Вы находитесь на странице: 1из 125
MARIO FERREIRA DOS SANTOS FILOSOFIA DA CRISE Laveasia & Eprrona Li Rua 15 de Novembro, ‘Teietones 85-6080 — SKO FAULO L* edigdo janeiro de 1956 2. edicdo maio de 1957 8° edigao novembro de 1959 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS OBRAS DO AUTOR Filosofia © Cormovindo” — 4 ed, “Légiea € Dinlétiea” — 4" ed. "Peicslogia” — 48 ea — "Teoria do Coukecimento" — (Gnoseologia ¢ Crititilogia) — 38 ed. ‘Ontologin © Cosmologia” — (Ax Cifusias do Ser © do Cosmos) — Ae. 0 Homem que foi um Campa de Batalha” — (Prslogo de *Vontade do Poténeia”, de Nietusche") —- Esgotada. jarso de Oratirin e Retévica” — 7." of "0 Homem que Nuseeu Péstumo” — 2 vole. — 2.° e. — “Assim Palavn Zaratustra” — (Texto de Nietzsche, com anélise sime bliea) — 2° ea ~ *Téeniea do Diseurso Moderny" — 48 ed, = “So a Bsfinge Falasse..." — (Com 0 pseudénimo de Dan Andersen) — Bsrotada, — *Realidade do Homan” — (Com o psewddnimo de Dan Andessen) — Dialéeticn do Masxismo” — Rsgotada, “Curso de Intoxragio Pessoal” — 3.2 ei = ‘Tratado de Eeonomia” — (ed. mimeografada) —- Esgotada, ‘Avistétales ¢ as Mutagéea” — (Rooxposigéo analiticodidatiea do tex- to avistotéiee, scompannada da eritien doe mais famoses comentarle- as) 2 ed Filosofia da Crise” — 3 ed. “Tratado de Simbéliea” —- 2° ed, = +O Homem perante o Infinslo” — (Teclogia) “Noologin Geral” — 24 ed. — “Filosofia Conerota” — 2 vols, ~ 24 ed = “Sociologia. Fondamental e Etica Fundamental” — 2.* ed = “Pritieas de Oratéria” — 20 ed, — "Assim Deus Palon aos Homens” — 2 ed — "A Cuan das Paredes Geladas” — 2° ed, — £0 Um ¢ 0 Miltplo em Plato” = *Pitdgoous ¢ 0 Tema do Nimero “Filosofia Conereta dos Valéres”. Eseutat em siléncio”. "A Verdade © 0 Simbolo’ dds segunda ante a primeira. No limite, eom« uma coisa. Mus também ai, onde comeca 0 nlo-ser, & 0 ti do ser de outva, B, desta forma, o limite é do ser de uma eoiss © também € 0 coméeo do seu nfo-ser. Portanto, o conceito de limite é um eonceito dialéeticn, pois firma e nega, pois afi er © nega-o, afirmando 0 outro, que no é éle, Mas nao hé, propriamente, contradicgio forn porque o limite de uma eoisn 6 0 ponto que indiea onde ela te mina. E poderia ela terminar sengo ali onde ela, mais adian io seria ela? Neste easo, o limite separa a coisa do que & ela, sem que afirme que a coisa é 0 que nfo é ela, mas apenas apon- ta 0 que dela se separa. Portanto, o limite 6, ainda, erisis (1) Mas o limite realiza uma medingio, pols @le e2 intereals entre 0 que é alguma coisa, aqui e agora, e o que nfo & ésse alguma coisa. O limite estabelece, assim, uma diferonga ime- (1) Mais aiante exursinareses oo 2ito) 0 conceit de Hite 26 MARIO PEREIRA DOS SANTOS diate, Hsia coisa € alguma coisa dentro dos seus mites, mas extrinsecamente nfo é mais nada, porque 0 limite marearia 0 nip ser também de uma coisa (0 defieiente, o que Yhe falta) pois 0 que the é extrinseco é outro que ela. Mas, também, para te, ale tem o mesmo sismifieado, pois dle so intoreula entre ambas coisas para apontar a uma ¢ a outra o que nio 6 els, € afirmar 0 que elas sfc. Aqui, uma cossa de sex, e 2 outa comeca a ser. Coincidem, assim, as coisas separadas no limite, pois, néle, cada uma deixa do ser o que é, e cada uma comega a ser o que é& Ble esta onde comece o nfo-ser de cada uma, ° onde comega o ser de cada uma, 5 o ponto de fusiio de uma contradiegfio, que nfo nega principio fundamental ontolésico, mas que afirma também o que recusa, pois negar & sempre um recusar, afirmative por tanto. Se éste ser ndo tivesse limite seria naturaimente timt- tado. E, neste caso, nio diferiria do “outro”, Ho que o determina, que é éle e nio 0 outro, 6 o limite, que og separa. B 6 dle que og separa, mas entre o de um e 0 do que nfo 6 Cle, nilo hé diastema, como diziam os gregos, uma distancia, porque uma coisa cessa de ser ela, no limite em que ela o aleanga com o seu ser. Portanto, 0 que no é ela esta imediatamente ao lado dela, © nenhuma distancia pode haver, porque a prépria distancia, se houvesse, jd seria 0 outro que nao 6 Portanto, um! cess de ser a si mesma, no procipuo ponto que aleanga 0 Nao é 0 limite que nos permite dizer o que uma coisa 6? E sem og limites, como poderiamos distinguir os séres? E se cada coisa € 0 que é por seu limite, 6 também por éle que ela deixa de ser outra, Ble afirma-a e também Ihe barra um além, porque Ihe nega um e também afirma, E a forma também ndo limita as coisas? Néo é s6 0 limite da figura que as delimita, mas também a forma a limita pela sua raziio formal. FILOSOFTA DA GRISE, © homem ¢ delimitado pela forma humana, pela razio in- trinseca de ser homem. E niio s6 as coisas do mundo eorpéreo conhecem limite conceitos © as idéias, pois clas sem- pre tém um que as separa de outras, que as delimita, quo as afirma, ¢ afirma 0 que ndo é nenhuma delas, ‘Tambéra os eonhecem 08 Ele, assim, inslala-se em t0das as coisas finitas, pois todas elas tém limites Eseo nieo, die nfo os sofre, porque onde Ih ser, est o ser, ¢ néo hé outro além déle, Mas aqui surge um problema de filosofia: © limite ou 6 dado extrinseca ou intrineecamente pelas coisas? Seria a cireunstiineia ambier tal, que rodeia os corpos, o limitante de um eorpo? Nao ha. fo intrinseea nos corpos que © ubiquam em seus ‘A. presencialidade ontolgiea de um corpo esi yacio interna de si mesmo, ou na circunstfineia ambiental que Nho hd uma estne Iugar que éle occupa? Nao cometeriamos um grave éro se 03 confundissemos? universal Go ser em si mesmo, distinta do ‘Todo o ser tem uma consisténcia, € um ser corp6reo tem uma consisténcia e uma subsisténeia, que formal e material- mente 0 compoera. Mas todo ser corpéreo, por sun ver, acupa um lugar no espaco, ¢ diise no tempo. IH essa mancira de ser ¢ de oxistir marea-lhe um Fimite, Mas o estar aqui e ali nflo consiste na elreunstineia extr seca de estar precisamente agui e ali apenes. Hsta mesa néo 6 apenas eln porque esti rodeada por ésses corpos, mem porque ‘ocupa éste lusrar, pois poderia ccupar outro, sem que a sua es: tancia intrinveea fOsee mudada, ‘Essa intrinsecidade dos séres 6 importante e deve ser con- \or compreendamos os limites. siderada para que me Nao é 2 superficie tltimas dos corpos que marea a sua intrinsecidade, mas sim a raz4o que the di a proporcionalidade 28 MARIO FERREIRA DOS SANTOS interna. O espago, que occupa, Ihe é extrinseco, porque o que he é intrinseco é a sua forma, que é interna, enquanto a figura © a sua forma extrinsees, a que surge aos olkos, aos sentidos, enquanto a outra é captavel apenas pela inteligéneia, E quan. lo dizemos que éste corpo est aqui ou ali, sentimas claraments que lugar que ocupa the & extrinseco, e que tem uma presen clalidede que déle se distingue. Por isso pole oeupar oxtre Iugar, sem que sofra uma mudanga na sua forma, que é 4 sua presencinlidade intrinseea. Aquéle rochedo, aue emerge do Tune do do mar, ocupa sempre o mesmo espago, mas notemos que as guas que 0 ceream so sempre outras, levadas pelas cor- rentes maritimas, A estiineia, portanto, do rochedo, nfo depende das dguas que 0 cercam. O mesmo se dé com aquéle pedago de madelra que as aguas carregam. EY ffeil eompreender agora que ha \im fimite extrinseco da figura @ um limite intrinseco, que é 0 da forma. Ambos, porém, separam, B iso € evivis, Eneontramos no limite, um apontar da erisis, que sage em todos os existentes Finitos. A conseldneia dela, que em nds se avoluma, ¢ um tema importante que apela ainda para muitas Bivagags Das observaeses que fizemos aeima, verifieamos que li- ite pode ser considerado como 0 ponte em que cessa de se 0 ser de alguma coisa, E como as coisas do mundo corpires tém uma forma extrinseea, que ¢ a figura, esta apresenta © Limite estereométrieo, o da sua dltima superficie, E como tém uma forma intrinseca, que ¢ realmente « rai da coisa, a lei de proporcionalidade intrinseea, que The d& a unidade, apresenta um limite, que & 0 da forma, da atididade, do quid da coisa, que nos transparece na definigio, que é & Aelimitacdo formal de um conceito, FILOSOFIA DA CRISE 2 Ha, ainda, as fronteiras que 0 ndo-ser esta coisa estabe- eco, tangendo-a imediatamente; a fronteira do nao- simultineamente o limite da figura. Podemos esquematizar limite: — figurativo — formal — ambiente-circunstancial Quando nossos olhos se pousam sdbre as coisas que de nés se distanciam, algo do mistério do mundo parece querer reve- Tar-se. Aquéle quadro, cereado pela moldura, préso aquela pa- rede, imével ¢ imobilizado, sem um protesto, da a impressao da amargura de quem accita 0 seu destino. Antropomorfizamos as coisas, quer queiramos ou nio, Mas nese antropomorfismo no hé uma violencia feita as coisas, porque, no nosso sentir, ha uma profunda analogia entre a. nossa afectividade, 0 nosso perserutar as coisas, ¢ 0 que Aquéle retangulo de madeira ¢ pano, onde 2 milo do artis- ta tragou os sinais do fmpeto criador, algo que se isola, sepa racse, 86, eminentemente 86, € tnfeo, imerso na sua unieidade, ‘que 6 sempre solitéria, ‘Mas nds sofremos, quando nos sentimos 5 nossa unicidade, separados por um abismo de todos os outros, famintos de uma fusfo, de algo que nos una, mas sentindo, apé: 8 nossas embriaguezes, em que eoineidimos com os outros, a jnremedidvel desilustio, ¢ a certeza nfo desejada de que hé alga em nés, cuja sombra jamais se fundiré com as s outros.” Hé sempre um outro, ¢ nés. Temos cons limite. As coisas também sofrom dos seus limites, mas ealads: intrinsecamente caladas, silenciosas até ante sii mesmas, por. que, nelas, néio ha um eu que perscrute a si mesmo. Nelas ha © siléncio; tremendo ¢ inelutavel siléncio. Mas nds © ouvimos, 30 MARIO FERREIRA DOS SANTOS porque se elas calam intrinsecamente, falam, contude, uma lin- guagem que nos toca ao coragio, B a crisis se agvava so aceitarmos essa separagio como irremediivel, um abismo insuplantavel, tragado entre nés ¢ os ontros. E, nie podemos negar que sentimos que se pudé mos veneer essa separagio, algo em nds se iuminszia, Um quarto limite foi tracado aqui, além dos trés primeiros. ET o limite da individualidade. Cada coisa que se indi- vidualiza é de per si um limitar-se a si mesma ante os outros, A incomunicabilidade da sua unicidade, que apenas formalmen- te, e por analogias afectivas podemos captar, é um limite que traca a si mesma e aos outros. Mas as eoisas ignoram essa Em nés, porém, ela se torna conseiéneia, porque, em nds, agravamos as distdncias, e a crisis é mais profunda, EF que hé em nés um eu que perseruta o limite que Ihe Gli a individualidade, e que Timita 0 ex que busea ultrapassar we limite, ¢ que déle nio se satisfaz, que déle sofre, e por ale sofre, Portanto, um quinto limite surge stbbitamente em nés. 0 limite do eu ante o limite da individualidade. Sim, 0 ‘eu fem um, ¢ tanto © tem que gentimos que a individualidade © limita, Se ela o limita, o desta 6 também o do eu, porque, como j4 vimos, o limite é sempre um diplice apontar de um outro para outro. ‘Tomamos conseiéneia da nossa individualidade através do ei, Mas acaso o eu ndo toma conseiéneia de si mesmo quando toma consciéneia da individualidade? Nao 4 aqui uma eons- cidneia da conseiéneia? Um saber que sabe que sabe? E nio hé em nés algo que sempre se coloca além de todo 0 nosso conhecimento, algo que conhecemos, sempre distante, sempre cada vez mais distante, que marca uma presenca que sempre se separa de tudo quanto delimitamos, pois conhecer & sempre dclimitar? E ése saber de um saber que se distancia, logo que tragamos um limite, nio ¢ um grande ilimitade que cons tantemonte evita prenderte dentro dos limites? FILOSOPIA DA CRISE at 1 dossa forma, entre os limites de todo 0 nosso eonhecer, iw hit sempre em nds, algo que conhece, que os vence, porque doles néo se deixa aprender? E que sempre ge separa, dis tante, sempre 0 mesmo? Ainda ¢ crisis, Mas {6ria que viveros em nés. também ja um apontar de uma vi 0 teitor, ao ler estas paginas, pode tomar eonseiéneia de que 18 estas paginas, Nio se desdobrou agora? E néo pode tomar conseiéneia de que se desdobrou nesse momento em que toma conseiéneia que 1é estas paginas? E quo sente em tudo isso? Que algo néle € rebelde a prender-se em limites, Algo que 08 estabelece, mas que nfo quer limitar-se, e que sempre escapa a tida a limitaedo, algo que em nés 6 ilimitado, algo que om nés afirma uma vietdria sdbre tudo quanto estabelece uma fronteira, porque vence ¢ ultrapassa as fronteiras. "Todos éssvs limites sf ultrapassados por algo que sempre se distancia déles, e que nfo os aceita como os seus limites. Ainda hé crisis aqui, mas surge ante os olhos uma promessa Portanto, hé uma razio para nio desesperar, Mas é pre- ciso encontrar o caminko prometido, INTERCALA-SE 0 NADA ENTRE AS COISAS? Como hi, na filosofia, os que afirmam e defendem que entre as coisas se intercala o nada, é mister que de antemio se esclarecam alguns pontos fundamentais, Os corpos que conheeemos, que nossos sentidos nos reve- lam, ¢ cuja forma intrinseea nossa inteligéncia eapta, ocupam uum Tugar, © se dflo no tempo, porque esto imersos no sueoder. ‘Os coneeitos de tempo e de espago siio esquemas funda mentais que presidem a tOda a nossa experiéneia com © mun- do exterior, pols tude quanto eonhecemos, eorhecemo-lo no tem po e no espaco, que, como expunha Kant, presidem A experién- Gla e dio o nexo de ordem, esquematizam-na em suma. Ao capt a unidade de um facto, nossos esquemas de tempo e de espago ao-Thes ama ordem, isto é uma relagdo das partes com © todo e das partes entre si, Se tempo e expaco sfio reais, ou apenas esqtiemas construides por nés, 6 um problema de ilo- sofia, que implien muitas © complicadas anélises, ‘Um estude da psicogénese (da génese do nossa espirito), como ja tem sido empreendido na época actual, mostra-nos que 8 esquemas de tempo e espago se formam através da coorde- nacio de esquemas do sensbrio-motriz, até que a razdo os ge- neraliza, para transformé-los em esquemas abstractos (1). (1) Toda nossn intsigan sensivel ovdenase siniultaneamente ou se coseivamente, Oa factor eensiveis sto exptidos na simoltancidads ov na smccessfo, E’ fondamental da intuigio zensivel esta ondenagie, Temas aqui a base positiva do ponsarento kantiano. As contribuisses da "Psi 12" no destroem a emurgéncie dos coneeiias de tempo © espago, ‘apenas salientam a predisponduoia, oubra yositividade que se inelol na maneiva conereta de ver o mundo, que € £20558 36 ‘MAQIO FERREIRA DOS SANTOS. Os escolastieos, come Toméis de Aquino, que seguem a nha aristotéliea, afirmavam que tempo e espaca sito entes de razio (enfia rationis), mas fundados nas eoisas, eum fun damento in re, pois hii entre as coisas distancias e suceder, que permite generalizar os esquemas da experitneia, at6 for- ‘mar 08 conceitos abstractos de tempo e de espago, que 0 racic- nalismo moderno separou totalmente dos factos, esvaziando-os distes, que néles $0 Go. Tornou-os dois grandes vazios, que slo verdadeizos nadas, em oposigio ao eonecito de tempo-espago da fisica, actual, que segue, neste sentido, a linha aristotélica Os espago e o tempo, esvaziados de todo contetdo ticticv, sig entes conceituais, cujo contetida implica o despojamento de ‘tudo quanto acontece, ficticamente, porque todo ser singular, pela sun extrema singularidade, é sempre um desafio i com- preensiio racional, ‘Tais esquemas presidem, 6 verdade, ds experiéneias futu- ras, E se les ef aposterioristicamente construidos, como 0 mostra a psieoginese, terminam por actuar aprioristicamente, antes da experiénela, o que é inegivelmente uma positividade do pensamento kantiano. Se as coisas se dio no espago, e elas se separam, como 0 limite o revels, entre elas se interpée o espugo. Mas, que e3- pago? Um espago cheio, como 0 de Lorentz, ou um espago vazio como o de Deméerito? Se ha um vazio, e ésse vario é total, — neste caso um nada que se intercala entre us coisas, —terfamos de aceitar que se formariam verdadetras ilhas, nam mar vazio de tudo, um grande nada onde as coisas acontecem, incomuniedveis umas as outras. Leibnitz, nfo podendo vencor éste problema, que se Ihe tor- nava exigente, constrain sea visto monadolégies. As eoisus seriam composigées de ménadas, Cada uma delas é uma uni= dade solitérin mum grande vazio, impenetravel ¢ ineomuni- cavel com as outras. Mas actuariam, coordenadamente, com as otras, gragas a uma causa efieiente divina, € nos dariam aparéncia das coisas, figuras surgidas da caordenacao das FILOSOPIA DA CIISE 37 monadas, sem maior realidade que estas, No entanto, em nés, tomariam elas forma, sem que entre elas se desse reciprocida- de, sendo a de estarem umas em face das outras, segundo certa, ordem de Ingar e de figura, sem comunieagbes, estranhas, to- talmente estranhas umas 3s outras. Estamos, portanto, em face de duas afirmativas. A que propiie a presenca do nada, a presenga de um ausente absoluto, porgue é nada, e a que afirma sempre a presenga do ser, no qual nio hi intersticlos nem fronteiras, porque enche tudo, sendo 0 espao apenas um esquema da colocagia e do relacion rnamento das eoisas, sem que se the d@ uma presenca real, de per sf. A primeira posiedo, to cara & filosofia racionalista, 6 um ageavamento da crisis. Ela firma ama separabilidade abso- luta © procluma a inevitabilidaée do abismo que se intereals entre os séres, A sogunda, embora afirme certa separabilida- dv, aceita-a apenas como relativa, pois tudo se funde no ser, ue & sustenticlo de tudo, eo espago, que se intereala, 6 ape- nas uma modalidade de ser, que é outro que o ser desta ot daguela coisa. Afirma ainda « orisit, mas sem o abismo in- voneivel ¢ absoluto dos racionalistas, pois, se admite greus de diferenen intensivo-extensiva entre as coisas, proclama uma comunhia no fex, no qual t6as ge sustentam, e néle eoineidem, ‘Mas se examinarmos os séres déste muntlo, poderemos con siderd-los como figuras que se formam da coordenagao de seus elementos componentes. Mas podemos ueaso deixar de reco- nhecer que fermam fotalidades eompostas de partes? Nao for- mariam essas ménades um todo, que aqui esté, éste livro, esta mesa, que se distingue, separase, e Timita-se de tantas ma- neiras? Mast esse figara, que ora nos surpreende, eurgindo do eon toro, da cireunstaneia ambiental, essa figura tem uma estruc- tura dntica e ontoldgica, 6 algo que se modifica pela actuagio de outros séres que constituem o ambiente eircunstancial, Por- ‘tanto, ndrmite modificagdes; 6 passivel de modifieacbes que se 38 AMO FERREIRA DOS SANTOS actualizam. E passivel ainda de ser destrufda, transformada em outros sores pela nego de outras estruettiras, gue neste mundo se dao, E se as coisas actuam entre ai, se elas exercem umas sobre as outras uma determinagio, temos de reeonhecer que sia de- terminaveis e que, portanto, podem sofrer o actuar das out Mas como poderiam actuar umas sdbre as outras, se entre elas se dé o nada? Niio vemos que o nada as afastaria infinitamente? S\ © nada se interpusesse, como vaded-lo, como ultrapassiclo? As coisas estariam irremediavelmente separadas, ess opinigio nfo 36 de crisis mas também de desi Nio 6, porém, o que a experiéneia nos mostra, A expe: riéneia, tanto a filoséfiea eomo a eientstica, revela-nos que o ala néio pode interealar-se entre as coisas, e até Deméerito sentiu o periga em que se abismava, tendo, afinal, reconhecido que ésse nada no poderia ser um nada, pois exa alguma coisa, dando-the uma certa eficacidade, E como o nada, sendo nada, potleria ter efiencidade? Sea tem ja 6 alguma coisa, e se 9 é, no & apenas nada, mas algo; portanto um ser que se afl ma, positivo, e nfo © negative e ausentado de ser, como € 0 conceito paradoxal de nada. Se entre duas coisas éle se interpusesse, a distincia entre elas seria infinita, Sim, porque a finitude s6 se pode dar onde ha alguma coisa, pois permite medir. O nada € imedivel, o nada seria um abismo sem fiz (1). © que se intercala entre os séres 6 ser. Modalidade de ser, diferente ou diversa, mas ser, em téda a escalaridade de ser, mas sempre ser. As coisas nfo se distanciam infinitae mente, mas finitamente, Aqui, nesta noite, mens olhos pousam ne luz daquela es tréla que britha tio longinqua, Ela vem até mit sem me (2) A smmpossiitidade de um nada absolute, entre has de sos, & por és demonstrada, apoditieamente, em “Filosotia, Conereta" FILOSOFIA. DA CRISE 29 vuoeer. Sinto-a t8nue, fragil, nos meus olkos. Como 0 nada poeria interealar-se entre mim ¢ ela? Nao recebem meus ‘thos algo da sua presenga? Néo tenho agora em mim, pal- hitante © viva, a corteza de que entre cla ¢ mim nfo hé um ‘ism insuperivel? Como poderia ela ser infinitamente se- parada de mim se neste momento nos eneontramos, mei olhos © meu espirito, ¢ uma réstia frégil de sua luz? Neste momento, hé entre nés uma comunieagho, No 6 tudo quanto poderiamos dizer um ao outro, E’ pouco, mas & alguma coisa, e nfo é nada, B se nfo é nada, é ser. E entre mime cla haa eterna presenca do ser, no qual estamos imersos que mos sustenta, 0 qual nos permite uma comunieagio, que vence todas as teorias, e atirma, irretorquivelmente, a sua pre- senga, Portanto, a erise nfo 6 tao profunda. Ela tem graus, 0 INFINITO E 0 FINITO © que Aristételes considerava infinite era 0 dpeiros, to Apeiron, do alfa privative ¢ de péras, limite; portanto, © sem -limites, 0 privada de limites, e indeterminado, o que nfo rece- beu nitidas determinagées. LY fécil desde logo reconhecer que ndo € @sse 0 contetido do conesito de infinite, quando um oci- dental © pronuncia, coisas, que tém contornos nitidos, que xe distinguem claramente umas das outras, so tinitas, so peperasménon, Timitadas. Ora, o disforme, o ilimitado, o indeterminado, 0 que ainda nfo tem uma morphé, uma forma, um pelo qual, é esta coisa e nfo outra (rodus quo dos escolastiens), 6 indistinto, porque iudeterminade e em swna, nde € plensnente, porque niio € isto ou aquifo, mas apenas tm poder ser isto ou aquilo, uma possibilidade apenss. Conseatientemente, 0 valor do infinito era o menor numa hierarquia de valores, pois poneo poderia vaier ¢ que ainda nflo é coisa alguma definida. Na cultura alexandrina, como se pode ver em Plotino, a idéia de infinito j4 india uma pujanea sem lirmites, um po- der que nfo encontra um terme fora de si, que nfo tem, em suma, earéneia de espécie alguma, ¢ que é a absoluta profi- cieneia, Com o Cristianismo, 0 conceito de infinito enriqueceu-se cada vez mais, 42 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Se para Aristételes, como 0 era para os gregos em geral, io eva o per factwm, 0 bem acabado, o bem delimita- do — eo acto ora a perfeigko da poténeia, porque, no acto, ‘aguela encontrava o eeu aeabamento, 0 pleno exereieio de exis- tir — para os eristios, o acto puro divino & a perfeicao das perfeigoes. Todos os séres finitos, limitades, nfo aetualizam tOias as perfeicdes possiveis, nfo so, em acto, tudo quanto podem ser. acto puro divino é, em acto, tude quanto pode ser, pois, ndle, nfio hé potOneias a actualizar, ja que é 0 sumo existente, que, em si, actualiza, no plone exercicio de seu exis tir, tudo quanto 6 e tudo quanto pode ser. Déste modo o coneeito de infinite, predominante no Oci- dente, distineue-se do conceito aristotélico, pois se as coisas fio perfeigdes ao actualizawem ag suns possibilidades, ¢ nelas se dclimitam, o infinito 6 também perfeigéo, mas de outra ordem, pois aciualiza, no pleno exer‘ lo ser, que no é isto nem aquilo, mas apenas éle mesmo, em toila a maynificéneia de sou poder, em sux oranipoténcia, pois pole tudo, e & tudo quanto pode ser (1). cio de existir, a esséncia Intinita Considerando, assim, og limites das eoisas stio da sua per feigiio (em sentido aristotélico). Se as coisas tém limites, © tantos quantns Jf vimas, thdos Ales estia a indiear a perfeigie dolas, pois éles estabelecem o até onde clas so, dando nitidex & sus figura © forma, tornando-as ineonfundiveis, Neste caso, ainda a perfeicio do finito 6 erisis, pois aquela separa, distingue, nfo permaitindo que seja confundide, No ser infinito, nfio hi erisis, porque néle no hd Timites, pois éstos silo fronteiras que separam oa séres, € aquéle, fonte sustentéiculo de todos os outros, no tem fronteiras, mas ape nas perfil, na linguagem tao poética ¢ t2o elara de Parmonides, porque nao hé outro que a éle se oponha. (1) _Dizenies que apenas se distingum, pois a pevfeigto infinite & o ser absolsto, plenamente em seta, portento, néle, 18 wlonngou ata plenita: Ae tuto quanto pode ser FILOSOFIA DA CRISE 43 © conesito de finito e © de infinito exigem, no entanto, ‘que aprofundemos as nossas eriticas, e que, pela andlise, ai Ungamos, tanto quanto nos seja possivel, os seus contedidos, Todos os séres da nossa experiénefa sensfvel fio transeun- ive, pois transitam no pleno exereicio das suas processes acti- vas ¢ passivas, e sto éles gerados e corrompidos, nascem e pe- recem, 0 que se nos afigura sem fim, Néo eompreendemos uns sem 03 outros, de onde sio gerados, e todos éles dao testemu- mho do ser, que a tudo antecede, pois nfo € possivel que tenham vingo do nada, ao nada prediear-se-ia uma efieacidade de po- dor eficientizar os entes finitos, o que seria considerd-lo alguma coisa, portanto, um ser. Seja como for, por maiores dissen- que se déem entre os filGsofos para saber qual a essoncia esse ser, que tude antecede, quase todos estio de acdrdo em nm ponto: que hi de qualqner forma um ser primevo, que a tudo antecede, e que no pode ter tido um principio, ser que absolutamente é simplemente. E se é 0 primeiro, nao teria de outro & sua easéncia, nfo seria © que 6 @ nfo outra coisa, por outro, pois ése outro o antecederia ©, portanto, éste seria, © Ser E como nessa marcha niio poderemos ir ao infinito, mos de admitir, quer queiramos quer néo, que a sua es € Gle mesmo, ¢ que, portanto, néle, identificam, E sce ser primeiro nfo poderia ter limites estabelecidos por outro. Por isso € infinito ¢ infinitamente poderozo, por- que @ a origem de todos 03 outros séres que transitam néle, © por éle, E se a eua esséneia 6a sua existéneia, se esta 6 infinita, também aquela o é Conseqientemente, nao sofre ne- mhuma espécie de limitagio, sendo infinitamente perfeito, por que nada Ihe falta, nem de nada carece, pois é, em seu poder, ‘tudo. Como decorréneia ontologica, exeluimos déle a erisis. En- contramos, portanto, uma nova colocagéo desta, que pertence “4 MARIO FERREIRA DOS SANTOS © 6 da esséncia dos séres finitos, enquanto tais, pois ates 0 sho por sorem limitados (1). Mostra-nos a experiéncia que todo ser finito & Jimitado, € além disso determinado, E essa determinagio se apresenta num antes (« parte ate) e num depois (a parte post) ‘Todo o ser finito, que transita no exerefefo da sua actua- lidade, nfo existiu sempre, nem sempre existird, Veio de ou- tro, e tornar-se-# outro. De contrério em contrério, transita, ésse ser vindo do que nfo foi le, para o que nao ¢ éle, E nese transitar, nio é éle senhor absoluto do si mesmo, porque ‘6s outros, que 0 cercam, com éle se eoordenam para darhe lie mites, Désse modo, surge determinado por suas causas, e em sett existir sofre a determinagio das causas que, com éle, se coordenam, e pela accio de outras causas perecerd afinal. Determinado antes, determinado durante, e determinado rmo do seu existir, 0 ser finito carueteriza-se por essa triplice determinagio que nfo o abandona nunca, que Ihe esta- Delece limites. E tudo isso é erisis (2) Mas o Ser Supremo, que nfo teve um prévio determinan- te, niio pode ter um determinante depois, porque nfo hé outro para sébre éle exereer uma delimitagao. (1) A posted que tomamos aqui & a da aceitagto de um snico ser, principio de thas as coisas. HA outras posigies, na filosofia, como Aualsts, « pluralist, que admitem maie de wis primeipio, eubstanetatmnen- te divertos e separados une dos outros, de cuia combinaeio sungiriam ‘tag as enisas. dualism e 9 pluraliemo, como posigdas fils6tiens, no ‘tecante ao principio de Vidas 38 eieas, na adtmisiio, portunto, le sees elie cientes, substaneialmente divers, ineriados, diner, ei site, #80 Po Gas frigels, com representantes da menor categoria na fiosotia. Como qui se alntda um tema ds Ontologia ce Teolopia, & nas clas que ver fam s3bre (ais matériae, que examinacenioe as raaiee @ fever dossta posi gies e a critien que elas provocam em face das aporias (dificnlda {edvieas), que fatalmente geram. Em “Filosofia Coneceta” demonstramos 8 improcedéneia dossns pasigies (2) TP resto sentido que Piléoras afirmava quo t6dus as coisas {initas podem ser vistas triAdicsmente, 0 8 preside-at coma eomégo, meio fim (téemino) FULOSOFIA DA CRISE 45 Portanto, caracterizam-se claramente os dois conceitos de finitude ¢ de infinitude. © primeiro implica determinago antes, durante ¢ depois de sua existéneia: e © segundo, a indeterminagio antes, du- rante @ sun existéncia, a qual nfo conhece, propriamente, nem antes nem depois, porque 86 os conhecom os séres que transi- ‘tam na actuslizagdo das suas possibilidades, como 03 séres fi- nitos, Ble, plenamente em acto, néo tem sucessiio, nem tran- Sitividade, e, portante, nfo 6 tempo. E o contrério do tempo, cou, melhor, 0 que nio € tempo, é eternidade. EY éle, assim, eterno, Ao examinarmos os séres finitos, e o seu transitar pela ‘vemos que todos les tendem para algo. E ésse ten- er revela uma order, pois cada ger tende para realizar aguilo ‘que j4 est contido em sua forma. A pereira tende a dar peras, e nfo magis ou cufhaus. E assim todas as coisas tendem a realizar 9 que J4 est contido em sua forma, ou a perecer, ge- sando-se nods formas, como os rochedos, batides pelas aguas, vo corromper-se, decampor-se, transformarse em areia, ‘To das as coisas tém um fim, um tender para, que se revela no transitar, finalidade, que esté contida na sua forma, intri 0 ente, Mas, verificam ainds os fil6sofos, que hé outras finalida- des, E entre escas, a que & uma verdadeiza lei, a qual cha- mamos “lei do bem”, ‘Tédas as coisas procuram 0 seu bem, © nesse afanae, revelam tOdas uma norma: empregam 0 minimo de esforgo para aleancar o maior bem. E que maior bem existe que 0 Ser Supremo que actualiza a ommipoténcia? Todas as coisas tendem a imité-lo, pois tddas desejam alcancar a maior soma de perfeigdes. HA assim um fim, um fim ditimo, ponte e fundamento de tantas reli aleancar 0 bem supremo, no qual todo o bem possivel j4 ¢ acto. Déste modo, todas as coisas revelam um fim ditimo, que Ihes é extrinseco. E 6 extrinseen porque ainda nao o alean garam, e ndo € constitutive da sua esséncia, mas revela-se no afanar por vencer os obstiiculos que as outras opdem, 46 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Bis por que Duns Seot dizia que o Ser Supremo é infinite, porque nfo tem um fim. O seu fim é éle mesmo, a plenitude de sua gléria, Mas os séres finitos tém um fim fora de si, Jongginguo de si, para o qual tendem, pois nenhum actualiza tédas as suas possibilidades, nem muito menos as outras pos- sibilidades, que ndo pertencem, de certo modo, & sua natureza. Conseqtientemente, a crisis é inerente ao ser finito, e nela se consubstaneia de tal modo que absolutamente dle nfo se separa enquanto 6 tal, pois dela s6 se libertaria ao deixar de ser 0 que 6 aceltar tal solugio nflo é desesperar? ‘A pergunta, que esbogamos, esta a exigir uma resposta Mas responilé-la seria dar @ soluglo ao problema que estamos propondo, e dila seria tentar soluctontelo antes do tempo. Ela tem uma resposta, que viré a seu tempo. Antes, porém, & preciso seguir caminhos nfo percorsidos, para, que, afinal, aleuma coisa possa ser proposta, no apenas para resolver ot dar @ solugio da erise no plano ontolégico, mas Id onde ela surge, onde ela se instale, exigente, impondo solugies im diatas (). Portanto, io nos eabe sendo ter paciéneia © prosseguit viagem, n6s teimosos viandantes, interrogadores de estrélas, perscrutadores das trevas, atentos aos siléneios que nos rodeiam, A eata de pontos de interrogaedo para responder, os muitas v@zes, mas impulsionados sempre por um qui rer que nos leva eada vez mais distante, as vézes duvidosos do ‘térmo da viagem, esperancados noutras, vidos sempre, que nae ceseamos de marchar pelos caminhos do mundo e das 1a6ias, (1) Pasesvenos dagul em diante a usay apenas o térmo portuuse crise, em ver do orisis, pargue, estamos certos, 38 tem o Teter a apseensio, pio 45 intelectual, mas afectiva, também (pathiee), do sew conteio eon citual FILOSOFIA DA cus aT nia busea das respostas, Homem, incansével interrogador! Mus seria @le homem se nfio interrogasse? HE nio esté nesse interrogar constante o mais nobre de sua existéneia, como tam- xem o trdgico que parece nfo querer abandoné-la? A ORISE NAS DIVERSAS ESF AS Toda a vex que escolhemos, separamos. H& em todo acto «le escolha, uma separagio, porque algo é preteride. Onde ha uma preferéneia, hé uma pretericio, Todo existir revela um preferir e um preterir. Eo pre- ferido tem, para o que prefere, um valor mais alto que 0 pre- torido, Portanto, em todo acto de escolha, hé uma valoragio, tiem como revela valores, ¢ ainda as relagdes valorativas entre fos séres que se relacionam nesse acto. ‘Todo existente finito prefere e pretere, em suas pro- cossdes activas e passivas realiza sempre ésse acto que pode ser visto por dois aspectos, Se nos colocamos do lado do eseothido, notamos a preferdneia; se nos eolocamas do que sobrou, nota- mos a preterigio. ‘Yodo ser tinito & um entre muitos. O Ser Supremo, que 60 acto dos actos, néo prefere nem pretere para ser, porque nfo hé outro além déle para preferir ou preterir Mas todo ser finite, ao formar a sua unidade, separa-se. F 20 entrar em contacto com os outros séres, prefere éste ou aquéle, pretere éste ou aquéle, No exame do mundo fisieo-quimieo, 16 encontraremos a Toi da separagio, a lei da crise, que preside a todos os séres fini- tos. Por que todo o ser fisico-quimico revela um actuar selec- tivo, a0 preferir éstes para combinar-se, para aetuar juntos, © a preterir aqudles. Que & a afinidade quimica senfo uma dla crise? Se uum corpo se combina com éste e ndo com aquéle, ndo vevela uma preferéneia, uma valo- 0, portanto? 82 ‘MARIO FERREIRA DOs SANTOS BE se depois, dadas certas cireunstincias, combina-se com © preterido, nfo tiveram um papel saliente na escolha as elr- cunsténcias que mudaram a fei¢io do conjunto, permitindo, assim, eclodir a preferéncia que antes néo se verificara? ‘Todo o ser do mundo fisivo-quimico revela essa selectivi- dade em sun existéncia, ¢ ela é erise. E a erise surge em todos ‘os momentos do devir, pois, em cada instante, actualiza-se wma preferéncia ¢ uma preterigao, em todo 0 momento separa-se déste para juntar-se Aquele, afasta-se, distancia-se déste ou per- manece indifevente, enquanto se aproxima e acasala-se com outros, A Tisiea ea quimiea vAo estudar e estructurar em leis a variedade dessus preteri¢des © deseas prefersucias, eaptando os invariantes, que permitern estabelecer as formalidades, que se vepetem na heteroyeneidade das manifestacdas da lei da crise, no mundo inorgiinieo. E se passarmos part o mundo des adves vivos, veremos, entac, ate essis proferéncias eo ainda mais patentes € mais repetivels. A vida € um constante escolher, um constante pre- ferir c preterin, quo ultrapassa até 0 campo di. fisieo-quimica, © sevela peculiaridades que so proprise da esfers biolégien, © que fora escothido naquela esfera, ja nesta € preteride, se quiséssemos alinhar aqui as imimeras provas da nos afiv. mativa, estenderiamos apenas o que todos sabem, o que @ ex- periéncia indies, e que a eiéneia anxilia a evideneiar. ‘Todo orzanismo 6 uma totalidade de maior ox menor in tonsidade de eoeréneia, E que é a lei da conservacio do indi- viduo e a da espécie senfio uma manifestagiio da lei da exise” Conservar-se, como individuo on como espécie, & separar-se, & impedir a fusiio, é manter separado a sua forma individual o a espeeifica, TE separa-se pelo seu bem, porque nesse separar. -se assegura o seu bem. Todo organismo busca perdurar, © toda 4 sua existéncia um constan‘e afanar-se por preferir 0 que Ihe @ mais valioso, e preterir o que Ihe é desvalioso. FILOSOBIA DA CISE, 53 1) também na esfera psicologiea coma na social, 0 ser hue mano, por exemplo, revela essa mesma lei. en, a persona Tide, surge de um separar-se eonstante, de uma crise que se bro entre o individuo e o8 seus semelhantes © 0 meio ambiente. Nas relagdes sociais, que so matéria das ciéncias morais, como a psieologia, a sociologia, o direito, a let da ertse est sempre presente, porque cada acto, cada instante, a revelam. ‘Os grupos soeiais, que se formam, rovelam preferéneias e pre- terigdes, e todo o existir psicolbsrico, como o social, ¢ uma cons Lante aginmativa da instalagio da erise, Portanto, estamos imersos na erise ate os cerca, @ esti presente em enda um dos nossos momentos, na nossa estructi- fa Ontien e ontolégiea, em enda um dos nossos acts. Basta que examinemos 0 funcionamento da nossa intelec- tualidade. wle do colné, a9 captor slguma colt, separamora de feréneia. E 0 nosso intelecto vevela essa actividade de inter lee, Tepe, entoe vive sapttoy alms, de ceathon, Poles oscar atra etmologia helen e conser. ei fo merge dnt len, ol dono dus coins «ined esse ats se pate haver dicrepela qa 3 sepe8e sary cmon, ha fmpre oor de quo econ Je as CGhavamins de que profesoos ida n via psi, ebm» we[lbute, nc Tage a eas ek ‘No soetadobsmo Bini Spr om abot Il vs cpmo na adapta pan Bi sompre um preter eum preterit Que 6 sentir sendo um separar’? Que € pereeber sca separur? A crise eat presente em cada acto do existir. em Yodas as esferas © em todos os planos. A Tei da crise, que se pode traduzir, por enquanto, neste simples emuneiado que da- mos xbaixo, & patente om todo o existir finite. ‘Tudo quanto existe finitamente, separa-se; todo o existic finite aponta a um separar-se. oa MANO FERREIRA DOS SANTOS A lei dla orise 6 0 grande simbolizado por todes os entes Finitos. EB todo 0 existir finito 6 um simbolo dessa Tel ‘Toda lei quer explicitar um invariante. B essa lei 6 0 invariante de todo o existir. Mas niio esquecamos que, onde ha uma separagio, hi um reunir-se, um agregar-se, pois, do contrério, veriamos a crise abstractamente, aetualizando ape- nas um dos sous aspectos, 0 de distanciar-se, 0 de afastar-se, ode separar.se. Mas hé também um reunir, que é um inva- riante de todos os séres finitos que, por mais que se separem uns dos outros, unem-se em si mesmos ou com seas afing, sem nunca perder a transcendental imersio no ser, porque o que se separa de outro, finitamente, nunca perde o sustentieulo que Ihe dé 0 ser, que o contém, o qual unifica todos os entes. Por- tanto, 2 nossa solidao ndo é absoluta, Absoluto ha, sim, om noses total imersio no ser. Por que entiio desesperar? Nao 6 por no sabermos veneer a crise, que surge 0 desespéro? Nio surge por que actualizamos apenas que separa, ¢ cendo o que une? E nés que somos a consciéncia da erise, por que no sermos, também, a conseiéneia do que une? Se a lei da crise é uma Jei do mundo finito, a lei da untae 6a lei do mundo infinite. Mas € proeiso saber qual unio, pois, hA uma que ainda 6 erise, E razio tinham aquéles filésofos @ aquéles religiosos que pregavam que o bem esti na infinita unio, EB temos, portanto, uma raiz que nos liga A infinitude do ser, Eo ser humano, que é a consciéneia da erise ¢ da unifo, nilo poder ter também @ conseiéneia do infinito do ser, que une infinitamente? 0 6 uma precipitagio 0 nosso desespero? SINTESE DA IDSIA DA CRISE Ha em todo 0 existir finito um apontar da crise, mas tam- bém um apontar ao que @ supera. ‘Tinham os gregos dois térmos para referir-se a essa dua- dade, que espeeificavam dois vectores: onisis: — diéerisie — a separagio; — synerisis — a reunido. Téda a nceio de separar € uma acgao diacritics, como a de reunir é sineriti EY féeil comproender que a acclio diacritica tem modali- dades, como a tem a sineritiea, pois ao estabelecer separacées, podemos alongur distincias, abrir diastemas cada vez maiores entre os térmos, bem como # reunidio pode realizar com maior agregagio, maior coeréncia ou nic. ‘Vemos, assim, que, na diderise, pode haver maior exten- sidade na separacio. A diferise 6 predominantemente exten- sion, enquanto a sincrise € intensiva, ‘A dierise nfo 6 apenas a inversio da sincrise, ou vies -versa, porque, em ambas, surgem outros caracteres que as dis- tinguem. Na sinerise, ha um grau de intensidade, como hé um grau ae eoeréneia, E’ mais ou menos. © que 6 reunido pode for- mar uma totalidade mais homogénea, com uma coeréneia, uma coesfio maior ou menor. E entre os elementos reunidos pode 36 MARIO FERREIRA DOS SANTOS haver um nexo mais amplo ou menos amplo, pois o que se reune pode ser apenas um amontoado, um agregado de elementos di pares, entre si apenas relacionados por uma acgio sincritica, como pode haver entre Gles uma afinidade, ou um nexo de eu salidade ou de rwalo, que o# torne intrinsecamente mais pri- ximos uns dos outros. No primeiro caso, a sinerise 6 apenas um grau menor da diderise, mas, no segundo, a sinerise xevela, caracteres préprios que # distinguem especifieamente da pri- moira, Filosbficamente, so antindmicas as positividades (no- no = Tei) vectorialmente diferentes, opastas (anti). HG, nas antinomias, um antagonismo de reziio, porque uma antinomia é para outra, nfo s6 de vector diferente, eomo es- pecifieamente & diferente, Assim, a qualidade e a quantidade io opostos antinémicos, porque uma ¢ outra tém lei diferente, © siio especificamente diferentes. Portanto, a reducefio de uma & outra, como 0 realizou o mecanicismo, reduzindo a qualida- de A quantidade, 6 falsa. AAdemais as antinomias siv positividades que se opden, & iio meras contradiegbes de reatidade ao segundo. Na antino- mia, a afirmativa de um nfo recusa a validex da existenciali- dade do outro, como a afirmativa da qualidade nfio implica no cesaparecimento da quantidade ou a sua simples negagio, Ao afirmar-se que uma coisa € branea ou nfo & branea, se uma ativmativa é verdadeira, a outra é necessiriamente falsa, Am- ‘bas néio podem ser verdadeiras, nem ambas falsas. Na anti. nomia, ambas oposigdes so verdadeiras, porque nie ké uma som a outra. Assim a intensidade implica a extensidade, no campo fisico. Neste, onde hi séres extensivos, hi intensida- de também, ¢ vice-versa, salvo se empregarmos tais tdrmos em. outras regides da realidade, 0 que exigiria outras providéneias. Se a diderise ea sincrise sio antindmieas, a presenga de uma implica a presenga da outra. Onde hi diderise, ha si crise; onde ha sinerise, hé diferise, Mas, assim como a exter sitlade pode estender-se mais, isto 6 pode aumentar 0 diaste- FILOSOFIA DA CRISE aT mis, a distineia extensa entre as coisas que se separam (€ po- ilomos aqui empregar o térmo também quanto ay idélas), ha tembém graus intensivos da sincrise, a quai pode ser mais coe- rente ou menos eoerente. Neste caso, pode-se dizer: quando actuatizamos a diderise, virtualizamos a sinerise, e vice-versa. Portanto, aquéles que apenas véen a diderise © os que apenas véem a sinerise, tm uma visdo abstractista da realidade, porque todos os sires #i- nitos se separam, mas esto unidos, emhora ox séees eonseien- tes ponham maior agudeza atencional & diferise, e menor, ox quase nula, & sincrise. Pela aecao humana, é {éetl compreen~ der-se, que se pode aumentar a nosen conseiéneia da diferlse, aumentando @ acco do nosso espirito por uma actividade diz- exftiea, como se pode valorizar a sincrise, julgando-a preciomi- ante ott tinea, Qualquer das duas visdes, por abstractas, sto parciats, Por outro lade, nés podemos aumentar o grau de valor dess2s actividades, segundo a valorizagdo que emprestames a uma 1 soutra, So essas diversas modalidades que passardo a ser tema Ho noasas précimas andlises, desfle que hem comprenndamos sentido de uma como de outra aecio, que tem um papel muito maior do que Trequentemente se julga, nfo s6 nu nossa apye- ciaglo dos faetos, como também na escolha das nossas atitudes. 1B pode-se até dizer que hd épocas em que lid maior propensio A diderise, ¢ outras para a sinerise, Os periodos de crise sto freqtientemente considerados aquéles em que a diderise aumenta, como # o nosso, em que © diastema, em tolos os sectores, processa-se agudamenie, & tal ponto que alguns s6 encontrar no emprégo da forea a s9- jugio eapaz de realizar a sinerise, no campo social-politico. Mstamos vivendo uma hora em que a sinerise & imposta pela violgneta, modalidade falsa da sinerise, aparente nezaeao da diserise, uma falsifienelo da realidade, enjas conseqi@ncias sav eestructivas, 58 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Somos, estamos, e viveros a erise num de seus aspectos mais diacriticos, Nfo sabemos como eviti-la, Ou pelo menos, muitos no sabem como evita-Ja, A solugho pela forga é a pior; 6 aquela que acarreta as mais tragicas eonseatiéncias. Tornamos, assim, eada vez mais nitido, 0 conceite de exi- se. A poueo © pouco preparamos o terreno para ulteriores andlises de ricas conseqiiéncias. Se a crise & uma categoria Gos séres finitos, ela deve ver considerada em seu diiplice as- pecto dialéetico, de diderise ¢ de sinerise, Mas so ha ama di- ferenga especifica que distingue estas € necessirio preci para que eneontremos, por sua vez, onde elas se fundam e por que © como s0 dao elas no ser, que 6 absoluta unidade, unidade de simplicidade. Antes de prosseguirmos, queremos alertar quem nos lé que, da palayra sinerise, surge 0 térmo sineritismo, que no se deve confundir com sineretismo, como & freutlente considerar-se. Nao ha diivida que 0 ismo ja nos aponta uma forma vicioss, eajo vieio, veremos, 6 diseritieo, © por essa razio as tentative sinevitistas nfo foram totalmente felizer om sous intentos. miém no se deve confundir sincreg@o, que tem certa sino- nimia com 0 térmo latino de eoereedio, com éste, pois h& uma diferenga importante. O primeiro é formado de sineritieo © 6 segundo de cum e ervecio, ereseer com. Na concvegio, v4 a tomada da preseneialidade de tudo quanto eresce com um facto, como uma drvore 6 conside pengs abstractamente, se a eepararmos de tudo quanto eresce com ela, ou qe com ela se coordena, coopers, como terra, dygua, ar, ete, J& sincritien nereolio Teferem-se A unifio dos elementos critieamente ais postos, Na coneregdo, hd uma sinerise de elementos diaeriticamen. te separados, mas que cooperam para a formagio de um factor especificamente diferente. © espirito, pela abstraecio, pode ‘aumentar o diastema e realizar a diderise, Assim urn ser hn- PILOSOFIA DA CRISE 59 ‘mano, considerado separadamente da sua realidade histérieo- -social, 6 uma tomada de posicio diacritica. A compreensio Gialéetica, que © conereciona com o restante que 6 impresein- divel para que éle se dé, é ja uma tomada de posi sineritiea: € concreta, ‘Ha sinerise, quando realizamos a captagio do que reaine hf difierise, quando realizamos a separagio, BE, na 4 pode haver um agravamento do diastem: abiemo, como no pensamento abissal, qu bém fals que faz surgir 0 mérbido, tam- Queremos, por hora, apenas nos referir as actividades do espfrito humano, que, entre a diferise e a sinerise, permanece sempre na crise, da qual deseja salvar-se, E 0 desespéro surge quando julga impossivel a salvagio, Nao se dove, porém, confundir a nogiia sineritica com a sinerética. Poder-se-ia falar num sincritismo, 0 que nfo deve ser confundide com sineretiemo. A primeira 6 formada de ayy © krisis, ea segunda de syn e Kretos (eretense). Sineretismo costuma-se definir com a uniao de dois inimiges para comba- ter um tereoiro. Pode-se falar também em filosofias einoré#i- eas ¢ sineriticas, as quais estudaremos mais adiante, depois de Javermus eselarecidy alguns puntos, impreseindivels para & Wow inteligéneia de tais t8rmas, e também do ecletigmo, muitas vé- zes empregado como sinonimo dagueles. Nés consideramos os Yenioe quase sempre como sinais de formas vieiosas, Ha demos ‘que nfo 0 sfio, € verdade, mas impée-se 0 méximo cuidado na sm apreeiagao, porque quase sempre se referem 2 uma tomada de posicio dizeritiea, que agrava o diastema, e tende para 0 abismo, eomo ainda veremos, DIALMCTICA DA CRISE Devo-se tomar, ¢ 6 0 que sompre fazemos, 0 térmo dia Kéctica, om sentido eminente. Em “Légica ¢ Dialéctica”, ao examinar etimoligicamente éste térmo, vimos que eoneehé-ta apenas como arte da discussdo (dialektiké, como tekné, de didegeyn, de terear palavras, de discutir) é vé-la num sentido pejorativo, como via Aristételes, que s6 raras vézes o empre- sava no sentido eminente de Platio, que a considerava como airte de eseharecer através das idéias (did e logos). Em sentido eminente, a dialéctica é a arte de esclarecer, a urte de descobrir a vordade através das idéias (loge). Se tomarmos em sentido pejorative, temos: arte de enganar, arte dle discutir apenas com palavras, sem maior euidado com o con- teiido, arte de porsvadir apenas. © que se pretende, na verdade, com a dialéctica, @ torné- ma metodologia que nie dispense as enidadosas eonstrac- ‘oes da légica formal, nem as anélises eategoriais e conceituais, sobre 0 racioeinio, fundadas apenas nas formalidades, que se devem, sobretudo, & obra de Aristételes. lan Partindo da accitagiio de que os s@res finitos aio compos tos e que néles, portanto, se dio aspectos formalmente diferen- (os e diversos (diferentes, quando apenas espectficos, e diver x05, quando pertencentes a génoros outros), a dialéetien pr tende tornar-se uma légica concreta, sem apelos a absurdidades, sem ofensa ao principio de nflo-contradiectio, Assim como nés a entendemos, a dialécticn 6 uma metodo. log, que Lrabalha através das idéias para eselareed las, fu MARIO FERREIRA DOS SANTOS dada na experiéncia, E para fazer surgir a ver dos gregos, 0 que se des-cequcee), pi as verdades materiais, que nos siio dades pela ciéneia, com os seus métodos, como a verdade ldgiea, que a Wogiea formal este da, ¢, ainda mais, a verdade ontolégiea, que cabo & Ontologia, como regio da Metafisiea, estabelecor. ude (a aléthein em couperagio, niio si Scguindo a linha aristotéliea, que considera da dignidade do fildsofo jamais ahandonar a firmeza da sua experiéncia, a dialéetica ¢ uma arte de clarear as idéias e ampliar o nosso conkecimento, sem jamais perder o seu contacto com a realide. de empirica, investigando, cuidadosamente, o campo das idéias, com as suas ressondncias na realidade, e viev-versa, Quanto esta entrosada a dialécticn no campo da crise, tema prineipal © fundamental déste livro, ¢ matéria que vai por ora nos interessar. E nfio poderiamos penetrar em aspectos mais complexos, se nfo precedéssemos essa andlise de um estudo, rapido que sej iplina, seguindo apenas as bases que estabelecemos em nossos tvabalhos anteriores. Presvindindo das diversas posigdes dialéetiens, sem pene trarmos no campo da sua histo 2, sem. nos profundarmos em digvessbes que jd foram feitas, procuraremos apontar apenas aquéles pontos fundamentals, que em muito nos sureiliarfia mo exame da crise, a flm do estabelecer solugSes a um dos magnos problemas que afligem a conseiéneia humana. Os séres, que eonstituem 0 mundo eronotépico (0 mundo do tempo e do espago), revelam aspeetos opostos que nos per- item classified-los em coneeitos, com os quais dames uma or= dem 0 mindo dos fenémenos. Uma anilise, por singela que seja, desde logo nos mostrard nitidamente que o8 ebres do nosis mundo revelam semelhangas e diferengas, que captames pela intuicao intelectual, eujas raizes se fundam cm nossa sensibi Tidade, como mais adiante veremos, Desde logo notamos que hé neste facto cgui algo que se assemelha ao facto ali, ¢ algo que o distingue, diferenciando-o evidentemente. Gragas & eonstrucggo de nossos esquemas, euja BILOSOFIA DA. CRISE, 65, pouese em breve estudaremos, somos capazes de assimilar acto a um esquema, 0 qual nfo é assimilado a outro por apr sentar aspeetos que dle se diferenciam, Acs factos que sto semelhantes, ¢ nos quais captamos a presenga de aspectos que Gio homogéneos ao esquems, que 2 éles acomoramos, reduzimo- Jos a um esauema, que é compesto das notas que néles se repe- tem, sob o aspeeto formal, ¢ com éles formamos os coneeitos, que sfo esquemas abstractos, pois das coisas separamos 0 a3 ecto formal, ¢ néo 0 heterogéneo, que em tédas ha. Dessa forma, o mundo heterogéneo, que nos oferece a in- tuicdo sensivel, € coordenado por nossos esquemas, segundo suas somelhangas formais, em ordens de conceilos, os quais se en- ‘trosam, uns nos outros, segundo também uma ordenagdo fun- dada na homogeneidade ¢ no grau de implicéncia que oferecem, pois uns estéio totalmente implicados (de plicare, presar, em- brolhar), embrlhados em outros, ou apenas em parte ou to- talmente excludes de outros. Silo esses graus de implicincin que permilem estabelecer todo o funcionamento conceitual e também o operative judicatério e os raciocinios, que siio ma- téria da Logica. Quando em face de um ser do mundo exterior, por nés captado pela operagio intelectual, classificamo-lo num concelto, fe empregamos 0 térmo verbal, que & apenas o sinal que © apon- ta, afirmamos quo, naquele facto, hd o que se assemelha 20 e3- fquema abstracto (conceito), que nosso espirito constriiiu, ey por isso, podemos dizer que éle € isto ou aquilo. ‘Notamos, entéo, que tem Ele, em comunt, certas notas com outros, que permitem elassified-lo num conceito, como aquelas plantas lenhosas, diferentes umas das outras, mas que todas ‘apresentam em comum certas notas, so class celto dreore. ‘Pais pontos, que so tema do estudo da Psicologia, da L4- agica ¢ da Noologia (a eiéneia do espirito), nfo poderiamos nés, nesta obra, examiné-los, senfio apenas salientar o aspecto dia~ éetico primério que oferece toda a existéneia finita, on seja, 66 MARIO FERREIRA DOS SANTOS que 08 eres se identificam formalmente, pois énticamente (en- ‘quanto séres do mundo eronotépico, que estio aqui e agora), les se diferenciam, Conseqtientemente, quando dizemos que um ser é isto ou aquilo, € reduzimolo a um conceito, apenas dizemos que éle formalmente se identifiea ao conceito, ao esquema abstracto, ‘que recebe um térmo verbal para aponti-lo. Mas, em absoluto, nao poderiamos dizer que dois séves, que recebem @ mesma pre- Gieagio on que poder ser apenas ordenados ne mesmo concei- to, sejam idénticos, sendo e apenas no aspecto formal. Assim, se identificamos os séres formalmente, segundo os esquemas abstractos que 0 homem constréi fara a ordenagio Go mundo, sabemos, no entanto, que Gnticamente, ha, em cada tum, o que 0 heterogeneiza, o que o diferengia da ordem em que foi classificado, Nao dizemos tudo de uma coisa, nem muito quando apenas 4 elassificamos em um eoneeito, pois sabemos que, na coisa, hi muito mais, que nfo é do conecito que a assinala. Se quisermos eonsiderar Gnticamente um ser, devemos vé-lo sob 09 varios aspectos heterogencizantes que 0 compiem, ‘que, ademais, podem ser considerados dentro de conceitos, euja enumieragiy permite descreré-lo. Por isso, na Igien formal, diz-se que se classifieam as espécies ¢ se descrevem os indivi duos, porque éstes tém uma riqueza eonceitual maior, pois, en quanto apenas podemos definir a espéeie, podemos deserever © individuo, indieando cada um dos conceitos, reduzindo 0 que nole & heterogéneo & homogeneidade de esquemas abstractos, ‘que permitem ordené-lo, E 6 tal a riqueza de notas que munca esgotariamos @ descripedo. Ademais, os séres finitos mostram ainda que tém uma for- ‘ma, pela qual sfio o que siio € no outra coisa, Esta davore ¢ frvore, por algo que a torna Arvore, e nfo outra coisa, Esse ‘pelo qual (quo) & a esséncia da Arvore. Mas essa esséncia, em que cansiste ela, na verdade, no 0 sabemos, seni 0 que dela podemos dizer na definiglo, que é uma reduegio ao género pro ximo eA sua diferenca espeeifies, como se estuda na Légica FILOSOFIA DA CRISE er Mas sabernos que, nessa coisa, hé uma proporeionalidade Intrinseca, que a ordena de um modo que a diferencia das ou- tras coisas, e esta proporefonalidade 6 2 esséncia, Por outro Jado, aquela outra coisa também revela uma pro- yporcionalidade intrinseca, igual & primeira e, por isso, podemos dizer 0 que ela & (guid): arvore, pedra, cio. A qlididade (de guid, 0 “que") da coisa 6 2 expresso formal (da proporcionalidade intrinseen) da coisa, A qilidi= dade lgicamente aponta a esséncia da coisa; nilo é a esséncia, ‘mas apenas 0 esquema formal que dela fazemos e que eabe na definigfo, Mas so a esséncia esté nesta coisa, e também na- quela, revela que é diferente dos corpos fisicos, porque éstes esto ubiquados (de whi, lugar), dose num lugar, e ndo po- dem simmultaneamente dar-se em outro lugar. Déste modo, as essincias nfo podem ser da mesma ordem das coisas erono- Aépieas, que se do no tempo e no espaco, os earpos, porque se fOssem corporeas, estariam aqui ou ali, e nao simultanea- mente agai e all Conseqiientemente (e aqui esté a exp: dos pitagsri- eos), essas esséncias sao niimeros (arithmés), que apontam a proporcionalidade intrinseca das coisas e que podem repetir-se nas evinas vérias, sem miinea ce xepetivem a ai mesmas, Assim © miimero trés pode ser repetido em trés quadros, tres eaes, Leas vores, sem que 0 arithmés trés deixe de ser sempre um she dinico, Se a esséncia estivesse totalmente no ser que a tem, cla estaria néle e no em outro, e, neste caso, a esséncia estaria singularizada no ser que a A esséncia, porém, nfo se comporta désse modo, como 0 Irés nfio ge encerra apenas nestas trés casas, mas 6 sempre simbolizado por todos os objectos que podemos numerar por tres, Se as ealectivas, facias nfo so individuals seriam, entdo, gerais, Mas 0 que é colectivo é apenas a repeticao da proporeio- nalidate inérinseen das coisas, 0 arithmés, no sentido pitago- 68 MARIO PERREIRA DOS SANTOS rieo, que se dé nas coisas (in re), 0 qual surge do relaciona- mento das partes componentes, e que nesta se da e se dé na- quela, ropetindo 0 arithmés essencial, que nao esté aqui nom ali, mas que € uma aptidao do ser, um arithmds ontolégieo no ser, que as coisas imitam a seu modo. Assim o nosso conhe- cimento “imita”, a sex modo, os actos do mando exterior, pois ‘0s conhecemos segundo a nossa capacidade de conkecer, isto 6, segundo 0 conjunto da esquematiea de que dispomos ¢ acomo- damos a0 mundo exterior, que o assimila segundo a sua aptidao, © que ¢ fundamentatiter nas coisas (0 que é fundamental. ‘mente nelas), ¢ intentionatiter em nosso espirito (6 nal, isto , tem um eontetido noético). Se bi uma adequagio entre © que capta © nosso espirito © 0 que a coisa 6 essa adequagdo se da apenas entre a inten cionalidade ¢ a fundamentalidade das coisas, pois quando sei ‘que Sste objecto ¢ magi, porque “todo” éle se ailegin a0 con- teiido conceitual de maga, o que pelo qual (quo) éte objecta & magi, encontra, na qlididade da forma da magi, uma imi- tagio daquela, mas wma imitago que consiste na edpia inte cional do que repete a seu modo, © segundo as suas condigoes, 6 que 6 fundamentalmente da coisa, como aquela figura, da- quela casa, Imita aquela casa, como essa fotografia, nqu, ImMta a figura da pessoa que reprodtiz. O que o nosso eomhecimento eonheve nfo deixa por ise0 de ser verdadeiro, mas niio contém em si totalmente a vervinde, que esté na coisa Nilo € um conhecer totaliter (totalmente) da coisa, mas apenas do fofum, do todo da coisa. Por isso, intencionalmento, 6 verdadeiro, sem ser uma repetigho idéntion da coisa, pois tal conhecimento nos eseapa, ja que um conheeer totwin et totaliter 86 poderia caber » um ser infinito, e nflo a um ser finito, como Bstabelecide que “o que pelo qual” a coisa é o que ela 6, © nio outra coisa (esséneia), 6 € por nés captado inteneional- mente, isto é com contetides noéticos, que a éle se aproximam, FILOSOFIA DA CRISE 69 segundo a sua condie&o, como essa fotografia, segundo a sua coidieio, aproxima.se da verdade que esté contida na pessoa fotografada, podemos compreender que o esquema conceitual, (ue Tormamos das coisas, 6 apenas um esjuema abstracto- ~noético da forma esseneial da coisa, uma formalidade do nos expirito, que nfo inclué totalmente @ verdade, mas que ¢ gno- amente verdadeiro, como o é, dnticamente, a vendade daquela coisa que esté nela (fundamentaliter), ¢ € dela, ‘Temos as nossas verdades, que sio apenas adequacées noé- ticas as verdades das coisas. Hé, portanto, ai uma erise que se estabeloce entre o nosso conhecer das coisas e ay coisas ‘Mas, sabemos 34, que se nosso conhecimento pode ser inten- cionalmente verdadeiro, abranger a verdade tofiim ef now fo- talitor do que a coisa 6. Assim, quando digo que éste objecto ¢ um livro, pode tal julzo ser verdadeiro se tal objecto esta inelufda na ordem dos livros, isto 6, ge tem tédas as notas imprescindiveis para que soja um livro. Mas se sei que formalmente éste objecio 6 um livro, ¢ tal conkecimento, considerado formalmente, 6 verda- deiro, nao exauri tudo quanto éste objecto é mas apenas afir- mei algo da sua verdade, parque é da verdade sor livro, Fate objecto Nao se aeoime tal pen samento de céptico, poryue os ep ticos nto o aceitariam, pelo menos tét‘eamente, porque admi tie os limites do nosso conhecimento, mas a sua valider dentro déles, no implica ai lo Contudo, nao se pode desconhecer quo ainda af hé crise, E todo 0 conhecimento 6 eritieo, porque em todo acto de eonhe- cer, h& 0 apreencer de certos aspectos que se distinguem & até se separam de outros, porque conkecomos eueessivamente © nao totum et totaliter, exaustivamente, 9 que o ser em. todas as uss qitididades, e num s6 acto, pois tal implicaris uma mente diving, uma mente infinita, A nossa nila o 6, pois funciona pela acomodacao de seus esquemas aos factos ¢ pela assimilaglio désses faetos (por meio de suas imagens) ao es ‘atiema, isto 6, veduzindo-o aos préprios esquemas, que é a assi- em negi-lo, mas apenas delimita 70 MARIO FERRFIRA DOS SANTOS milaco, segundo period da adapiagio cognescitiva do nosso intelecto, Nosso conhecimento se processa, quando se dirige aos fac- tos do mundo exterior, pela acomodacdo dos esquemas do sen- s6riomotriz, da sensibilidade, que “eaptam” uma imagem do facto. O facto, de per si, j4 @ um esquema, uma estructura minis on menos everente, que forma um conjunto, um todo, um arithmés plethos, como o chamava Pitégoras, um mimero de eonjunto, Nossos esquemas acomodados captam simente o que cabe na sus restricta faixa, E eaptam do Zacto uma imagem, uma figura (em grego skhema), que néo 6 a totalidude do facto, maag uma imagem, uma fmago, uma epia intencional, ume e¢ pia noétiea do facto, pois aquéle nfo é incorporado ao noseo organismo quando 0 “‘captamos” com os nostos esquemas. Dessa imagem (phantaera para os gregox © para os esco- lésticos), a actividade esquematotégiea e operacional do nosso intelecto realiza outra operagio, que eonsiste em despojé-lo da sua hetorogencidade ¢ reduzir as notas que 0 compiem, quer como um todo, quer as notas das suas partes, aos esquemas intelectuale raconats, og conositas, ecqemas abstractos, quis 2 Ge se acomodam, assimilando 0 que se assemelba aos mes mos esqueras, © construinde, déste modo, @ conkeeimento va ional, que é conhecimento da generalidade que hi nos factos Essa actividade do nosso espitito eonsiste em despojar o ob- jecto da sua facticidade, para reduzi-lo a formalidades, que so os esquemas abstracto-noétieos do nosso espirito Em téda essa actividade hé uma separacio, um separary uma erise, Todo o nosso conhecimento 6 sempre eritico, desde © da moda intuigdo sensivel, que capta as singularidades iic- tieas, at6 0 intelectual, que 0 reduz aos esquemas abstractos. Toda essa actividade é uma actividade abstractora (de abs trahere, trazer para o lado), que é ainda erise. Realizamo: para conhecer, verdadeinas difcrises noétleas, pois vemos, #0- parando das coisas as suas notas @ reduzindo-as a esquernas FILOSOFIA DA CRISS m noétieos para conhecé-Ias. Portante, todo 0 conkecimento & intrinsecamente critice, porque néle hé crise. E se hé crise © hé separacko, quando conhecemos, conhe: cemos © que separamos, e ao conhecermos alguma coisa, vir- ‘tualizamos 0 objesto, como éle 0 6 para actualizarmox 0 esque. smi, que le repete, que dle imita. O objecto 6 asim, ‘um simbolo, cujo simbolizado & o esquema, Portanto, no conho- cimento, ha um desconhecer do objecto como éle o € em si, para conhecer 0 que a objecto simboliza, o esquema quo o inelui. Portanto, conhecimento implica desconherimento, E estae mos aqui em face de uma antinomia cognoscitiva: duas positi- vidades que so de vectores inversos, mas que se do, presente © contempordneamente, ambas verdadeiras, embora opostas, © fa afirmagdo da presencialidade de uma implica a presencia. lidade da outra, 0 que é caracteristica da antinomia, HE essa separaei afirmagio dos opostos. Ademais, 0 que eonhece (sujeito) & impreseindivel no acto Ao conhecer, como o € que é conhecido (0 objecto), que for. mam campos opostos, pois podemos distingui-los como os dois térmos extremos lo conhectmento, imprescindiveis a éste, pois todo conhecer finito é um eaptar do objecto pelo sujeito. O esquema do objecto em si (esquema que ¢ in re), esquee twa conereto do facto, € desconhecido em sua totalidade, por. ue 0 nosso conhecimente, quer queiramas quer nao, esté sem. re condicionado, e opera dentro da gama dos nossos exquemas, A imagem do objecto é um esquema que eaptamos do esquema o objecto, ¢ esquema, abstracto-noétieo, que é geral, 9 con- ceito, aplien-se, esquemiticamente, ao objecto, néo aprenden. ‘lo, portanto, a sua totalidade, a sua verdade total, mas apenas iquela que éntentionaliter podemos eaptar do que & fundamen- luliter na coisa, S crise, BE essa erise 6 dialéetica na sua Podemos, agora, tornar claro o pensamen‘o pitagérice, ¢ lambém 0 dasse grande pitagdrieo que foi Platio. 0 que, pelo ‘ual as coisas sfio 0 que so, 6 0 esquema concrete na coisa, 72 MARIO FERREIRA DOS SANTOS que nela permite que tenha esta forma © nfio aquela, seja isto © no aquilo (esséneia), que, na coisa, é real, e, nels, ident ease com a sua oxisténcia de coisa esta ou aquela, Mas 0 que se da nesta coisa, e que a permite que seja que 6 ¢ mio outra, 6 algo que 6 da aptidao do ser, pois, do eo) trario, jamais teria sido nesta coisa, Ora, como tudo que acon tece no mundo do devir teve um prinefpio e teré forgosamente um final, a esséneia, que nesta coisa se existencializou, nfo po- din sor antes dessa existencializago um mero nada, porque se fésse nada como poleria ter ela surgido nesta coisa, pois se do nada nada se ger: Neste caso, essa esséncia, antes de dar-se existencialmente, ‘era um possivel, © como possivel era uma aptidéo no ser, To como pOde ela existoncializar-se? Teria saido de seu ser apti- ‘tudinal para existir aqui e agora? Nao, ela contimia, na or dem do ser, 2 ser uma aptidfio do ser, porque o ser sempre pode ser o que esta cvisa & e, conseaiientemente, 0 que se deu, fol apenas uma cépia da esséneia, como diria Platdo, na coisa, eidos (forma), que tem um modo de ser essencial, formal, no ser, que nflo deve ser eonfundide com 0 modo de ser t6pico da que esta aqui ow ali. ‘Mas, como se teria dado essa existenclalizagio, que é sin- gular, de um ser esseneial, que nao é nem singular nem goral, mas indiferente no ser, como 0 chamaré posteriormente Avi- 2 Pela simples razdo que, 0 que neste momento copia & forma, é algo que tem ger e, como ente, néiv saiu da orden do ser; onde € mantide, embora se dé copiado agora. E tal se 4 por que entre um e outro ha a identifieacio do ser, que nao permite que algo déle se afaste nem o contradiga. Portanto, a cépin platoniea 6 0 arithmés conereto, que © arithmés plethos, ou ténos dos pitagérieos ou outro aritkmés, e que, na linguagem platonica, 6 uma eSpia do arithmde arkhé, arithds supremo, arithmés eidetifeds, da forma platonica, que 6 imitado pelas coisas, pois dle eontinua perteneendo ao mundo das formas, que 6 0 mundo das aptiddes do ser, 0 mundo dos FILOSOFIA DA CRE 8 possiveis finitos, mas que, no ser, 6 acto de ser, que é um mun do real, mas de uma realidade diferente da realidade do mundo cronotopico, das coisas que se dia agora, aqui ou ali, pois aque- Jas se dio numa realidade, que no se limita aqui nem ali ‘Vé-se, déste modo, que as constantes oposiedes que se dio no conhecimento, sio oposi¢ées importantes para a dialéetica, pois ela nfo foge & crise, nem quer deixar-se avassalar por la, eriando abismos entre os opostos, mas conerecionando-o3 para uma visio mais ampla e mais eonereta do wniverso. Fundando-nos no que até aqui foi examinado, verificamos que © nosso conhecimento, embora verdadeiro, néo esgota a verdade dos factos que em muito nao podemos totalmente eap- tar. Portanto, eonhecemos deseonhecendo, mas para conhecer- mos algo, precisamos deseonhecer algo, porque todo conheci- mento é separar, 6 um eaptar entre, 6 um acto inter lee, inte lectual, acto eritico, porque, néle, realizamos uma crise, uma andlise, uma andiysis, um acto de desligar, como nos mostra, a etimologia grega, uma separago, uma dis-solugo, separagao das partes de um todo, Quando conhecemos, estabelecemos intentionuliter a dis svlugéo, a separagio das partes das coisas, reduzidas agora a esquemas nostieos com imagens representativas, como a mi morizagao do facto, ow imagens sem re-apresentoedes, como a classificagda dela em coneeitos, em esquemas abstractos. Ao compreendermas 9 nexo do nosso conhecimente, que ‘obedece av dos nossos esquemas, podemos captar que hi um nexo também no nosso desconhecer. Deseonhecemos 0 que no € assimilivel aos nossos osquomas acomodados; portanto, se queremos conhecer © que se nos eseapa esquematicamente, pre cisamos de outros esquemas que possam realizar a operagio que nao podemos fazer, e que, por seu imtermédio, possamos reduzir 08 nossos esquemas o que é do esquema das coisas. 4 ‘MARIO FERRFIRA DOS SANTOS: instramentos, aparelhos de precisio, aparelhos super-sensiveis (porque ultrapassam a esquemética dos nossos, sentidos), sfio a ampliag&o da faixa esqueméticn de que dispo- mos para podermos saber 0 que, naturalmente, “no podlemos” saber das coisas. Nao procedeu a ciéncia & ampliagio dos n sos esquemas? Que sfio os telescdpios © os microscépios senfio a ampliagio da nossa visio, permitindo-nos penetrar no axe ultrapassa 0 campo cognoseitivo normal? Portanio, j4 sabemos por que desconhecemos. I jé sabe~ mos também que, para conhecermos mais, precisamos dispor de maior miimero de esquemas. Ora, a anilise que fazemos, & erise que instalamos em nossas criticas cognoscitivas, perm ‘e-nos desdobrar os factos para conheet-los, reduzindo-os as Formalidades que @les simbolizam. Nesse acto de abstracsio, ‘que ¢ acto de separagio mental, no realizamos 0 desmembra- mento das coisas que permanecem conereta, mas apenas um desdobramento pelo espirito. B se nos mantivermos nesse es- tado de separaciio, esquecendo de concrecioné-las na totalidade, ‘como estiio conerecionadas as coisas, realizamos uma forma cioea da abstraegio, 0 abstraetismo, ¢ ealmos profundamente na didcrise, que é, af, um aumentar das distancias, com 0 pe- riigo do estabelecer abismos entre as coisas, umas das carac- teristicas da crise humana, que os interpée, onde a natureza ndo os tem nem os estabelece. His aqui, em linhas gerais, a crise instaurada pelo homem, da qual decorrem, como ainda ‘veremos, eonseqtléncias tremendas, por caitmos no pensamento abissal. Chamamos de decadialéetiea a dialéetien que opera em dez ‘campos com suas oposigdes, Jé estabelecemos dois: o campo da oposigiio sujelto x objecto e, no sujeito, o campo da razio e da intuicdo. A primefra capta o geral, pois as formalidades estio totalmente separadas ¢ abstraidas; e a segunda capta o singular. Festa estabelece um esquema fictico-noético da coisa, que é uma imastem com representacdo, um esquema sensivel do que a coisa &; ou, methor, do que a coisa simboliza em esque- mas sensiveis. O esquema abstracto-noético, construido pela razio, 6 0 conceito. ILOSOPIA DA. CRISE 5 Mas um tereeiro e quarto campo, com suas contradiegées, podem ainda ser assinalados; 0 do desconhecimento e do co- hecimento raclonais, que operam na eaptacio dos esquemas abstractos, que, 20 mesmo tempo, implieam os que sio despre- zados, inibidos, ou, seja, o da actualizaeo e da virtualizagio racionais, ¢ 0 da aetualizagio e da virtualizagio intuitivas. ‘Te- mos, assim, outros campos que itemos assinalar a seguir ‘quais, no sendo esquecidos, e pormanecendo conevecionados em todo 0 nosso acto de conhecer, permitem uma metodologia que nos assegura um melhor assenhoreamento des factos, porque J eonhecemos que conhecemos, ¢ conhecemos que desconhece- mos, 0 que jf 6 um saber mais amplo, © objecto, nie sendo totalmente captade por nés, podemos eonsideré-lo como actualidade ¢ virtualidade. Ademais, 0 ob- Jecto ndo aetualiza tidas as suas perfeicdes, © contém ontras ‘em vias de actualizagio. Cada ser finito é uma perfeigio em acto, porém, n&o actualiza todas as suas perfeicdes possiveis. Por isso, pode ser considerado em suas possibilidades reais, potenciais, ¢ nas nfo-reais, que sao aquelas que nao estilo con- tidas na sua forma actual. Assim um ser determinado 86 pode actualizar 0 que esté na sua forma, Outras possibilidades sé ypoderao estar mais préximas se sofrerem uma mutagio subs tancial, como ainda Veremos mais adiante, ‘Temes aqui, por- tanto, trés novos campos de anélise, ao estudarmos o objecto, que correspondem a0 sétimo, oitavo © nono campos, que sic os seguintes, abaixo descriminados. Campo da actualidade ¢ da vivtualidade do objecto, que pode ser considerado, sob seu aapecto intensista ou sob 0 fextensisia, que siio antinomias da tensionalidade do objecto, Considerando o que néle tende para fora, temos a extensidade, cujos factéres examinamos em “Filosofia e Cosmovisio"; ¢ 0 que nélo tende para si mesmo (tendere in), temos a intensi- dade, © quantitative € sempre extensive, enquanto o qualita- tivo 6 Intensista, A qualidade é tal em si mesma e néo im- pliea qualquer extenefio para a sua compreensio. verde & verde em si mesmo e nfo tal extenso de verde. A qualidade MARIO FERREIRA DOS SANTOS é vertical, enquanto a extensidade 6 horizontal, tomados tais, térmos analdgicamente, A intensidade conhece graus de mais, ‘ou de menos, enquanto a extensidade revela-se através do maior ou menor. A extensidade, como predominantemente quantita tiva, permite uma medida da mesma espécie, mas menor, pois € medida pelo menos, A intensidade, por ser predominante mente qualitativa, mede-se pela perfeigao especitiea. Assim 0 verde & mais verde ou menos verde, tomando-se como medida Quando se reduzem as intonsidades a extensidade, tende- ‘mos para 9 mecanismo. Neste caso, nflo hi solugdo da crise aberta entre essas antinomias, porque a redugio € um me abstraclo de fugir a ela, e nlio de compreendé-ta dislbeticaren- te. O mecanicismo julgou que era possivel reduzir os coxpos a0 quantitativo, e cain numa forma vieiosa da abstracgtio, 0 abstractismo, que virtualiza totalmente 0 aspecto Inverso, exia positividade nfo pode ser nesada. A extensidade exige a preseneialidade da intensidade, sem que uma estoja implieada na outra, mas, apenas, uma ze a 20 Indo da outra, A quantidade tem qualidades, ¢ estas a deter rminam, Uma quentidade som qualidades seria totalmente ue dleterminada, ¢ seria nada, porque a quantidude é a formali- dade fundada no aspecto predominantemente extensista dos séres, como a qualidade é a formalidade que se constroi sabre os asyeetos predominantemente intensictas. Ha uma distincio real-formal entre ambas, nio reel-fisica, pois no se podem dar separadas, nem so de per si subsistentes, pois sfio acci- dentais Observar os actos apenas extensivamente € considerdlos apenas mecanicistamente, abstraindo-Thes 0 que 6 intensista, gualitativo sobretudo. Assim, dentro da logiea, a compreen- Zo de um coneeito, que 6 0 conjunto das sues notas, & anilo- gamente intensista, enquanto a sua extensfo, isto 6, 0 nimero de individuos que 0 simbolizam, ¢ analdgicamente oxtensista, Se considerarmos um ser apenas em suas notas individuais, FILOSOFIA DA CRISE a heterogéncas, tendemos a vé-lo intensistamente, enquanto ape- nas as consideraimos para estendé-las ao individuo como mem- bro de uma série, vemo-lo extensistamente. Um ser humano, visto em sua individualidade, é intensistamente considerado, se ‘© vemos apenas como um ser humano, am individuo, que tax parte de uma série, como um soldado de um batalhao, despo- Jamo-los das suns qualidades para considerd-lo apenas na ex- iensfo de que faz parte. Como a rerio actua, tendendo para a extensidade, e 0s eonceites podem ser considerades por ela ‘mais sob o angulo extensista do que intensista, 6 comum, no racionalismo moderne, uma tendéneia mecanieista e uma abstractista dos facts Nossa époea esta sob a égide da extensidade, portanto da predominancia do quantitative. Em todas os sectores da vida social, hé uma tendéneia marcante a valorizar 0 quantitativo, portanto o abstracto, abrindo-se a diderise ¢ instaurando-se abismos, onde nfo deveriam dare. A tend@ncia quantitatt vista, vémo-la na maneira do Estado considerar os individuos apenas como niimeros, como membros de uma colectividade, bem como nas ideologias que tendem a desvalorizar o indivi duo e a valorizar apenas o componente do grupo, como o sol- dado, que é reduzido a um nimero de uma unidade, e que p: dea sua personalidade ante 0 exézcito, yue v cousiters apenus sob Angulos abstractistas, virtualizando-Tke 0 sentido conereto © 0 seu significade. 0 décimo campo, de grande importaneia no exame dos fae tos, é 0 do variante e do invariante, Em todos os factos ha © que néles se repete e 0 que néles ¢ novo, Todo facto repate uma formadidade, mas todos tém algo que é variante, que & da sua historieidade, A invariiineia, encontramo-la até naque- les cuja heterorencidade 6 téo grande que nos parecem total- mente novos, como os que pertencem ao histérico-social, os fac- tos da economia, da sociologia, ete, ‘Hai néles os variantes @ o8 covariantes que com éles eoope- vam. Assim, no cdleulo dos tensores de Einstein, vemos essa oposigfo, A. gravitagio, por exemplo, 6 um invariante, pois 18 NARIO PERREIRA DOS SANTOS todas 08 eorpos estiio sujeitos a cla, mas, no acto da gravita cio, hd 08 covariantes que 0 acompanham, e com éle se co- Ao procedermos « uma andilise decadialéeticn, temos de con siderar todos ésses campos, se queremos usar uma metodelo- gia que nos permita ver cada facto sob todos os Angulos pos- siveis, Entretanto, nunca devemos esquecer que todos éles se intergetuam, realizando a reciproeidade pela delimitagdo que uns exereem sébre os outros, ora aetuando como estimuladores, fora como obstdculos, mas sempre invariantemente preventes, marcando vectores diversos, mas afirmando @ sua positividade. ‘Todos @ssos campos nos revelam as antinomias que pode- mos encontrar no conheeimento dialéetieo, ¢ todos éles so ma- nifestagées da crise, insepardvel sempre de todo ser finito. A decadialécticn 6 uma dialéetica da crise © nilo de crise, por Que, realizando as diderises para a anélis conerecioné-las na sinerise, e abrir caminho para a transcen- neia, sob pena de cair no abstractismo, o que com ela se quor evitar a todo custo, niio esquece de A decadialécticn realiza a sintese no seu veriladeiva sen- tido, isto & eompreendendo que, na tese e na antitese, esta sempre a tese (thesis, posiedo), as quais se colocam ob, uma ante a outra, presentes sempre em seus pares de opostes con- trérios, mas presenclalidades, antinomias, cuja verdade de uma nit implien a falsidade da ontra, pois so ambas verdadeiras. E como ésses pares de opostos eontrdrios se dio em face de outros, no conhecimento decadialéctien hi necessidade de con- sideré-los sempre presentes, se nfo queremos eair no abbstrae- tismo, que consiste em nfo compreender a crise em seus dois veetores de difierise e de sinerise, ou afirmsndo um em pro- juizo do outro, ot negando ambos por uma falsa fusiio gue no corvesponde a vealidade, mas sim aos desejos humanos de nfo enfrentar as grandes difienldades tebrieas, que sempre oferees toda e qualquer realidade, num constante desafio nossa in teligéneta, PILOSOFIA DA CRISE 79 Todo facto, como téda idéia, nilo se dé isolade da sua ci cunstancia ambiental, que, no primeiro caso, é fisiea e, no se. undo, ¢ ontolégica. E cada unidade (pois 0 conceito 6 uma unidade; um juizo é uma unidade), um facto qualquer do mun- do césmieo que pode e deve ser tomado como unidade, pode & dove ser visto, para que 0 captemos em sua coneregio, sob cin co planos: 1 como unidade, quando estudado em si, ou em seu processo interior, como por exemplo, um neurdnia; 2° — como totatidade, pois estd imersa numa tensio, que com éle compie um todo préximo, como o neurdnio na fibra ou nerve; 8° — como série, ao fazer parte de uma totalidade que com outras se seria numa totalidade maior, como por exemplo, © neurdnio da fibra ou do nervo, que pertence A inetvacio de um drgio; 4c lum sistema, quando a estructura em que se seria, se conjuntura nam esquems tensional, como por exemplo, © neuronio do nervo, que pertence & inervagio de um ére%o, a0 fazer parte do sistema neryoso; 5° — como universo, quando a conjuntura de que fax ps emitticamente pertence a ur universo tensional, como o mesmo neurdnio no orgenisme hamano. Essa visio pliniea de cada facto ou de nim esquema abs- tracto-noético, como o conceito, permite reconhecer uma reci- procidade © uma actuacio da totalidade sdbre a parte com- ponente, pois 0 todo actua, como todo, sébre cada uma de suas partes, 0 que em breve examinaremos, aspocto erttico dialécti- co de maxima importineia, que foi tofalmente virtualizado pe- los mecanicistas que, désse modo, tiveram apenas uma visio abstracta da realidade, __ Nilo perceberam bem o papel importante que exerce a todo sibre a parte, que Ihe dé uma finalidade extrinscea important «ue no & puramente accidental, pois esta conerecionada com 20 MARIO PRRREIRA DOS SANTOS a propria substéncia do elemento componente. Assim a fibra nervosa, como uma totalidade, actua e delimita a acgio do neu- ronio; a inervacgio do érgao, a da fibra nervosa e a do neuré- nio; 0 sistema nervoso, como um todo, delimita a da inervagao, ada fibra e a do neurbnio, numa interactuaefo importantfssi- ma, com @ natural, predominaneia do todo sobre @ parte, que the marca uma dixeecio, ¢ que é importante ealientar para uma visio mais conereta dos factos, sem excluir 0 que ¢ inerente A parte, A critica, que se xealiza nos dez campos, chamamos de decadialéctica, ¢ 2 que se realiza nos cinco planos, de pent: dialéetiea, as quais permitem outras anélises que formam 2 seis providéneias de todo exame decadialéctico, que & uma me- todologia para evitar o abstractismo, a actualizagio da diderise com a virtualizaglo da sinerive, A decadialéctica 6, assim, a metodologia de penetragéo analitica da erise, considerando-a sob os aspectos da disiri e da sincrise, realizando, déste modo, certa conerestio, permi- tindo ao homem permanecer dentro da realidade em qualquer plano que fOr considerada, Nao ser8 cil compreender.cn 4 aa 0 pensamento abissal, ste consiste em abrir o didstema entre as formalidades ou os factos, actualizando e valorinando a dierise por um lado, exeluindo totalmente 0 nexo de reali- dade da idealidade e de ideslidade da realidade, que € dada pela unidade do ser, eolocando homem, fatalmente, no estado de desesperanca, ni por diante como se Se observarmos 0 ser humano, podemos considevé-lo sob quatro aspectos: como possuldor de um corpo, portador de um psiquismo, pertencente 1 um grupo social, uma colectividade humana, ¢ ubiquado num territério. FILOSOFIA DA CRISE. 8h Hsses quatro aspectos eo impreseindiveis para que 0 ho- mem exista, pois, como homem, tem um corpo e um psiquisme, © para surgi exige um casal que o anteceda; e pars viver, uma cireunstaneia ambiental. © homem 6 assim, corpo ¢ espfrito, intrinsecamente eon- sillerado; circunstincia ambiental e sociedade humana, extrin- secamente considerado. Os dois primeiros sio factéres intrinsecos; facléres extrin- sevos 08 dois iltimos. Se nos colocarmos na classificagio aristotéliea, divemos ‘que o homem 6 matéria e forma, A matéria 6 0 seu corpo ani ‘mal que tem uma forma animal-humans. Como esp! uma forma, a alma, cuja matéria, por éte informada, seria o psiquismo, 0 ser humano, para ser coneretamente eonsiderado, exige asses quatro factOres, que chamamos, aos primeiros, de emer agentes, porque emergem do ser humano; aos segundos, de pre- disponentes, que o antecedem ¢ o sucedem, que com éle mantém uma reetproeidade constante, permitindo que surja, permanoca, desenvolva-se, Podemos considernr 9 homem formalmente como animali- dade o racionalidade, como 0 faz a filosofia que segue a linha aristotélica. Mas, jamais poderemos ter uma visio sinerities do homem se 0 separarmos dos factéres ecolégicos e dos his térico-sociais, porque néle actuam e sio, por sua vez impr cindiveis para que o ser humano surj 108 Utimox factéres actuam predisponentemente, favo- recendo actualizagoes da emergéncia humana, Os factores emergentes, que sio os prinefpios intrinseeos, que se estudam na Ontologia, maream 0 campo delimitado da ace&o possivel de um ser. Actus sequuntur agens, diziam os escolasticos, os actos seguem-se ao agente, pois 0 agente actun segundo a sin forma, ‘Uma coisa s6 pode actualizar 0 que ja estd contide como pos- sibilidade de sua forma. Um ser s6 realiza 0 que ja esta eon- tido em sua emergéneta, 82 MARIO FERREIRA DOS SANTOS ‘Tudo quanto o ser humano realize 86 0 pode fazer pro- porcionadamente & sua forma. O pensamento mégieo eonsis- tiria em admitir que um ser poderia actuar além e acima da sua forma eda sua natureza, como uma planta falar, ou uma lépide ter sentimentos, o que seria sobrenatural (1). Portanto, os factres predisponentes actuam proporciona- adamente aos factires emergentes. Se as condigées do ambiente historico-social favorecem tal ou qual reacgéo, esta dependerd da emergénein dos s@res umanos que néles se encontrem.- ‘Uma totalidade actua sébre as unidades que a compiom, como uma predisponéneia para estas, permitindo eclodir 0 que elas tém emergentemente, e nfo mais, Sfo ainda tais aspectos revelagées nitidas do principio de racio suficiente, neste easo formal, pois um ser setua segundo a sua forma, mas condicio- nado pelos factores predisponentes, pois actuar precisa ndo 56 poder intrinsecamente actuar, como também extrinseearente. Entre ésses factores, que tém sido tantas vézes objecto de es- ‘tudos em nossas obras, instala-se a crise, pois se dis nfo $6 real-formalmente, mas real-realmente ¢ real-f Os primeiros (os emergentes) so esseneial e formalmente ne- cossiirios; 08 segundos silo Onticamente necossérios, Enquanto os primeiros so essenciais a0 sex, o# segundos sho dindimieamonte necessirios, mas extrinseeos A tensio eon ponente do er, embora também imprescindiveis para que éle surja @ perdure. A definigio formal clissica satistaz-se com os primeiros. Basta apenas para definir formalmente 0 homem, consider4-lo como animatitas © rationalites. Mas, para compreender a on- ticidade humana, € imprescindivel considerar os factéres pro- Gisponentes que penetram numa definigio dialéctica. Poder- -se-ia dizer, no entanto, que os primeiros exigem os segundos, © jf 08 incluem, Nao hd divida, mas quando tivemos ocasiti, na “Légien © Dialéetien”, de examinar decadialeetieamente 0 (1) sobrenstural nfo & contes ¢ fora da naturess, max e que & Aesproporeionade 4 natureza de uma colss PILOSOFIA DA CRISE 83 conceito esondmico de valor, vimos que, por nfo se considerar © aspeeto antinémico do valor de uso © do valor de troca, primeiro intrinseco, ¢ 0 segundo extrinseco, na sua interactua- cho, na sua reciprocidade, economistas de valor haviam eaido em formas abstractistas e, conseqitentemente, construiram vi stes vieiosas e deformadas da realidade econdmica, E para exemplificar 9 que dizemos, basta que atentemos para o Biologismo, que tende apenas a actualizar os factéres biondmicos, que so do corpo, ou para 0 peicalogismo, que ten- de a actualizar ¢ dar 0 caréeter de predominante aos factéres psiquicos, ou para o sociologismo © 0 historieismo que tendem 2 actualizar apenas os factires histérico-soviais, e para e¢o- logismo, que quer explicar 9 homem apenas como um produto dos factOres ecoldgicos (clima, ambiente geogréfico, ete.). Ante a interactungio désses factéres, que cooperam ma formagio do ser humano quando os separamos, quando entre les se estabelece um alongamento do difstoma, realizamos a Gidoriee, ¢ eaimos, fatalmente, nos abstractismos j4 conhecidos A predispoxéneia condiciona @ emerséncia, covariantemente, a ser isto ou aquilo, isto 6, 0 que a emergéneia ji contenha ema poteneial Se compreendermos © bem usarmos a dialéetien dos tacté- res emergentes © predisponentes, ovitaremos cair em certas explicagées historias, sociolégicas, bioldgicas, ete., que so mais, produtos da difierise sem a sinerise, e que favorecem © surgi- ‘mento do pensamento abissal, eom os ra ies que déle decorrem, Ademais o pensamento, que nfo seja aqui sineritico, 6 um pensamento gentinamente magico, porque daria a um factor 8 eapacidade de realizar o que éle nfo contém em poténeis, e, neste caso, haveria um surgimento do nada, 0 que é excluido a filosofia, sem o qual nfo h& possibilidade nenhuma de fi- losofar. Eo axioma da filosofia grega: do nada nada se gera (ex nikilo nihil), © o nada, aqui, seria tomedo em sen- fide absolute, pois a possibilidade pode ser nada em acto, © ndo nada em poténcia. TB se a poténcia nfo € admitida, tere BA MARIO FERREIRA DOS SANTOS. ‘mos, entiio, o nada absolute, o que forna © pensamento fatal: mente aporético. Fundamentar-se na cooperagio dos factéves emergentes ¢ predisponentes para 0 surgimento © 0 processe de wm ser, & coloear-se positivamente na erise, sem ampliar a didcrise e sin- tetizar esta através da sinerise, para superé-la, como veremos, oportunamente, é ter, em suma, um pensamento genuinamente dialéetieo, Na aniilise dialéctien de um tema qualquer, nunca se de- vem esquecer os factéres emergentes ¢ predisponentes, e par: tise sempre da certeza de que se interactuam; e que hé entre ales uma reeiprocidade constante; do eontréxio, tenderemos a cair no abstraetismo, que tantos males j4 produziu, nfo s6 para ‘6 pensamento humane como para a vida histérica do homem. ‘Um rapido exame de muita ideologias logo nos mostraria quan- to hé de pensamento abissal e abstractista, e quanto tém elas servido mais para separar os homens que para reuni-los, ae- ‘tuando como faetéres destructivos € niio constructivos. |A emergéncia actualizada procede como predisponéneia, como no ser humana, as actualizagdes provenientes do tempe- ramento, pelo favoreeimento dos factores predisponentes, por sva vez, como prodntos, aetuam como predisponencia de outras emergéneias. ‘Tais aspectos sio Hels de ver no campo da historia. O que o homem actualiza através da cultura (que inclui a téeni- ea) actua sObre a emergoneia, permitinde novas actualizagées, até o esgotamento das possibilidades de eriar. Desde entiio vive dos seus produtos, como nas fases chamadas civilizadas, para Hearmos, aqui, em parte, dentro da coneepeao de Spengler. EY que as eulturas também tém uma forma, isto é umn conjunto de esquemas que se estrueturalizam numa tensio coc rente, como ainda veremos ao examinar 2 erise na historia, 0 ‘que nos permite compreender os cielos culturais, e a razio pela ‘qual a vida do homem nio revels uma constante ascensio, mas tuma alternancia de fluxos ¢ refluxos, até o esgotamento das FILOSOFIA DA CEISE, 85 possibilidades da sua forma, K? o quo so verifiea na arte, ao surgir uma escola, a qual revela uma esquemitica que se estruc- turaliza, Nela hé possibilidades emergentes, que os factOres predis- ponentes permitem que se actualizem, ou nfo, Quando se dé © esqotamento das actualizagdes, que est2o sempre condicions- das pela predispontneia, ela estanca, enfraquece, e morre seu impeto eriador, Tais factos, ficilmente assinalaveis, e por nds oportunamente examinados, facilitam compreender a exactidio da nossa doutrina dos factores emergentes e predisponentes, que encontram, em {das as esferas, robustos testermunhos do seu valor (1). () A geragio vital consiste em transmitir uma forma da mesma. eopéele a0 ger gordo, coma sc dé na geragio humana, 0 ser vivo 6 gers: Ao pelo ser vivo. Neste ceso, sevin um exemplo da predisponéncia eviande ‘2 emorgtncia, ’ mais um exemplo denra intecactuacio entiw ambas, que moopriamente wma prova a favor da prolepancacia apenas. Ea vada urge porque 6 precisa eaber que a vide transinitide ndo ¢ eriada pelos antecedentes, ras pela emerggieie que néles prostegue € se tranamite 29 novo ser. Nio hé prdpriamente lnterrupeées na vida, A vida déste ser prosseque & vida do piimciva ser, O apecta formal que eada vida pode ‘ter & J¢ produto de sma série de prucesedes aetivas © passivaa, que se die ra passagem de formas virtuais para forme actuals, como a sementa 6 a ovma virtual do arbosta 6 &te, como forma aetual, & x forma vistual da rvore, e asim suesesivatnente, 0 ser vivo, aguante no esta definitive mento formado, conhece dessa aetualizagics formal, com hem 0 exploa fos escotistas, Mas soul tangemos 0 taxa da Cosmologia, « fete ponte ‘ povle eer examinedo em nossas obvas do problemétien aire tems eos molégicos, A enersincia nio se separa nonea da predisponéncia anterior, nnem da que a aeompanha. Mas & goragdo de um ser depends dessa pre” Gispondneia antecadente, que j4 contéin virtualmente a omerséicia, que prOpriemente a nerareza da coiss, tomeda mais do Angulo essencial, da ‘ua forma. Em “Filosotia Conereta", expomos apediticrmiet recestivion, a prova desoas teses. ‘em juizos ONTOLOGIA DA CRISE A decadialéctica 6 assim uma metodologia, que se pode em- pregar para clareamento das idéias, através das id6ias, pelo nexo de realidade que as unifiea, como é um clareamento doe Zactos pelos factos, pelo nexo de idealidade que néles h4. BH’ a decadialéetica uma metodologia para penetrar na evise © examini-la, Impée-se agora esclarecer duas expresses que geram tantas desconfiangas. Se com a deendialéetien podemas construir ama filosofia da crise, com ela podemos evitar uma filosofia de erise. A primeira 6 0 produto de um exame da crise em seus dois pe- rfodos, que colima por uma visio concreta da totalidade; a segunde € uma filosofia que surge de uma abstracgéo, ot pelo exeesso da difierise, ao abrir e aprofundar abismos, ou pels actualizagio oxco dos t@rmos autindmicos da erise a um Gnieo, tentando cons truir uma filosofia da identidade, mas pela abstracedo de um dos opostos, euja positividade passa a ser negada o¥ reduzid fa outra, Dessa forma, a filosofia de um Parménides é uma Filosofia de crise, pois reduziu tudo a identidade, virtualizando 8 heterogeneidade # ponto de negé-la, por exeessa de actuall- zagao sincritica, Jiva da siyorise, que termina por reduzir um A filosofia de Heréclito é uma filosofia de crise, porque, actualizando a heterogencidade, excedia-se na actualizagao da diserise, © mecanicismo de Deméerito 6 uma filosofia de erise por- que abre os abismos entre as particulas (dtomos), para reduzir tOda a realidade ao nexo apenas das figuras, mecénicamente 90 ‘MARIO FERREIRA DOS SANTOS curgidas da agregagio ¢ da desagresacéo, abrindo um abismo, no vazio (to kénea), que Deméerito, eaindo na aporin inevi- tiivel que éste geraria, por ser nada, termina por dar-lhe qua- ades fisieas, eonsiderando-o alguma coisa, tentando, assim, uma sinerise frail, que nflo pode salvi-lo da crise em que per- maneeia o seu pensamento, Poderiamos aqui delinear, desde jé, todo 0 pensamento de crise na filosofia e na eféncia, 0 que deixaremos para o lugar foportuno, pois antes desejamos earacterizar, de modo claro, 0 valor ontolégico da crise, para depois estabelecer a anilise de- eadialsctica désse tema, ou seja a eritica da erise, ¢ a conerecao inal, j4 féeil, em vista do que até aqui foi analisado e escla- Posteriormente, entio, poderemos invadir as diversas es- feras, onde a crise se instala com os seus dois perfodos anti- nomieos, que nos auxiliam a ter uma visio mais clara, e de conjunto, da realidade ¢ da idealidade, a primeira como 0 nexo das coisas reais, ¢ a segunda como 0 nexo das coisas ideais, mas que 0 entrosam no nexo de realidade da idealidade e no nexo de idealidade da realidade, como j4 tantas vézes salien. ‘tamos em nossos livros, e ainda teremos ocasido de ressaltar, com outras andtises, que 08 nosso estudee roalizadoo até aqui nos permitem estabelecer. Caracterizados os conceitos de finitude e o delimitagto, um niio deve ser reduzido a oniro, Um ser é Hiitado pelos de sua ordem (outros) ou pelos das ordens superiores, © nfo polos das ordens inferiores. © Ser Supremo nfo conhece mites porque o nada, por ser nada, © nfo ser ser, nflo paderia limité-lo (pois caréncia de ser € caréncia de poder, e 0 nada & earénein de tudo). Os séres corpéreos so limitados uns pelos outros ¢ por si mesmos, e pela forma, que Ihes da a estructura ontolégica intrinseea, 0 limite, vimos, é limite de ¢ limite entre, quando € também um limite extrinseeo, pois quando 6 de, 6 de 9 coisa e de 0 que ndo 6 e é entre, porque separa, Mas ésse entre PILOSOFIA DA CRISE 1 funde-se com o primeiro, porque onde termaina também eomeca © outro, como virnos © limite ¢ assim, um ser inerente a0 limitado e a0 limi- tante, pois o que limita é também limitado, © vice-versa. Mas, no devir, hé uma vietéria sobre o limite, porque, no devir, ha a presenga de uma aetividade, No devir, hé um acto que actus uma actividade; ha, por- ‘tanto, algo que ultrapassa o limite ao estabeleeé-lo, pois ao cstabeleeé-lo ja o ultrapassa, porque se declara onde essa. um sex de ser, declara também onde comega “outro” 2 ser. No devir, hf sempre o actualizar de uma possibilidade, pois dé-se quando o que era em potineia se torna em acto, Nao esque- gamos que nos referimos aqui apenas ao campo do corpéreo, A limitagéo néo é um puro nada, Ela tom uma positivi- dade. E é, conseqtientemente, entitas, uma entidade, porque tudo quanto nfo é um puro nada é alguma coisa, é ui ser, tem uma entidade, em si ou em outro, niio importa, mas é uma entidade. Em suma, tem entidade tudo quanto néo é um puro nada, Os séres finitos podem ser vistos como poténeia ¢ acto, como tais podem ser observados da seguinte forma: Poténeia e acto: ~ na ordem da e especitfico; wéncia; matéria ¢ forma: composto ~ na ordem do ser: esséncia ¢ existéncia, Do composto matéria ¢ forma nasee um existente, e surge uma nova forma da reuniZo de esséneia e existéneia (eatra status possibilitatis — fora do estado de possibilidade). Sur- ge o ente (id cujus actus est esse = aquéle cujo acto é ser, que se realiza no pleno exercfefo de ser, 0 existente). 82 MARIO FERREIRA DOS SANTOS © ser finito 6 crise. A emergéncia ¢ constitutiva da sua estructura ontolégica; @ predisponéneia é a cireunstancia am- biental, A estructura ontolégica the é dada pela forma que tem, ¢ esta se torna efectiva, entra na ordem efeetiva de ser, quando inclusa na predisponéneia que, cooperando com aguela, permite o surgimento da tensio esquemética do ser, que é a ua estructura ontologica. Sem a prodisponéncia, o ente seria mera possibilidade, pois os entes surgem com a sua forma, ‘quando as condigdes predisponentes admitem. B’ 0 que nos revala o nexo da realidade, quando se trata dos séres fisieos, eorpéreos. No mundo das idéias, 0 nexo destas antecede ao aconteces porque se da fora do acontecer; dé-se na idealidade. A idéia de género implica a de suas espéeies, mas sao contompordneas, como a idéia de bem nfo surge quando 0 homem a eapta. Os pensamentos, que dao o nexo de idealidade, esto ja dados, in- dopendentemente do devir dos sres corpéreos. Se os homens niio 08 eaptam, tal nfo implica que sejam meros nadas. Nem tampouco podemos reduai-los a apenas es- quemas abstracto-noéticos, pois tam éles uma realidade formal eatrn montis, cous Lew » mostrava Dans Beat, © que & 0 esyue- ma conereto, Quando 0 homem estyucturow 0 esquema ontolégico de totalidade, ose ji era um esquema da rvalidade, ques idea clo Humana poderia estructurar como 0 fez. A idealidade da vealidade 6 real, independentemente do homem, Se ésse ndo tivesse surgido, havia sempre a possi- ilidade de um ser intelectual qualquer poder eapté-la. LB’ facil compreender-se esta afirmativa, se atentarmos para o seguinte: ¢ que se acha ainds na profundeza da terra pode ser objecto de especulacdes de cardeter cientifico e filo- sofico, mas falta-nos 2 suficiente experimentago para dizer- mos com tOda seguranga que € assim ou de outro modo. FILOSOFIA DA CRISE 93, Todos os pensamentos, que o homer pode eaptar do que the 6 inteligivel, esto em estado potencial para o set espirito. Ao conhecé-los, poder ver que éles so déste ou daquele modo, © poterd captar 0 nexo de idealidade que a realidade possui. Todo 0 universo 6 um grande pensamento neste sentido, do ‘qual podemos inferir, conexionadamente, um nimero ilimitado de pensamentos, segundo o grau da esquematiea que possuirmos, 0 nosso acto de ponsar, que & psicoligica, 6 0 acto de eap- tar o nexo de idealidade que hé na realidade. Bsse nexo, que captamos, nao é falso; pode ser verdadeiro totum, nao totaliter ‘Nao captamos totalmente o nexo de tOda idealidade do ser, por que precisariamos de ums mente infinita para tal realizar, ‘Mas podemos captar, segundo a nossa esquemdtica, um nex» dle idealidade, que esta na realldade das coisas. Desta forma, colocando dialéctieamente « nosso pensamen- ‘to, salvamo-nos do cepticismo e da degmatismo, que sd duas posigées de crise sobre a possibilidade gnasiolégica do homem. Estes pensamentos, que a mente humana abstvaiy nao sub- sistem de per se, mas estiio no nexo da realidade que também € ideal. A mente humana vealiza « aphaivesie aviatotélice, abatyactio dns esnnlastions, a abstracgio das formalidades, © ao conexiona, numa ordem de simulianeldade. Se as pereites es- ‘tio aqui e ali, em continentes diversos, estiio tédas formal- mente ubiquadas na sua espécie, que formalmente esta no seu género, embora os individuos se dispersom pelo mundo. A realidade tem um nexo de causa ¢ efeito, © ésse nexo & trade zido formalmonte pela hievarquia dos conceitos, 14, assim, uma analogia entre a ordem ontiea e a ontolégiea, analogia que admite, porém, uma Gniea excepedo, e que consisty em admitiy que 2 mente humana capaz de distinguir o que nao é distinto ex natura rei, da natureza da coisa, fsses entes, de razio (entia vationes), meramente conceptuais, eujo tinieo fundamento esta na mente humana, ¢ nfo nas coisas. A sua realidade seria apenas conceptual e no real-real, nem muito menos real-fisiea, 0 que néo 6 matéria pacitica na filosofia. 94 (MARIO PEREIRA DOS SANTOS ‘Mas teriamos que abordar aqui um tema de ontologia, eujo es- clarecimento nfo & necessirio para o desenvolvimento de nossa ese, que 6 a possibilidade da construcao de uma filosofia da crise, e, conseqiientemente, de se ter uma visdo critica da crise do existir finito (1). (2) Na vovdade, h6é mais que aumlogia entre a ondem real e a ideal, pois Ii aspaetos tnivacor que nda podarienios tratar agui e que ao exa” rings exaustivamente em “Fuosofia Conereta", por exigirem um amplo ‘tudo dos names comans dos eBres, 0 que leva @ examhay 0 tema da ‘analoniay da equivosidade e da waivocidade, em eampoe que ultyapseum, fo ezate trabelbo. OS FACTORES EMERGENTES § OS PREDISPONENTE © problema eritico, na gnosiologia, consiste no exame da “pedra de toque” (kriterion dos grezos) para avaliar a ver~ dade dos nossos conhecimentos. Nao s6 se apresentam para 6s como problemas a possibilidade de eonhecer, comao 0 modo de conhecer, qual 0 dryao do conhecimento, 0 conteido déste, e, sobretudo, a valider das nossas afirmativas A adaptacdo psicolégiea do homem ao mundo ambiente é aniloge & adaptagio biolégica. © ser vivo eolocaese ante o mundo civeunstancial munido de seus esquemas, que operam como factéres emergentes (tor- ma e matéria), os quais, por sua vez, so consolidagdes de uma interactuago dos factéres emergentes e predisponentes, euja interactuagéo © reciprocidade (pois sio antindmicos e coone- antes), munea ee deve perder de vista, a fim de evitar uma visio meramente abstractista dos factos. sees esquemas, cuja génese é um longo capitulo da bio- génese, hem como da psicogénese, constituem o lastro dos es- ‘quetas sensério-motrizes, que permitem ao ser vivo a reaccéo a0 meio ambiente, que se processa segundo a emergéncia e 0 estimulo, que a predisponéneia exerce sobre aquela, A adaptagio Diologiea vealiz por dois perfodos: 1.9 — acomodacio dos esquemas emergentes 4 predispo- néneia 2. — assimilagdo do meio ambiente & esquemdtica emer: gente, 98, ‘MARIO PERKEIRA DOS SANTOS 0 ser vivo processa-se nesta interactuagio, © a sua adap- taco se forma pele acomodagio dos esquemas actuais © po- tenciais ao meio ambiente, e sofre, por sua vez, a actuaedo do meio cireunstancial, apenas no que déle se aeqita 20 ambiente, do contrario perece. Déste modo, a adaptagio animal ao meio ambiente se process dentro da emergéneia, nos limites que formalmente ela estabeleve, que 6 concretamente compreendido dentro da esquemética especifico-individual. A biologia nos mostra que o adagio da excoldstica é verdadeiro, porque a accio segue a0 agente, e éste actua, portanto, segundo a sua forma fe, no caso individual, segundo a esquemitica conereta que The do proprio ser. ‘Toda a adaptacio realiza-se, portanto, no campo dos limi- tes da estructura Ontiea do ser, dentro dos perfodos de acomo- dagho dos esquemas a0 meio ambiente, aos factires predispo- nentes, e da assimilagdo do meio ambiente ao ser vivo, segundo. os limites désses mesmas esquemas. Dessa forma, o ser vivo assimila segundo os planos da sua esquematica. Biologicamen- te, assimila o que so homogeniza vitalmente ao organismo (erescimento pela alimentagéo) ¢, psiquicamente, por accdes © reaegées, dentro ainda dessa esquemética, apreendendo, se- gindo xen gra de apreensio sensfvel, por meio das inkuigdes sensivels, 0 que se assimila aos esquemas. Déste modo, as inibigées animals, por exemplo, processam-se dentro do campo Ga sta esquemitica. © animal repele o que o poe em risco, segundo o grau de apreensio esquemdtica. ‘Todos ésses aspectos nos revelam a crise, tanto no canipo ioléxico, como no psiquico, pois os limites estao ai tragados. Para que o ser ultrapassasse ésses limites ter-se-ia de dar uma destas duas solugder 1" — por imanéneia, com a eriagdo de novos esquemas, coordenados de e por esquemas anteriores, para adaptacdo aos factos novos. Eo que verificamos, por exemplo, no homem, ‘que eonstrdi novos esquemas, que sio coordenagdes dos esque- was anteriores, para, com éles, acomodar-se aos factos novos FILOSOFIA DA CRISE 99 € permitir novas assimilagbes, ‘Temos tais exemplos na erian- ca, Todos os psieslogas ¢ psicologistas admitem, pelo menos, ue hi na evianga um esquema, que é inato, o de sucgao. Este ndo precisa de uma aprendizagem, E” um esquema, conside- ado, na sua totalidade, simples, embora nfo seja simpliciter simplee, pois € wma coordenacao de esquemas do sensério-mo- ‘riz, 0 que no caberia aqui estudar. Mas, no ser humano. a0 nascer, este jf devidamente formado, ¢ entra imediatamente fem acco, Com éle, no decorrer do tempo, vao coordenar-s2 outros esquemas, como os técteis, visuals, anditivos, além dos primeiros que se formarao com aquéle, como seja 0 esquema, da doglutigao, potencialmente apto, pois, na deslutigdio do leite materno, a siliva, j4 abundante, provocaré uma série de esaue- rmatizagies que 8¢ ligardo ao aplaeamento da fome e & agrada- Dilidade conseaiiente a0 desaparecimento do desprazer que a fome produz. ET ficilmente compreensivel, considerado somaticamente, que 0 corpo da crianca ¢ uma esquemétiea complexa de ordem Dbiolégica e fisiolégies, e que ela vem ao mundo com uma ese ‘quemética psiquiea, apta as acomodagies com o meio ambiente, pois a erianga j4 nasce com um sistema nervoto, embora inci- piente, mas apto a coordenar sensacies € a estabelecer novos esquemas coordenados. Este ponto, esquecide por tantos filé- sofas, 6 da méxima Importincla, pois nos revela que todo ser que surge tem uma emergéncia, pois, sendo alguma coisa, tem uma forma e matéria, @ actuaré segundo a sua esquemética primordial, Fandados em tais factos é que os inatistas encontram para as proposicdes certa base positiva, embara, levados pelo abstractismo, caiam éles na aceitagio de idéias inatas actuais, quando hé apenas ums ptidfo a elas, como em outros traba~ Thos nossos analisaremos provaremos. ‘Véese, déste modo, que o ser biolbgico se restringe dentro dos limites da sua constituigio, isto 6 dentro da estructura 100 MARIO FERREIRA DOS SANTOS ‘esquemdtica Ontica que o forma, ¢ aciua segundo suas possi- ilidades ¢ actualidades emergentes, condicionando a sua assi- milagdo a essas mesmas emergéncins. 2° — Por aimpassumento, ou melhor, por transforma- gio. Neste caso, 0 ser, que se adapta, corromper-se-ia, através de mutagdes de ordem substancial, Nao tendo, substancial- ‘mente, uma emertgéncin capar, segimdo a atta forma, tendo de adaptar-se ao mefo ambiente, éle pereceria, por corrupeio da forma, e pela geragio de uma nova forma. Neste easo, 0 ser deixaria de ser o que era para ser outro, formalmente outro, € estarfamos em face da corrupgéo de uma substineia ¢ simul- ‘tanea geracéo de outra, Essa transformacho se daria pelo de- saparecimento de uma espécie ¢ pelo surgimento de outra, Dentro do campo filoséfico, ter-se-ia de dizer que uma forma apenas acta dentro da soa esquomitica, e forcada a ultrapasser-se formalmonte daria infeio A sua desaparicao © surgimento de outra forma, o que se revelaria através de pro- cissbes activas e passivas, 0 que freqiientemente chamam evo ued, mas em limites definidos. Admitiv-eesinm, dentra desta pasigio, apenas mutagdes aceidentais ¢ nio substanciais, e evolugio se daria apenas no Ambito da forma, com modificagdes dos accidentes, naque- les limites, A evolugo animal s6 pode realizar-se das sewuin- ‘tes maneiras: a) ou so realiza dentro do ambito da forma, e, neste caso, est condieionada A emergéncia da mesma, sendo 2 evolucto, que é composta das processes activas e passivas da adaptagio ‘esquematica, por seus perfodos dé acomodacio © assimitacio, apenas ima mutagéo accidental, sem atingir a um ultrapassa- mento da estructura do ser; ou b) hé um ultrapassamento dessa estructura, e, conseqiien- emente, sua ruptira como tal, portanto ana desaparigao como tal, sua corrupeto, e geragdo de wma nova forms, que, por #48 FILOSOVIA DA. CRISE 101 vez, tem uma nova emergéneia e se adaptaré com seus perio- dos de acomodacio e assimilagdo dentro do seu fimbito. No easo , teriamos de admitir que o individuo vive, que sofre tal mutagio, manteria 2 mesma matéris, mas substitu sua forma, que 6 especttica, havendo em tal salto uma passa- gom de uma espécie pura outra espécie, o que é filosdticamente discutivel © cientifieamente ainda ndo demonstrado, Conter-se-fa, assim, a idéia evolueionista dentro do campo da forma que the tracaria limites, B se tal ultrapassamento se desse, 0 individuo tal deixaria de ser, para déle surgic outrs individuo, ow outros, 0 que s6 se di na corrupedo, como um corpo que, morto, se transforma em cadaver, mas deixa de ser © que era para ser outra coisa. A forma, especifieamente con siderada, contém-se em limites estreites, e ela, de por si, nfo se transforma em outra. A nova forma que surge é outra e nao a mutagho daquela, pois a forma é como tal, intransformvel; imutével dentro do seu ammbito, isto é dentro de sua estractura ontolégica, 0 novo ser gerado € de outra forma, e nfo apenas uma forme que se transfarmou. A forma anterior pormancee, como tal, na or dem ontoiégica e nto se modifica, como o trés permanece sem- pre trés, Ese a trés juntamos um, e temos quatro, 0 quatro niio € uma transformagio do trés, pois trés é sempre tras. Quatro jd tem outra forma, e nfio é apenas a forma tes i qual se agregasse alguma coisa, e que ao se Ihe adieionar al- uma coisa, se transformasse, pois, eomo forma, ela permances sendo, ontoldgicamente o que é poiendo ter um correspondents em trés coisas quaisquer; como forma é imutével e eterna, Se um ser vivo, com sua forma especifica, vem a desapas recer para dar surgimento a outro, ou gers outro de forme Giferente, sua forma permanece dentro da ordem do ser, como permanece 2 do mamute, embora tenhamos outros séres da- guele cecorventes, 102 [MARIO PEREIRA DOS SANTOS. Bases outros s@res, ou sio produtos de uma mutagéo acei- dental da forma mamute, ow so outra forma, e nfo 2 do ma- mute que ge transformou. Neste caso, houve o surgimento de uma nova forma, sem que aquela deixasse de ser na ordem cesseneial, embora no Ihe caiba nenhuma correspondénela exis- tencial agora. A imutabilidade da forma é assim um prinefpio filoséfico. Ea cignela, neste cector, s6 contribuiu para fortalecer tal per tmento. Como a forma dos séres vives é transmitida, uma nova espécie, por geragdo espontanea, 6 impossivel. Como neste sector, de rieas conseqtiéneias para 0 nossa pensamento, € para a tese que expomos nesta hora, hé tantas incompreensdes, seria interessante reproduzir uma preciosa passagem da obra de Tomas de Aquino, que permite uma no- clara do que 6 a forma e do seu verdadeiro significado, 0 que passaremos a glosar, ¢ dai deduzir as conseqiiéncias, as conelusdes, que nas favorecem para a compreensao do proble- ma da crise, que 6 para nés, um dos problemas fandamentais du filosofia, ‘Tém muitos uma opinido errada da forma pela razio de 8 considorarem como substineia.., E dai tem origem 0 ero, to daqueles que admitem que as formas existem lntentes (na matéria), quanto daqueles que pensam que as formas te- ham origem numa eriagio. Pois éstes pensam que as formas esporariam 9 “devin, como esperam as substancias; e, por 1&0 poderem encontrar coisa alguma, da qual as formas pudessem ner produzidas, supuseram que essas vinham criadas, ou, en- lio, existiam na matéria, Com isso, perderam de vista uma cvisa: © ser nfo espera 2 forma, mas o sujeito, mediante a forma, ou seja 0 devir, que condua ao “ser”, pertence néo forma, mas a0 sujeito, Pois a forma chamade de ente, nfo que ela mesma 9 “wwia” propriamente falando, mas porque, através deta, alieu- ‘que a forma 6 produ vials, in que ela mesma seja produzida, mas por que, por meio ue eoisa 6; assim se diz simplosmen FILOSOFIA DA. CRISE 108, de uma, qualquer coisa 6 produzida; ou, melhor, porque 0 su- Jeito 6 reduzido do estado de potencial para o actual” (Q. D. De Virt, a. 11). © pensamento de Tomés de Aquino pode ser sintetizado do seguinte modo: as formas néo tém uma existéneia de per si, entes da matéria, nem tampouco elas existem na matéria ‘em forma latente. Este pensamento se opée, aparentemente, a0 pensamento platénico € dos platonizantes de qualquer es pécie, No pensamento genuinamente pitagoriea, que, a nosso ver, € 0 que realmente aceitava Platao, e que posteriormente foi exposto modificadamente por Plotino, ¢ que encontramos em nossa era (presente, em parte, em Duns Scot, para exempli- Ticar) as formas pertencem A aptidao do Ser e, neste, so sub- sistentes, sem que elas o sejam propriamente de per si A propria efectivagéo da forma, neste ou naquele ser, de- monstra que ela era alguma coisa, € nfo um puro nada, antes do seu surgimento nesta ou naquela coisa, pois, do contnério, nio teria surgido no pleno exereicio desta ou daquela actuali- dade. Por um vieio natural do espirite humano, cujo esquemaa tem uma base muito mais profunda na nossa experiéneia vital, ‘tendemoe naturalmonte @ substancislizar as coisas, para dar -Ihes uma firmeza que as sustente. E’ natural que, por um pensamento filosOficamente ineipiente, procurassem alguns dar formas uma substaneialidade qualquer, mesmo de grav in- tensistamente fraco, considerando-as, assim, eomo algo eom uma estructura Gntica, Daf a necessidade de eolocé- lugar, o que j4 revela debilidade filoséfica Jamals 0 pensamento platonico se pode eonfandir com & pensamento vulgar. Considerar como ial a coneepgao de Pla- to, € um modo de caricaturizar a sua filosofia, As formas nao so, para éle tipicamente ubiquadas em qualquer lugar. Nem tampouco tém elas qualquer estructura sensfvel, isto é, captavel pela intuigio sensivel. Wis por que nao pertencem jot MAIJO FERREIRA DOS SANTOS clas ao mondo da aparéneia, ao mundo do fendmeno, que é pre- cisamente o que € eaptado pela intuigho sensivet, pelos sentidos. Se as formas tém uma consistincia, nao Yém elas uma subsis- téncia, com perseidade (de per se), isto é, actualizadas fora, de suas eausas, como € préprio de todo o existente. Aquéles que pitagorizam Plato, como é comum dizer-se, na verdade interpretam genulnamente o pensamento do grande fildsofo greqo, pols as formas, ndo tendo uma existéncia de per si, pertencom, no entanto, ao mundo da verdade, que é 0 mando divino, do Ser Supremo, no qual elas subsistem. Todos os sé- res, que formam uma unidade de qualquer espécie, quer de mera agregacio, quer por reeidente, quer substancialmente, tém ums forma, pela qual so 0 que so, € nfo outya coisa, Esta forma, que intrinseea dos adres, 6 a lel de propor- cionalidade intrinseea que Thes di a especialidade. Quando Yomés de Aquino diz que @ forma, enquanto ela mesme, nao 6 propriamente um ente, mas sim através dela 6 que alguraa coisa 6 o que 6 quer dizer que a forma é produzida, nfo como uma forma de per ai subsistente, mas por ter tal forma ¢ que fa coisa é propriamente produzida. Neste caso, 0 sujetto da forma achave-se em estado potential para receber. eragas a ego da causa eficiente, esta ow aguela forma, tornando-se actualmente esta ou aquelt coisa, com uma expdeie determina aa, que, ne lingua latina, correspond 20 cides aristotélice, nuns na eofsa, Analisando @&te pensamento, podemos dizer o sesuinte: costa eoisa 6 desta espécie porque tem tal forma desta espé Povtanto, a forma 6 0 pelo qual esta matéria ¢ isto e nfo aquilo, Considerada a matéria, enquanto tal, ela seria indeterminads quanto & forms adquirida, @ esta matéria tornou-se a matéria Ae, pela funcionalidade da forma, Para grosaeiramente exem- pliticar, poderiamos dizer que um monte de barro, enquanto huevo, no 6 ainda um vaso, seniio quando recebe a forma do ‘vaso pela causa eficiente que o modela, EB, nesse momento, 0 FILOSOFIA DA CRISE 105, barro passou a ser um vaso pela forma que reeeben. A forma no propriamente am 0 que (quod) que se agreyou ao barry. Apenas © barro, como matéria, foi modelado, recebendo uma proporcionalidade intvinseca, assumindo, assim, a forma de um vaso, sem que propriamente tivesse le aumentado ow iminotdo quanto & sua matérla, mas apenas reeebeu deli tagdes, determinagées, pelas quais deixoa de ser apenas um mero monte de barro para ser um vaso de barra, Neste de barro, temos 0 que Arist6teles chamava a causa material; na forma, que recebe, de vaso, # causa formal, ¢ nx accéo do homem que 0 modelou, @ causa eficiente, A forma, portanto, ndo tem uma substancialidade quando tomada isola- Gamente pelo nosso espirito que a abstrain, sowundo 0 ponto de vista aristotélico, como também segundo 0 tomista, da coisa, na qual ela estava informada. Conseqientemente, 2 expresso de Tomis de Aquino de que é “através dela” que alguma coisa 6 fica, nesta posigéo filoséfica, perfeitamente esclarecida, Podemos examinar o pensamento platénico, permanecendo sinda neste grosseiro exemplo, que, no entanto, permite clarear os horiaoutes que delimitam as duas doutrinas, Antes de ha- ver surgido, feito pela mio humana, o primeiro vasa, a forma vaso nio era um mero nada, porque s¢ 0 fdsse nunca poderia ter-se tornado existente no batro (1). Mas a forma, tomada em si, nfo tem materialidade, por- tanto nao € eaptavel pelos nossos sentidos, nio € um fendmene que surja aos mesmos, Neste ponto, tanto uns como outros estiio plenamente do aedrdo, Mas, 0 que earacteriza © pensamento platonico esti nesta distinglo, que € capital: a forma, so nao é do mundo da (1) Noses 6 domais salientar que ie ae deve confanair a fovna com a figura, No example, condo o vaso um exte da cultura, cua Zorma pode confundirso com 2 Fgura, que é uma determinegio qualitativa da dqcantidade, Maa um ser da paturcea tem waa forms. Por Iago, 0 esen ‘lo & kcorseizo, mas sexve Dara osclarecr: 106 MARIO PERREIRA DOS SANTOS aparéneia, 6, pelo menos, do mundo da inteligéncia, pois pode ser captada intelectivamente, permitindo que, pela abstraecio, realigada pelo nosso intelecto, possa ser tomada & parte. Neste ponto, ambos estariam de acirdo, Surge, agora, o ‘momento em que ambas as doutrinas se separam: & que antes dessa informagio da matéria, isto é antes do barro ter rece- ido a forma do vaso, esta forma, se nfo pertence ao mundo da aparéncia, no pode, por sua vez, ser redurida a um puro nada, pols do contrario, com uma certa quantidade de barro, & forma de wm vaso ou outra forma qualquer, embora a matéria seja a mesma, seriam elas idénticas, 0 que repugmaria a0 nosso espirito. Considerandose assim, a forma nilo pode ser classificada como um puro nada, mas, sim, como alguma coisa, portanto como uma entidade, diversa da matéria, uma entidade formal no sentido do eidos de Plato, isto 6 como um ser de outra cordem, que nie a da materialidade, em sums, um ser imaterial Se 0 harro pode reeeber a forma de um vaso, fundando-nos nossa classifieagio das factores emersentes e predisponen- ‘us, tenes que reconbecer que © barre tinha a possibilidade passiva de reeeber essa forma, E se levéssemos mais longin- dquamente o nosso pensamento, podesiamos dizer que o que cons © barro, a matéria da qual o barro surge, jé continha em nun sua emergéncia, a poléncia passiva de, por sua ves re= ccher a forma do Darro. B coma nessa peregrinagio no pox dleviamos ir até a0 infintto, e encontrariamos o ser, temos de tulmitir quo, no ser, bé @ aptidao para apresentar-se com todas sus formas que jf surgiram, que surgem, e que acaso venham a suri, E essas formas nfo vém propriamente do nada, por- ‘une J est&o contidas na aptidao do ser. O que as temporaliza 0 0 momentos em que elas informam a matéria, mas, en nto Formas, elas so eoeternas com o ser, € subsistem na validate do ser. tit FILOSOFIA DA. CRISE 07 E como néio tém elas a menor materiatidade, nao tém tam- ‘bém uma ubiquaeHo no espaco nem no tempo e, déste modo, no se pode pedir um lugar (pois Gsse conceito implica espago), onde estejam as formas, mas sim que elas subsistem no mundo verdade, que 6 9 mundo divino do ser. Bm Iinhas singelas, & ésse 9 genuino pensamento platinieo. ‘Mas tal pensamento 6 decorrente do verdadeiro pensamento pi- tagérico, E vamos mostrar. Qualquer manual de filosofia nos diz que Pitégoras ensi- nava, ¢ 0s pitagéricos repetiam, que a esséncia, neste caso a forma, de todos os séres sig os miimeros, Usava Pitigoras 0 térmo grego arithmés, e construiu uma verdadeira aritmologin, uma eiéncia do mimero, ao perserutar a esséneia de tidas as coisas. Ponhamos de lado o érro vulgar de se considerarem ‘os niimeros pitagoricos como apenas quantitativos, como sao os mimeros da aritméties, produtos de uma abstraceao de terceiro grau da quantidade, 0 que Pitagoras repelia, pois a ste os chamava de mimeros de célculo (aritiemds logistikss). Devemnos considerar ainda que os mimeros eram conside- rrados por éle, niio 86 nesse sentido, eomo também, coma qua- lativos, com valores, tenses, eunjusnlus, Funcydes, relagbes, harmonia, simbolos, {luxos, ete. T, portanto, um crasso érr0 Julger que os pitagérieos afirmassem que a esséneia das eoksas ‘focsem 08 nlimeros aritmétiens, os nimeros sensivets. ‘Téda forma, que é intrinseca a cada ser, é uma proporeio- nalidade interna, que nio é apenas quantitativa, mas também qualitativa, relacional, funcional, ete. O pelo qual a coisa 6 ‘aque é e nio outra, que é a sun esséneia, & essa proporeiona- lidate, que € uma harmonia de opostos intrinsecos do ser. Por= tanto, a esséncia das coisas finite, para Pitégoras, implica sempre a eooperagio de opostos. Um ser finito eonhece limi- ‘es, como tivemos oportunidade de ver. A préprie forma, que é uma estructura Ontiea do ser, aponta ésses limites intrinsecos ¢, consegitentemente, 0 que néo é ela, Los MARIO FERREIRA DOS SANTOS ‘Todo ser é assim 0 que éle é eo que éle niio € ou do que est privado. Todo ser & composto da sua presencialidade entolgica e éntien, ¢ da auséneia, privacdo, que o delimits e: amente, Se na sua intrinseeidade, a proporeionalidnde, la, implica pelo menos dois, pois todo ser finito arto © também potneia, todo wer finite 6 portanto, numeroso sua intima estructura, e tem um némero, ste mimero, orilonds, 6 a lei da proporcionalidade intrinseea do ser, 6 esséneia ontoldgieamente considerada. Neste ser agui ¢ agora, que so existencializa no tempo no espago, essa Tei 6 repetida, embora upresente variantes 0 tas que pertencem aos elementos componentes, mas também 4 invavidneia da proporcionalidade intrinsecd, da harmonia i Iinseca, que 6 a sua exséncia, 0 seu crithmls, pelo qual ale © 0 que 6, e niio outea eoisn. A forma platinica 6 ésso arithiés, nao quando conereto tt coisa, mas quando subsistente na ordem do ser, no mando verilade, Este ser repete ésce arithmds, e nesse repetir imtta, com 0 que tom, aguela proporeionalidade, estamos na mimesis piaténiea (imituefo), Por isso diz Plato que as coisas imitam 4 Formas, pois, enquanto tals nflo eo as for As formas so imateviais, © se elas ve existencial wort coisas, tormar-seiam materiais, As coisas repetem-nas, wens nf se identiticam com elas, porque se se identigieassem tornrse-iam imateriais ¢ seriara formas. Déste modo, elas imritsun as formas, materiabnente, isto & participam delas pela bei 1 hawmonis intrinsece, a lei da proporeionalidade, sem, no enbinlo, sevem elas as quais p yermanecem eternas na ordem dlivinn da sex, 1 nos ordem diving seriam esas formas subsistentes? 1s Gsvem, de que modo o seriam? Tl, mo peusamento platsuien, 1m Tundamento quanto & subsisténcia das formas? 1 © qu nus eabe agora analisar, PILOSOFIA DA. CRISE 309 Exomplificando com as idéias matemétieas, © nimoro 3, por exemplo, serla uma aptidio dos séres de serem mtimerados fem trés, sem que, por isso, essa forma matemétien se existen- ciallzasse em todos os séres que possam ser numerados com 3. Dizer que 5 € um ente moramente mental, isto & sem uma presenca ectra ments, seria consideri-lo como uma mera eria- ‘sho humana. No entanto, um outro ser inteligente, que nfo o homem, poderia também numerar os séres por trés, provando, assim, que essa forma matemitiea tem um ser que escapa ao campo do meramente eonceitual. Se procurdssemos para as formas, qual seria a em que consistiria o seu ser, seguindo a linha pla tonica, nao poderiamos aceitar uma subsisténcia & semelhanca dos séres corpéreos, nem Platiio jamais tentou dar qualquer corporeidade as formas. Mas dai para considerd-las como ape- nas mentais, como o fan o nominalismo, nas suas diversas mo- dalidades, seria o mesmo que afitmar que a forma da maci apenas tem existéncia na comunidade de notas das diversas magis, com as quis constrnimos o nosso concelto, que é um esquema abstracto-noético das magis, deixando de considerar ¢ esquema concrete, que é a proporcionalidade intrinsoea de cada maca. Também nio se poderia considerar a forma como subsislente apenas up eyuenia couccety dos individus, exper Cificamente determinados. A forma da magi nfo esté apenas na forma conereta desta ou daquela macé. A forma, come lei da proporcionalidade, teria eerta analogia com as Zormas ma- teméticas, como a relago entre o dismetro e a circunferéncia, que 4 constante, muito embora seja essa citeunferéneia de di- mensées maiores ou menores: Ne ordem do ser, na ordem ontologica, tédas as eircunforéneias, sejam de que dimensio forem, terfo, em relagio ao seu difimetro, a mesma peoporeio ae 31416, Percebe-se, assim, sem grande diffculdade, que as formas subsistem na ordem do ser, eternas e imutaveis, independento- mente dos individnos que as imitem ou copiem, Esta aptido do ser, @ste modo de ser aptitudinal das formas nao pode ser um mero nada, 110 ‘MARIO FERREIRA DOS SANTOS. Se niio subsistem como as colsas corpéreas, terllo uma sub- sinténcia inconpérea no ser? Ora, 0 sex, como fonte, origem e prinefpio de tidas as coisas, e tinieo, como & demonstrado ontoligicamente, 6 infinite. B a sua infinidade & uma infinidade de simples simplicidade, pois nfo € composto, pois se 0 fosse seria de ser; néo € nume- rroc0, pois consiste apenas em si mesmo, néle identificando-se esséncia com existéneia, pois, do contrério, haveria um outro, Por essa raziio, Pitégoras dizia que o Um (referindo-se av ser enquanto ser na sua infinitude) nfo 6 niimero, porque nBle nfo hii o numeroso. As formas platonicas eneontrariam nesse ser su. subsis~ téncia. B para glosarmos um pensamento de Duns Scot, se 0 ser 6 infinito, néle, tudo ¢ infinite. Ba idéia de infinituae exite, implica, a de existoneta, pois o infinito inexistente seria absurdo, Ese as idéing néle subsistem, elas tém de ser inti- nitas, e como tais serio um modo de existir infinito. Por isso fo ctornas e imutiveis, existindo cooternas com o ser, sem que se possa considerar como limitagées déle, pois thes felta uma topiesdade, ma extynetara antaldgien limitada, que as tornarin, or sua vez, limitantes (1). Portanto, tém elas uma existen- cialidade essencial, quer dizer puramente ontolégiea no ser, limites determinados, mas apenas distinguindo-se, ndo-fisiea- wnte do ser, mas apenas formalmente, pois o ser infinito ¢ su» mesmo teropo a infinitude das formas. A existencializaeio- dhs formas em séres eorpéreos so daria pela imitagio da cor- voreidade e nio pela efectivagso da forma ao informar a ma- livin, pois, nesse caso, dar-se-ia um segundo existir, inferior a» onioligicamente precedente, o que as tornaria hierarqui inferiores © conseqiientemente negaria a sua infini- ule. Portanto, para © pensamento platonies, as formas, que (1) Pripriamente Duns Seot nio dé infinitude as formas subsisten- vena no Sar, mas o exame ste Fonts sé pode ser feito na Teologin. PILOSOFIA DA CRISE, uu se dito nas coisas, sfio apenas imitagdes das formas subsistentes no Ser Supremo. Colocado, assim, 0 pensamento platinien adeqia-se ao pi- tagérico, ¢ se nfo se identifiea com o pensamento tomista, que é aristotélico, tolera-o, pelo menos, pois tanto Aristételes como Tomds de Aquino actualizam a forma como esquema conereto, portanto nas coisas (1). Consegiientemente nio podiam deixar de reconhecer que a forma era apenas o pelo qual ou através de se permitia que uma coisa se tornasse o que era e nfo outra, O pensamento platénieo-pitagérico no negaria a positividade do pensamento aristotdlico-tomista, mas apenas eonsideri-lo-ia como parcial e nao abrangendo a totalidade do que podemios construiy, através de nossas espeeulagies sdbre a forma. De qualquer modo, para u tese que apresentamos neste Ii- vro, © que fica patente 6 que a forma dos séres finitos, como esquema conereto ou nfo, aponta de qualquer forma, a erise de todo ser finito, que & tal porque é crise, como jé tivemos oportunidade de ver. Satienlamos, assim, © que dlssemos nas primesras tinhas este tépico: todo ser finito tem uma forma, e essa é da sun femergéneia, a qual estabelece os limites das suas processes activas ou passivas. O ser finito esté em crise pela forma, isto é, pela sua estructura ontol6gica, pela privagio de o outro ‘que no € éle, que com éle se limita, pela poteneialidade, pots nfo tudo quanto pode ser, pela sua estructura éntica, pois, ‘como tal, € limitado pelo ndo-ente, além dos limites intrinseeos (2) Impdese uma ressalva: na verdade, Tome do Aquine & mais Platonleo que aristotélice, pois admite « transvendaneia dea formas, ne eando apenas © sua perscidade (eubsisténeia de per se). Este ponto fexige, contudo, andtises © provas que nig eaberiam agvi, mas que apre: sentamos em *Tentado de Esquematologia” © em “Teoria Geral das ‘Tenssun”. ue MARIO FERREIRA DOS SANTOS Por todos os anggulos, o ser finito é erise. Comprovamos, assim, fem varias esferas, que a crise est sempre presente. His por ‘que cla permite a construegdo de uma filosofia da crise para nos salvarmos das filosofias de crise, em que esté mergulha- do o pensamento moderno, o que justifiea a radio déste tra- valho (1) (2) So nfo hé une evolugto da forma, enquanto eonsideraela enn sidos, no sentido platéniea, ov aritiands, sa sentisa pitagsrin, hi, pore, 44 powsibilidade do uma traesormeczo om sentide eanereto, isto & roa rdanga da “lei do poopozeienalidade” do esquema conereto, que «std dias coisas, com a possivel transmissto da nove forma, por geragio, eno ‘0 accitam a2 hipétesea evolucionsetas, Mas aqui 3a se tange wm tema ‘que no 6 s6 da eidneia maa da filesfia, o qusl esige outvas providéneias, cme 0 ambite deste livra née pode abranger A ORISE NO PENSAMENTO FILOSOFICO B NO RELIGIOSO Positivad, como até aqui o fizemos, © conceito de crise, tom éste 0 seu conteiido j4 claramente detineado. Os séres fi nitos estio em erise, ¢ 0 seu surgimento € um apontar da mesma, Surgin o mundo “quando Deus separou a Luz das Trevas", os dois principios positives do ser, os dois extremos do ser, do ser-activo © do ser-poteneial, simbotizados pela luz © pelas frevas, aquela 0 ser-enguanto-activo ¢ estas 0 ser-enquanto- -potencialidade, o ser enguanto determinante ¢ o ser enquanto determinahilidade, mas ambas das grandes presengas doe essa oposigio entre a determinabilidade, que é sempre po- sitiva, porque 6 0 extremo inverso do ser, a0 outro extrema inverso da determinacio, surge téda variedade do existir, t6da 2 heterogencidade dos sdres diversos, que todos afirmam, na constante mutabilidade do devir, @ eterna presencialidade do ser, sempre ser. Este pensamento, que é 0 fundo das religides eultas nos diversos ciclos culturais, apesar da variedade das denomina- ses, estava consubstancindo, em sun yeneralidade, como 0 ex ppusemos, no genuine pensamento pitagorico, que se pode tomar eomo ponto de partida para a andlise da historia do pemea- mento no Ocidente, como um momento mais sineritieo que dia critico, pois una em ver de separar, como também eapiava a scparacio, sem exqnecer jamais o que unia, a uniio infinitae mente tmitiva do ser, que nfo admite intercalagées de nada (1). (2) © pensamento pitagsrico de fran de purasicié © cotartiqyin (aprendis © compantelzo) & shneritien: mas o de geau de telecten (mes tre) 6 transeendente 116 MARIO FERREIRA DOS SANTOS: E se os chemamos Pakriti, como no pensamento hindu, para nomear a potencialidade, a determinabilidade, ou Yin, na Filosofia chinesa, ov chamamos Purusha, para nomear a de- terminagio, 0 acto, ou Yang, dynamis o primeiro © enérgeia 6 segundo, como em Aristételes, o5 conteldos sio metafisiea- mwute 08 mesmos, embora cada um, tomado como ens logienm, isto & eomo ente légieo, e com o contetide esquematica de cals cultura, seja diferente, mas apenas diferente, e nfo diverso. Eo que of distingue uns dos outros é uma diferenga € do uma diversidade, pois todos éles tendem @ apontar 0 mes- mo eonteddo, 20 qual todos querem referirse, apesar da varie- dale das vozes humanas e da esquemétiea de cada povo, pois todos so gendricamente univocos. A crise ¢ imanente ao finito, ¢ 96 6 vencida dentro do am- bilo das religises, através e pela transcendéneia de Ser Supre- mo, Urge veneer a delimitagao, que o diastema entre as coisas estabelece, @ também a separacio efectuada pelas estructuras tensionais, como veremos. [A solugio da crise ndo 6 a sinerise, porque esta ainda No 6 apenas adicionar, unir, agregar; nflo é realizar ngregatio, a assembléia das partes que se ajuntam, parrne se ainda esta instalada nos afirmam, sabem e proclamam, que nfo hé solugdo para a erise, nente 20 finilo, se apenas se realizar a congregatio das partes, Ww preciso transcender ns limites das proprias partes, ¢ ‘ews anscondéncia se dé pela fusio com o transcendente, © oye dos hindus, a beatitude dos evistiios oa 0 nirvana, em ‘rmos, dos hindus, e ni do budismo tardio, que atirma a wvitabilidade de erise, ou 0 tax de Lau-Tseu, que ¢ 0 eaminho a libertagdo dos Timites. “Todas as grandes religides, em seus mais altos momentos, propdem a salvagio através da transeendéncia, nfo de uma siuerist, mas de uma libertagéo de téda cvise. B esta é ape- FILOSOFIA DA CRISE ur nas um apontar do.que a transcende, por que se a crise se instala no ente, ndo & do Ser Supremo, mas do ser finito. ‘Todas as grandes veligiées conheceram seus instantes de desagregagio, quando do niicleo central, que unia os adeptos, vio, pouco pouco, separando-se as seitas (de secare, cor tar), que Iutam entre sia posse da verdade. Ka crise que se instala em sua fase diaeritica, pelo aumento do diestema, das separagdes, euja etiologia examinaremos no capitulo onde estndamos 0 “cielo das formas vieiosas", que é ainda um pro cess0 do erise, que perdura em tudo quanto foi eriagio humana. © que une é uma tensio que se forma, trans-imanente as partes componentes; é 0 Corpus Christi, a Igreja, no cristia- nismo, que no é apenas ecclesia, que néo apenas a agregatio dos componentes, mas a comunhdo, a fusio num consensus, ‘num aceitar simpateticamente vivencial, a unifo em Cristo, que ica og eristios, mesmo fisicamente separadas, Seria um érro gravissimo mio querer reconhecer, no am- bito das religides, a presenga dessa tensfio que estructura os erentes, ¢ Ihes d4 uma coeréncia, que ndo é apenas produto de uma adigio de partes, como uma visio meramente atomfstiea das roligiées podevia permitix. Ha um transcender, que é jé um ultrapassar do simbolo para penetrar no simbolizado, um itineranium mystioum, um penetrar no que se oculta aos olhos do corpo € aos da intelec- tualidade, e que ultrapassa o operacional do nosso espirito, para ser uma vivénela genuinamente afectiva, uma apprehensio ge- nulnamente pathica, que 6 uma frdnese, um fundir-se num todo tensional: a religizo vivida, na reveréncia. (Alegeyn que se dirige vectorialmente ve — re-alegeyn, um re-ligere, de legere, de ligar, um unir ao Logos pelo Logos, religito, um reverenciar 20 que nos une divindade). As religides, portanto, em seus altos momentos, buseam realizar, ¢ © conseguem, uma victéria sobre a erise, uma vie t6ria sObre as finitudes, e & nesse sentido que se encerra © us 3TARIO FERREIRA DOS SANTOS verdadeiro contetide désse térmo “salvacio”, um salvar-se da crise. ‘Todas a5 grandes religides afirmam que descendemos, que descemos de uma origem divina, e aue aspiramos ao retdeno, a volver, a relegeré. E eomo #6 0 homem tem consciéneia do seu estado de queda (do deseensio), s6 @e pode constrair as normas, as regras, ordens, o rito (e entre os hindus iti, 0 que se realiza segundo a “ordem” para subir as eseadas da ascensio, ascensio). ‘Todas as religives afirmam que é dever Go homem ascen- der essa escala pela realizagao de actos que o ergam da anima- lidade, através da humanidade, para aleangar 0 que transcende ‘crise. Ou um acto de entrega, de submissio (islam) & die vindade, ou um acto de querer, um acto volitive, on um acto de despojamento mfstico, de ascese continuada, ete. Mas sem- pre o que 6 pregado pelas religiées a victéria sobre a crise, Victoria que é uma realizagao do homen. TE saber que cada um de nds esti imerso neste sex, mas ‘em estado de erise, 6 uma garantia de que néo seré inttil esaa busca de asconsio, essa libertactio dos limites e a penetracdo, pela fuslo mfstiea, mo ser da Divindade, E so om cortos momentos, algumas religides, eomo em al- gumas seitas budistas, jainistas e do simanse, encontramos ‘uma afirmagiio da perduracao da crise, 0 que predomina e vive, nos altos momentos das religibes, 6a salvagio que esté ao nosso aleanee. Bem tédas elas se exige do homem um acto pelo qual prove a sua ontrega & Divindade, o stcrifieio, que & sempre a Goagiio ot cessiio de algo que the 6 valioso, como penhor de submissio e entresa. Portanto, em seus altos momentos, as religides oferecem 0 homem uma solugio para a crise, E como esta, como ja vimos, s6 ¢ obtida pela vietGria sdbre 0 que nos separa, © 36 se conquista pela fusio tensional com a divindade, todas as ra- ligides reconhecem e afirmam que a solucéo da crise nio se ILOSOFTA DA GRISE ng 4G pela sincrise, como movimento inverso da divise, mas pela sua transcendéncia, pela sua superacio. Quando 0 homem niio vive mais nas religides a solugio da crise, éle a busca na filosofia, E tal afanar-se demonstra, ‘que so viveos na erise ¢ somos a crise, nela no encontramos 1a nossa patria, como diria Nietzsche. Queremos superé-la ou, do eontrario, tombarmos definitivamente nela, sem esperar xair dela, desesperando-noa portanto. Bo que nos mostra na filosofia, de modo mais patente, dese constante afanar-se, 6 a longa polemiea, fundamental de todo pensamento filos6tico: a alternaneia entre as tomadas de posieéio, ora pelo Um (0 Ser), ora pelo Maltiplo (o devir), cconerecionadas em alguns momentos histérieos numa filosofia de sintese, que os transcende, 2 qual realiza, ndo apenas uma sinerise, mas uma superacio da crise, como verifieamos, na cultura groga, com a filosofia de Aristételos, Este realizava a transcendéncia em face da sinerise de Parménides, que rede zla tudo ao ser e da diderise de Herdclito que reduzia tudo fan Davir, an eterna vir-a-ser das coisas, emhora, aste, para sor mos fiéis a0 seu pensamento, aceitasse a unifieacto no Logos (a Razao), analogante de todo 0 ser em seu eonstante tranz- mutar-se. Nio é difieil, numa répida visio do processo filo- sofieo, captar essa alternancia, presente na filosofia, com as suas {r@s fases de diferise, sincrise e de sintetiaagio transcen- dental, que também corresponde e é anitloga ao que se verifiea no campo das religiées. Se as seitas realizam a diderise, como vemos no cristia- nismo de nossos dias, ¢ também nas baixas culturas, pelos eul- tos loeais ¢ pela afirmagao de um pensamento politelstica, en: eontramos aquéles momentos de sfnerise, que se positivam pela formagio da ecclesia, das assembléias dos erentes, no consensus religioso, até aleancar a sintese transeendental, ao formar-xe uma ou retornar-se a uma religiéo monotejsta superior, que ¢ 120 MARIO FERREIRA DOS SANTOS também uma visio conereeional do universo e, simultaneamen- te, uma afirmativa da vietria sObre a crise, pela transcendén- cia de um Ser Supremo, de onde provimos e para onde poclemos retornar, Se olharmos © panorama filoséfieo, podemos colocar em ‘x@s colunas as diversas personalidades e escolas, que surgiram, esquematizando diste modo 0 que expusemos até aqui: Didevive Sinerine Sintese trawerendente? ‘tales de hielo LancTeen (a agua") Brahmanismo Aneximandro Antiga religiio extpeta (Co pation” @ im Aeterminado) Anaximenes PITAGORAS (o “Um” @a transeendental @ ‘ie mimerue ~ovitimot” a erite, OT ho ander) Mevéelto 08 eoaticos Empétoeles Parménides Anaxdgoras Eos otomiates: Diewsesite « Henctpa Como repcecentantes da filosofia da dessapto, os 2elativistas, os efptine, ‘8 eatistas, ote, Mvotigaras, Girgias, Hipias, ute 0s megvieos Puatdo, pitagdrieamente 05 ciniens intrrpretado (@ Um & 0 Tere), mas eam weeguk- clos sincriticos Os estoiens (“Sox”) ARISTOTELES, ‘Leno de Citin Chisipo — A Ston média, enm Panéeio ¢ Posidénio, busca a sinerise, ‘endondo para 0 aistotelismo Epieuriamo = Os céptions da Academia, como os pitvinieas, xevelam 0 ‘eacopiro ante a crise Escola de Pérgamo Corinto, Bassiides Bacon (Roger) Bovidan, Gastends FILOSOPTA DA CRISE 0 ccietizm & sinext- tie Algans neo-pta- srieos Fimblico © a Ee ‘ale Shia Seoto Bites Bomardo de Tours Meister Eokavdt Woliam Ocidiam Os mouisias om eral 08 panteistas em eral Jacob Boshmie Aliuns_platéacos, “plavinleos ¢ aeo-pita- orieoa ‘Teosofia juduico-atesan- ‘arina, Filon — Aigune gnésti- Plotine Procle Hipatia e Sinésio Nemssio — Caletdio Rotcio A etvistica ‘Sho Goegdrio Nazianzeno SANTO AGOSTINHO SANTO ANSELUO AVICENA SkO ROAVENTURA ‘TOMAS DE AQUINO DUNS SCOT SUAREZ 122 MANIO FERREIRA DOS SANTOS NICOLAU DE cUSA. Frnvcis tien Giordano Bruno Molten Miguel Servet Descartes Leibnite Spinore Malebranche Tomintan, cecotintas 9 Locke Berkeley Hume Wolt Kant Fiekte, Schelling Hegel Krause Or evolusionistas Schopenhauer Price, Beneke © materialism Mayer, Joule, Helm bolt, Dorwin, ete Positvistna Enpiries-citiciame Mais. Pragmatism Wandt Neo-ientismo Drieseh Lots, Vextall Faduard von Hart. Brentano ‘mann Huser Dilthey Balms Spontier Scheer Nikolai Hartmann Maréchat Nietzxche Mowsier, Masitain Boerkepaned Hoenen’ Saspers Sartre Heldegcor Sean Wahl Rosin, Giobort ro0e, Gentile, Esta classifieacto nao pode ser tomada eomo rigorosa, pois fs diferencas especfticas, salieniandas nas obras dos diversos ‘autores, revelam pontos intermedirios, Assim um Leibnitz, FILOSOFIA DA CRIS 3 ‘embora diaeritico eom a teorla das ménadas, nfo deixa de acei- tar uma divindade transcendental. Mas, no se deve esquecer, que 0 dewejo de ultrapassar a crise nfo 6 ainda 0 sex ultra: paseamento, E’ mister que @ obra filosétiea realmente o faca. ‘HA ai tefstas que estiio eolocados entre os diacriticos, os ‘quais nao puderam evitar a crise @ 0 diastema que suas idéias pregaram. Na verdade, slo poueos os fil6sofos, que, entre 0 ‘Miltiplo € 0 Um, foram eapazes de resolver, com coerénela, & sintese desejada, e para nés, so apenas aquéles que salien- ‘tamos em versal. Outros, inclusos numa categoria, valem como seyuidores dos maiores e néo propriamente como criadores de uma filosofia eapaz de veneer a erise, A solugao da crise nfo podemos resolver na imanéneia, porque, nesta, ela esta instaurada. A erise é ultrapassével pelo que a transcende, ‘Toda filosofin da imanéneia, como é a predominante nes- tes tltimos tempos, é uma filosofia de crise, como 0 so as que se colocam nas duas primeiras cohmas. Nio basta afie- mar a superagio da crise; & necessério realizé-la filosbfica- mente. Fis por que, muitas dessas filosofias, que so, na ver- dade, de crise, julgaram que a haviam vencido e & superavam, ‘ser, no ontanto, alcangar a transeendéncis. © sentido, que damos A imanéncia e A transcendéneia, es- tari claro ao tratarmos das tensées. A solugio tensional, que se funda nas posttividades mais silidamente justificadas da filosofia de todos os tempos, nio 6 uma filosofia que se arroga a ingénua e mediocre pretensdio de originalidade, como € tipico de literatos sistematicas € pe- dantes. A concepgio tensional quer ser apenas um pensamen- ‘to, au, ao dirigir-se ao pensamento universal, encontre corres- pondéneia nos seus momentos mais sélides, mais positives, ‘ealoeando-se ncima de todo 0 sectarismo, e procurands com- preender para explicar, Como foi exposta até aqui, nflo apresenta uma transcen- doncia, pois permanece ainda na trans-imanéncia, que 6 j4 ub aed MARIO PERREIRA DOS SANTOS trapassar da imanéneia para a transcendéneia, sem precisar dieotomizar ¢ mundo entre dois mundos, caindo, assim, nas velhas aporias dos dualistas. |A solugio aristotéliea e a da escoldstica, tio deseonh: as, infelizmente, de muitos filésofos_modernos, ofereceram- -nos um caminho que a concepcao tensional n&o poder deixar do registrar, embora ndo o possamos ainda fazer nesta obra, (© que eaberé A “Teoria Geral das Tensdes”. © twanscender, que € um ultrapassar os obsticulos © os limites (Cranscendere, no latim), deve ser tomado aqui, nto no setnido gnosiologico, mas no sentido ontolégico de ultrapas- sar a nossa experiénein (que 6 uma experiéncia de crise e como exporidneda € ja crise). BB’ um penetrar no in-experimentavel, ao que nos eseapa aos nossos melos intuitivo-sensiveis, ao que 86 nos & dado através de outras apreensdes, por outros actos intelectivos e pdthicos, por especulagées, que sho, filosdtiea- ‘mente falando, a invasiio de sectores que permanecem além do intuitivo-sensivel, para o qual dispomos apenas do pensamento, tomado em sentido amplo. Na filosofia moderne, no existencialismo de Heidegger de Jaspers, ha uma descoberta da transcendéncia. Em Jaspers pelo ser “envolvente” (Uimgreitend) e, em Heidegger, pela su- peragio do ente para “o” ser, que, no entanto, € indeterminady por éle. Hi nessas filosofias um buscar vencer a crise, sem eonsegui-lo ainda, porque se enguadram na esquemétiea sin- exitien. Nao se pode negar que hi no homem @sse desejo, pelo menos, de aleangar o bem que estaria além da crise, Ou o aceita ou nfo. Procurs-0 ¢, ou 0 acha, ou desespera de aché-lo © até de procuré-lo, © que nenhum filésofo pode newar € que “seria melhor* se veneéssemos a crise. “Seria melhor” se nos fésse dado transcendé-la efectivamente. Nesse “seria melhor", que se apresenta no vago de uma divida ou na firmeza de uma cer- teza, 0 espitito humano encontra-se sempre ante dois cami- PILOSOFIA DA CRISE 15 nhos: procuré-lo e aché-lo, ou abandonar essa Dusen, E ha abandono naqueles que préviamente aceitam a inutilidade dessa buses, o que ainda € desespéro, Ninguém pode negar que hé em nds @sse testemunho de um “seria melhor”, E @le nos comprova que néo hé uma aeeitagdo total da crise, porque “seria melhor” se a pudéssemos transcender. B 4 um velho principio dos escolisticos, que vem de origens gre gas, mais préximas, que nfo hé nenhum impulso emergente em nés que seja absolutamente indtil. Se tendemos para algo superior, hé em nos uma raiz mais distante que 0 justifica, Como poderiamos aceitar © bem de uma soluglio metho, de um “seria melhor”, se nenhuma emergéneia houvesse em nds que nos impelisse para dle? Ha em nés alguma coisa que fala e nfo entendemos, mas apenas ouvimos no balbueiar de um deseja, que em outros ee torna um impoto e em muitos uma eerteza, Se alguns sentem inGtil erer nese “seria melhor”, nao podem, no entanto, near que éle tem uma emergéncie, ¢ que 2 prodisponéneia do que nos cerca agrava, ngudiza, transfor mando-o num desejo mais amplo e até numa vontade, que & sempre activa, pois € nisto que ela se distingue do desejo. Nilo nos satisfaz o estado de crise. BE quando 0 homem, mbrbidamente resolve vivé-la, como os “malditos” do fim do século, ou alguns nihilistas e existencialistas de hoje, espojan- do-se mela, hi nesse gesto uma rebeldia e néo uma accitacio, aguela rebeldie que vibrava nos versos de Baudelaire, que era mais 0 grito de quem no mais podia crer do que o de quem nnd tem £6. Negar ésse impulso universal é querer ocullar uma posi- tividade. Portento, se nds estamos na crise, e se em cera sentido somos a crise, hi em nés o que se proclama contra ela, algo que se rebela, algo que nao a aceita, algo que nfo se con: forma, e que nos impele para além,

Вам также может понравиться