao do projeto tra- balhista. Ha como que um hiato entre os dois, que explica a possibilidade de emissao de outra proposta para a classe trabalhadora. A proposta da Igreja, que se serviu deste lapso de tempo, nao conseguiu, entretanto, ar- ticular elementos necessirios para sensibilizar os trabalhadores. Profun- damente assistencialista, mas também profundamente desmobilizadora, tal proposta foi desenvolvida em vinculacio com um clima politico m cado pelo combate ao comunismo ¢ pelo louvor a um Estado forte. Com as alteragdes sofridas pela politica nacional e internacional no inicio dos anos 40, ficou cada vez mais dificil e desinteressante para as autoricades governamentais dar cobertura a um tipo de projeto como este. Foi justamente no bojo desta situagao politica, que anunciava uma significativa reorientacao para os rumos do Estado Novo, que 0 projeto trabalhista passou a ser efetivamente articulado € implementado. Com primor inquestiona 0 do governo incorporou o aprendizado politico dos anos iniciais d de 30 e estruturou-se por meio de uma sofisticada argumentacio cientificista Esta argumentacio procurava opor fis normas liber: realidade empirica, utilizando todo o instrumental da moderna sociologia ¢ estatistica, Exatamente porque se tinha “consciéncia” de que o proc de constituicao e divulgacdo de um apelo politico é 0 mesmo processo de constituicao do ptiblico deste apelo, o diagndstico cientificista foi com- plementado com um amplo conjunto legislativo e com multiplos instru- mentos de comunicucdo social Gornais, filmes, cartaz ete.) Mais do que falar para um ptiblico, a intengao era produzir este pu- blico identificado como a classe trabalhadora brasileira. E por es que © “trabalhismo” brasileiro manteve tantos lagos com as iniciativas go- vernamentais no campo da politica social, fossem elas voltadas para condigdes de trabalho, educacao, satide, habitaco, lazer ou quaisquer outras. E é também por esta razio que a questio das formas institucionais de organizacio da classe trabalhadora recebeu atencio especial, ocor- rendo um esforco cuidadoso para se articular sindicalismo corporativista ¢ emergéncia de partidos politicos. Trabalhismo ¢ corpora 0 fa rinha de um mesmo projeto. Sao, além disso, invences capazes de se ar- ticular com uma realidade politica que supée 2 vigéncia da liberal-de- mocracia. vel, o disc is os fatos da s, discos, radio 1 razio tivismo s

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