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CAP. Brasil. Catalogacio na fonte ‘Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Althusser, Louis, 1918- Ad69aAparelhos Ideologicos de Estado: nota sobre os aparelhos (Bibtioteca de ciencias sociais; v.n. 25) ‘Traduglo de: Posicion 1. O Estado 2. Estado — Teoria I Titulo IL. Série EDIQOES GRAAL LTDA. Raa do Teiunfo, 177 Santa Bligtnia, Séo Paulo, SP — CEP: 01212.010 ‘Tel: (011) 3337-8399 E-mail: vendas@pareerra.com.be “Home Page: www pazetrracom bt 2003 Impresso no Brasil Pinted in Brasil INDICE INTRODUGAO: Althusser, A Ideologia ¢ as Insti. tuigdes O essencial da tecria marxista do Estado a Os aparelhos ideol6gicos do Estado gasgenn ° suenote 08 aparelhos ideolégicos do Estado Sobre a reproduséo das relagées de produgéo Acerca da Ideologis oo. A Tdeologia nao tem historia || anes A Tdeologia é uma “representagio” 1/11" A {deologia interpela os individuos énguanto aa: Pim exemplo: A Ideologia Reiigiosa Cristi ||” 7 NOTA SOBRE OS APARELHOS LOGICOS DE ESTADO ...... | . X fas seeegeeg S83 & 09 INTRODUGAO ALTHUSSER, A IDEOLOGIA E AS INSTITUIGOES J. A. GUILHON ALBUQUERQUE Estes comentarios seguirdo passo a passo o texto de Althusser sobre ideologia e aparelhos ideologicos. Esta me parece a forma mais justa de restituir 0 estatuto de notas para uma pesquisa que o proprio autor lhe atri- bui. Comentando as notas de Althusser com minhas pro- prias anotagées, creio que posso contribuir para a pes- io leitor. Alguma coisa se pode esperar desse mé- or em questéo a suposta unidade dogmitica da “teoria” dos aparelhos ideolégicos que, com isso, reve- lase um conjunto de tateios e sugestées, cuja maior ri- queza esta em ser trabalhada pelo leitor, ¢ néo absorvi- da e repeticia. Comentario de texto: entretanto, embora renuncie, Ror isso mesmo, a sua prépria unidade, nada impede de desenvolver, mais extensamente, ‘dois pontos fundamen. tais: uma critica da teoria fuff\jnal das instituicses — que influencia o pensamento dlithusser nesse particu. lar — e uma reflexéo sobre 0 mecanismo de sujeica cerne da teoria da ideologia desenvolvida por Althuss. Antes de entrar na discusséo ponto por ponto, creio que'seria oportuno anotar as linhas mestras das propos- tas de Althusser nesse texto. S40 quatro topicos que, se- gundo minha compreenséo da obra constituem, no pro- 1 priamente as teses do autor — que ele enumera no pr6- prio texto — os pressupostos fundamentais que conferem especi & sua concepgdo das relagées entre ideologia e instituigoes. 1. NSo € no campo das idélas que as ideologias existem e, , no ¢ af que se encontra seu interes- se tedrico. As ia Mio tém existéncia material, é nes- material que devem ser éStiidadas, e ndo interesse do estudo das ideologias ® reproduc&o das relacées de produ- "go. Em suma, tratase de estudar as ideologias como , a0 das relagdes de producio. 2. As relagdes de produgao implicam diviséo de tra- balho, assignagio de um lugar na producéo, lugar que ‘86 pode ser aguele para cada ator ¢ que, portanto, deve ser reconhecido como necessério pelos atores em jogo. A questo da ideologia € a quest4o dos mecanismos ideo- l6gicos que tém por efeito o reconhecimento da necessi- dade da diviséo do trabaiho e do carater natural do I- gar determinado para cada ator social na producao. 3. _O mecanismo pelo qual a ideologia leva o agen- te social a reconhecer o seu lugar é 0 mecanismo da su- jeigdo. Sujeigio, tal como é entendida por Althusser nes- Se texto, é um mecanismo com duplo efeito: o agente se reconhece como sujeito e se sujeita a um Sujeito absolu- to. Em cada ideologia o lugar do sujeito 6 ocupado por entidades abstratas, Deus, a Humanidade, o Capital, a Nagao, ete., as quais, embora especificas em cada uma, séo perfeitamente equivalentes nos mecanismos da ideo. logia em geral. 4, Esse mecanismo ideolégico basico ~ a sujeigho — no esté pre conjunto de praticas, de rituais situados em um conjun. to de instituiges coneretas. Embora distintas, essas ins. tituigdes concretas possuem a unidade do efeito de su- Jeigdo sobre os agentes sociais ao sew aleance, Sua uni- 8 Fey. Gade, entretanto, néo the ¢ conferida por uma politica ou por um comando unificado, mas pela ideologia domi- Rante: so os aparelhos ideoldgicos de Estado. 1. Reprodugdo Social. 0 texto “Ideologia e apare- Thos Tdeoldgicos de Estado” nao’ restringe a questao da ideologia @ superestrutura, mas se situa no contexto das relagdes entre infra-estrutura e superestrutura, ou seja, ha questdo da reprodugdo social. 0 ponto de partida é © pressuposto de que, embora a produgdo econdmica de. termine a totalidade social, supée, por sua vez, a repro- ducdo das condiedes da producio, e essas condigdes sao sociais em geral e nao exclusivamente econémicas. Em outros termos, as condiges da produgio econdmica, pa- Fa se reproduzirem, pressupdem, por sua vez, a reprodu- 40 de condigées econdmicas, politicas ¢ ideolégicas. Estamos longe, portanto, da critica corrente ao de- terminismo extremado atribuido a Althusser, e da su. Posta separagio mecanica enti perestrutura, entre ideologia e © trivial das criticas ao formal to de colocar, no centro da discussa Os efeitos da ideo- logia sobre as relagGes entre infra e superestrutura afas. tam, pelo menos em intengao, o rigor formal das distin. Ges, 2. Reprodugdo da forca de trabatha Sob este titu- Jo. Althusser se interroga sobre o papel da ideologia na Teproducao imediata des relagdes de producao e, mais precisamente, das forcas produtivas. Todo o Taciocinio: de Althusser consiste em demonstrar que, na propria re. Brodugao das forcas produtivas, existem em jogo. ec nismos ideolégicos. Sumariamente, 0 valor da forca de trabalho nao é determinado quantitativamente (em ni- mero de calorias, por ex.) mas qualitativamente, como Tesultado das conquistas hist6ricas dos trabalhadores e, Por outro lado, a qualificacdo da forca de trabalho é con- dicdo necessdria & reprodugao de forcas produtivas: “O desenvolvimento das forgas produtivas eo tipo de uni- 9 dade historicamente constitutive das forcas produtivas num momento dado produzem esse resultado de que a forga de trabalho deve ser (diversamente) qualificada e, portanto, reproduzida como tal”. Esse raciocinio € im- portante, pois € 0 que vai justificar 0 papel (ideoldgico) da Escola na reprodugdo des foreas produtivas Entretanto, se 0 valor das subsisténcias — e do tem: "bo necessério para produzi-las — que mede o valor da forga de trabalho, resulta, efetivamente, da luta de clas- “ses e, portanto, depende daquilo que é reconhecido co- mo um pagamento “justo” por uma jornada “justa” € com uma cadéncia “usta” de trabalho, no deixa poris- so de ser quantitativo. Diante do capital, a qualidade é imediatamente quantidade. Assim, o trabalho humano, qualitativo, tinico, sob o capital ¢ encarado como forca de trabalho, quantidade que pode ser somada, diminui- da, trocada, substituida por equivalente (inclusive, e so- bretudo, em dinheiro). © que torna possfvel a diviséo do trabalho e, no ca- 50 especifico, a producio capitalista, 6 a diversidade qua litative do trabalho humano. # a qualificac3o do traba- tho que se constitui em condic&o necesséria & reprodu: do das forcas produtivas. Se Althusser emprega a ex: pressho contraditdria de qualificagao da forca de traba- tho € porque forca de trabalho é constantemente empre- gada com dupla significag&o: como elemento material ¢ quantitativo do processo de produc&o e como “conjunte da classe trabalhadora”. 0 conjunto da classe traba- Ihadora que precisa ser diversamente qualificada na Es- cola (0 que resta a discutir). Se isso é verdade, o papel da ideologia, no caso pecifico, esté em fazer reconhecer a equivaléncia — cesséria & reprodugdo do capital — entre o trabalho hu- mano qualitativo e a quantidade de forca de trabalho empregada no proceso de produgao. O efeito ideolégico esté em reconhecer, na diversidade da remuneracéo (quantitativa) da forga de trabalho, um equivalente jus- 10 to para a diversidade da qualificacdo do trabalho huma- no. Que, sendo qualitativo, nao é suscetfvel de mais ou de menos, como diria Aristcteles. © papel da Escola, no caso, como instancia que re- produz os mecanismos ideolégicos, nao estaria — como Althusser parece julgar — em preparar para diversos “empregos” de qualificacgo diversa, mas em fazer acre- ditar a tese da identidade entre qualidade e quantidade. Por exemplo, quando a aritmética treina para reconhe- cer qualidades diversas como “quantidades heterogé- neas”. Resta saber se, além disso, a qualificagéo do.tra- balho, enquanto tal, € efeito principal da Escola, como pretende Althusser. “... Essa reprodugao da qualificagio da forca de trabalho tende (trata-se de uma lei tendencial) a ser efe- tivada, no mais “com a mo na massa” (aprendizagem. na propria produgio), mas cada vez mais fora da produ- do: através do sistema escolar capitalista, e de outras instancias e instituigdes". Creio que ha, ai, novo equivo- co. Independentemente das diferencas entre paises capi- talistas avangados e o Brasil, onde o ensino “técnico” sempre foi totalmente marginal & formagéo da massa trabalhadora, parece-me que a tendéncia é inversa, Em primeiro lugar, a formacio “profissional” no ensino convencional esta sempre em descompasso com a pratica profissional, isto em todos os niveis, de tal for- ma que © treinamento na empresa é a regra geral. Nao bastasse esse descompasso, as empresas esto constan- temente réproduzindo-o em escala mais ampla, por meio das constantes alteragdes de normas e métodos, que tem. © efeito paradoxal de super qualificar o trabalhador, de tal modo que o desqualifica para postos equivalentes em outras empresas ou mesmo em outros setores da mesma empresa. Além disso, 0 ensino convencional, embora tenda a estender-se, sobretudo nos paises mais “avangados”, ten- de a prolongar a chamada formagao geral, e no a au- u mentar ou intensifiear a qualificacio do trabalho. Em que pese &s criticas a tendéneias “profissionalizan- tes” do ensino superior no Brasil trata-se, na verdade, de uma formacdo geral mais restrita e limitada, e no de um ensino que qualifique para 0 exercicio concreto de profiss6es: 0 estudante “profissionalizac 10 0 tée- nico de nivel médio e como o operdrio “qualificado”, é incapaz de converter seu trabalho em fora de trabalho sem um treinamento “na empresa”. Apenas, devido & sua formacao intelectual mais precdria — e menos legi- tima — teré menos condigées para se opor ao aviltamen- to de seu trabalho. A formagio dos quadros protissionais de nivel supe- rior, mesmo quando feita fora do ensino convencional, segue tendéncia andloga, pois existe uma insisténcia crescente na polivaléncia desses profissionais, de tal mo- do que possam ser treinados e retreinagos em empresas ou setores de empresas diferentes, Tudo leva a crer, por- tanto, que a Escola forma o trabalhador, mas é a empre- sa que qualifica o trabalho, ¢ isso num processo em que © trabalho é simultaneamente transformado em forga de trabalho. Formar 0 trabalhador significa, néo propriamente, ou néo apenas, qualificar seu trabalho, mas tornar, pa- ra o individuo, natural e necesséria a equivaléncia entre a qualidade do trabalho e a quantidade da forga de tra- batho; tornar natural e necesséria a venda da forca de trabalho, a submiss&o as normas de produgio, & racio- nalidade da hierarquia na producéo, etc., ete. A questo principal — tornada possivel pela confu- so, que Althusser no resolve, entre trabalho e forca de trabalho e entre os dois sentidos da expresso forca de trabalho (elemento material das forcas produtivas e conjunto da classe operdria) — é a questo de saber se um mecanismo ideoldgico pode ter efeitos imediatamen- te econdmicos ou se devemos reservarlhe uma espect- ficidade analitica, Ou seja, um mecanismo que aumen- 12 ta o valor da forca de trabalho, que tem, portanto, um efeito econémico, por que consideré-lo mecanismo ideo- l6gico? Creio que seria mais util, do ponto de vista da and- lise, encarar os mecanismos ideolgicos que operam na la do ponto de vista de seus efeltos especificamen- *oldgicos, ou seja, de seus efeitos de reconhecimen to da naturalidade da divisdo do trabalho, da equivalén. cia entre trabalho e forga de trabalho, e assim por dian- te. Isso teria, como contrapartida, o efeito de encarar os mecanismos que resultam na qualificagdo do traba- Iho € sua conversio em forga de trabalho — quer ope- rem na Escola ou na empresa — do ponto de vista ex- clusivamente econémico. Tal distincdo analitica teria 0 mérito de ser fiel & proposta de Althusser de romper a separacio mecanica entre as instancias e entre infra e superestrutura, pois a ideologia — ou, mais precisamente, 0 efeito ideolégico = seria condicao da reprodugao das relagées de produ- 40, sem perder sua especificidade, isto é, sem se con- fundir com os mecanismos propriamente econdmicos, De resto, a seqtiéncia do raciocinio de Althusser vai no sentido acima proposto, pois enuncia exatamente as tegras do savoir-faire que a Escola transmite aos edu- candos. E sua formulacio mais rigorosa parece-me res- tituir, ao menos parcialmente, a compreensio da. unida. de e especificidade dos processos de reproducio social: “... diremos que a reproducao da forca de trabalho exi ge, no somente uma reproducio de sua qualificaga tas, a0 mesmo tempo, uma reprodugdo de sua submis. sto as regras da ordem estabelecida, isto 6, de sua sub. missio & ideologia dominante, para os operérios, e uma reproduc da capacidade de bem manejar a ideologia dominante”. Ou seja, 0 processo de reprodugo da forca de trabalho ndo é exclusivamente econémico, mas social combinando efeitos de reproducao material, de reprodu $0 da submissao e de reconhecimento da ordem. B 3. Infre-estrutura e superestrutura, O Estado. Nes tes dois tépicos concentra'se a contribuigéo de Althus ser & teoria marxista do Estado, que consiste basicamen te em compatibilizar as concepges de Engels sobre as insténcias da estrutura e da superestrutura e a teoria do Estado de Gramsci. # ai que encontramos os pressupos: tos bésicos da teoria dos Aparelhos Ideolégicos de Esta. do, que se origina no conceito de Sociedade Civil de Gramsci. O texto foi publicado em 1970, mas sua versio final € datada de 1969, tudo indicando que sua redagao remonta, pelo menos, a 1968. Se nfo esquecermos que as primeiras intervengées tedricas de Althusser, no inicio dos anos 60, em torno da questo do humanismo e da autonomia do tedr:co, sio simultaneamente intervengées politicas no debate sore © estalinismo e sobre a autonomia dos intelectuais, nao podemos deixar de lado o contexto politico em que se inscreveu essa tentativa de reelaboracao tedrica da ques- to do Estado no marxismo. Ninguém ignora que o ano de 1968 marcou, nos paises capitalistas avancados, tan- to quanto na Franca, um duplo desdobramento na luta de classes. Deixando de lado a questdo de saber se as Iu- tas sociais, na Franca e na Itdlia prineipalmente, conta- ram com ampla mobilizagao da classe operaria, nao res- tam divides de que o periodo se caracterizou por um desdobramento do front principal, por um lado, dos ope- rérios fabris para a camada de técnicos de nivel médio ou, até mesmo, de nivel universitario e, sobretudo, para a massa estudantil e, por outro lado, da luta econdmica nas empresas ¢ sindicatos, para a luta politica “desorga- nizada” nas instituigdes. Todos conhecem, também, a politica dos partidos comunistas europeus no periodo, sobretudo na Franca, que consistiu em minimizar, ¢ mesmo em se dessolid rizar do movimento estudantil e em refrear as reivin¢ cages politicas do movimento operério, enquadrando- as em reivindicagées salariais. 14 No caso especifico da Franca essa politica encontra- va eco e sustentacdo nas concepgdes do Estado e da “su. perestrutura” vigentes nos setores dominantes do parti do e, como 6 de habito, na esquerda em geral. Basica- mente, a teorie descritiva do Estado no marxismo, a que alude Althusser, permite sua concepedo de dois pontos de vista simulténeos e contraditérios. Como “superestr. tura”, de acordo com a metdfora espacial apontada por Althusser, 0 Estado estaria imediatamente fixado a in ra econdmica, totalmente determi meepgso como “‘comité diret minant@: Na sua interpretagdo mais vulgar e mais difun- dida, 0 Estado seria instrumento de dominacio de uma classe, e no lugar de contradicéo e de luta de classe. Mas essa mesma idéia de instrumento dé lugar a inter. pretacao simulténea, mas ndo menos contraditoria, de. instancia instrumental, portanto, exterior & luta de clas- Se e, em Ultima andlise, socialmente neutra. Essa concepedo é extrememente difundida no pen- samento marxista e na esquerda em geral, permitindo, a0 mesmo tempo, denunciar o cardter de classe do Es. tado e retvindicar sua instrumentalizagéo pelas classes Subalternas ou, mais precisamente, por seus porta-vozes autorizados. 38 facil compreender como essas concep: ges contaminam o enfoque marxista oficial sobre as instituigdes da sociedade civil. Assim como « escola leiga fora considerada um dos pilares da Franga republicana na passagem do séoulo, a Universidade era agora simul- taneamente concebida como instrumento da classe domi- nante, conquista da classe operéria e instituicao instru- mental e exterior & luta de classes. A contestagéo da uni- versidade era estigmatizada pelo PCF como anarquismo de inspiragio pequeno-burguesa, A opinigo dominante no marxismo oficial fazia va- ler @ idéia iluminista da Universidade como instrumento- do progresso da ciéncia, urna ciéncia intrinsecamente aliada aos interesses universais da humanidade e, por- 1s tanto, acima das classes. Seu mal era ser dominada pe- ios valores e pelos representantes dos interesses burgue- ses (nesta ordem), bastando, para retificd-la, substitui- los por valores proletarios (ou democraticos avancs- dos) e por representantes das classes subalternas. Nao estamos longe das concepgées hoje predominantes em setores da esquerda, de que 0 estatismo autoritdrio no Brasil prenuncia o socialismo, bastando, para isso, que deixe de ser dominado por interesses contrarios aos do Povo, Diante dessa concepeéo dominante, qual o efeito da critica o{(\|thusser & teoria descritiva do Estado e de sua contrisuigio com a noc&o de aparelhos ideol6gicos de Estado? Em primeiro lugar, Althusser desloca a ques- téo da instrumentalidade do Estado para a questio de seu funcionamento. O cardter do aparelho de Estado e sua posicao na luta de classes néo estaria no lugar juri- dico que ele ocupa na estrutura da sociedade, mas no seu funcionamento, repressivo ou ideologico. A burocra- cia, as Forgas Armadas, o Judicidrio, o governo, no se- riam repressivos porque se encontram em maos de uma classe dominante ou de seus representantes, mas porque seu funcionamento ¢ coercitivo, porque so uma madqui- na de guerra, cujo produto é uma relacdo de subordina- 0 entre classes. A mudanga de mos do aparelho re- pressivo de Estado néo muda em nada o seu caréter. Fica claro, com isso, que o funcionamento, tanto coercitivo quanto ideoldgico, do aparetho de Estado n&o € neutro ou instrumental — ndo é unidirecional — mas sim, contraditério. Nesse sentido, o “aparelho” em ques- tao nao deveria ser representado como um bastGo ser- vindo de alavanca, em que a forca empregada de um la- do desloca um obstdculo inerte do outro lado, mas co- mo uma corda num cabo-deguerra, em que a forca em- pregada numa ponta encontra uma resisténcia Propor- cional se no igual na outra ponta. Em vez de puro ins- trumento, lugar de luta de classes. Com isso, a luta pela 16 conquista do poder de Estado nao se extinguiria em sua tomada @ partir do exterior com a substituicéo dos ho- mens ou do partido dominante, pois isso no eliminaria © cardter contraditério do Estado, nem, por isso mesmo, @ luta de classes em seu seio. %Eim segundo lugar, a heranga gramsciana na concep- $0 de Althusser amplia a nogéo de Estado e, portanto, de luta de classes, para o conjunto do que Antonio Gramsci chama de Sociedade Civil. As instituigdes e, com elas, a cultura, as ciéneias, deixam de ser instrumentos neutros do progresso da humanidade, para tornaremse lugar de luta de classes pela direcdo da sociedade. A Uni. versidade @ a escola, particularmente, deixam de ser uma Conquista da humanidade a ser preservada das querelas Pequeno-burguesas, para se tornarem ndo mais instru, Mentos de saber, mas maquinas de sujei¢éo ide: © que a torna instrumento de subordinagio ideol nao S80 os “valores” da burguesia e os “‘interesses” de seus representantes, mas seu funcionamento ideolégico. A escola continuaria maquina de sujeicéo, ainda que mudasse de mos e adotasse “valores” -ou “interesses” hipoteticamente opostos. Com isso, Althusser contribui para reconhecer a le- gitimidade da luta politica e social no conjunto da so. ¢iedade, transbordando os limites da luta sindical e par. lamentar onde 0 pensamento oficial enredava a luta de classes. A contestacao das instituigées e de seu carter intrinsecamente de classe, e no apenas de seus objeti- Vos ou de seus métodos, 6 encarada como tarefa funda. mental para as classes subalternas. A compreensio dos mecanismos internos de dominagio coercitiva e de su. Jeigdo Ideolégica ¢ colocada como questéo fundamental Para a luta politica, inclusive no que concerne &s insti- tuigdes da sociedade civil e, portanto, também aos sin. dicatos e partidos politicos, soi-disant revolucionérios ou nao, A critica de Althusser & “metafora espacial” da teo. tla descritiva do Estado — na verdade uma metafora de 7 construgao civil — e sua tentativa de incorporagéo das concepedes de Gramsci sobre a hegemonia e a socieda- de civil ndo bastam, entretanto, para resolver 0 proble- ma tedrico e politico para o qual apontam. Levadas as suas Ultimas conseqiiéncias, elas implicariam uma de- nuincia mais frontal do cardter do Estado soviético, por um lado, e, por outro lado, do caréter de aparelho re- pressivo do PCF e de sua ideologia. Ora, naquele perio- do Althusser chegara a ocupar um posto no Bureau Po- litico daquele partido e estava longe de uma tética de ruptura ou, pelo menos, de contestagdo aberta como velo a ocorrer mais recentemente. As solucdes teéricas Ge Althusser apresentam, com isso, no nivel da teoria dos aparelhos ideoldgicos de Estado, as contradigées in- trinsecas ao compromisso que estabelecia os limites pa- ra sua intervencdo politica. Vejamos, em resumo, o essencial das teses de Al- thusser sobre o Estado. A teoria marxista do Estado re- pousaria sobre a metdfora “espacial” do edificio, com as nogdes de infra e superestrutura. Para Althusser, essa teoria, por ser metaférica, seria descritiva. Toda teoria cientifica passaria, segundo ele, por essa fase descritiva — pelo menos no dominio das ciéncias sociais — o que seria propriamente contraditério, pois (acrescentamos nds) a descrigéo tem por objeto as aparéncias concre- tas, enquanto 0 objeto da teoria sio relacées estruturais abstratas. A propria contradi¢ao da teoria descritiva in- dicaria, entretanto, por um lado, 0 comeco sem retro- cesso da teoria e, por outro lado, a exigéncia de sua su- erago em teoria tout-court A teoria descritiva, entretanto, seria justa, pois “po- dese perfeitamente fazer corresponder, & definigio que ela dé de seu objeto, a imensa maforia dos fatos obser. vaveis no dominio que lhe concerne”. A prova seriam os fatos repressivos que se pode estabelecer como efeito da atuag&o do aparelho de Estado. ‘Nao obstante, a superacio se impée, pois “a acumu- lag&o dos fatos sob a definicio do Estado, se multiplica 18 sua ilustragdo, nfo faz realmente avancar a definigao de Estado, isto €, sua teoria cientifica”. Assim sendo, “pa- ra compreender ainda melhor os mecanismos do Esta- do em seu funcionamento, pénsamos ser indispensavel aorescentar algo & definicao cléssica do Estado como aparelho de Estado”. Aqui, Althusser abre parénteses para precisar que 0 Estado so tem sentido em funcao do poder de Estado e que, portanto, é necessério distinguir 0 poder de Es: tado do apareiho de Estado. “Toda a luta politica das classes gira em torno do Estado, Entenda-se: em torno da detencdo (...) do poder de Estado...” Althusser ilustra essas distinc¢des com exemplos de que o apare- tho de Estado permanece como tal durante aconteci- mentos politicos que afetam a detencao do poder de Es- tado. Contudo, esse acréscimo a “teoria marxista” do Es- tado (aspas de Althusser) jé figuraria com todas as le- tras nos textos de Marx. O que falta acrescentar é, por- tanto, outra coisa Para explicitar esse acréscimo, sua nogéo de “conceitos praticos”, isto 6, a idéia de que na pratica, os cldssicos do marxismo teriam tratado 0 Estado como uma realidade mais complexa, citando no- minalmente Gransci, “20 meu conhecimento, 0 unico que tenha avancado nessa via”. ¥ aqui que Althusser insere- ve sua tese principal: “Para fazer progredir a teoria do Estado spensavel levar em.conta, nZo somente a distincal poder de Estado e aparetho de Estado, mas também uma outra realidade, que se encontra ma- nifestamente do lado do aparelho (repressivo) de Esta: do, mas no se confunde com ele. Chamaremos essa rea. lidade pelo seu conceito: os aparethos ideoldgicos de Es- tado”. Nao devemos avancar sem alguns comentarios. A principal critica de Althusser a “teoria marxista” do Es- tado € por conta do seu cardter metafdrico e espacial e, Portanto descritivo. Nao obstante, sua solugéo consiste Ithusser faz apelo 19 em acrescentar uma reatidade (os termos so seus) e no vejo como se poderia fazé-lo senfio completando a descri. so, uma operagao que permanece, ela mesma, metafé. rica e espacial (acrescentar_). Trata-se, na verdade, de um verdadeiro enxerto, pois 0 doador sadio, embora morto fornece um empréstimo heterogéneo em re- lagio ao edificio do Estado de Marx e Engels. De fato, embora mantendo a metéfora da estrutura e da supe. restrutura, para Gramsci o Estado nao ¢ 0 tiltimo andar de um edificio, de onde a classe dominante exerce o set poder, mas uma fungdo de classe, uma funcdo contyadi- torla que se desdobra na dupla fungéo de hegemonia Cideologia, sociedade civil) e de ditadura (coergio, so- ciedade politica). Como efetuar esse transplante sem re Jeigdio? Uma primeira objegao que se pode levantar contra 8 argumentagio de Althusser é que o inconveniente da (Cipisicrs a infra e da superestrutura nao esta propria- inte em seu caréter metaférigo, nem em seu cardter espacial, que ndo essencial, mas sim em seu emprego metonimico. O que é importante nessa teoria, ao menos em seu emprego tédrico, nao sio as relagdes propria- menite espaciais, no sentido topico, em cima-embaixo, dentrofora, ou_no sentido métrico, longe-perto. O que Prevalece 6 a idéia da construcao civil: 0 que se cons- tréi primeiro e o que vem por acréscimo, o que susten- ta e 0 que ¢ sustentado, 0 que se apdia e 0 que serve de base. Com isso, entendida com metéfora, a teoria da in- fra e da superestrutura reduz 0 Estado as relagdes mec. nicas entre a infraestrutura e a superestrutura de uma construcéo civil. Isso € proporcionado pela base metonimica dessa metéfora que determina seu emprego teérico. Assim, na concepeio de um Jackobson, a metéfora é uma substi- tuigdo no nivel da operagao de selegdo. Podemos dizer Que um termo ¢ selecionado para substituir outro, de tal modo que algumas relagSes significadas nesse termo 20 ‘sao substituidas &s relagées significadas noutro termo. A operagao de selecdo determina a descontinuidade da me- tafora. Por exemplo, a metéfora funcional de Gramsci so: bre as fungées hegeménica e toercitiva do Estado estabe- lecem a descontinuidade entre, por um lado, as relagdes entre a sociedade civil e a sociedade politica e, por outro Jado, as relagdes metaforizadas como sendo as que exis- tem nas sociedacies concretas. Dentre todas estas, a me- téfora das fungées seleciona aquelas que a teoria apon- ta como determinantes. A metonimia, contudo, opera um deslocamento no nivel da combinagéio. Deslocando um termo sobre 0 ou- tro, a operago de combinacio estabelece uma continui- dade entre os termos que é determinante da metonimia. Se a parte toma o lugar do todo, o efeito da causa ¢ 0 nome substituem a coisa, é porque a combinagdo supde a continufdade entre eles. Ao invés de interpretar as rela- Ges tedricas como aquelas selecionadas na metéfora, 0 uso metonimico da teoria faz falar da imagem como se falasse da coisa e anula qualquer descontinuidade entre © conceito e a realidade. Assim, Althusser pretende acrescentar wma realidade & teoria do aparelho de Esta- do e, sem descontinuidade, afirma que chamaré essa realidade pelo seu conceito. © problema néo esté, portanto, no caréter metaf- rico da teoria, nem em seu caréter descritivo. Nao hd contradigao entre teoria e descrigdo, mas sim entre des- cri¢&o enquanto selegio de relagdes abstratas (teoria) descrigdo erquanto inventario exaustivo (continuo) das aparéncias coneretas. Tanto isso € verdade que, para nao romper com a “‘teoria marxista” do Estado, Althus- ser se vé forgado a completar a descricéo com seu acréseimo gramsciano. E, quando se vé forcado a pre- cisar sua contribuiggo, o que faz € multiplicar as metd- foras: “os aparelhos ideolégicos funcionam de maneira macicamente prevalente & base da ideologia, 20 mesmo tempo em que funcionam secundariamente & base da re- 21 presséo”. Primeiro uma metéfora métrica (macigamen- te), em seguida a combinacio de metaforas métricas e temporais (prevalente: vale mais, vale antes) e finalmen- te uma metéfora temporal (sectndariamente: vem de- pois). Se 0 metaférico equivale ao descritivo e ambos so contraditérios com 0 tedrico, seré a multiplicagao das metaforas que faré romper os limites da descrigéo? A segunda objecao diz respeito & concepgao da teo- ria que a argumentacdo de Althusser veicula neste caso, afastando-se radicalmente das préprias concepgdes al- thusserianas que, manifestamente, no comportam a no- do de “teoria descritiva” tal como o autor a admite nes- te texto. Efetivamente, Althusser constréi seu conceito de teoria a partir das notas de Marx no Prefécio 4 Con- tribuicao & Critica da Economia Politica, em que Marx sublinha a radical descontinuidade entre a totalidade pensada e a totalidade existente no real, ¢ entre o mo- vimento do pensamento e 0 movimento da realidade. Para Althusser, portanto, o objeto de uma teoria no € a realidade concebida como colecdo exaustiva de fa- tos, mas objetos de pensamento que permanecem na es- fera do pensamento. E, como afirma Marx, um produto do eérebro pensante que se apropria o mundo da tinica maneira que Ihe € possivel. Dentro dessa concepeao, uma definicao tedrica tem por objeto relagdes abstratas entre fatos (portanto objetos de pensamento), e no os pré- prios fatos em si mesmos, 0 que invalida a justeza que Althusser tenta atribuir ao gue chama de “teoria mar- xista descritiva” do Estado. Segundo ele, essa teoria “é Justa porque se pode perfeitamente fazer corresponder 2 definigdo que da de seu objeto a imensa maioria dos fatos observaveis no dorninio que the concerne’” Os deslizes do texto de Althusser neste particular so sighificativos. Nao hd qualquer tentativa de demons- tragio, e nem sempre até mesmo ilustragao, mas apenas afirmagbes categéricas, que entretanto nao tm o rigor das teses filoséficas que 0 autor freqtientemente subli- 2 nha e justifica em seus textos. A afirmagio de que a “imensa maioria dos fatos” corresponde A descrigéo do Estado segundo a metafora do edificio, nio sé nao “corresponde” & concepcao qire Althusser tem de teoria, como também nio “‘corresponde @ imensa maioria dos fatos” — inventério que, alids, Althusser no poderia efé- tuar. Ela s6 se sustenta em afirmagdes simbdlicas como ‘mo a que 0 autor faz a respeito do cardter contraditério da “teoria descritiva”: “que a ‘teoria descritiva’ ¢ efeti- vamente, sem qualquer diivida possivel, 0 comeco sem retrocesso da teoria”. Com tudo isso, Althusser — que, de fato, abandona a metétora construtiva do edificio em favor da metéfora funcional de Gramsci — parece ape- nas estar sublinhando que essa ruptura no significa re- trocesso: “‘Se a ‘teoria descritiva’ é um comeco sem retro- cesso, et. néo estou voltando atrés, jé que é dela que eomeco”. Esse tiff Yk enunciado simbélico se repete um pou- co mais adidnife quando, depois de reconhecer que a “teo- ria marxista” concebe 0 Estado como aparelho repres- sivo, pretende apenas retificd-la € no de fato abando- néla com a retificagio que Ihe acrescenta a metéfora funcional do aparelho ideolégico. Confrontado a dificul- dade de distinguir o aparelho de Estado, concebido como instrumento concreto sediado no topo do edificio sécio- politico, do aparelho ideoldgico, concebido como funcdo disseminada em todo 0 corpo social, Althusser mencio- na “uma diferenca muito importante, que interdita a confuséo entre os Aparelhos ideolégicos de Estado e 0 Aparelho (repressivo) de Estado”. A essa altura do cam: peonato, somente uma interdicéo poderia ocorrer para salvar as aparéncias. Finalmente, antes de passarmos a teoria funcional dos aparelhos ideoldgicos, cabe ainda uma objec&o. A primeira retificacaio de Althusser diz respeito a diferen- ca entre Estado e poder de Estado. Mais uma vez, trata- se de um acréscimo que se anula, pois como afirma 0 autor, ele ja figura na teoria com todas as letras. O ob- 2B Jetivo de Althusser parece ser 0 de abrir uma brecha no topo da superestrutura, para encaixar no Estado os apa- relhos ideolégicos ao lado e ao mesmo titulo que o apa- relho (repressivo) de Estado, sem com isso deixar a es- trutura desequilibrada, o que ocorreria se 0 topo tives se duas cabecas: aparelhos ideolégicos ¢ aparelhos re pressivos. Para evitar 0 dualismo, a solugdo seria encon- trar algo, uma terceira coisa que garanta a unidade dos dois. Desse modo, o topo do edificio viria a ser o poder de Estado — que no é um instrumento e, portanto, nao terla localizag&o espacial conereta — que se exerceria por melo dos dois aparelhos. Mas niio € isso o que faz Althusser, e o transplante € mal sucedido. Propondo-se a definir poder de Estado Althusser limita-se a distinguir Estado e detencdo do poder de Estado: “o Estado (e sua existéncia em seu aparelho) s6 tem sentido em funcao do poder de Estado. ‘Toda a luta de classes gira em torno do Estado. Enten- da-se: em torno da deteneao, isto é, da tomada e da con- servagao do poder de Estado, por uma certa classe, ou Por uma alianga de classes ou de fragdes de classe. Esta primeira distingdo nos obriga, portanto, a distinguir 0 poder de Estado (...) e o aparelho de Estado...” Essa longa citagdio deixa claro que Althusser nfio de- fine poder de Estado, nem abre caminho para distin- guilo efetivamente do aparelho dé Estado, que permane- ce em sua concepcao de instrumento concreto, de topo do edificio social. O poder de Estado nada mais é do que a utilizagao desse aparelho, no existe senio no prd- prio aparelho de Estado: “o objetivo da luta de classes diz respeito a0 poder de Estado e, por via de conseqtién- cia, & utilizagao, pelas classes (...) detentoras do poder de Estado, do aparelho de Estado em fungao de seus ob- Jetivos de classe”. Note-se a absoluta equivaléncia entre ‘“detentoras do poder de Estado” e “‘detentoras do apa- relho de Estado”. O que, de fato, insinua uma distingao, no caso, ¢ a detengéo, metéfora instrumental, que per- 24 mite distinguir classe de aparelho de Estado. Entretan- to essa distingso nao é explorada conseqtientemente pe- 0 autor, pois levaria & concepefio de que as classes exis. tem ¢ lutam pelo poder fora to Estado. Ou, mais prec. samente, que existe um poder de classe fora do aparelho de Estado, jé que pode assenhorear-se do mesmo de fo. ra para dentro. A grande questo que se colocaria seria incompativel com a metdfora construtiva instrumental. onde estariam as classes, em que parte do edificio se si. tuaria seu poder, fora do topo juridico-politico da su. Perestrutura? 4. Os aparelhos tdeologicos de Estado. Apés acres- far essa “outra realidade” dos aparelhos ideolégicos de Estado, Althusser empreende a parte mais critica de sua Tetificacio tedrica, a distincdo entre os aparelhos de Es- tado. Ble comeca lembrando que, na teoria marxista, 0 aparelho de Estado seria repressivo, o que indica que ele “funciona na base da violéncia”, pelo menos no limi te. Em seguida, 0 que nao € de boa téonica tedrica, pas: sa @ enumerar as instituigGes que designa como Apare- lhos Tdeoldgicos de Estado, Em que consiste sua diferen- ¢a? Em primeiro lugar, o ARE seria dinico, enquanto existiria uma pluralidade de ATE. Hm seguida, enquanto © ARE, unificado, pertence inteiramente ao dominio pu. blico, os ATE pertenceriam 20 dominio privado ApOs desembaracar-se rapidamente da objecio que ‘¢ Poderia levantar contra aparelhos de Estado que per- fencem ao dominio privado, alegando que o Estado estd “além do Direito”, Althusser vai “ao essencial”: a dife. Tenga fundamental entre os dois aparelhos de Estado ¢ © seu funcionamento a base da violéncia ou da ideologia, Giferenca que esta, de fato, no funcionamento macica. ‘mente prevalente ou simplesmente secunddrio & base da primeira ou da segunda. Essa distingdo permitiria com. Preender 0 jogo sutil entre 0 Aparelho repressivo e os Aparelhos ideoldgicos de Estado. Resta a segunda dificuldade que se encontra na mul- tiplicidade das instituigées que formam os ATE. Para Al 25 thusser essa multiplicidade néo impede sua unidade, que € dada por seu funcionamento: a ideologia na qual fun- cionam € unificada sob a ideologia dominante. Aqui cabe nova disting&o, nao tematizada, mas que transparece nas expressdes empregadas por Althusser, pois se a “classe dominante detém o poder de Estado (...) e dispée por- tanto do Aparelho (repressivo) de Estado, poderemos admitir que a mesma classe dominante seja ativa nos aparelhos ideoldgicos de Estado..." (grifos meus). Essa diferenga néo-tematizada vai se refletir na tau. tologia com que Althusser tenta dar contas da raz&io por que os ATE s4o n&o apenas objeto, mas lugar da luta de classes @ freqiientemente de formas encarnicadas da tute de classes: “A classe (ou a alianca de classes) no poder nao faz a lei nos ATE com tanta facilidade quanto no ARE, néo somente porque as antigas classes domi- nantes podem conservar, por muito tempo, posigdes de forca, mas também porque as resistencias das classes oprimidas podem encontrar neles 0 meio e a ocasiéo de se exprimirem...” Antes de passar & seco seguinte, onde volta & ques- tao da reproducao das relagdes de producdo, Althusser encerra com uma pergunta surpreendent tamente a medida do papel dos Aparelhos ideoldgicos de Estado?” Ora, o principio mesmo das distingdes intro- duzidas por Althusser nao permite qualquer exatidao, e isso se deve a0 compromisso que ele tenta salvaguardar entre a “teoria” marxista do Estado-instrumento e sua metéfora funcional dos Aparelhos ideoldgicos, herdada de Gramsci Althusser manifestamente desdobra a definigio do Estado, sem abandonar sua concepeio instrumental de obra publica: “acrescentaremos que o Aparelho de Es- tado contém dois corpos...” Entretanto, enquanto por um lado mantém o primeiro como corpo concreto ins- trumental, unificado em sua materialidade — sua uni cade “é garantida por sua organizacéo centralizada uni 26 ficada sob 2 directo dos representantes das classes no poder” — por outro lado, o segundo 6 concebido como Jungdo. Contudo, ao invés de definilo por sua fungéo, Althusser enumera as diferentes instituigSes que o com: poem, voltando, portanto, a concepeso instrumental— concreta do primeiro. Os principios evocados para dis- tinguilos obedecem a critérios instrumentais concretos (setor publico/setor privado; unidade de organizacéio e comando/multiplicidade e autonomia), mas a distin. eGo essencial é funcional. Essa distingéo funcional, entretanto — & base da vio- Iencia ou da represséo — parece sé funcionar para os AIE, pois 0 ARE mantém sua concretude de instrumen- to unificado e homogéneo em si mesmo, apesar de todas as reiterag6es de sett duplo-funcionamento “macigamen- te prevalente ou secundario”: a classe dominante detém © ARE e dele dispée, enquanto é apenas ativa nos AIE. A primeira dificuldade dessa concepedo 6, portanto, a de situar-se dentro da perspectiva instrumental con- creta que pretende retificar e, em segundo lugar, a de tentar completé-la com uma concepeso que Ihe € hete- rogénea, a metéfore funcional. Se é 0 funcionamento o principio fundamental que define os aparelhos de Esta- do, estes sé podem dividir-se em fungdes e no em cor- pos coneretos. Ao contrario, a divisio em corpos con- eretos 6 que tem que ser explicada com base em sua determinacio pela diversidade de fungdes — se as fun- ‘g6es forem excludentes — ou por sila combinagZo — se forem compiementares. Na medida em que o funcionamento a base da vio- Iencla e & base da ideologia sejam complementares e con- traditérios — estejam em relaco dialética, como supde Gramsci — a unidade de sua combinagio seré sempre contraditoria, qualquer que seja 0 aparellio concreto em que essa combinacao se efetue. Ou seja, no hé unifica- ¢8o possivel, nem nos ARE, nem nos ATE, apenas uni- dade contraditéria das duas fung6es. Unidade que se 20 concretiza em combinacées diferentes para cada institui- $40 conereta. Se isso é verdade, ainda que a fungio ideo- légica “prevaleca macicamente” sobre a outra, no po- deremos falar em ideologia unificada que garanta a uni- Gade dos ATE, mas sempre, ao contrdrio, em equilibrio instavel entre funcionamento ideolégico ¢ funcionamen- to repressivo, Afinal, a centralizagio do ensino no setor Plblico no torna as escolas ARE, assim como também 8 descentralizacdo dos poderes municipais ou da forca piiblica, ow ainda a criagao de policias privadas nao os torna Aparelhos ideoldgicos. A fungio faz o drgdo na concepedo organicista que inspira, aqui, Althusser e Gramsci. Entretanto, em todo funcionalismo, curiosamente, abandona-se a funco pelo Orgao e € este que é estudado, sendo suas determinagoes © que confere poder explicativo. Ora, se o princfpio ex- piicativo é atribufdo @ fungdo (a “diferenca fundamen. tal” esti no funcionamento do ARE e dos ATE), trata-se de estudar 0 processo que nele resulta, e a distingo deve Ser buscada em seus efeitos. Desse modo, a questiio das aparelhos de Estado esté em estudar as priticas que se articulam para produzir um efeito repressivo “de Esta- do” ou um efeito ideolégico “de Estado”, e nfio em situar suas causas numa certa organizaco do setor puiblico ou da ideologia dominante. Por fim, cabe assinalar que 2 metiifora da constru- $40 cobra seu débito tanto & formulagao althusseriana quanto & formulacdo gramsciana da superestrutura, Em ambos 0s casos, a auséncia de uma anélise das prdticas € de seus efeitos “‘funcionais” faz com que a superestru- tura seja a realizagso de uma virtuatidade ausente. A vir. tualidade de ambos os aparelhos se encontra nas classes que detém um e agem nos outros e thes so, portanto, exteriores. Nem para Arthusser nem para Gramsci se Pode dizer que as classes se constituem na luta que tra- vam na sociedade civil e na sociedade politica. Para 0 Primeiro, “a uta de classes transborda os limites dos B AIE porque ela se enraiza (...) na infraestrutra, nas relagoes de produgio, .." Para o segundo, para quem estrutura $6 pode ser conhecida a posteriori, através de seus efeitos na superestrutura, ela sé pode ser o que Freud chamava de “mito cientifico” — uma hipotese teo- Tica — € a luta de classes € essencialmente uma “revo. lugao intelectual e moral” comandada por concepgbes de mundo. Aqui ndo € 0 lugar de desenvolver esta questo, mas Parece-me que uma justa concepeao da reprodugao so. cial no poderia tratar a articulacdo entre as relagdes de produgao ¢ 0s efeitos de poder (do ARE) e de saber (dos AE) como resultado dessa virtualidade ausente. Uma tal concepedo deveria levar em conta, ao contrario, as praticas de reprodugio da existéncia material, sem cujos efeitos as fungdes de repressio e de ideologia n&o Se produziriam nem se reproduziriam. Ao lado, portan- to, das fungées repressiva e ideoldgica de Estado ou, mais precisamento, das préticas repressivas e ideologi. cas de Estado, seria preciso considerar, articuladas com elas, a fungio “econdmica” de Estado ou, mais precisa. mente, as praticas de reprodugio material. Todas sio “de Estado”, nao porque sejam centralizadas ou instru: ‘mentalizaveis pelas classes dominantes, mas sim porque so constitutioas das classes e, portanto, tém por resul- tado a constitui¢ao da sociedade nesse algo mais que confere unidade a uma populacdo e Ihe aparece como uma entidade auténoma e exterior. Séo fungdes “de Bs- tado” porque so fungées de classe. 5. A reprodupdo das relagdes de producdo. A pri- meira resposta de Althusser a esta questo é de que a reproducdo das relages de producao é garantida, “em Brimeiro lugar pela materialidade do proceso de pro- dugio ¢ do processo de circulagio. Mas nao se deve es- Quecer que as relagdes ideoldgicas estio imediatamente resentes nesses mesmos processos”. Km grande parte, todavia, 6 garantida pelo exercfcio do poder de Estado nos Aparelhos de Estado (repressivo e ideol6gico). Abra 29 ‘mos parénteses imediatamente para notar a mudanga de registro, Até agora, acreditavamos que a fungo ideoldgi- ca existia apenas na materialidade dos corpos que com- pde o Estado, prevalente nuns ¢ secundaria noutros. Ago- ra aprendemos que existem também relagGes ideolégicas (sem que se precise o que tém a ver com 0 funcionamen- to ideoldgico) e que elas estdo também presentes no pro- cesso produtivo. Mais adiante, aprendemos que 0 ARE garante as condigdes politicas da reprodugao das rela- Ges de produco “que sdo, em ultima anélise, relagdes de exploracéo”; podemos fazer a mesma observagéo que valeu para as “relagdes ideol6gicas” e acrescentar: néo seria 0 caso de abrir espaco para aparelhos “econdmi- cos” de Estado, efeito da articulagao entre relagdes de produgo, relagdes ideoldgicas e relagdes politicas, tal como os demais aparelhos de Estado, mas combinadas de outra maneira? Apos lembrar as distincdes entre os dois Aparelhos de Estado, com pequenas precisdes que caberia discutir, mas néo alteram a economia destes comentérios, Althus- ser afirma que existe uma espécie de “diviséo do traba- Iho” na reproducao social. O papel do ARE consistiria essencialmente em proporcionar as condigées politicas da reprodugao das relagdes de produc4o; ele contribui- ria, também, para se reproduzir e para garantir, através da repressio, as condigées de exercicio dos Aparelhos Ideolégicos, Estes, por sua vez, “proporcionam, em gran- de parte, a propria reproduc&o das relagdes de produ co, sob o ‘escudo’ do aparelho repressive de Estado”. Além disso, € por intermédio da ideologia dominante que se garante a harmonia entre os ARE e ATE e dos AIE entre si. Antes de prosseguir, notemos mais uma vez a ineri- vel flutuagio da terminologia e dos conceitos, que deno- ta 0 compromisso tedrico insustentavel que Althusser tenta manter. J4 no basta que a retificacio da “teoria marxista” do Estado acrescente, a umn aparelho definido por sua instrumentalidade e unidade, um outro definido 30 apenas por seu funcionamento, e a eles oponha, sem mais, “relagdes” de produgéo (temos, entéo, um estra- nho hibrido formado de um érgéo, uma funcao e um con- junto de relagdes). Ora so as relacdes ideoldgicas que “estao imediatamente presentes ao proceso de produ- eGo”, ora é 0 aparetho repressivo que garante as condi- gées politicas da reproducao e serve de “escudo” para a atuagao dos AIK, ora € a ideologia que garante a har- monia entre aparelhos. Pode-se argumentar que a parte final do ensaio, sobre a ideologia, vem esclarecer algu- mas dessas imprecisOes, entretanto, até 1é ficamos sen saber 0 que determina as condicdes da reproducio so- cial, se 0 aparelho ideoldgico, as relacées ideoldgicas ou a ideologia, que aparecem no texto como categorias bem diferentes (Aparelho ideolégico € uma instituigéo con- creta, ideologia é o principio unificador — e de funcio- namento — dos aparelhos ideolégicos, e relagées ideo logicas parecem nao ser uma coisa nem outra). Apds essas primeiras consideracées, Althusser co- mega 2 justificar sua hipstese principal sobre © papel dos ATE na reproducao social, hipdtese que ele em se- guida chamard de Tese. A tese — pois de fato se trata de tese — se divide em trés: a0 contrério do Aparelho tepressivo de Estado, que € tinico e formalmente tico desde os primeiros Estados conhecidos da ant idade dos aparelhos ideoldeicos € cres- cente e tende a diversificar-se por especificacao, dentro dessa multiplicidade, existe, em cada época, um apare- Iho ideol6gico de Estado dominante; 0 aparelho ideolé- gico dominante nas formacées capitalistas maduras é 0 aparelho ideoldgico escolar. Por que 0 ATE escolar é dominante e como funcio- na? Althusser resume rapidamente seus areumentos an- tes de passar para a discussio da ideologia: 1, Todos os aparelhos ideoldgicos de Estado con- correm para o mesmo resultado: a reproducio das rela- Ges de producao, isto , das relagdes de exploracio ca- pitalista, 31 2, Cada um deles concorre para esse resultado de uma maneira que lhe é propria, isto 6, submetendo (su- Jeitando) os individuos a uma ideologia. 3. Esse concerto é dominado por uma partitura Uinica, a ideologia da classe dominante. 4. O papel dominante cabe a Escola, se bem que sua musica seja silenciosa. Ela recebe as criancas de todas as classes em sua idade mais “vulnerdvel”, incul- cando-lhe saberes praticos envolvidos na ideologia do- minante (linguagem, cdlculo, ciéncia, etc.) e mesmo a ideologia dominante em estado puro (moral, civismo, fi- Josofia). Em algum momento, no inicio do secundério (Althusser fala da Franca), uma enorme massa cai “na Pprodugdo”, os operdrios ¢ camponeses. Outra parte con- tinua aos tropegos para finalmente cair nos empregos médios de “pequenos-burgueses” de todos os calibres. Uma terceira parte atinge o cume para cair num semi- emprego intelectual ou para fornecer, além dos “intelec- tuais do trabalhador coletivo”, os agentes da explo! a da repressio e da ideologia. Cada massa que do AIE escolar est praticamente provida da ideologia que convém a seu papel na sociedade de classes. Grande par- te dessa ideologia se aprende fora da escola, mas “ne- nhum aparelho ideolégico de Estado dispée, durante tan- tos anos, dessa audiéncia obrigatéria (...) 5 a 6 dias em cada 7, & razdo de 8 horas por dia, da totalidade das criangas da formacao social capitalista”. Apés pedir perdio 20 mestreescola e reconhecer seus heroismos, Althusser termina considerando o sen- tido politico da crise escolar nos paises capitalistas, de- vido ao fato de a Escola constituir 0 ATE dominante e de- sempenhar papel determinante na reprodugdo das rela- Ges de produgio. Percebese, neste final, 0 exato aleance politico das teses de Althusser sobre os aparelhos ideoldgicos. Ele esta intervindo em um debate onde 0 sentido politico de uma crise institucional $6 se justifica se se tratar de 32 uma instituigéo dominante e se seu papel for determi: nante na reprodugao das relagées de produgao. E, evi- dentemente, se essa instituicio merecer o epiteto “de Estado”. Com isso vinculase’a crise duplamente a poli- tica na concepgdo com a qual Althusser dialoga — o “marxismo” oficial: por ter a ver com 0 Estado e com a luta econémica. Pois, nessa versio, a luta de classes se “enraiza” na produgao e tem por objeto o Estado e é isso que explica o enorme esforco de Althusser para demonstrar que ds instituicdes sao palco da luta de clas- ses (palco e objeto), mesmo se, para tal, as vezes é-le- vado a desconhecer que o Estado também é palco, além de objeto da luta de classes. Essa percepeio do alcance politico da intervengéo teorica de Althusser permite deixar de lado imimeras ‘imprecisées do autor, que inclui na categoria dos apa- telhos ideolégicos, indistintamente, os Parlamentos, os Partidos, sistemas politicos e até mesmo regimes — em suma, essa “organizacio da dominacao politica” de uma classe que Marx chama com todas as letras de Estado — © mais as corporacées, que eram sistemas de organi. zagio da producao! O que cabe discutir € se aquele com. Promisso, com a contradic que envolve, permite avan. sar a discusséo no sentido de romper com a concep¢ao mecanicista que se trata de superar. Ora, 0 enxerto funcional de Althusser ro érgao con- ereto e armado do Estado da “téoria descritiva” € fa- cilmente absorvido, o que resulta num reforco da cago do conceito de Estado. Como niio esté em jogo uma andlise dos processos ideoldgicos e de seus efeitos, mas uma reflexio sobre os érgdos e sua evolucéo, Al. thusser acaba em uma espécie de histéria natural dos aparelhos ideolégicos, em que eles se sucedem por or- dem de especificidade e complexidade crescente, que na- da deixa a dever 4 mudanga social na versio parsoniana. Uma frase como: “(...) na Idade Média a Igreja (apare. Iho ideol6gico de Estado religioso) acumulava, entao, numerosas fungées hoje atribuidas a diversos aparelhos 33 de Estado distintos (.. .)” — poderia ser perfeitamente assinada pelo falecido mestre do estruturalfuncionalis- mo. Note-se que, em todos os casos, a teorla nada mais faz do que postular a funcéo de Estado para cada uma das instituigdes enurneradas, em nada contribuindo para esclarecer seu modo especifico de atuacio na reprodu- Ao social. Assim é que a Igreja é chamada de “aparelho ideoldgico de Estado religioso” embora se Ihe atribua a acumulacio de varias fungées ideoldgicas além da reli- giosa, e sem esclarecer as relacGes entre elas. Essa primazia do érgdo sobre a fungdo, isto é, sobre a andlise do proceso ideoldgico e de seus efeitos, fica ainda mais clara quando consideramos os argumentos de Althusser para conferir 0 papel dominante ao apare- Iho escolar. Segundo ele, no primeiro ponto de sua argu- mentagao, todos os aparelhos ideolégicos “concorrem para o mesmo resultado: a reprodugdo das relagdes de produgio, isto 6, das relacdes de exploraco capitalistas”. Sem disoutirmos a imprecisio do argumento — jé que “concorrer para” é demasiado vago e, definitivamente, todos os aparelhos, tanto os drgdos centrais do Estado, como, evidentemente, a totalidade do sistema econdmico capitalista, “concorrem para” sua reprodugio — a pre- cisdo que vem depois ou torna intitil ou contradiz essa afirmagio. De fato Althusser diz, do proceso de selegio escolar, que ele prové cada massa que entorna do apa- relho escolar com “a ideologia que convém” ao seu pa- pel na sociedade de classes. Ora, 0 que o aparelho de Estado concorre para reproduzir € “a ideologia que con- vém” as relagdes de produgao ou, mais precisamente, as relagdes de exploracéo capitalista, ¢ néo'as relagdes de exploragao propriamente ditas. Tudo isso porque o compromisso politico de Althus- ser — no romper com a estratégia oficial, mas am- lida — faz com que seu compromisso tedrico consista em acrescentar, por via da teoria funcional dos apare- 34 Ihos de Estado, uma nova relac&o de érgios 20 rol imo- bilidrio da “teoria marxista” oficial, deixando de Iado a andlise dos processos politicos, econdmicos e ideolégicos que tecem a trama da luta de classes, ou seja, da cons. tituicdo da sociedade ou, se quiserem, da reprodugio so. cial. Se assim nfo fosse, Aithusser néo esqueceria as Ii bes de Marx e Engels de que a base do Estado é a so: ciedade e que, portanto, a diferenciacio de 6rgios — a autonomizacaio do Estado como corpo “estranho’ ciedade — n&o é 0 que determina os processos sociais, mas, 20 contrario, deles resulta. Assim sendo, nao é 2 diferenciacdo entre os érgios que cria novas funcoes (a Igreja dando lugar & escola e aos hospitals; a corpo- racko dando lugar As manufaturas e aos sindicatos). Ao contrério, séo as rearticulagdes entre processos politicos, econdmicos © ideolégicos que tracam novas fronteiras, atribuindo nova unidade aos érgios antigos e criando novas unidades que sio reconhecidas como novos ér- gfios. As “fungdes” — para usar esse termo, que a socio- logia de esquerda proscreveu, e ao qual a filosofia fran. cesa parece dar novo animo — sejam ideolégicas, repres- sivas ou econdmicas esto obviamente presentes, tanto nos 6rgos centrais do Estado, como nos érgaos disper- sos da sociedade civil, como também nos érgios compe- titivos ou oligopolizados infra-estrutura” econdmica. Nao 6, portanto, sua simples presenca que determina as fungées de Estado desses aparelhos, como bem o pres- sente Althusser. & a articulagdo desses trés tipos de pro- cesso que determina a especificidade das instituicées coneretas — ou aparelhos — com seus efeitos globais de Teprodugao da ordem politica, da ordem econémica ou da sujeicio ideoldgica. E a determinagéo dessa articula- porque a prevaléncia de um ou outro efeito é freatiente- mente precdria ou, pelo menos, instdvel. Tal determina: 40 86 pode ser o resultado de uma andlise concreta que 35 veritique 0 modo particular como, em cada instituicgo — seja ela Grgao central de Estado ou aparelho da so- ciedade civil ou empresa — aqueles processos se contra: dizem, se subordinam ou se reforcam. Tmpossibilitado de levar até o fim uma versio nao. organicista da metéfora funcional que ele acrescenta a metéfora imobilidria do Estado, Althusser é levado a construir uma teoria dos aparelhos ideoldgicos que, co- mo veremos adiante, contradiz em grande parte sua teo- tia da ideologia, Esta, como j4 observamos, nao poderia existir fora das prdticas materiais que a Teproduzem, nem fora, portanto, das instituigGes concretas em que se Teproduz. A tese da “unidade” dos aparelhos ideoldgicos de Estado e da sua unificacio por meio da “ideologia dominante” é inteiramente contraditéria com essa con- cepgdo. Se em cada aparelho ideolégico se reproduz uma ideologia especifica daquele aparelho que é efeito, in- clusive, do equilfbrio resultante da luta de classes nesses aparelhos, de onde vem a “ideologia dominante”? De algum aparelho especifico ndo pode ser, pois além de es- Pecificos, todos eles sao cimentados justamente pela ideologia dominante, que s6 poderia vir de fora. O pré- prio aparelho dominante para Althusser, a Escola, rece- be dele a misséo de inculcar a ideologia dominante mas, som duivida, no a de produzt-la. Situar sua origem no aparelho repressivo de Estado seria um contra-senso, SO resta apelar para suas “raizes na produgio”, Entre. tanto, restaria explicar como ‘se produz e reproduz 8 ideologia em relagdes (de producao) que se situam fora dos aparelhos ideolégicos, o que derrubaria todo 0 edi- ficio da diversidade e especificidade dos érgios om que se baseia toda a teoria, Na verdade, a teoria da ideologia de Althusser é in- compativel com sua teoria do Estado e, particularmente, com sua tese da ideologia dominante, Existindo apenas €m pratica materiais que a produzem e reproduzem cons. tantemente, préticas inscritas em instituigdes concretas, ou aparelhos transpassados pela Iuta de classes, a ideo- 56 logia, para o Althusser da segunda parte, nfo forma nem Pode formar uma unidade, mas sim um conjunto par. celar e contraditério. Que poderia, entretanto, ser unifi. cado, 20 menos no plano ideolégico, isto é, do pensa. mento. E 4 prova melhor dessa unificacio sao as doutri, fato, isto 6, na pratica — de processos ideolégicos © nao. \deolégicos, onde a contribuicao dos “aparelhos repres. sivos de Estado” deve ser cuidadosamente avaliada (Qual 0 papel dos Srgéos de represséo na dominancia que @ ideologia da seguranca conquistou entre a elite dirigente brasileira, para citarmos um sé exemplo?) Em suma, a teoria da ideologia de Althusser néo comporta a existéncia de uma ideologia una e que seja Gominante no sentido de determinar a unificacso dos aparelhos ideoldgicos. A unidade da ideologia seria a unidade de um processo de unificaco, constantemente retomado nos aparelhos ideologicos e fora del 0s aparelhos ndo-ideoldgicos funcionam també: da ideologia”) e, por conseguinte, a dominanci ideologia s6 poderia ser um momento de equi 6. Sobre a ideologia. 0 objeto de Althu parte € anslogo ao da primeira, isto é, a retificagdo da teoria marxista oficial sobre a ideolosia. tanto, a situagdo é paradoxalmente mais fécil, pois em. bora exista um esbogo de teoria da ideologia tanto em ‘Marx quanto em Lénin, ao contrério das observacdes es- Darsas e {6rmulas simplificadas concernentes ao Estado, Seu impacto sobre as estratégias partidérias é muito menos visivel. Em todo caso, afora a maxima comum de que ¢ 0 “ser social que determina a consciéncia”, as for. mulagdes mais precisas sobre a ideologia no marxismo 37 variam, enormemente, do empiricismo mecanicista e psico-fisico de Engels e Lénin, as formulacdes idealistas quase fenomenoiogistas da consciéncia verdadeira em Lukacs. Aqui, portanto, depois de jé ter procedido — em Lé- nin e a filosofia — a uma leitura critica convincente que resgata as f6rmulas leninistas de seu simplismo empi- rista, Althusser vai direto ao ponto: a teoria de Marx sobre a ideologia nao é marxista! Com isso, sua argu: mentagao conquista o direito a uma formulagéo mais 1i- vre de denegacées e enxertos ad hoc, que lhe permite escapar a0 compromisso capenga com a teoria do edifi cio estatal. Afinal, nao Ihe era permissivel dizer simples- mente que a teoria do Estado de Lénin ndo é marxistal De qualquer modo, Althusser comeca afirmando que a teoria da ideologia formuiada na Ideologia Alema néo € marxista, pois ¢ encarada como uma justaposieso “ima gindria, um puro sonho, vazio e vo, constituide pelos “restos dfurnos’ da tinica realidade plena e positiva, a da histéria conereta dos individuos concretos, materiais, que produzem materialmente sua propria existéncia”. Portanto, tratase de uma formulagéo positivista, Por outro lado, as indicagSes do Capital, j4 obra de maturi- dade, no contém uma teoria das ideologias, “que de- pende, em grande parte, de uma teoria da ideologia em geral”. Ora, o projeto de Althusser é constituir uma teoria, da ideologia em geral, jé que as ideologias particulares exprimem posigdes de classe (grifos seus) e, portanto, Possuem uma histéria cuja determinagao em ultima ins- téncia se encontra fora da ideologia (nas relagdes de producdo). Por sta vez, a ideologia em geral, retomando a formula de Marx e Engels, ndo tem historia. Note-se que, em torno dessa férmula, Althusser re- viu freqiientemente sua posigdo antes de precisé-la me: Ihor neste texto. Aqui ele frisa que ndo a toma no sen- tido expresso na Ideologia Alemd. Nesse livro, a tese se- 38 ria puramente negativa, pois exprime, por um lado, que logia 6 puro sonho determinado pela alienagdo da do trabalho — o que 6 uma determinacdo nega. tiva — e, por outro lado, que a ideologia ndo tem his. toria propria, mas reflete a historia real Sua tese, a0 contrario, é positiva, pois indica que a ideologia em geral 6 omni-histéri ue sua estru- tura e seu funcionamento estariam presentes em toda histéria, isto é, na histéria de todas as sociedades de classes. Sua referéncia 6 clara e Althusser a explicita: a ideologia nao tem historia, no mesmo sentido em que 0 inconsciente, para Freud, é eterno Althusser formula, ento, sua Tese I: A ideologia re- presenta a relacéo imagindria dos individuos com suas condigdes reais de ezistencia. A formula tem que ser en- tendida em todo o seu rigor, pois se trata das relagdes imagindrias dos individuos com suas condigdes de exis- téncia, e nao da representaco imagindria dos individuos sobre suas condigées de existéncia. Isto 6, Althusser cri- tica @ idéia de que a ideologia seja uma representaco smaginéria do mundo, invertida, deformada e de que baste interpretar tal inversdo e deformagdo para resga- tar 0 seu contetido verdadeiro. Pois para Althusser 0 objeto da ideologia nao ¢ o “mundo”, mas a relaco do “sujeito” com 0 mundo ou, mais precisamente, com suas condigdes reais de existéncia. As teorias interpretativas da deformagio ideolégica deixam a descoberto a questo das raz6es dessa defor- magao. As respostas variaram, e a que Marx retoma na Ideologia. Alemd seria a de Feuerbach: a.causa da ilusdo ideologica seria 2 alienacdo material que reina nessas condicées de existéncia. Para Althusser, é “a natureza imaginéria dessa relagio” entre os homens e suas con- digdes de existéncia que dé suporte a toda e qualquer Geformagio imagindria da ideologia — quando essa re- lagio no € vivida “na sua verdade”. Mais precisamente, “toda ideologia representa, ne sua deformagéo necessariamente imagindria, nfo as re- 39 lagbes de producdo existentes (e as outras relages que delas derivam), mas, antes de mais nada, a relacao (ima- gindria) dos individuos com as relac6es de produgo... .”, Cabern aqui duas observagGes preliminares: a pri- meira, que Althusser ainda ndo se liberou inteiramente — apesar da introdug&o da noc&o de imaginério e sua alusio & psicandlise, e especialmente @ Lacan — da iden. tificagdo entre ideologia e deformacao (toda deforma- 0 tem um contetido verdadeiro sob a forma falsa), nem da oposicio ideologia-verdade que Ihe ¢ correla- tiva. A segunda, que néo é independente da primeira, abre caminho para um empirismo que certamente é con- traditério com o restante do pensamento de Althusser. Substituindo, “para falar uma linguagem marzista”, os termos mundo e condicbes de eristéncia, que tém rete- rente empirico, pela expressdo “relacdes de producio” que é um termo tedrico e, portanto, designa relacbes abstratas, Althusser reifica essas relagdes e parece de- finir 0 caréter imaginério da ideologia por sua abstra- 40: 0 individuo existe, assim como as relagdes de pro- ducdo (so reais e verdadeiros), logo, a relacéo entre eles € “imagindria” por oposicao a realidades pré-exis- tentes (a relacdo € imagindria ¢ falsa). Ora, como as relagdes de produgio no séo coisas exteriores aos individuos — rigorosamente falando o individuo 6 produto das relaces sociais — maé rela. g6es entre os homens, ou as relacdes ideoldgicas (ima- gindrias) sdo parte dessas relagSes sociais ou no tém sentido. Tanto isso é verdade que Althusser, no paré- grafo seguinte, propée deslocar a questéo Ga “causa” da deformacso ideoldgica para esta outra: “por que a representacéo dada aos individuos sobre sua relagio (individual) com as relagdes sociais (...) € necessaria- mente imagindria?” Ele pressupde, embora negue a tese da “clique” que deformaria voluntariamente as idéias para impé-las aos individuos, que a ideologia é ‘ada aos individuos em uma relacao e, portanto, como veremos adiante, nas relagdes sociais. 40 ‘A segunda tese de Althusser é a seguinte: A ideolo- gia tem uma existéncia material. Ele nao a justitica, apenas reivindica um preconceito favordvel em nome do materialismo. E a explicita melhor: “Uma ideologia existe sempre em um aparelho e na sua prdtica ou pré- ticas. Essa existéncia € material”. Essa existéncia ma- terial deve ser entendida no sentido aristotélico, em que “a matéria se diz de varios modos”. Feita esta res- salva, Althusser retoma sua formula em novos termos: ideologia = relagdo imagindria para com relag6es reais (relagées de produgéo e de classe). E acrescenta: essa relagdo imaginaria é dotada de existéncia material. As coisas ficam agora mais claras, néo porque a formula seja mais justa — no 6 — mas porque as pre- cisdes que acrescenta — que 2s relagées reais so as Telag6es de produgio e de classe e que as relagdes ima- gindrias sio dotadas de existéncia material — agugam de tal modo as contradicées da formula, que forgam a esclarecéla, A formula € pior, porque agora ele opée relagdes ideoldgicas a relagdes reais e, como aquelas so materialmente ezistentes, sua irrealidade sé pode estar na falsidade, retomando a questo da falsa cons- ciéncia que Althusser pretende superar. Entretanto, a definigo das relagbes reais (relagdes de produgéo e de classe) permite uma interpretagdo mais satisfatdria, Manifestamente a ideologia é agora admitida como exis- tente entre as relagdes sociais, s6 que, diferentemente das relagdes de producdo (aqui excluindo as relagdes de classe e, portanto, entendidas como relagdes econd- micas) e das relagdes de classe (aqui, pelas mesmas ra- 26es, entendidas como relagoes politicas) néo poe em relago os homens entre si ¢ com a natureza, mas sim ‘suas representagdes das relagdes dos homens entre si com @ natureza, En suma, o que Althusser parece querer dizer é que a ideologia ndio é um ato de pensa- mento solitdrio do “individuo”, mas uma relagio social que tem por objeto representagGes; e, além disso, que © objeto da representaco nio é @ materialidade dos 4l homens e da natureza, mas sim as relagdes sociats “reais”, isto é, as relacSes praticas que pdem em rela- go os homens entre si e com a natureza. Ou seja: relages imagindrias para com relagdes reais, porque, 1°) S80 relagdes sociais ¢ nao idéias exis- tentes em si; € 2) so imagindrias porque so repre- sentagdes das relagbes materiais ‘os homens. Tanto isso é verdade que, apés exemp! no ritual cristo, a existencia material da ideolo: téncia que néo se enraiza na solidao da consciéncia do “individuo”, mas em prdticas sociais, Althusser vai precisar essa tese da existéncia material da ideologia afirmando que a ideo logia s6 existe em préticas sociais inscritas em institui- bes concretas: “falaremos de atos inseridos em prd- ticas. E observaremos que essas priticas sio reguladas Por rituais nos quais tais praticas se inscrevem, no seio da ezisténcia material de um aparelho ideoldgico”. Assim, em cada individuo concreto, essa ideologia € material, “no sentido em que suas idéias sdo seus atos materiais inseridos em prdticas materiais, reguladas por rituais materiais, definidos, por sua vez, pelo apa- relho ideolégico material pertinente as idéias desse su- jeito”. Essa reformulagao da concepgao tradicional da de- fasagem entre as idéias e os atos permite a Althusser formular suas duas teses principais: 1. Néo existe prdtica sendo através de e sob uma ideotogia. 2. Nao existe ideologia sendo através do sujeito € para sujeitos. So essas teses que permitem enunciar a teoria da interpelagdo do sujeito, que é a contribuigéo original de Althusser & teoria da ideologia. 1. A ideologia interpela os individuos como sujei- tos. A tese da interpelacdo do sujeito é uma explicita- go da tiltima.tese acima: a ideologia existe para sujei- 42 tos coneretos, 0 que s6 € possivel através do sujeito, isto 6, da categoria de sujeito, e do modo de funciona: mento dessa categoria. Segundo Althusser, embora 2 categoria de sujeito seja uma‘ categoria filosdfica e po- litica recente, ela pode funcionar como tal no pensa mento antigo ¢ 6 constitutiva de toda ideo! a historia — 0 que significa por fungdo (que a define) “const eretos como sujeitos”. © que significaria esse “constituir” como sujeito — entre aspas? Apds sublinhar 0 fato de que em todo ato conereto da vida, mesmo na leitura de seu texto, ele e © leitor agem como sujeitos, Althusser formula © que poderiamos chamar de “efeito de sujeito” que respon- de a esta questio: “essa ‘evidéncia’ que vocés e eu so mos sujeitos —e que isso no levanta qualquer pro- blema — € um efeito ideoldgico, o efeito ideoldgico ele ideologia tem individuos con. mentar”. A propria evidéncia do efeito de sujeito seria propria da ideologia, fazer com que no se possa deixar de reconhecer alguma coisa. E a fungao ideolégica in- versa e complementar seria 0 desconhecimento, A “constituigéo” do sujeito nao 6, entretanto, um Proceso histérico ou um processo datado na vida de um individuo, somos sempre jd sujeitos, isto ¢, a ca- tegoria do sujeito preexiste a cada individuo concreto e € uma condic&o de sua existéncia social. A conscién- cia de ser sujeito 6 0 reconhecimento da posigso do indi- ‘viduo — como sujeito — nas relagdes sociais, com todos ‘0s desconhecimentos que esse reconhecimento implica. Uma teoria da ideologia em geral, nesse caso, é a tentativa de, “ainda que falando na ideologia e do seio da ideologia (entendamos: da ideologia do sujeito, acrescento eu), esbogar um discurso que tente romper com a ideologia para arriscar-se a ser 0 comeco de um discurso cientifico (sem sujeito) sobre a ideologia”. Primeiro passo: “toda ideologia interpela os indi- viduos concretos como sujeitos coneretos, por meio do funcionamento da categoria de sujeito”. Essa interpe- 43 lag&o se entende no sentido bastante concreto em que se 6 chamado na Tua e se reconhece que “sou eu mes- mo”. E nesse sentido que a ideologia se dirige a sujei- tos, que reconhecem que € a eles mesmos que ela se dirige. Em termos mais gerais, os individuos j4 sio sempre sujeitos, isto é, esto sempre participando de um sistema de referéncias no qual j4 ocupam sempre 0 lugar de sujeito. Nesse sentido, o individuo é abstrato com relacao ao sujeito que ele ja é sempre, isto 6, 0 in- aivuo € apenas a unidade abstrata que ocupa a posi- 44 ocupa na linhagem familiar conereta e no imaginario ‘dos futuros pais. ¥ na andlise da ideologia cristé que Althusser vai Nessa andlise, Althusser demonstra que a mobilizagéo dos sujeitos de £6 86 é possivel com a condicao de exis- téncia de um Outro Sujeito Unico, Absoluto: Deus. Este se define como Sujeito por exceléncia e, seus interlocu- tores, como seus reflexos: um necesita do outro para existir como sujeito. Assim, a estrutura da interpelagdo dos sujeitos é especular, pois supée a existéncia de um sujeito que, 20 mesmo tempo em que sujeita, é a ga- rantia de que os interlocutores sio sujeitos. Essa estrutura teria, assim, quatro efeitos imedia- tos: a) @ interpelacio como sujeito; b) a sujeicio a0 Sujeito; ¢) 0 reconhecimento mriituo e o auto-reconhe- cimento dos sujeitos no Sujeito; e d) a garantia de que © reconhecimento da. propria subjetividade é verda- deiro. Com isso, os sujeitos “funcionam sozinhos” e fica Jegitimada a punicio dos “maus-sujeitos”, isto é, os bons-sujeitos funcionam a base da ideologia: “Eles se inserem nas préticas governadas pelos rituais dos ATE”. Todo o mistério do funcionamento ideoldgico estd, por- 44 tanto, na ambigitidade da categoria de sujeito: “o in- Gividuo ¢ interpelado como sujeito (livre) para que se submeta livremente as ordens do sujeito, portanto, Para que aceite (livremente) sua sujeigéo e, portanto, sua sujeigdo. S6 eristem sujeitos para, e através da wa da ideologia deveria ter sido exposta no principio, pois se tornaria mais técil provar que ela ndo deve nada & “teoria marxista” oficial do Estado, nem mesmo & ciais, o parénteses realmente original que abrira. Esse post-scriptum padece das mosmas dificulda- modo de intervengio na infra-estrutura. A primeira con- siste em fazer uma analogia com a producio e a reali- zago da mais-valia e afirma que os ATE apenas con- tribuem para a reproduc&o das relagées de produgSo, mas a reproducio s6 se realiza no processo de produc3o e de circulacao, 45 augao. Entretanto, a nota de Althusser no a torna mais conereta, pois o que ele-opGe & absiragao de sua for. mula € a formula igualmente abstrata de que o processo de reprodugdo social, no seu conjunto, “permanece abs- trato enquanto no se adota o ponto de vista (da) luta de classes”. Parece mais uma saivaguarda contra qual- quer acusacdo de que suas formulagées esquecem que base é econdmica e de que o principio explicativo fun- damental é a luta de classes. A segunda completa a primeira, trazendo justa- mente & baila o cardter de classe das ideologias. Con. siste em admitir o caréter abstrato da teoria da ideo- logia em geral. As ideologias concretas se realizam (ainda a analogia com a mais-valia) em aparethos de Estado, que “ndo tém sentido sendo do ponto de vista da luta de classes, como aparelho de luta de classe, que garante a opressio de classe e as condigdes da explora- G40 @ de sua reprodugio. Mas no hé luta de classes Sem classes antagOnicas”. Com isso, Althusser chega a inverter a formula conhecida de Marx e Engels de que ndo existem classes sem luta de classes. Assim, tam bém, Althusser reitera sua concepgdo — superada na parte final — de uma ideologia preexistente aos apare- Inos (como as classes ao processo de luta de classes), Pois @ ideologia da classe dominante se torna domi. nante “por meio da instauracio dos ATE onde essa ideo- logia € realizada e se realiza...” Dada a analogia tantas vezes repetida, ndo se pode deixar de pensar na mais valia, que se realiza no processo de circulacdo, mas se produz noutra esfera e, portanto, ja existe material. mente, embora nao como valor monetério. E Althusser © explicita com todas as letras: “A ideologia que uma classe no poder torna dominante em seus ATE ‘realiza- Se’ de fato nesses ATE, mas os transborda, porque vern de outro lugar”. Pode-se pensar que esse outro lugar seja a produ- sao. Althusser nfo o diz claramente, mas adiante pre- isa: “as ideologias nio ‘nascem’ nos AIE, mas das clas- 46 sea otiais @ voltas com a luta de classes: de suas con- Cisgdes de existéncia, de suas praticas, de suas experien cias de Iuta, ote.”. Seria fastidioso comentar, separadamente, cada Wiis dessas afirmacdes e mostrar como sao ineomnpatf, mo, de resto em toda sua teoria orga. ideoldgicos, Althusser se debate son teoeroprio mecanismo ideoldgico fundamental que Sua teoria revela, 0 efeito de sujeito, a7 riais e reconhece 0 individuo como sujeito dessas rela- des (tornadas abstratas e propriedade intrinseca do sujeito). A preexisténcia da ideologia dominante a gias especificas e aos aparelhos ideoldgicos ( sua pratica concreta), a preexisténcia das classes & ideo: logia (isto é, & sua instituicao como sujeito da Iuta de classes — ou da cooperagao entre as classes, no mesmo), a preexisténcia do individuo & do mecanismo ideoldgico, sio efeito de sujeito. Efeito da condensac&o das relagdes em termos que contém as relagdes como propriedade intrinseca sua, efeitos do sujeito institufdo) para a Mecanismos que Althus- causa (a relagao que ins tert Teconhece, ‘mas que sua prética politica de compro. misso — no discuto se justa ou nao na conjuntura — obriga-o a desconhecer, sujeitando-se, portanto, pelo menos em parte, a seus efeitos. Se levasse até a seu termo a contradicao entre re- conhecimento e desconhecimento que percorre o desen: voivimento de sua teoria, 0 conhecimento que disso re- sultaria obrigaria a reconhecer que 0 efeito de sujeito no se “enraiza” na produc&o e na circulacio, mas em toda e qualquer relacdo (material) de sujeigao. Por- tanto, que existem tantos sujeitos quantas sao essas re- lagdes e que a unidade do sujeito é téo problemética quanto @ unidade da “ideologia dominante”. Sua uni- dade, a subjetividade do sujeito, s6 poderia resultar de uma prdtica material de sujeicio especifica e talvez nada tenha a ver com as chamadas ideologias politicas ‘ou, em todo caso, nao se enraize na produgo e na cir- culagéo.. Obrigaria a reconhecer que a reificagdo da catego- ria de classe € um mecanismo ideolégico ¢ faz parte de um processo de sujeicao, da mesma forma que a cate- goria de partido ou de intelectual coletivo enquanto su 48 jeito da classe e, mais importante ainda, a categoria de Sujeito da Historia. Obrigaria a reconhecer gue o marxismo como cién- cia, isto €, como discuirso sem sujeito, sem princfpios nem fins, ¢ incompativel nao sé com a galeria de madr- tires e Pais da Igreja em que se transformou sua his- toria, mas também com sua entronizagéo como sujeito da consciéneia revoluciondria do proletariado. T. ApOs determinar os quatro mecanis- mos da interpelagio do sujeito, Althusser afirma que so eles que fazem com que os bons fos (bons sti- ditos) “funcionem por si sds”, isto é, funcionem & base da ideologia, sem precisarem da intervenc&o do Aparelho Repressivo do Estado, na medida em que “se inserem nas praticas governadas pelos rituais dos ATE”. Ora, 0 que move o individuo — por si sé — nao é @ ideologia em geral, mas as ideologias (préticas) con. cretas. Portanto, 0 que importa é conhecer os mecanis- mos concretos das ideologias particulares, inscritas em praticas especificas e em instituigdes concretas. Entre- tanto, como a concretude das ideologias e sua historici- dade nao provém da ideologia em geral, que.é abstrata © no tem histéria, teremos que admitir que néo é 0 quédruplo mecanismo da interpelacaio que faz com que 08 individuos concretos “funcionem por si s6s” ou, en- tdo, que esses mecanismos — abstratos e eternos — se originem na produgo e na circulaco. Ou, 0 que é mais coerente, abandonar a idéia de que se trata da ideolo. gia em geral e tentar completar a andlise dos mecanis- mos coneretos de sujei¢éo em cada pratica e em cada Marx diria que a anatomia do homem fornece a chave para a anatomia do macaco e que é @ andlise do 49 modo de produgéo capitalista que fornece a chave para 2 teoria (abstrata) da produgdo em geral. Ora, 6 isso 0 ie Althusser faz, mas ndo é 0 que ele diz. De fato, Al- thusser manifestamente analisa os mecanismos ideold- gicos a partir da pratica ideoldgica concreta em socie- dades atuais — embora nem sempre set quadro de re- feréncia permaneca concreto e fixo — mas atribui esses mecanismos & ideologia em geral. No préprio texto de Althusser, hé indicagées que, combinadas com a interpretacdo que dei do efeito de sujeito, permitem superar essa contradicéo. Althusser afirma primeiro que 0 efeito ideolégico elementar € 0 reconhecimento da evidéncia de que somos sujeitos. E acrescenta na frase seguinte: “i prdprio da ideologia, efetivamente, impor (sem o parecer, pois se trata de ‘evidéncias’) as evidéncias como evidéncias que ndo po- demos deixar de reconhecer”. Temos ai dois efeitos ideolégicos, um chamado de elementar e outro de proprio. Entretanto, um é sem du- vida mais geral, pois a ideologia ndo reconhece apenas a evidéncia do efeito de sujeito que, portanto, é um efeito especifico. O que quero dizer 6 que os mecanismos da ideologia em geral sio os mecanismos de reconheci mento e desconhecimento que chamei de condensagio e deslocamento dos processos materiais em entidades imaginérias. Os mecanismos que instituem essas enti- dades imagindrias em individuos, sujeitos, ete., pode- riam ser mecanismos especificos ¢ histdricos. Isso nos leva & titima observacao que 6 justamente sobre 0 cardter omni-histérico da categoria de sujeito. Que razdo tem Althusser, que analisa apenas os meca- nismos religiosos do catolicismo moderno, para afirmar a atemporalidade dessa categoria, além de vagas alu- s6es suas denominagées diferentes em Plato? Ne- nhuma. Ao contrério, Foucault parece estar demons- trando em suas pesquisas histéricas que, como afirmei em outro lugar, “esse interior dos homens, esse centro 50 inatingivel e obscuro onde se encontra a sua verdade, seu passado e seu futuro, e a origem de sua agdo, em suma essa alma laicizada do pensamento ocidental — 0 Sujeito — existe de fato. Mas nio se trata de uma su- posta natureza humana que as ciéncias desvendam pouco a pouco. O Sujeito é o resultado de uma estraté- gia de poder que vigia e ordena os corpos através do aprisionamento e da domesticacdo das almas”, Se isso é verdade, nao s6 a categoria do sujeito se- ria histérica, como também seria algo mats do que uma categoria do discurso, mas um aispositivo pratico, ideo- logico e néo-ideoldgico, cujo efeito no € 86 a sujei¢io no plano ideoldgico, mas também a subordinagio no plano das relagdes materiais, subordinagao que € con- digo de reprodugéo da produgio econémica 51 APARELHOS IDEOLOGICOS DE ESTADO Traducgéo de ‘Maria LAURA VIVEIROS DE CASTRO Sobre a Reprodugio das Condigdes de Prédugio Impéese que tratemos de uma questo apenas es- L =n 7 | air as condigdes préexistentes de produgdo) ou “am: pliada” (quando as amplia). Deixemos, por hora, esta distingao de lado: O que € ent&o a Reprodugio das CondigSes de Pro. dugao? t Penetramos aqui num dominio 20 mesmo tempo | bastante familiar, desde o Livro II do Capital, e singu- 1.0 texto a ser lido se constitui de dois trechos de um estudo | ainda em curso. © autor fez questo de entitulé-los Notes para, uma introdugdo & discussao, 2 Carta @ Kugelmann, 11-1-1868 (Cartas sobre 0 Capital, Ed So iales, p. 229). 33 larmente desconhecido. As evidéncias tenazes (evidér. | clas ideoldgicas de cardter empirista) do ponto de vista _ (a mera produgéo € da simples prética produtiva (abs. ; trata em si mesma com relacao a0 processo de produ. | 0), 80 incorporam de tal forma & nossa consciéncia | ‘Segue-se que toda formscao social para existir, a0 © Tegamo tempo que produz, e para poder produzir, deve | teproduzir as condig6es de sua produgao. Ela’ deve, | portanto, reproduzir: 1) as foreas produtivas 2) as relagdes de producéo existentes A Reprodugéo dos Meios de Producio Todo mundo reconhece (mesmo os economistas | burgueses que cuidam da contabilidade nacional e os | modernos tedricos “macro-economistas”), uma Qualquer economista, que nisto néo se distingue de qualquer capitalista, sabe que 6 preciso anuaimente prover 2 reposicéo do que se esgota ou se utiliza na Producao: matériaprima, instalagées fixas (constr, 54 Para pensar este mecanismo que constitui uma os: écie de “tio sem tim” i rs Nao penetraremos na andlise desta questo, Rasta- pos Qaver mencionado a existéncia da nevessidade ty "eProdugio das eondigdes materiais da producso. 5S Reprodugio da forea de trabalho nio esté apenas determinada pelas necessidades de um SMLG. “biolégico”, mas também por um minimo | histérico (Marx assinalava: os operdrios ingleses preci- Pre | sam de cerveja e os operdrios franceses de vinho) e, Se a observagio do que ocorre na empresa, espe _ cialmente o exame da prética financeira contébil das | previs6es de amortizaggo-inversao, pode dar-nos uma salério representa apenas a parte do valor produzido pelo gasto da forca de trabalho, indispensdvel para sua Teprodugéo, quer dizer, indispensavel para @ Teconsti-, capitatista? Ao contrério do que ocorria nas formagées tuigdo da forca de trabalho do assalariado (para a ha- bitacdo, vestuatio e alimentacdo, em suma, pra que ele esteja em condigbes de tornar a se apresentar na ma- nha seguinte — e todas as santas manhs — ao guiché da empresa); e acrescentemos: indispensavel para a cria- Gao e educagéo das criangas nas quais 0 proletariado se reproduz (em X unidades: podendo X ser igual @ 0,1,2, ete...) como forea do trabalho. Lembremos que esta quantidade de valor (0 salé- rio) necessério para a reprodugSo da forga de trabalho 2, Marx elsborou © conesito eientition desta nogio: capital ve 56 | portanto, historicamente varidvel. |g @tigéncias da divisdo socialtéenica do trabalho, nos No entanto é assim que ele “atua”, uma vez que 0 seus diferentes “cargos” e “empregos”. Ora, vejamos, como se da esta reprodugéo da qua- lificagao (diversificada) da forga de trabalho no regime Ora, o que se aprende na escola? # possivel chegar- se a um ponto mais ou menos avancado nos estudos ou “literéria” diretamente utilizaveis nos diferentes pos- 37 uma outra para os técnicos, uma terceira para os enge. dominate (seus “funciondrios”) etc... nheiros, uma Ultima para os quadros superiores, etc. - Df ‘A reprodugéo da forga de trabalho evidencia, como Aprende-se 0 “know-how”. condig&o sine quae non, nio somente a reprodugio de | sua “qualificagso” mas’ também a reprodugio de sua nical s Sonhecimentor, aprendsmse na escola as "we. | SubmISSEO A ideologia dominante, ou da “prética” desta gras” do bom comportamento, isto ¢ as conveniéncias _ ‘deologia, devendo ficar claro que néo basta dizer: “no que devem ser observadias por todo Ne ee a do trabalho conforme o posto que ele esteja “ stinado” 8 ocupar; a6 regras de moral de consciéncia civica e formas de submisséo ideoldgica. profissional, 0 que na realidade sao regras de respeito * Com o © que reconhecemos @ presenga de uma nova a diviséo socialiéenica do trabalho e, em definitivo, re | realidad: a ideologia. gras da o1 ordem estabelecida pela domingo de classe. "ie ae He He 5 Aprendese também a “falar bem o idioma”, a “redigir i Faremos aqui duas observagdes: bem”, 0 que na verdade significa (para 8 3s ruts 8 capi: | A primeira serviré ira completar nossa and- talistas ® seus servidores) saber “dar ordens”, isto €,| tise da Teproducéo, = (solu ideal) ditigirse adequadamente aos operdtios | meal Acabamos de estudar rapidamente as formas da | reproducéo das forcas produtivas, ou seja, dos melos Porém nfo abordamos ainda a questéo da repro- lagdes de produgao. Este é um problema tugd i y séo 4s normas da ordem vigente, isto uma 7 nn @icee Sec eee crucial gia Pier eyes ater Norman Por parte dos operdrios e uma reprodugdo-da capaci; ‘eixissemos no siléncio cometeriamos uma omissio dade de perfeito dominio da ideologia dominante por} ‘6rica — pior, um grave erro politico. parte dos agentes da exploragao e repressio, de modo ‘Trataremos portanto desta questo. Mas para ob- @ que eles assegurem também “pela palavra” 0 predo- termos os meios de fazé-lo, temos que e novamente dar minio da classe dominante. Em outras palavras, a escola (mas também outras | A segunda observacdo é que para dar esta volta so- instituigdes do Estado, como a Igreja e outros apare- | mos obrigados a recolocar nossa velha questo: o que Thos como o Exército) ensina o “know-how” mas sob | 6 uma sociedade? formas que asseguram a submisso & ideologia domi. ante ou o dominio de sua “pritica”. Todos os agentes | (Marx) devem de uma eerste oe en ia ie ee |, ames, oportunidad instr sre o para desempenhar “conscensiosamente” suas tarefas, seja a de explorados (os operarios), seja # de explora. ores (captisistes), seja ade ausilgres na exploragac | 4 Bm Pour Marz ¢ Lire le Capital, Maspero, 1965. 38 39 reettisantduilo em que ela se distingue da “totalidade” dentemente af naan hegeliana. Dissemos, (e esta tese apenas repetia oéle. | Que tipo de ineheecs POT diferentes indices de eficécia. Eira ot Sire gumerestrutura, que compreende dois} 9 so enquesm determinados pela base. © Estado) e a ideoldgica (as distintas ideologias, teh. | Seu indice de eticicia (ou de determinacéo), en- guamto eterminado pela determinaeao em ultima’ ins- 7 : 7 base, € pensado pela tradicéo marxista sob Alem de seu interesse te6rico-pedagégico (que =| Guas formas: 1) a existéncia de uma “autonvenia ree g & < 5 e 8 z : 3 {a @ diferenca entre Marx e Hegel), esta representagao Senciais 0 que denominamos seu indice de eficdcia res. I primeiro representar a “determinacdo em ultima ins. : tancia” pela base econémica. Esta metdfora espacial | fast ani oe ‘om Tepresentacso da oa fultado dotar a base de um fndice} trutura de toda ledade pela metéfora espacial de otieang, mo Fesultado dotar a base sre | editicio esta evidentemente no fato de ser ela metaf6. $a? om ultima instancia do que ocorre nos “andares” | Tica: isto 6, de permanecer descrrefca da superestrutura pelo que ocorre na base econémica. } Parecenos desejével e possivel representar as cok A partir deste indice de eficdcia “em ultima instin- | sas de outra maneira, ia”, os “andares” da superestrutura encontram-se evi | f Que sejamos bem entendidos; nao recusamos em sbsoluto a metéfora clissica, jd que ela mesma nec Pensamos que é a partir da reprodugio que é pos | sil ¢ nocersio pensar 0 que cafscares Ge aes avontecimentos”; e, actma deste conjunto, o Chete de Garee rancia ¢ naturesa da superestrutura, Basta colo- Estado, 0 Governo'e a Administragao. carse No ponto de vista da reprodueio para que se es. | sais nica a extents tom darieer reese | Denture estado toca 0. essencial, © nio se trata por ceitual. 5 P 0 | de execucko e de intervencéo repressiva ‘a servico ase Sustentamos como tese fundamental que somente | n é possivel levantar estas questées (e portanto respon. | Classes dominantes”, na luta de classes da burguesia e délas) a partir do ponto de vista da reprodugao. | seus aliados contra o Droletariado é 0 Estado, e define Analisaremos brevemente o Direito, 0 Estado e a Moologia a partir deste ponto de vista. E mostraremos 80 mestho tompo Frodugao pos wearily G0 ponto de a Teoria Descritiva a Teoria Propriamente Dita Yste da prética © da producéo por um lado, e da repro. dugSo por outro. . No entanto, como 0 assinalamos na metéfora do | Qditfcio (intraestrutura e superestrutura) também ee | ®btesentacao da natureza do Estado permanece decors © Estado | tiva em parte, AA tradicéo marxista ¢ formal: desde o Manifesto e Como usaremos constantemente este adjetivo (des- ic critivo) torna-se necesséria uma explicagdo que slintes qualquer equivoco, | i i iu Submetéla ao processo de extorséo da maisvalia (quer cientificos no podem deixar de passar pela etapa que dizer, & exploragdo coniiainn’s 2 Sromamos uma “teoria” descritiva, ota serine We Falta etapa de toda teoria, ao menos no campo de cht Hela © seus Sreios auliares so “ultrapassados pelos | Stora “eemeeo Sem retorno da teoria, porém, 2) que Pa L 8 10 etelte mesmo desia “‘contradicao”, um desenvolvi- Inento da teoria que supere a forma da “descricao”, Precisemos nosso pensamento voltando ao nosso objeto presente: o Estado. plo) o que Lénin chamou depois de Marx de ditadura da burguesia. Entretanto, a teoria descritiva do Estado represen ta uma etapa da constituicéo da teoria, que exige el mesma 8 “superacao” desta etapa. Portanto esté claro que se a definigio em questéo nos fornece os meios | Dara identificar e reconhecer os fatos opressivos e arti. culé-los com 0 Estado concebido como aparelho repres sivo de Estado, esta “articulacéo” d4 lugar a um tipo de evidéncia muito especial, a que teremos oportuni. dade de nos referir mais adiante: “Sim, é assim, esta 64 Beitr’ E & seumulacio de fatos a detinicéo do Gsiado, ainda que multiplique sua iustragio, tao 12° Savane sta definicéo avance, néo permite realmente Sans? da teoria cientifica do Estado. Toda teoria de indieegerre, © Fisco de “bloquear” o desenvolvimento indispensavel da teoria. Jers acreditamos que, para desenvolver a teo- tla descritiva em ‘ar algo & defi- de Estado. Sabemos que o aparelho de Estado pode pérmane- SEz GE PE, Como o demonstram as “revolugses” burgue 5 oo, Sécullo XIX na Franea (1830, 1848), os golpes de estado (2 de dezer Mesmo depois de uma revolucéo social como a de 1917, grande parte do apareiho de Estado permancas 6 Ver mais adiante: Acerea da ideclogia letariado e do campesinato pobre: Lénin o repetiti imi. meras vezes, Pode-se dizer que esta distingdo entre poder de Es- tado e apareiho de Estado faz parte da “teoria marxis- ta” do Estado de maneira explicita depois do 18 Bru. | mario e das lutas de classes na Franca, de Marx. Resumindo este aspecto da “teoria marxista do Es- tado”, podemos dizer que os cléssicos do marxismo sempre afirmaram que: 1) o Estado é 0 aparelho repres- | sivo do Estado; 2) devese distinguir 0 poder de estado do aparelho de Estado; 3) 0 objetivo da Iuta de classes diz respeito ao poder de Estado ¢ consequentemente 2 utilizagao do aparelho de Estado pelas classes (ou lian gas de classes ou fragdes de classes) que detém o poder de Estado em fungdo de seus objetivos de classe e 4) 0 proletariado deve tomar o poder do Estado para des. truir o aparelho burgués existente, substituflo em uma | primeira etapa por um aparelho de Estado completa: | mente diferente, proletdrio, e elaborar nas etapas pos teriores um processo radical, o da destruigao do Estado (fim do poder do Estado e de todo aparelho de Estado). t de pé quando da tomada do poder pela alianga do pro. | i i i k i Assim, deste ponto de vista, o que proporia que se | acrescente & “teoria marxista” do Estado jé esté com | tido nela com todas as letras. Porém parece-nos que } esta teoria completada desta forma permanece ainda | em parte descritiva, se bem que j4 contenha elementos | complexos ¢ diferenciados cujas regras e funcionamen. | to nao podem ser compreendidos sem o recurso a um | aprofundamento tedrico suplementar. ; \ Os Aparelhos Ideolégicos do Estado Estado 6, entio, outra coisa. : Devemos avancar com prudéncia num campo em | que os classicos do marxismo nos precederam ha muito, | mas sem ter sistematizado sob uma forma tedrica os | avangos decisivos que suas éxperiéncias e procedimen. | 66 os implicam. Com efeito, suas experiéncias ¢ , procedi- politigg, Pe*™aneceram sobretudo no campo da peste, Na verdade, os clissicos do marxis ca politica, trataram do Bstado como one roe Xists deplexa do que a da definigéo da “teoria nate 3o'g, 20 Estado”, mesmo completado como saben de fazer. Eles perceveram esta complexidade on es prética, Porém no a exprimiram nuina teoria concn Gostariamos de esbocar muito e i squematicamente essa teoria correspondente. Com est eee Ondente. Com este objetivo propo. Para taser svancar a tora do-Eatado ¢ UfSen sével ter em conta nao somente a distingae eat poder de Estado e aparelno de Estado, mas tamibene outra realldade Beag® Manifesta junto’ ao aparelho (repres- Charms gstado, mas que néo se confunde com ole, hamaremos esta realidade pelo seu concelto: oe apa: relhos ideolégicos do Estado. | 0 que so 0s Aparethos Ideolégicos do Estado (AE)? Eles no se confundem com 0 aparelho (rej do Estado. Lembremos que, na teoria Tiarxlsta, 0 ape Tito, Ge Bstado (AE) compreende: 0 governe a aan & repressio administrativa, por exemplo, pode revsstir. se de formas nao fisicas) AIE religiosos (o sistema das diferentes Igrejas) AIE escolar (o sistema das diferentes “escolas” pu: Dlicas e privadas) AIE familiar * ATE juri AIE politico ( sistema politico, os diferentes Par. tidos) AIE sindical AIE de informagao (a imprensa, o rddio, a televi- sho, etc...) AIE cultural (Letras, Belas Artes, esportes, ete... ) Nos afirmamos: os AIE ndo se confundem com o Aparelho (repressivo) de Estado. Em que consiste a diferenca? 514, familia desempenha claramente outras “fungées” que a de AXE, Ula intervém na reproducdo da forga de trabelhe: Bia ‘Gependendo dos modos de producio, unidade de producio © cow uumidade de consumo. 8.0 jDitelto” pertence so mesmo tempo ao Aparelho (repress: vo! do Estado e ao sistema dos ALE 68. Num segundo momento, podemos constatar que fede tO ae © Aparelho (repressivo) do Bstado, un Acado, ertence inteiramente ao dominio publico. » Ralcr parte dos Aparelhos Ideoldgicos do Estado ter, Toa Tente dispersao) remete ao dominio privado Ac perelas, os Partidos, os Sindicatos, as familias, algu- pais Gq olas: @ maioria dos jornais, ‘as empresas cult Tais ete, etc, séo privadas. 69. Podemos precisar, retifi mos, com efeito, que todo repressivo ou, ideolégico, ‘iona” tanto através da Seaia, aPesar da sua diversidade e contradigoes, Sab violéncia como atraves logia, mas com uma dife- go1deologia dominante, que é a ideologie ds elssce renga muito importante, que impede que se confundam dominante”. Se consideramos que por principio a “clas. os Aparelhos Ideolégicos do Estado com o Aparelho Sptominante” detém 0 poder do stado (de torn (repressivo) do Estado. Ciara Ou, mais frequentemente por aliangas de cincee E uate fragbes de classes) e que dispdo portant we © aparelho (repressivo) do Estado funciona predo. Aparelho (repressivo) do Estado, podemos admitir que minantemente através da represso (inclusive a Misica) § facotem’ classe dominante seja ativa nos Aparelios & Secundariamente através da ideologia. (Nio existe Hdeolégicds do Estado. Bem entendido, agir por leis e aparelho unicamente repressivo). Exemplos: 0 Exército Gecretos no Aparelho (repressivo) do Estado 6 watre € 2 Policia funcionam também através de ideologia, Goisa que agir através da ideologia dominante woe {anto para garantir sua prdpria coeséo e reprodugao, Aparelhos Tdeoidgicos do Estado. Seria preciso devalnes como para divulgar os “valores” por eles ‘propostos. Ssit Giferenca, — que no entanto nao deve encobrir a ‘Da mesma forma, mas inversamente, devemos dizer Que os Aparelhos Ideol6gicos do Estado funcionam prin. - cipalmente através da ideologia, e secundariamente der do Estado sem exercer ao mesmo tempo sua hege- através da represséo seja ela bastante atenuada, dissi. ee a Oore & nos Aparethos Ideoldgicos do Estaso, mulada, ou mesmo simbdlica. (Nao existe aparelho pu- Tamente ideolégico), Desta forma, gundo a qual trata-se ou do Aparelho (repressive) do Ge formas encarnicadas da Estado ou dos Aparelhos Ideoldgicos do Estado, per. poder egClasses. A classe (ou alianga de classes) Sh mite compreender que constantemente tecem-se” sutis Rossen (tits 0 facilmente a lei nos AIE como no combinacoes tacitas ou explicitas entre o jogo do Apa- aparelho (repressivo) do Estado, nao somente porque relho (repressivo) do Estado e 0 jogo das Aparelhos as antigas classes dominantes podem conserva, durante Hdeol6gicos do Estado? A vida cotidiana oferece-nos resist ibO fortes posicées naqueles, mas porque intimeros exemplos, que todavia devemos estudar de. resisténcia das classes exploradas pode encontrar 0 meio talhadamente para superarmos esta simples observagiio, © @ ocasiao de expressar-se neles, utilizando as contra- Esta observagio nos possibilita compreender o que Gonstitul a unidade do corpo aparentemente disperso 0 dos ATE. Se os AIE “tuncionam” predominantemente asians ete at ‘ae Senin oS ea Ertan sou através da ideologia, o que unifica a sua diversidade tracasso ("Le chemin parcouru) Li a Globes existentes ou conquistando pela luta posigbes de ‘combate 10 bs, Concluamos nossas observagces, Se a tese que propusemos tem fundamento, volta. gs: Precisando-a quanto a uma questao, & teoria mar. gue tepresentam 0 corpo dos Aparelhos Ideolégicos do Estado. Mas, se € assim, néo podemos deixer de colocar a Seguinte questéo, mesmo no estado bastante sumarto Ge mnossas indicacdes: qual 6 exatamente 0 papel doc ge sua importéncia? Em outras palavras: a que on. responde a “fungdo” destes Aparelhos Ideolégicos do Lois O que, em breves palavras, se dis aqut acerca da luta de Glasses no AIE ao pretends wisentena Sen 2 lata e uta ‘do. classes. Fara tratar desta questio, devese ter presente dots prim cfios ; i : ' i i ° 2 Estado, que nao funcionam através da Tepressio, mas da ideologia? Sobre a reproducao das relagées de producio gademos entéo responder & nossa questiio central, qurada a wo, SUsPensO Dor tanto tempor como Ce furada @ Teprodugdo das relagdes de producae? Na linguagem metaférica do tépico Infraestrutura, Superestrutura) diremos: ela é em. grarac parte 3, Tose 8 Pela superestrutura juridico-polttiea: ideo. logica, Pressivo) do Estado, por um. \6gicos do Estado por outro Reunimos © que foi dito anteriormente nos trés Pontos seguintes: fis 1040S 95 aparethos do Estado funcionam ora através da represséo, diferenca, de que o 2." AO passo que o Apareliy tado constitui um tod Ronentes estio centi sao, a da politica depresentantes politicos das classes dominantes, que detém 0 poder do Estado, — os Aparclion Ideoldgicos do Estado sio multiplos, ‘distintos’c relativamente au- gas, ora mais amplas, os efeitos dos choques entre’ a luta das classes capitalista e proletdria, assim como de suas formas subordinadas. 3. sqrhauanto que a unidade do Aparetho (repres- Tendo em conta estas caracteristicas, podemos nos de ceeenlar @ Teproducio das relagées de produgio 1 seguinte maneira, segundo uma espécie de “divisio do trabatho”: © papel do aparelho repressive do Estado consiste essencialmente, como aparelho repressivo, em garantir Pela fora (fisica ou no) as -condigées’ politicas da ste.) as condigées politicas do exercicio dos Aparelhos Ideoldgicos do Estado. 12 No que diz respeito & parte da rod assegurada Aparelno repressive do Entado © os Aparcinos mete 74 monia” (por vezes tensa) entre o aparelho repressivo do Estado e os Aparelhos Ideologicos do Estado e entre 0s diferentes Aparelhos Ideoldgicos do Estado é asse gurada. Somos levados a formular a hipétese seguinte, em fungio mesmo da diversidade dos aparelhos ideoldgicos do Estado em seu papel tinico, pois que comum, de re producao das relagdes de producao. Enumeramos, nas formagoes sociais capitalistas contemporaneas um mimero relativamente elevado de aparelhos ideolégicos do Estado: o aparelho escolar, 0 aparelho religioso, o aparelho familiar, o aparetho poli- tico, 0 aparelho sindical, o aparelho de informacio, 0 aparelho cultural etc gico do Estado “pré-sindical”, se podemos arriscar esta expresso necessariamente anacrénica (as poderosas 7s confrarias dos mercadores, dos banqueiros, as associa: ges dos empregados etc.) Até a Edicao e a Informacao conheceram incontestavel desenvolvimento, bem como 08 espetéculos, inicialmente integrados 4 Igreja, depois cada vez mais independentes dela. No periodo histérico pré-capitalista que examinamos sumariamente, é evidente que havia um aparelho ideo- logico de Estado dominante, a Igreja, que reunia nao 56 as fungées religiosas, mas também as escolares, e uma boa parcela das fungdes de informacéo e de “cultura” Néo foi por acaso que toda a Iuta ideolégica do século XVI ao XVIII, desde o primeiro abalo da Reforma, se concentrou numa luta anticlerical e anti-religiosa, foi em fungao mesmo da posi¢éo dominante do aparelho ideo- l6gico do Estado religioso. ‘A Revolugo francesa teve, antes de mais nada, como objetivo e resultado nao apenas a transferéncia do poder do Estado da aristocracia feudal para a bur- Suesia capitalista-comercial, a quebra parcial do antigo aparelho repressivo do Estado e sua substituicio por um novo (ex. 0 Exército nacional popular), — mas 0 ataque ao aparelho ideoldgico do Estado Igreja. Dai a constituigo civil do clero, a confiscacao dos bens da Igreja, e a criag3o de novos aparelhos ideolégicos do Estado para substituir 0 aparelho ideolégico do Es- tado religioso em seu papel dominante. Naturalmente as coisas néo caminharam por si sés: como exemnplo temos 0 concordat, a Restauracio, e a lon- ge lute de classe entre a Aristocracia fundidria e 2 Durguesia industrial durante todo século XIX, para o estabelecimento da hegemonia burguesa nas’ fungdes anteriormente preenchidas pela Tgreja: antes de mais nada pela Escola. Podese dizer que a burguesia se apoiou no novo aparelho ideoldgico de Estado politico, democrético-parlamentar, estabelecido nos primeiros anos da Revolugio, restaurado, ap6s longas e violentas lutas, por alguns meses em 1848, e durante dezonas de ‘anos apds a queda do Segundo Império, para combater 8 Igreja e apossar-se de suas fungGes ideoldgicas, em suma para assegurar no s6 sua hegemonia politica, 16 mas também a sua hegemonia ideoldgica, indispens4 vel & reprodugao das relagdes de produgio capitalistas. Acreditamos portanto poder apresentar a Tese se guinte, com todos os riscos que isto comporta. Afirma- mos que 0 aparelho ideolégico de Estado que assumiu a posigo dominante nas formagées capitalistas madu- ras, apés uma violenta luta de classe politica e ideold- gica contra o antigo aparelho ideoldgico do Estado do- minante, € 0 apareiho ideoldgico escolar. Esta tese pode soar paradoxal se para todo mundo, isto é, se na representagao ideoldgica que a burguesia faz de si mesma para si mesma e para as classes explo: radas, n&o parece ser @ escola o aparelho ideolégico de Estado dominante nas formacées sociais capitalistas sim 0 aparetho ideolgico de Estado politico, ou seja © regime de democracia parlamentar orfundo do sufré glo universal e das iutas partidarias. No entanto a histéria, mesmo recente, demonstra que a burguesia péde e pode muito bem acomodar-se a aparelhos ideoldgicos de Estado politicos distintos da democracia parlamentar: o Império, ne 1 oun? 2, a Monarquia constitucional (Luiz XVIII, Carlo X), a Mo- narquia parlamentar (Luis Felipe), a democracia presi dencial (de Gaulle), para mencionar apenas a Franga. Na Inglaterra as coisas sio ainda mais explicitas. La a revo- luego fol particularmente bem sucedida do ponto de vista burgué vez que contrariamente & Franca, onde a burguesia, por estreiteza da pequena nobreza, foi obrigada a aceitar chegar a0 poder pelas “jornadas revolucionérias”, camponesas e plebétas, que Ihe custa- ram terrivelmente caro, a burguesia inglesa pode “‘com- por com a Aristocracia, e “partilhar” com ela o poder e © Estado e a utilizacio do aparelho do Estado durante muito tempo (paz entre todos os homens de boa von- tade das classes dominantes!). Na Alemanha as coisas séo mais surpreendentes ainda — foi sob o aparelho ideolégico de Estado politico, aonde os Junkers impe- riais (simbolo Bismark), seu exéreito e sua policia Ihe serviam de escudo e de pessoal dirigente, que a bur. guesia imperialista entrou estrondosamente na historia 1 antes de “atravessar” a Republica de Weimar e de en- tregar-se a0 nazismo. Acreditamos portanto ter boas razdes para afirmar que, por trés dos jogos de seu Aparelho Ideolégico de Estado politico, que ocupava o primeiro plano do pal- co, a burguesia estabeleceu como seu aparelho ideold- gico de Estado n« 1, e portanto dominante, o aparelho escolar, que, na realidade, substitui o antigo aparelho ideol6gico de Estado dominante, a Igreja, em suas fun- ges, Podemos acrescentar: 0 par EscolaFamilia subs- titui o par Igreja-Familia Por que 0 aparelho escolar € 0 aparelho ideolégico de Estado dominante nas formagées sociais capitalistas e como funciona? No momento 6 suficiente responder: 1 — Todos os aparethos ideologicos de Estado, quaisquer que sejam, concorrem para o mesmo fim: Teproducao das relagdes de producio, isto €, das rela 6es de exploracao capitalists. 2 — Caga um deles concorre para este fim nico na maneira que Ihe é propria. O metendo os indi macdo despejando pela imprensa, pelo radio, pela tele viséo doses didrias de nacionalismo, chauvinismo, libe- ralismo, moralismo, etc. O mesmo ocorre com 0 apare- Tho cultural (o papel do esporte no chauvinismo é de primeira importancia), ete. O aparelho religioso lem brando nos sermdes e'em outras ceriménias do Nasci. mento, do Casamento e da Morte que 0 homem ¢ cinza © sempre o sera, a ndo ser que ame seu irmAo a0 ponto de dar a outra face aquele que primeiro a esbofetear. © aparelho familiar.” Ndo insistamos. 3 — Este concerto ¢ regido por uma unica parti: ‘ura, por vezes perturbada por contradigdes (as do res- ‘ante das antigas classes dominantes, as dos proletarios © suas organizagdes). a Ideologia da classe atualmente Sominante, que inclui em sua Tmisiea oS grandes LeMas Ww | i i i i | do Humanismo dos Grandes Ancestrais, que realiza- ram, antes do Cristianismo, o Milagre grego, e depois a Grandeza de Roma, a Cidade eterna, e os temas do interesse, particular e geral etc. Nacionslismo, moralis- mo e economismo. 4 — Portanto, neste concerto, um aparelho 1deo16- Bico do Estado desempenha o papel dominante, muito embora nfo escutemos sua musica a tal ponto ela é silenciosa! Trata-se da Escola. Ela se encarrega das criingas de todas as classes sociais desde 0 Maternal, e desde o Maternal ela lhes in- culea, durante anos, precisamente durante aqueles em que a crianga é mais “vulneravel”, espremida entre o aparelho de Estado familiar e o aparelho de Estado es- colar, os saberes contidos na ideologia dominante (0 francés, 0 calculo, a historia natural, as ciéncias, a lite ratura), ou simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral, educagao civica, filosofia). Por vol- ta do 16° ano, uma enorme massa de criangas entra “na produgdo”: sio os operarios ou os pequenos cam- poneses. Ui tra parte da juventude escolarizvel Prossegue: e, seja como for, caminha para os cargos dos Pequenos e médios quadros, empregados, funcio- narios Dequenos e médios, pequenos burgueses de todo tipo. Uma tiltima parcela chega ao final do percurso, se- ja para cair num semi-desemprego intelectual, seja Tornecer além dos “intelectuais do trabalhador vo”, os agentes da exploracdo (capitalistas, gerent os agentes da repressio (militares, pol administradores) e os profissionais da id gia (padres de toda espécie, que em sua maioria so “leigos” con- vietos). Cada grupo dispoe da ideologia que convém 20 pa- pel que ele deve preencher na sociedade de classe: gir-se aos operdrios: as “relacdes humanas”), de agen. tes da repressio (saber comandar, fazer-se’ obedecer “sem. discusséo”, ou saber manipular a demagogia da retérica dos dirigentes politicos), ou de profissionais 9 da ideologia (saber tratar as consciéncias com o res- peito, ou seja, o desprezo, a chantagem, a demagogia que convém, com as énfases na Moral, na Virtude, na “Transcendéncia", na Nagao, no papel da Franga no Mundo, ete.). Certamente muitas destas Virtudes (modéstia, resig- nagao, submissio de uma parte, cinismo, desprezo, se- guranga, altivez, grandeza, o falar bem, habilidade) se aprendem também nas Fatnilias, na Igreja, no Exército, nos Belos Livros, nos filmes, e mesmo nos estadios, Forém nenhum aparelho ideolégico do Estado dispée durante tantos anos da audiéncia obrigatéria (e por menos que isso signifique, gratuita...), § a 6 dias num total de 7, numa média de 8 horas por dia, da totali- dade das criangas da formagao social capitalista. 2 pela aprendizagem de alguns saberes contidos na inculcagao macica da ideologia da classe dominante que, em grande parte, sio reproduzidas as relagdes de pro. dugo de uma formagao social capitalista, ou seja, as rados a exploradores. Os mecanismos que produzem esse resultado vital para o regime capitalista sio natu- talmente encobertos e dissimulados or uma ideologia da Escola universalmente aceita, que é uma das formas essenciais da ideologia burguesa dominante: uma ideo. Jogia que representa a Escola como neutra, desprovida de ideologia (uma vez que leiga), aonde os profes- sores, respeitosos da “consciéncia” e da “liberdade” das criancas que Ihes séo confiadas {com toda confian- ga) pelos “pais” (que por sua vez séo também livres, is €, proprietarios de seus filhos), conduzem-nas & liberdade, 2 moralidade, & responsabilidade adulta pelo ‘seu exemplo, conhecimentos, literatura e virtudes “liber. tarias”. Peco desculpas aos professores que, em condigoes assustadoras, tentam voltar contra a ideologia, contra © sistema e contra as priticas que os aprisionam, as poucas armas que podem encontrar na historia e no saber que “ensinam”. Sio uma espécie de herdis. Mas eles sio raros, e muitos (a maioria) nao tém ner um Principio de suspeita do “trabalho” que o sistema (que 80 sinter 0s ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, ou, 0 que é pior, pdem todo seu empenho e engenhosidade em fazélo de acordo com a ultima orientagdo (os famosos métodos novos!). Eles questionam tao pouco que con- tribuem, pelo seu devotamento mesmo, para manter e alimentar esta representagao ideoidgica da escola, que faz da Escola hoje algo téo “natural” e indispensével, e benfazeja a nossos ‘contemporaneos como a Igreja era “natural”, indispensavel e generosa para nossos an- cestrais de alguns séculos atrés, De fato, a Igreja foi substituida pela Escola em seu papel de Aparelo Ideolégico de Estado dominante. Ela forma com a Familia um par, assim como outrora a Igreja o era. Podemos entao afirmar que a crise, de profundidade sem precedentes, que abala por todo 0 mundo 0 sistema escolar de tantos Estados, geralmente acompanhada por uma crise (jé anunciada no Mani- festo) que sacode o sistema familiar, ganha um sentido politico se considerarmos a Escola (¢ o par Escola-Fa- milia) como o Aparelho Ideoldgico de Estado dominan- te, Aparelho que desempenha um papel determinante na reprodugdo das relagdes de producao de um modo de produc ameacado em sua existéncia pela luta mun- dial de classes. Acerca da Ideologia ‘Quando apresentamos o conceito de Aparelhos Ideo- lgicos do TBstado, quando dissemos que os ATE funcie. navam “através da ideologia”, invocamos uma. reali- dade acerca da qual é necessdrio dizer algumas pala- vras: a ideologia, Sabe-se que a expresso: ideologia, Cabanis, Destutt de Tracy e seus am que desig: nava por objeto a teoria (genérica) . Quando, 50 anos mais tarde, Marx retoma o terme, ele Ihe con- fere, desde as suas Obras da Juventude, um sentido total- mente distinto. A ideologia é, ai, um sistema de idéias, de representagées que domina o espirito de um homem ou de um grupo social. A lute politico-ideolégica condu- zida por Marx desde seus artigos na Gazeta Renana iria forjada por at rapidamente levé-lo ao confronto com esta realidade obrigélo a aprofundar suas primeiras intuigdes. 7 Portanto estamos diante de um paradoxo bastant surpreendente. Tudo parecia levar Marx a formules uma teoria da ideologia. De fato, a Ideologia alemd nos oferece, depois dos Manuscritos de 44, uma teoria ex Piicita da ideologia, mas... ela ndo é marxista (nés 0 Yeremos daqui a pouco). Quanto ao capital, mesmo que fSntendo inumeras indicages para uma teoria das ideo. logias (a mais visivel: a ideologia dos economistas vul. gates), ele nao contém esta teoria em si, que depende em grande parte de uma teoria da ideologia em geral. A Ideologia nao tem histéria Uma adverténcia antes de expor a razio de princt. pio que me parece fundar, ou oo mense auscrere Projeto de uma teoria da ideologia em geral, ¢ nao de Uma teoria das ideologias particulares, que expreseamn sempre, qualquer que seja sua forma (religiosa’ moral Juridica, politica) posigdes de classe. : 7 ¢ada acima: regional e de classe) tam 2 inagdo Een alec (Lasse) tém tua historia cua determinacao tancia se encont, temente fora delas, em tudo que Ihes concemme, For outro lado, se eu posso apresentar uma teoria da ideologia em geral ¢ se esta ore eae 82 dos elemento: do qual dependem as teorias das ideolo- gias, isto implica numa proposigéo aparentemente para- doxal que enunciarei nos seguintes termos: a ideologia nao tem historia, Sabemos que esta férmula aparece com todas as letras muma passagem da Ideologia alema. Marx a enun- cia a propdsito da metafisica: que, segundo ele, nio tem mais histéria do que a moral (subentenda-se: e as de- mais formas da ideologia). Na ideologia alemé, esta {6rmula aparece num con- texto nitidamente positivist. A ideologia ¢ concebida como pura iluséo, puro sonho, ou seja, nada. Toda a sua realidade esta fora dela. A ideologia € portanto pen- sada como uma construcdo imagindria cujo estatuto € exatamente 0 mesmo estatuto tedrico do sonho nos autores anteriores a Freud. Para tais autores, 0 sonho era o resultado puramente imagindrio, quer dizer nulo, de “residuos diurnos", apresentados numa ordem ¢ composigéo arbitrarias, por vezes mesmo “invertidas”, em suma “desordenadamente”, Para eles, 0 sonho era © imagingrio vazio e nulo, arbitrariamente dricolé *, de olhos fechados, dos residuos da tinica realidade plena e positiva, a do dia. E este exatamente o estatuto da filosofia e da ideologia (uma vez que a filosofia é a ideo- logia por exceléncia) na Ideologia atema. A ideologia € entéo para Marx um bricolage ima. gindrid, ptiro sonho, vazio e yao, constituido pelos “resi- duos diurnos” da tinica realidade plena e positiva, a da histéria concreta dos individuos concretos, materias, produzindo materialmente sua existéncia. E' neste sen- tido que, na Ideologia alema, a gia nao tem histé- ria, uma vez que sua historia estd fora dela, 14 onde esté a Unica historia, a dos individuos concretos etc = N-T. O verbo bricoler nio tem tradugo direta para o por. elementos adequados & acao. Na Ideologia alemé a tese de que a ideologia néo tem historia é portanto uma tese puramente negativa que significa a0 mesmo tempo que: 1. — a ideologia, ndo é nada mais do que puro Sonho (fabricada nao se sabe por que poder a néo ser pela alienagdo da divisdo do trabalho, porém esta deter- minacio também ¢ uma determinacao negativa). 2. — a ideologia nao tem histéria, o que néo quer dizer que ela nao tenha uma histéria’ (pelo contrdrio, uma vez que ela nao é mais do que o palido reflexo va. zio invertido da histéria real) mas que ela nao tem uma historia sua. A tese que gostaria de defender, retomando formal- mente os termos da Ideologia alema (‘a ideologia nao tem historia”) é radicalmente diferente da tese positi- vistahistoricista da Ideologia alemé. Porque, por um lado, acredito poder sustentar que as ideologias tém uma historia sua (embora seja ela, em ultima instancia, determinada pela luta de classes): © por outro lado, acredito poder sustentar ao mesmo tempo que @ ideologia em geral ndo tem histdria, nao em um sentido negativo (o de que sua historia esta fora dela), mas num sentido totalmente positivo. Este sentido € positivo se consideramos que a ideo- logia tem uma estrutura e um funcionamento tais que fazem dela uma realidade nichistérica, isto é, omni. historica, no sentido em que esta estrutura e este jum cionamento se apresentam na mesma forma imutével em: toda histéria, no sentido em que 0 Manifesto define a historia como histéria da luta de classes, ou seja, his. toria das sociedades de classe. Eu diria, fornecendo uma referéncia tedrica reto. mando o exemplo do sonho, desta vez na concepeao freu. diana, que nossa proposicdo: a ideologia ndo tem his. toria pode e deve (e de uma forma que nada tem de arbitraria, mas que € pelo contrario teoricamente neces- sdria, pois ha um vinculo organico entre as duas pro. Posicdes) ser diretamente relacionada & proposi¢ao de Bre ge que 0 inconsciente € eterno isto €, nfo tem istoria, 84 ideologia ¢ eterna, como o incon que esta aproximagdo me parece teoricamente justificada pelo fato de que a eternidade do inconsciente nao deixa de ter relacao com a eterni dade da ideologia em geral. Eis porque me considero autorizado, ao menos pre- suntivamente, a propor uma teoria da ideologia em ge- ral, no mesmo sentido em que Freud apresentou uma teoria do inconsciente em geral. Levando em conta o que foi dito das ideologias, para simplificar a expresséo, designaremos a ideologia em geral pelo termo ideologia propriamente que conforme 0 dissemos nao tem histéria, ou, o que d4 no mesmo, é eterna, onipresente, sob sua forma imutdvel em toda a historia (= a histéria das formagoes sociais de classe). Limito-me provisoriamente as “sociedades de classes” e & sua histéria. a ¢ uma “representagéo” da relagéo imaginéria dos idiidoge com suas condigges reais de existance Para abordar a tese central sobre a estrutura e 0 tuncionamento da ideologia, apresentarei inicialmente ‘duas teses, sendo uma negativa e a outra positiva. A pri- meira trata do objeto que é “representado” sob a forma imagindria da ideologia, a segunda trata da materiali- dade da ideologia. ‘Tese 1: A ideologia representa a relagdo imaginé- ria dos individuos com suas condigées reais de exis- vencia. Diz-se comumente que a ideologia religiose, a ideo- logia moral, a ideologia juridica, a ideologia politica, etc. “ Ses de mundo”. Contrapomos, fo vive ura’ dessas ideologias como a verdade (se, POr exemplo, se “cré” em Deus, no Dever, na Justiga etc.), que esta ideologia de que falamos a partir de um ponto 85 de vista critico, de um exame semelhante a0 do etnstuzo dos mitos de uma ‘'sociedade primitiva’’, que essas “con. *pcbes de mundo” séo em grande parte imagindrias, seja, néo “correspondem a realidade”, Dresentam-se, de forma it i i presentamee, ¢ imagindria, suas condigSes reais Infelizmente esta interpretagdo deixa em suspenso uum pequeno problema: porque os homens “necessitam” dessa, transposicio imagingria de suas condigdes reais existéncia, para “representar-se” sus existéncia reais? irene 86 mundo, imaginada por eles para subjugar os espiritos pela dominagio de sua imaginacéo. téncia so em si alienadas (nos Manuscritos de 44: por- que estas condigées séo dominadas pela esséncia da sociedade alienada: 0 “trabalho alienado”). Todas estas interpretagdes tomam ao pé da letra a tese que supdem e sobre a qual repousam, ou seja, a te- se de que o que é refletido na representagéo imagi- néria do mundo, o que se encontra na ideologia sio as condigées de existéncia dos homens, de seu mundo real. Retomo aqui uma tese jé apresentada: nfo sfio as suas condigées reais de existéncla, seu mundo real que os “homens” “'se representam” na ideologia, o que é nelas representado ¢, antes de mais nada, a sua relacéo com as suas condigdes reais de existéncia, # esta rela- co que esté no centro de toda representagdo ideoldgica, e portanto imagindria do mundo real. © nesta relacio que esté a “causa” que deve dar conta da deformacéo imagindria da representagéo ideoldgica do mundo real. preciso adiantar a tese de que é a natureza imagindria desta relacdo que sustenta toda a deformagéo imagi- néria observavel em toda ideologia (se ndo a vivemos em sua verdade) er Em linguagem marxista, se é verdade que a repre. sentagao das condigées de existéncia reais dos individuos ‘g6es de producio existentes (e as outras relagdes delas derivadas) mas sobretudo a relagao (imaginéria) dos individuos com as relagdes de produco e demais rela- Ges daf derivadas. Ento, é representado na ideologia no o sistema das relagdes reais que governam a exis ‘tencia dos homens, mas a relagéio imaginéria desr~s in- dividuos com as relagdes reais sob as quais eles x‘vem, ___ Sendo assim, a questo da “causa” da deforn. 90 imagindria das relagées reais na ideologia desaparece, e deve ser substitufda por uma outra questdo: por que a representacdo dos individuos de sua relagdo (individual) com as relagées sociais que governam suas condigées de existéncia e sua vida coletiva e individual, é necessa- mos porque no prosseguimento de nossa exposicéo. Por hora, no iremos mais longe, = Tese II: A ideologia tem uma existéncia material pq J& esbogamos esta tese ao dizer que as “idéias” ou “representacées” ete., que em conjunto compéem a ideo- logia, néo tinham uma existéncia ideal, espiritual, mas material, Chegamos mesmo a i imaginéria, ideal, espiritual das “‘idéias” provinha exclu- sivamente de uma ideologia da “‘idéia”, da ideologia e 388 acrescentemos de uma ideologia do que parece “fundar” ‘esta concepofio desde o nascimento das ciéncias, a saber 0 que Os cientistas se representam como “jdéias”, ver- dadeiras ou falsas, em sua ideologia espontanea. Certa- tese nao esta demonstrada, Pedimos simplesmente que, em nome do materialismo, the seja dado um julgamen- to favordvel. Longos desenvolvimentos seriam necessé- rios para a sua demonstragdo, Esta tese presuntiva da existéncia no espiritual mas material das “idéias” ou outras “representagdes” € ne- cessdria para prosseguirmos a nossa anélise da nature za da ideologia. Ou, melhor, ela simplesmente nos é util por possibilitar que aparega, de forma mais clara, 0 que qualquer andlise urn pouco séria de uma ideologia qual- quer mostra imediatamente, empiricamente a todo ob servador, mesmo que pouco eritico. Ao falarmos dos aparelhos ideoldgicos do Estado e de suas préticas, dissemos que cada um deles era a rea- i i diferentes Dito isto, vejamos o que se passa com os individuos agio do ja defor- (ideologia 89 Aue esta relacéo imaginaris ¢ mesma uma existéncia material | St beset Constatamos o seguinte: Sans mesmo protestar quando eles, violadas, assinar Petigoes, tomar parte em uma manifestacao, ete, Em todo esse esquema, Constatamos portanto que f representacdo ideolégica da fdeologia ¢” ela mesmna, eenerdede se ele mio faz 0 que, em tun io de ‘suas creneas, deveria fazer. 6 Porque faz algo diferente 90 doles perce, Om funcio do mesmo esquema idealista, Geixa pereeber que ele tem em mente idéioe diferentes das que prociama, e que ele age segundo é seja_como um horiem “inconsequente” voluntariamente mau”), ou cinico, ou per Deixemos Pascal com seus argumentos da luta ideo. logica no seio do aparelho ideologico de Hstade Teligio- Fe Ge Set tempo. B, se possivel, empregaremos tae linguagem mais diretamente marxista, pois avangamos em dominios ainda mal explorados. Diremos portanto, considerando um sujeito (tal individuo), que a existéncia das idélas de sua‘ creace 4 * NT, no original em inglas, Permanecem: os termos Sujeito, consciéncia, oren. £8, atos. Aparecem: os termos Draticas, rituais, aparetho ideolégico, anejareeiais Pottanto de uma inversio, mes de um obianclamento bastante estranho dave © resultado que ‘obtemos, As idéias desaparecem enquanto tais (enquanto do. tadas de uma existéncia ides espiritual), na medida inserts QUE Se evidenciava que ma existéncia estava ipscrita nos atos das prations Feguladas por rituais de. finidos em tiltima instanele Por um aparelho ideolé Bic. © sujeito portanto atua’ enquanto agente do se. Sinte sistema (enunciado em ser ordem de determina 2 ideologia existente em um aparelho ideo ue Prescreve préticas materials regu: de warial, Dréticas estas que existen Ge um sujeito, que age conselan ‘mente segundo sua crenga, 92 fo Nesta formulagio conservamos as seguintes nogées: Suleito, conseiéncia, crenga, atos. Desta sequéncis oe, 0 deg IMO central decisivo, do qual depende todo © demais: a nocéo de sujeito, © enunciamos duas teses simultaneas: }. ~ 86 hd pritica através de e sob uma ideologia 2. — 86 hd ideologia pelo sujeito © para o sujeito Podemos agora abordar a nossa tese central. A ldeologia interpela os individuos enquanto sujeitos {gegional ou de classe) e’ seja qual for o momenta fee Ide, Sina va ase Sao gual for 6 historia faeontulsso que se localiza o funcionamento de tate Ieee, si endo w dooern ae gamete ta jurdica, de “sujeto de alreto” uma ede dois ure, reo eto 93 Glonamento nas formas materiais de existéncia deste mesmo funcionamento, Para compreender 0 que dai decorre, 6 preciso es. eratletta Para o fato de que, tents aguele que escreve (Sis Unhas como o leitor que se 36, S80 sujeitos, e por. tanto sujeitos ideolégicos (formulagio tautolégicay on meen etter © 0 leitor destas lines vivem “esponta. entmente” ou “naturalmente” na Ideologia, no sentido anit’, Gissemos que “o homemn« Por natureza um. animal ideolégico”, Sujelto, 6 Guiste um “Sujeito da ciéncia” - gia da ciencia), é um outes Problema que, pelo momen. to, deixaremos’ de lado. Como 0 dizia Sio Paulo admiravelmente, é no “Lo. B05", eiase na ideclogia, que apreendemos “o ser, o comenento (e 8 vida”. “Seguese hue tanto para vocés de s : fas gin, "30, Podemos deisar de reseno, ante das ‘quais, inevitavel © naturalmente, exclamamos (em com ictesss,¢ t0208 aquees que recorrem Linguistica Sue decerentss tins, ropocatn” frog tempo ola € exterioridade (para a ciéncia‘e paren Tealidade). teas, da qual depende por exemplo toca teoria da eri. Meck, Autoctitica, regra de ouro da pration oe luta de classes marnista-leninista Que um individuo seja sempre) ja ‘sujeito, antes Gamo de nascer, é no entanto a maiz simples realida- Ge, acessivel a qualquer tum, sem nenhum paradoxo, Que 0s individuos sejam sempre “abstratos" em rela. & € Portanto sujeito, determinada a sé te através de e cle @mnsuracio ideoldgica familiar espectiins na qual ele 6 “esperado” apés ter sido concebido. Imitil dizer Fee £5" contiguragéo ideoldgica tamiline é, em sua uni- cidade, fortemente estruturada e ques neste estrutura 98 implacavel, mais ou menos “patoldgica” (supondo-se Fepresee Tmo, tenha um sentido determing eh: que o Jepresente futuro-sujeito “encontrar “seu” lugar, fuer dizer “tornando-se” o sujeito sexus (menino ou menina) que ele ja 6, Prossigamos. Deter-nos-emos agora na maneira pela gual os “atores” desta encenaco, da interpelacio e trate ReCtivos papéis esto refletidos ne Prépria es- trutura de toda ideologia. Um exemplo: A ideologia religiosa crista endo a estrutura formal de toda ideologia sempre idéntica, nos contentaremos em anahece apenas um mroublo, acessivel a todos, o da ideologia Teligiosa; esta ogia mccionstracdo pode ser reproduzida pros ‘ideo- logia moral, juridica, politica, esteticn ae Ais af um discurso bastante conhecido e banal, mas 89 mesmo tempo profundamente surpreendente Surpreendente se considerarmos que a ideotogia re. Ugiosa se dirige aos individuos para “transformé- te mnbora salbamos que o individuo & sempre ¢ ‘antecipadamen- conten: contimuamos a emprogar este tering, seetpacam de contraste que produs 100 Designaremos este novo e singular Sujeito como Suseito com maiuscula para ‘distingutio soe demais, sem maiiscula. Jotiterpelacio dos individuos como sujeitos supoe Romuistencia” de um Outro Sujeito, Unico « ‘central, em Nome do qual a ideologia religiosa interpela todos os or eecetaCetine a si mesmo portanto como o Sujel fo Por exceléncla, aquele que € por sie pare a ("Eu sou Aduele que €”), ¢ aquele que chama sen Sujeito, o indi- viduo que, pelo préprio chamado, estd a sie submetido, G95 homens, 0 Sujeito dos sujeitos, mesmo ne temfvel inversio de sua imagem neles (quando estes se deixam levar pelos excessos, quer dizer, ‘pelo peceaoy” Su melhor: Deus se duplica a si mesmo, e envia seu Filho & terra, como simples sujeito “abandonado” & si mesmo (0 longo lamento do Jardim ane Oliveiras 18 Cito no a0 pé da letra, mas de forms resumide. 101 fie termina na Cruz), sujeito mas Sujeito, homem mas Peus, para realizar aquilo através ae Decifremos em linguagem tesrica esta admirdvel ne. G0 Sasi e Gesdobramento do Sujeito em susclene e do Sujeito mesmo em sujeito-Sujeite, pela tamos que a estrutura de toda ideologia, 20 interpelar os incividuos enquanto sujeitos 12°" nome de ap’sumamos o que vimos acerca da ideologia em geral, A estrutura especular duplicada da ideologia ga. Tante ao mesmo tempo: 1) interpelagdo dos “individuos” como Sujeitos, do Sudggme da Trindade é a teoria mesma do desdobramento SGSelete, fo Paid em sujeto (0 Fimo eg oo relaggo espe. cular 0 Espirite Santo! 102 2) sua submissio ao Sujeito 3) 0 reconhecimento mituo entre os Sujeitos e 0 Suleito, ¢ entre os proprios sujeitos, finalmente 0 re. Conhecimento de cada sujeito por ef mess §) ci, Satantia absoluta de que tudo esté bem as. Pom € cob & condi¢éo de que se os sujeitos reconhece- peeing tue $0 e Se Conduzirem de acordo tude se bem: “assim seja”, Resultado: envoltos neste quédruplo sistema de in. terpelacao, de submissao ao Sujeito, de reconhecimento, ham pigs WegSeFantia absoluta, ‘os sujeltos “eens pham", cles “‘caminham por si mesmon to imensa Mualoria dos casos, com exceeao dos “rau sujeitos” Sparing am a intervencéo de um ou outro sees, reageee (repressive) do Estado, Mas a imense maio- saquatel § (@,sua mancira) um semiréve “tesrico” aa ideotogia, te Uesemboe > i Recoubectmento Universal que ines surpreenanncs 2, daeologla do Saber Absolute, eeerinegemem Gesernpoos ng iceerio” 8 Felacdo especulan, que imei si mesmos”, “Assim efeito a ser Tagdo, na repressio, na ideologizacéo, na pratica cen tifica, etc. Neste mecanismo do reconhecimento espe. cular do 10 € dos individuos interpelados como su. tia dada pelo Sujeito aos sujeitos caso Tealidade posta em questéo neste mecanismo, a que ne- cessariamente ¢ desconhecida pelas formas mesmas do reconhecimento (ideologia = reconhecimento/desconhe, Cimento), é certamente em ultima insténcia, a reprodu g80 das relagdes de produgéo e demais relagoes que de. las derivam. acerca dos quais € necessario dizer alguma coisa. 1) 0 problema do processo de conjunto da reali. za¢ho da reproducdo das relagdes de producao 104 Os ALE contribwem, como elementos deste proceso, para esta reprodugio. Mas 0 ponto de vista de sua sin’ ples contribui¢go ‘permanece abstrata, Gias (sobretudo da ideologia juridico-moral). Mesmo assim, este ponto de vista ainda permanece sbstrato. Pols, numa sociedade de classes as relacdes ae produgdo séo relacOes de exploragéo, e porianto rein S6es entre classes antagonicas. A reproducdo dae relagoes de producdo, objetivo ultimo da classe dominante wre explorada, ©.processo de conjunto da realizagéo da reprodugéo das relagées de produgo permanece abstrato até que 2) © problema da natureza de classe das ideolo. Sias existentes numa formagao social. 105 fendg ima verdade este mecanismo é abstrato em relagdo a qualquer formagiéo ideoldgica rex Mio ha a luta de classes sem classes antagonices Quem diz luta de classe da classe dominante ae resisténcia, revolta € luta de classe da classe dominada. dentro de e contra tais ALE os ultrapassa, pois vern de outro lugar, Apenas do ponto de vista das classes, isto 6, da ats de classes, pocese dar conta das idevlowies “oxi 107

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