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A Moeda Indexada: Uma Experiéncia Brasileira Luiz Carlos Mendonga de Barros I. Formagiio da Moeda Indexada no Brasil (1967-90) 1. Introdugao Os contratos com o valor principal, ou valor de face, indexado a uma taxa de juros referencial so hoje uma figura comum naestrutura dos mercados financeiros. Eles foram desenvolvidos, principalmente durante a crise econémica do pés-choque do petroleo em 1972-3, como resposta as terriveis flutuagdes da conjuntura econdmicanos paises avanga- dos do Ocidente. O periodo de certa estabilidade, principalmente em relagao as taxas de juros ¢ inflagao, dos dltimos anos criou novamente um espago para os tradicionais contra- tos de longo prazo com juros fixos, reduzindo com isto a utilizago dos contratos indexa- dos nas transag6es financeiras. Entretanto, a crise das Savings & Loans americanas, com seus quase US$ 500 bilhdes de “furo”, permanece como um monumento terrfvel a lembrar 08 riscos associados a contratos longos com uma taxa de juros fixa. No caso dos pafses avangados, a indexago dos instrumentos financeiros longos responde a uma necessidade de protego contra a flutuagdo das condigées conjunturais, principalmente as taxas de juros nominais. Nos pafses situados no Terceiro Mundo a questo da indexago é outra. A defesa que se busca, ao se permitir uma cléusula de variagio do valor de face do contrato em fungio de algum referencial externo, é em relago a seu valor real. Em uma conjuntura de inflago crOnica, a questdo relevante é 0 poder de compra da moeda associada aos contratos financeiros no prazo de sua validade. Em outras palavras, trata-se da necessidade de se trabalhar com 0 conceito de juru real explicito endo mais com juros nominais. Acexperiéncia nos mostra que nesta situagaio e na auséncia de mecanismos formais de indexago os mercados financeiros nacionais nao se desenvolvem. Quando muito, é © governo que assume a fungdo de ofertante de créditos, 0 que, na maioria das vezes, acaba representando uma fonte de transferéncia de renda do setor pablico ao setor privado, via o mecanismo de juros negativos. Uma grave distorgo sempre associada a esta situagdo 6 a questo do tréfico de influéncia ¢ corrupgio. De qualquer forma existe scmpre uma grande ineficiéncia na alocagao dos poucos recursos movimentados pelos intermedidrios finaneciros, privados ¢ estatais. O mercado restringe-se as uperayOes de curtissimo prazo do mercado monetério, ¢ préticamente inexiste o mercado de capitais. ECONOMIA E SOCIEDADE -3 Luiz Carlos Mendonga de Barros Cutra consequéncia direta da auséncia de indexagao legal nos contratos financeiros nos pafses do Terceiro Mundo 60 aparecimento de um mercado informal de crédito. Fora do circuito dos agentes financeiros institucionais, desenvolve-se uma gama muito grande de intermediérios que se utilizam da indexagdo informal para viabilizar 0 casamento de agentes superavitérios e deficitérios da economia. Neste mercados sfo usadas moedas de Valor real constante como o délar, o ntimero de arrobas de came, 0 ouro ¢ outras. Em alguns casos extremos amoeda ctetiva do comrato é v piGprio délar ou outra moeda forte 2. A indexagdo no mercado financeiro no Brasil 2.1. Os contratos financeiros indexados ‘A reforma financeira realizada em 1964-5 pelos ministros Roberto Campos ¢ Otdvio Gouvea de Bulhdes (governo Castelo Branco) introduziu 0 contrato financeiro indexado no mercado financeiro formal. Foi criada uma mocda de referéncia legal, @ ontN (Obrigagio Reajustével do Tesouro Nacional), que tinha seu valor corrigido mensalmente em funco de um indice de pregos internos, 0 16r, calculado pela Fundagao Getilio Vargas. Posteriormente criou-se uma segunda moeda de referéncia, a ure, com variagdo trimestral igual & da oRTw. A Urc tinha scu uso restrito aos contratos, ativos ¢ passivos, do chamado Sistema Financciro da Habitagio. A utilizagio da indexagio estava inicialmente restrita aos contratos de prazos mais longos, limitago que foi desaparecendo ao longo dos anos. ‘A legislagao de 1965 permitia ainda o uso do d6lar como indexador dos titulos piblicos federais de longo prazo, as chamadas ort cambiais. Esses titulos, de dois € tinco anos de prazo, carregavam uma dupla possibilidade de indexagio, orTN e délar, ficando a escolha a critério do investidor por ocasido do resgate do titulo. Dois outros contratos, envolvendo partes privadas, tinham também a alternativa legal de carregar uma indexagdo formal a0 valor, em mocda nacional, de uma moeda estrangeira. O primeiro era a chamada operagao 4131, envolvendo um credor externo nm devedor interno; 0 segundo, a chamada operagio 63, envolvia um credor externo ¢ ‘um banco brasileiro como repassador dos recursos a uma empresa brasileira. Foradessas trés excegées, empréstimo pela lei 4131, pela resoluglo 63 e as oRtN cambiais, todos os demais contratos financciros nao podiam carregar a cldusula de corrego cambial. 2.2. A evolugio do sistema de indexagiio Perfodo 1966-74 Neste periodo a cléusula de indexagdo as ont™ quase nao foi usada nos contratos financeiros em fungio do sucesso conseguido pelo governo no controle da inflagio. O Ah EPONAMMIA E SNCIEDADE A Moeda Indexada mercado operava com juros nominais fixos € prazos que chegavam até a trés anos. Como a tendéncia da inflagao era de queda, o juro real embutido nos contratos era quase sempre positivo e maior ex post do que ex ante. A expressio “corrego monetéria prefixada”, que ‘aparece na maioria dos contratos ativos e passivos do sistema financeiro nesta époce, nada ‘mais era do que uma forma de contomar a Timitago dos juros (ceiling) de 12% a.a. (Lei da Usura) entao existente. Havia uma decisdo do Supremo Tribunal Federal que convalidava a exclusdo da inflagao (comre¢o monetéria) no cAlculo dos juros sujeitos a limitagao legal. 0 tinico contrato indexado a variagiio das oxt™ de alguma importincia no perfodo foi o titulo, também chamado Obrigagao Reajustavel do Tesouro Nacional”), emitido pelo Tesouro Nacional. Mas esses papéis s6 eram demandados pelos agentes econdmi- cos para atender compromissos de natureza compulséria, como era o caso dos bancos comerciais (depésitos obrigat6rios no Banco Central) ¢ das companhias seguradoras (reservas técnicas). O mercado de titulos pibblicos, ainda incipicnte na primeira metade do periodo, tinha como principal papel em circulago as Liv — Letras do Tesouro Nacional. Estes t(tulos tinham juros nominais prefixados ¢ prazo de até win ano. Em relacio aos contratos de empréstimos indexados ao délar, operagdes 4131 € 63, houve um crescente volume de transagées. Este comportamento do mercado se de- yeu basicamente ao fato de, no perfodo, a correco cambial ter sido sistematicamente inferior & inflagdo interna, ¢ portanto de custo inferior aos empréstimos vinculados & variagdo das oRTN ou com taxas de juros prefixadas (Quadro 1). Contribufram também para 6 aumento da demanda por empréstimos externos, movimentos especulativos de arbitragem entre taxa de cAmbio e juros intemnos. QUADRO1 (CORRECAO MONETARIA X CORREGAO CAMBIAL ANO CORRECGAO MONETARIA CORRECAO CAMBIAL no ano num. indice, no ano num. indice 1968 = 100 = 100 1969 18,5% 9 13,6% 114 1970 19,6% 142 13,8% 130 1971 22,7% 174 13,8% 148, 1972 15,3% 201 10,3% 163 1973 12,8% 226 0,1% 163 1974 33,3% 302 19,5% 194 1975 242% 374 22,0% 238 1976 37,2% 513 36,1% 323 1977 30,1% 668 30,1% 421 1978 36,2% 909 30,3% 548 1979 47,2% 1338 103,3% 1113 1980 50,8% 2018 50,8% 1678 () 0 termo Obrigagdo Reajustivel do Tesouro Nacional era aplicado tanto & moeda referencial om (moeda contratual), como ao titulo pblico emitido pelo Tesouro Nacional (contrato financeito). @) Lembrar que houve uma maxidesvalorizago de 30%, realizada pelo ministro Delfim Netto em dezembro. ECONOMIA E SOCIEDADE- 5 Luiz Carlos Mendonga de Barros QUADRO2 ORTN X CAMBIO X INFLAGAO (IGP) Ano. IGP ORTN CAMBIO 1909 20,1% 18,5% 13,6% 1970 19,3% 19,6% 13,8% 1971 19,5% 22,7% 13,8% 1972 15,7% 15,3% 103% 1973, 155% 12,8% 0,1% 1974 345% 33,3% 19,5% 1975 29,4% 24.2% 22,0% 1976 463% 37,2% 36,1% 1977 38,8% 30,1% 30,1% 1978 40,8% 36,2% 30,3% 1979 112% 412% ——103,3%" 1980 110,2% 50,8% 54,0% Perfodo 1974-9 A reversio do quadro inflacionério em 1974, motivada entre outras causas pelo primeiro choque do petréleo, mudou bruscamente o quadro do sistema financeiro no Brasil. Com 0 aumento da componente inflacionéria nos juros nominais houve uma completa reverséo das expectativas dos participantes do mercado financeiro. A quebra da confianga no controle da inflago alterou o comportamento dos agentes credores do ‘mercado, que passaram a procurar, com maior intensidade, os contratos indexados as orm. A perfeita aderéncia da orrN A inflagdo verificada nos anos anteriores a 1973 conferia grande credibilidade & indexago pela ort™, Diante das incertezas sobre 0 comportamento futuro da inflagdo os investidores passaram a procurar os contratos financeiros com corregao monetéria. E 0 perfodo de ouro dos titulos piblicos, federais, ¢ estaduais, ¢ a primeira grande corrida as cadernetas de poupanga. Estes eram os contratos com correc%io monetéria que jé estavam disponiveis no mercado quando © comportamento dos agentes superavitérios da economia mudou. s titulos privados, principalmente os cps emitidos pelo sistema bancério, s6 passaram a carregar cléusula de indexagao 4s oRTN a partir de 1977-8. E quando omega, em fungio do infcio da crise cambial brasileira, a troca pelo setor privado do endividamento externo pelos créditos domésticos indexados as onTN. Esta foi a segun- da grande mudanga de comportamento dos agentes privados no mercado financeiro neste perfodo. A indexago cambial deixa de ser uma alternativa rentével para o devedor ¢ passa a ser buscada especulativamente pelo agente credor. Esta mudanca (3) Maxidesvalorizagdo de 30% em dezembro de 1979. 6 - ECONOMIA E SOCIEDADE ‘A Moeda Indexada comeca de maneira muito seletiva em 1978, sendo percebida apenas pelos mais dgeis. Mas vira ‘senso comum?” apés a maxidesvalorizagao de Delfim Netto em 1980. Os primeiros cps indexados & oRTN, com prazo minimo de seis meses, foram colocados nos mercados em 1978 com um cupom entre 6% ¢ 8% ao ano. Este cupom Guros reais acima da corregdo monetéria), extraordinariamente baixo quando comparado com a década de 80, refletia a confianga dos investidores no valor real da ORTN na época. Outra caracterfstica importante deste perfodo foi o crescimento vigoroso das chamadas operages de Open Market com lastro em titulos publics. Estas transagBes, envolvendo a aplicagio de recursos de curto prazo, vinham se desenvolvendo desde 0 infcio dos anos 70, estimuladas pelo Banco Central (8c). Os parceiros eram basicamente 05 intermedifrios financeiros que passaram a investir recursos ociosos de caixa — até entdo mantidos em espécie ou depositados na Conta Reserva junto ao Banco do Brasil — em aplicagdes de curtissimo prazo em titulos piblicos federais da carteira do we. Como crescimento da inflagdo ¢ o aumento do custo de oportunidade dos recursos ociosos de caixa, as aplicagdes no Open invadiram também o dia-a-dia das empresas nfo financei- tas, Para isto foi fundamental o papel dos intermediérios financeiros ndo bancérios, principalmente corretoras independentes, que, apoiadas na mesa de Open do nc, fizeram agressivamente a “venda” deste novo produto. Outro fator importante no crescimento desta primeira forma de “Quase Moeda” ou “Moeda Indexada” foi a implantagao do sistema Selic. Este sistema cletrénico de processamento € liquidagao de investimentos em tftulos piblicos deu ao Open as condigdes de seguranca ¢ operacionalidade necessérias para sua verdadeira massifica- go. Neste processo evolutivo a entrada das pessoas fisicas, mesmo com aplicagdes de valor reduzido, tor a terceira, ¢ ultima, etapa. Nio poderiamos tratar da experiéncia brasileira de indexagao neste perfodo sem fazer referéncia a um fato marcante ocorrido em 1977. Pela primeira vez introduz-se no cAlculo do valor da ortw um redutor arbitrado pelo governo. A corregdo monetiria oficial passou aser calculada em fungao da inflagdo efetiva (80% do total) ede uma taxa arbitrada pelo governo (20% do total). Foi 0 primciro de uma série de golpes desferidos pelo governo na credibilidade do indexador oficial dos contratos financeiros. O ministro Si- monsen, tentando pela primeira vez reduzir os efeitos da componente inflacionéria que anos mais tarde seria chamada de inércia inflaciondria, desferia um golpe mortal nas bases da reforma da dupla Bulhécs-Campos. Anos mais tarde o ministro Delfim Neto, com autilizagio dos chamados “expurgos” na corregiio monetiria, enterra definitivamen- tea variagio das orTW como um indexador confidvel. Sua substituta foi a chamada corre- 40 monetiria financeira, ou seja, a taxa de operagbes de Overnight. A maioria dos contratos financeiros indexados deixou de estar atrelada a um indice de pregos ¢ passou a ser corrigida por uma taxa de juros do mercado financeiro (Overnight). Periodo 1979.85 Para o mercado financeiro, a década de 80 comegou no dia 10 de dezembro de 1979, Neste dia o ministro Delfim Netto decreta uma maxidesvalorizagdo de 30% do ECONOMIA E SOCIEDADE - 7 Luiz Carlos Mendonga de Barros cruzeiro ¢ abre um dos perfodos mais conturbados da economia brasileira. Um dos pilares do sistema de indexagio, a politica de minidesvalorizagées diérias abaixo da inflagdo interna, é pela primeira vez violentado. A prefixagao do cambio em 1980 e a maxidesvalorizagio de 1983 completaram a ruptura com 0 compromisso mantido durante mais de dez anos. A corre¢ao cambial como indexador deixa de ser utilizada pelo devedor e passa a ser procurada especulativamente pelo credor. A rolagem da divida externa (operagdes 4131 e 63), agora um 6nus financeiro, passa a ser feita quase que exclusivamente pelo Setor Puiblico, via empresas estatais e Tesouro. As Obriga- ges Reajustaveis do Tesouro Nacional emitidas pelo governo sfo totalmente dolariza- das, fenémeno que nao tinha ainda acontecido nos catorze anos de sua existéncia. O mercado de Open, jé entdo atingindo quase 60% do valor do M1, comega a ser pintado com as tintas incontrolé da especulacao e da crise. A falta de credibilidade da corregiio monetéria, sujeita agora a varios expurgos arbitrados pelo govemo, vai Pprogressivamente empurrando a poupanga financeira para o Open. Este processo acelera-se a partir de 1983 com o ajuste financeiro promovido pelas empresas do sector privado. As empresas reduzem seu passivo dolarizado realizando macigos depésitos em délares no 8c. Para manter solvente a Autoridade Monetéria, 0 Tesouro € obrigado a emitir oRTN cambiais para servirem como lastro deste passivo em délares no sc. E 0 chamado processo de “estatizagao” da divida externa. O governo, pressionado também no “front” de suas contas fiscais, torna-se o grande tomador de recursos do sistema, principalmente via colocagao de titulos piblicos. _ QUADRO3 . INFLACAO X CORRECAO MONETARIA X CAMBIO ANO- IGP ORTN CAMBIO 1979 712% 493% — 103,3% 1980 110,2% 51,4% 54,0% 1981 94,5% 969% 951% 1982 100,4% — 100,2% == 97,7% 1983 210,9% . 159,2% 289,49 1984 223,8% 223.8% —-223,6% 1985 235,1% 227,6% ——_231,7% Os recursos ociosos de empresas e instituigdes financeiras passam a ser investi- dos em prazos cada vez mais curtos ¢ com lastro em titulos emitidos pelo Tesouro. Entretanto, a colocago destes titulos nao se fazia como em outros pafses. Na falta do (4) Maxidesvalorizacto do eruzeiro de 30% em fevereiro. 8- ECONOMIA E SOCIEDADE ‘A Moeda Indexada chamado “investidor final”, isto é, do agente supcravitério que aplica seus recursos na ‘compra definitiva dos papéis, aparece a figura da aplicagdo com recompra. As institui- Ges financeiras compram titulos emitidos pelo Tesouro, federal e estadual, e finan- ciam esta “carteira” com recursos captados junto ao piiblico. O mecanismo operacional usado 6a venda do titulo e um compromisso de recompré-lo dentro de um prazo fixado por miitua acnrdo. Como existe uma venda final e 0 compromisso de recompra nao é contabilizado, esta operagiio no aparece como uma responsabilidade das instituiges financeiras. Ela fica registrada apenas em suas Contas de Compensagao. Até 1976 este “passivo oculto” nao estava sujeito a nenhuma limitagAo quantitativa. Na crise do Open de fins de 1975 existiam pequenos intermediérios financeiros com compromissos de recompra de até mil vezes seu patriménio iquido. A partir de entio 0 nc passou a fixar limites operacionais para o mercado. Existia um evidente “descasamento” do intermedidrio financeiro. Os titulos de sua carteira estavam na sua grande maioria indexados ou A oRTN, ou a taxa de cmbio © 0 dinheiro dos clientes & taxa do Over. Em outros pafses as riscas assaciados a este descasamento funcionam como um limitador natural ao volume de titulos de longo prazo financiados com recursos de curto prazo. As instituigdes financeiras “carre- gam” titulos longos com dinheiro de curto prazo para ganhar o diferencial de juros (eld curve positiva), mas em volume compativel com os riscos associados a esta estrutura. ‘No caso brasileiro descnvolveu-se ao longo dos anos, desde a implantag&o do Open em 1969, um compromisso informal entre a Autoridade Monetéria ¢ 0 mercado no sentido de climinar os riscos de prejufzos nas operagSes de recompra. Isto era feito através de trés mecanismos: (1) cxistia um compromisso do nc de manter o custo do Overnight inferior & remuncragiio média dos titulos publicos colocados no mercado; (2) se niio fosse possivel, em fungo de alteragdes na politica monetaria, manter esta regra, 0 BC “trocava” a carteira do mercado. Isto era feito através da compra dos titulos antigos pelo c e venda de outros com uma rentabilidade adequada ao novo nivel do Over; (3) além destes ajustes de natureza econdmica, havia um compromisso de zeragem automética da parcela da carteira de titulos que néo conseguisse financiamen- to do mercado. Este ajuste financeiro era feito pela mesa de Open do Bc, no fim do dia, e.a.uma taxa igual a do mercado. Nesta situagao as instituigdes financeiras cortiam um risco muito pequeno — desde que tivessem sempre a carteira média do mercado — de prejufzo ou de iliquidez. Podiam portanto comprar titulos de dois a cinco anos de prazo e “rold-los” com dinheiro de um dia de seus clientes. Do lado dos clientes esta forma de operar o sistema permitia investir seus recursos com liquidez imediata e receber uma remuncragao ‘sempre igual ou maior do que a inflago. O tridngulo, tendo o governo como o captador de recursos a juros reais, o intermedidrio financeiro ganhando um generoso “spread” praticamente sem risco ¢ 0 aplicador com liquidez ¢ juros reais garantidos, estava formado. ‘A consequéncia macroecondmica desta situagao foi a progressiva destruicao da Base Monetéria, com a perda da arrecadagao do imposto inflaciondrio pelo governo, ¢ a completa endogeneizagao da moeda via o compromisso de zeragem automatica. ECONOMIA E SOCIEDADE - 9 [Luiz Carlos Mendonca de Barros. QUADRO4 AGREGADOS MONETARIOS EM % DO PIB ‘Ano Base ML M2 M4 MMI 1977 52 141 22,2. 34,7 16 1978 53 13,5 22,1 36,1 16 1979 53 12,6 18,4 315 1,5 1980 3,6 93 13,2 23,0 14 1981 32 93 16,6 29,4 18 1982 32 78 15,9 25,4 20 1983 19 51 10,4 25,7 2,0 1984 21 45 13,2 29,7 29 1985 20 5,0 16,6 33,1 33 1986 45 1s 20,6 36,3 18 1987 24 49 15,8 30,8 aa 2.3. A moeda indexada no governo Sarney A Moeda Indexada em 1985 — um arranjo institucional estavel ‘Uma defini¢#o precisa de Moeda Indexada no inicio da chamada Nova Repiiblica deve responder a varias questdes centrais. Primeiro deve-se ressaltar que estamos falando de uma moeda bancéria indexada ou ainda de “depésitos a vista remunerados”. Nilo se trata mais da antiga figura da carta de recompra em cima de titulos pablicos, marca da segunda metade dos anos 70, mas sim de um sistema de depésitos a vista, com remuneracdo igual & taxa do Over. Este “aleijdo” de depésito a vista tem um compulsério de 100%, realizado em titulos piblicos, Outra caracteristica do sistema existente no infcio do governo Samey era a automaticidade da ligag&o entre a Mocda Indexada e os depdsitos & vista, os Gnicos Jegalmente com poder liberatério. Este fato tem levado alguns especialistas a cometer tum gravissimo erro de anélise, a0 considerar que a Moeda Indexada néo tem poder liberat6rio. Estas pessoas erram ao olhar para o M1 no fim do dia c nao na abertura dos mercados. Esta diferenga de doze horas no fuso hordrio das estatisticas, caracteristica marcante da experiéncia brasileira, € fundamental para o entendimento da questio monetéria em nosso pafs. No limite, uma pessoa ou empresa pode aplicar seus recursos no Open as 10 h de uma manbi ¢ gasté-lo, total ou parcialmente, na tarde ou noite do mesmo dia. A compensagao do cheque no dia seguinte vai encontrar sua conta corrente devidamente provisionada pelo resgate, cm rescrvas, da suas aplicagées no Over. Maior poder liberatério do que este, impossfvel! E importante ressaltar também que, devido as incertezas conjunturais e institucio- nais de nosso pais, houve uma progressiva destruigao da poupanga financeira, ¢ sua 10- ECONOMIA E SOCIEDADE ‘A Moeda Indexada transformagao também em depésitos de um dia no Open. N&o sko apenas 0s recursos financeiros vinculados as transagdes correntes do lado teal que procuram abrigo nos depésitos do Open; os recursos “ociosos” da poupanga financeira também abandonaram 05 tradicionais titulos financeiros como cop, debéntures, agdes € outros e vieram refugiar-se no abrigo menos instdvel das aplicagSes de curtissimo prazo. Em outras palavias a Mocda Indexada tem uma componente monctéria M1 ¢ uma componente nao monetéria que seria parte do M2, do M3 ¢ do M4, agora transformados em aplicagées no ‘Overnight. Esto aplicados em um mesmo instrumento financeiro os recursos das empresas comprometidos com pagamentos de curtfssimo prazo — como a folha de pagamentos, os impostos, os compromissos de fornecedores — e os recursos represen- tativos de poupanga interna — como o fundo de depreciagSes, outros recursos para investimentos e ainda a poupanga financeira sem destinago espectfica. No caso das pessoas fisicas temos lado a lado recursos para 0 atendimento de compromissos correntes — como aluguel, compras de supermercado ¢ colégio—c recursos poupados para o futuro. Como o dinheiro no Upen nao ¢ carimbado nao se pode separar a parcela da Moeda Indexada que corresponde 20 MI ¢ a parecla dos outros Mi, seja no seu conceito agregado seja no caso de cada agente individualizado. Outra questiio bésica 6a da correc do valor da Mocda Indexada. Embora nao cxista nenhum vinculo formal entre os juros pagos pelos intermediérios financeiros no Over ¢ a variagao dos precos da economia, a indexaciio é garantida pela atuagao do Bc no mercado. O cinismo, muito caracteristico de nossa sociedade, ensinou aos agentes econémicos que a necessidade de manter “quictos ¢ comportados” os recursos financeiros de curto prazo da economia vale mais do que um compromisso formal cexplicito de indexagiio. A chantagem conseguida com a ameaga de colapso do sistema de pregos e 0 compromisso do Bc em. manter um juro real positivo no Open criaram condigées para manter-se em funcionamento nosso sistema financeiro, mesmo com taxas de inflagfio muito altas. Em tiltima andlise, a quantidade de mocda cm circulagfo, na sua forma de Moeda Indexada, cresce diariamente ‘a.uma taxa compat{vel com a inflagio verificada no més anterior. As taxas do Over nao se formavam pela conjugagao das forgas de oferta e procura no mercado monetério, mas. respondiam a uma administragto didria da Autoridade Monetéria. O objetivo final era dar ‘08 aplicadores um ganho real liquido apés 0 pagamento dos impostos. Esta ligago entre a corrego financcira da Moeda Indexada ¢ a taxa de inflagao era feita tomando-se por base a fixagio de um valor didrio da ort™, a chamada ont™. fiscal. Ela representava uma previsio feita pelo governo da inflagdo do més em curso. Em fungdo deste valor o nc fixava a taxa do Over, sempre com um juro real por ele arbitrado. Este juro na prética representava uma margem de seguranga para acomodar uma variagio para mais na inflago cfctivamente medida ao fim de cada més. Dadas as variagSes que sempre sc verificaram, o juro real cfetivo do Overnight acabava apresen- tando flutuag6es significativas. Durante a primeira metade dos anos 80 os “juros reais” do Open oscilaram entre 14% ¢ 24% a.a. ‘Devemos ainda ressaltar a forma de tributagflo do imposto de renda neste arranjo institucional que era o Open no Brasil. $6 havia cobranga de imposto de renda, tanto na fonte como nos balancos das empresas, sobre a parcela da renda que superasse a variagdo da oRtN fiscal. Com isto a arrecadago do imposto inflacionério, quer sob a ECONOMIA E SOCIEDADE - 11 Luiz Carlos Mendonga de Barros forma de desvalorizagiio da moeda quer sob a forma de imposto de renda sobre ganho inflacionério, era na prética muito pequena. Quem efetivamente se apropriava desta renda era o sistema bancério, na medida em que as pequenas aplicagdes recebiam uma remunerago muito inferior as taxas de juros nominais praticadas no mercado interban- rio e nas aplicagdes dos grandes investidores. Bimportante ainda citar a questiio do mecanismo de destruigin da Moeda Indexa- da, Com uma grande frequéncia ouve-se falar da possibilidade de uma fuga em massa da ‘Mocda Indexada, motivada pela desconfianga dos investidores. Nesta situagdo o gover- no nfio conseguiria rolar sua divida e 0 caos estaria instalado. Mas, fugir para onde? — perguntariamos, “Para bens reais” seria certamente a resposta obtida. Mas o vendedor dos tais bens reais teria recebido um cheque ou um crédito na moeda legal e, a ndo ser que resolvesse sacar em dinheiro, passaria a ser ele o detentor da Moeda Indexada via aplicagao destes recursos no Open. £ evidente que 0 nosso vendedor de bens reais poderia decidir também nifo ficar com os cruzados, usando-os imediatamente para comprar alguma coisa. Neste caso 0 “mico” estaria repassado para o segundo vendedor. E assim sucessivamente, até que um ultimo vendedor faria 0 depésito no Over, equilibrando o sistema. Na alternativa de que um dos agentes resolvesse manter em casa o dinheiro recebido pela venda de um ativo real, haveria a destruigéo de Moeda Indexada, substitu{da agora por moeda manual. Nesta situagao um intermedidrio financeiro do sistema ficaria sem rolar parte de sua carteira de titulos puiblicos ¢ perderia reservas pelo saque do dinheiro, Neste caso 0 ajuste automatico feito pela Mesa do uc no fim do dia, recomprando titulos piblicos e emitindo reservas para “zerar” 0 banco que ficou deficitétio, restabeleceria 0 equilfbrio do sistema. O governo estaria trocando divida ‘onerosa por divida sem 6nus (moeda manual). ( ponto mais relevante nesta situago descrita diz respeito ao mercado de bens € no ao mercado monetério. Se 0 processo de troca da Moeda Indexada por bens em um mesmo dia, ou mesmo em dias subsequentes, for muito violento, teremos uma verdadei- ra explosio de pregos. Neste caso a velocidade de circulagaio da moeda na economia estaria no limite, sem que ocorresse 0 colapso do sistema monetério. Terfamos entretan- toum forte constrangimento de ordem quantitativa no lado monetério, na medida em que a Moeda Indexada estaria sendo corrigida pela inflagio passada (defasada de um més) € 0s pregus pela inflagéo presente. Mas, mesmo este limitador quantitativo & muito frdgil, na medida em que existe a parcela niio monetéria, poupanca financeira, dentro do total de Moeda Indexada em circulagao e que poderia cobrir este hiato. Finalmente devemos discutir a relago entre os intermedidrios financeiros, emis- sores de Moeda Indexada, ¢ 0 nc. As operagdes de Open Market em mercados estéveis sfio realizadas dentro de um sistema operacional muito diverso do existente no Brasil. Os {ttulos pablicos, que sao o instrumento bésico das transag6es, estio dilufdos em carteiras de varios agentes econémicos. Um primeiro grupo destes agentes € formado pelas instituigdes financeiras que usam.os titulos piblicos como reserva de segunda linha, isto 6, como um estoque de liquidez para fazcr frente a eventuais problemas de caixa. Outro grupo, os chamados dealers, mantém um estoque adicional de titulos para atender sua clientela. Tudo se passa como se o dealer fosse um comerciante que mantém estoques 12- ECONOMIA E SOCIEDADE ‘A.Moeda Indexada para atender prontamente as demandas de seus clientes. Esse estoque ¢ financiado com recursos tomados emprestado junto 2 outros bancos ¢ clientes. Normalmente este financiamento € obtido através de uma operacdo de venda destes titulos com recompra contratada e prazos e taxas previamente acertados. Existe portanto um risco associado a este estoque operacional, na medida em que os t{tulos tem uma taxa de juros fixa ¢ 0 mercado de recompra varia de acordo com a liquidez do mercadu. Este potencial de perdas funciona como um inibidor da carteira especulativa do dealer. Outro grupo de tomadores dos titulos piblicos so as empresas nao financeiras, os indivfduos e investidores institucionais, entre eles os fundos de previdéncia, segurado- ras ¢ fundos miituos de investimentos. Nesse caso temos investidores finais que com- pram os papéis para aplicar seus saldos de caixa ¢ poupanga financeira. Existem ainda aqueles que compram tftulos com 0 objetivo de especular com 0 comportamento futuro das taxas de juros, Nesse caso temos a alternativa de manter uma posigdo “longa”, titulos comprados e financiados no mercado, ou “curta” com titulos “alugados” e que séo vendidos no mercado para uma recompra futura, Mas sem 0 “guarda-chuva” do Banco Central como acontecia no Brasil. Acxperiéncia de varios anos de financiamento deste mercado levou a uma divisio dos titulos piiblicos em dois grupos: o primeiro de papéis curtos, com menos de um ano de prazo, para dar uma maior facilidade operacional ¢ menor risco. O segundo grupo é formado por papéis de prazo mais longo, de até trinta anos, o que dé uma estabilidade maior A divida pablica. Os papéis curtos, chamados Letras do Tesouro, giram basica- mente no mercado monetario ¢ so a matéria-prima das operag6es de Open. Os papéis mais longos sfio demandados pelos investidores de longo prazo e tém uma importancia secundaria nas transagdes do Banco Central para ajuste do estoque de moeda da economia. Em ambos 0s casos nfo existe entretanto nenhum compromisso de liquidez, formal ou informal, por parte do Banco Central. Quem compra titulos corre todos os riscos de liquidez ¢ de resultados relativos as suas decisées de investimentos. ‘A operagaio do Banco Central no mercado tem como motivagao basica a manuten- do de um nivel adequado de liquidez em fungao de sua politica monetiria. Comprando ou vendendo titulos da carteira dos dealers cle influencia as reservas do sistema bancério ¢ detona um processo de ajuste na liquidez da economia. No caso brasileiro a relagiio entre Autoridade Monetdria ¢ sistema bancario é completamente diversa. Os titulos puiblicos se transformaram ao longo dos anos 80em ‘mero mecanismo formal de captagdo de recursos de curtissimo prazo para o Tesouro. Os Xinicos compradores das ORTN ¢ LIN cram as instituigées financciras, que as utilizavam para captar recursos junto ao pablico em operagées de um dia. Para tal, em fungdo do ‘volume de suas carteiras, as instituigdes financeiras tinham assegurado acesso total ao nc para redesconto destes papéis caso nao houvesse liquidez suficiente no mercado. Por outro lado, havia uma garantia informal do Bc de que as taxas de juros do Overnight, formadas logo de manhi para sua mesa de operagées, cobririam a inflagdo corrente estimada ¢ mais um juro real. Por este arranjo institucional 0 nc perdia totalmente sua capacidade de reduzir as rescrvas bancérias, ¢ portanto sua capacidade de levar adiante uma politica monetéria cfetiva. O volume de reservas bancérias era sempre determinado pelos agentes econémicos via ajuste da posigso de titulos pablicos. ECONOMIA € SOCIEDADE - 13 [Luiz Carlos Mendonca de Barros 3. O Plano Cruzado e a questiio monetaria Oeentendimento da equipe que trabalhou na formulagao do Plano Cruzado era que, no contexto institucional da Moeda Indexada, nao era possfvel a execugiio de uma politica monetéria com um minimo de operacionalidade. Portanto, o restabelecimento da ordem no mercado financeiro era um pressuposto bésico para o sucesso de um programa de estabilizacao. A separaciio entre moeda de um lado e poupanga financeira de outro era um de seus desafios mais importantes. A redugo brusca da inflagio deveria transformar uma parte significativa dos recursos do Open em depésitos A vista. A parcela correspondente & poupanga do setor privado deveria ser realocada no investi- mento em titulos finais, e no mais nas chamadas operagdes de recompra. Com isto diminuiria muito o volume de recursos aplicados no Overnight, permitindo & Autoridade Monetéria a climinago do compromisso do nivelamento de reservas dos bancos comerciais, a chamada zeragem automdtica. Com uma carteira de titulos piblicos financiada em mercado que nfo representasse varias vezes seu patrimOnio, os interme- didrios financeiros poderiam correr os riscos inerentes a esta forma de descasamento entre ativos passivos. O fim da correcio monetéria nos t{tulos de curto prazo ¢ a volta dos contratos com juros nominais complementariam as transformagoes. No lugar da indexagdo dos contratos financciros vinculada a um indice de inflagdo pretendia-se trabalhar com taxas de juros nominais flutuantes. Neste sistema os juros variariam de acordo com as condigées do mercado financeito. Estariam portanto refletindo as expectativas dos agentes em relagdo A inflago futura © as condigdes de liquidez impostas pela politica monetéria do Bc. Os contratos financeiros de prazos maiores estariam ligados aos juros de curto e médio prazo via uma condigao de flutuagio periédica, como no caso da Lipor londrina. ‘A cstabilidade deste novo sistema deveria ser atingida com a climinagao da fonte priméria de emissaio de mocda, ou seja, o desequilibrio financeiro do governo federal. Durante a primeira metade dos anos 80 0 Tesouro vinha expandindo a liquidez da economia via 0 chamado Orgamento Monetério. Fora das contas do Orgamento Fiscal aprovado pelo Congresso e com a liberdade total de emissao de titulos piblicos dada pela lei complementar 21, 0 Bc vinha financiando este déficit oculto pela emissio de titulos pablicos que eram imediatamente transformados em Moeda Indexada pelo sistema bane4rio. Durante os anos mais criticos de nossa crise cambial de 1981-3 esta expansio de liquidez foi mascarada pela contrago da moeda gerada pela perda de reservas externas ¢ pelos depésitos em moeda estrangcira efetuados no ac pelo setor privado (resolugdes 432 ¢ 230). O quadro que apresenta as causas de expansio ¢ contragio da Base Monetéria neste periodo € muito claro neste sentido. O Plano Cruzado Hoje, quando o Plano Cruzado jé 6 histéria, pademas verificar a importancia que cle teve na trajetdria ds economia brasileira desta tltima década. Medido pela reagao do piiblico em relag&o a moeda, podemos verificar que ele foi 0 nico a ser ‘entendido como 14 - ECONOMIA E SOCIEDADE AMoeda Indexada um verdadeiro plano de estabilizagtio. Em um curto espago de semanas 0 ptblico recompés seu estoque de moeda em niveis s6 verificados na segunda metade dos anos 70, quando a inflaco brasileira era da ordem de 60% a 70% a.a. A relagdo entre a Base Monetéria ¢ 0 pip voltou a faixa dos 5% e o M1 passou a representar quase 10% do PIB. A expectativa de uma inflagio baixa recompés 0 estoque de moeda da economia, destruindo a Moeda Indexada, e restaurou a chamada poupanga financeira. Esta prova de confianga dos agentes econdmicos no plano trouxe entretanto duas consequéncias terriveis para o seu préprio sucesso. A primeira, no campo monetario, foi a transformagfio de uma massa considerdvel de Moeda Indexada, quase 5% do PE, em moeda bancéria (depésito A vista). Como depésito compuls6rio da Moeda Indexa- da é de 100%, sua transformagao em depésitos a vista, com um compulsério médio na €poca da ordem de 38%, acabou liberando uma enorme capacidade de empréstimo para © setor bancério. Isto em um momento de explosio da atividade econémica interna. Alguns dos membros da equipe do plano, principalmente os diretores do Bc, advertiram para esta armadilha e propuseram um compulsério de 100% para o aumento dos depésitos a vista descorrentes da mudanga de comportamento do piiblico. ‘A medida nao foi aprovada por dois motivos bdsicos: 0 primeiro, defendido pelo entio presidente do Bc, dizia respeito & questo da rentabilidade dos bancos comerciais, principalmente os maiores deles, com a brusca queda da artecadagao do imposto inflacionério sobre os depésitos A vista e 0 “float” de suas operagdes. O segundo argumento contra a medida vinha principalmente do entao ministro da Fazenda ¢ tinha a ver com a necessidade de a economia trabalhar com juros baixos durante o perfodo de congelamento de pregos. ‘A explosiio do crédito bancério foi um estfmulo insuportével para uma economia 4 aquecida pela elevacio do salério real, em fungao da redugao brusca da inflagao, € pelo processo de queima da poupanga financeira em fungio da ilusio monetéria dos juros nominais baixos. Do ponto de vista técnico, foi um dos maiores ertos cometidos na gestdo do Plano Cruzado. Outro impacto macrocconémico importante do chamado processo de monetizagao daeconomia brasileira em 1986 foi o aumento de quase cinco vezes no financiamento da divida paiblica com mocda. A consequente diminuigdo do custo da divida mobilidriateve um impacto importante na redugdo do déficit puiblico. A curta experiéncia do Plano Cruzado revelou uma outra armadilha importante instalada no arcabougo institucional da Mocda Indexada: a ilusio monetéria dos juros nominais. Uma parcela ponderiivel dos poupadores, principalmente nas faixas B e C da populasio, acostumados a rendimentos nominais da ordem de 10% a 15% ao més, quando diante de juros nominais da ordem de 15% ao ano, passou a resgatar suas aplicagdes (principalmente cadernetas de poupanga) para financiar seu consumo. Inde- pendentemente da questo teérica da politica monetdria durante os primciros meses do Plano Cruzado — muito mais uma questiio de explosio do crédito bancério—, a forga da ilus&io monctéria dos juros nominais baixos foi uma grande surpresa. E é certamente um complicador adicional importante em qualquer plano de estabilizagao que provoque uma queda répida da inflagio. A taxa de juros real que evita este comportamento irracional do pequeno ¢ médio poupador é clevada demais para permitir uma certa ECONOMIA E SOCIEDADE - 15, Luiz Carlos Mendonga de Barros estabilidade do setor real durante o plano de estabilizago. Esta 6 uma face importante do que se pode chamar Cultura da Inflag&o no Brasil. ‘A conjugagiio dos efeitos sobre o crédito bancério da remonetizago da economia ¢ da destruigo da poupanga financeira, via processo de ilusio monetéria dos juros nominais baixos, foi uma fonte importante de dificuldades enfrentadas pelo Plano Cruzado, © yue us cnsinow coisas fundamentais para o entendimento do sistema de Moeda Indexada no Brasil. Mudangas no sistema financelro As reformas introduzidas no sistema financeiro brasileiro no contexto do Plano Cruzado procuravam iniciar um processo de desindexagao dos contratos financeiros. ‘Somente para as cadernetas de poupanca foi mantido o critério anterior de corregio monetéria. Para tanto foi criado o mercado interbancario, até entdo proibide por lei, com transagSes a partir de um dia. O objetivo deste novo mercado, o chamado cor, era 0 de permitir 0 aparecimento de uma taxa de juros que refletisse as expectaitvas do mercado € que pudesse ser usada como indexador financeiro para os contratos de prazo mais Iongo. Algo parecido com a t1Bor existente no mercado internacional. Do mesmo modo foi langado um titulo piiblico de médio prazo, seis meses a um ano, indexado as taxas de juros das Ltw curtas de 28 dias. A idéia central foi a de substituir a indexagdo baseada na inflagdo passada (indices de pregos defasados de trinta dias) por juros que incorporavam. aexpectativa futura de aumento de pregos. Outro ponto importante das alteragSes foi a criagao de um imposto de renda mais clevado nas operagées financeiras de curto prazo. Seu objetivo era provocar, por mecanismos fiscais, uma separagio mais répida ¢ eficaz da Moeda Indexada e da poupanga financeira, Esta mini-reforma financeira foi implementada em outubro de 1986, quando os sinais de colapso do Plano Cruzado jé eram evidentes. Com as expectativas dos agentes contaminadas pelo pessimismo em relago ao futuro, nfo foi poss{vel avaliar-se a opera- cionalidade do sistema de taxas flutuantes em um mercado financeiro como o brasileiro. A questio fiscal no Plano Cruzado Na gestio do ministro Dilson Funaro foram tomadas duas medidas fundamentais na tentativa de separar de forma institucional o Banco Central do Tesouro. A primeira, ‘oencerramento da chamada “Conta Movimento” do Banco do Brasil (88) vinha corrigir uma falha que vinha das reformas de 1964-5. A capacidade de emissfio monetéria pura sem controle de um banco comercial do porte do Banco do Brasil eraum defeito notado por muitos mas que nenhum ministro, por mais ortodoxo que fosse, teve coragem de enfrentar. Para preservar a fungdo do np como agente importante do governo, principal- mente na érea agricola, a Conta Movimento foi substitufda por suprimentos do Banco Central, aprovados de acordo com as prioridades do governo. Estas operagées passaram 16- ECONOMIA E SOCIEDADE ‘A Moeda Indexada mais tarde a compor as contas do Orgamento Geral da Unio, votado e aprovado pelo Congreso Nacional. ‘A segunda mudanga foi a criagiio da Secretaria do Tesouro Nacional, projeto que estava engavetado havia varios anos. Este érgio passou a centralizar a execugio financeira do Orgamento da Unifio e a ser responsdvel pela gestio da divida publica mobiliéria federal. Posteriormente, com a criagio do Orgamento Geral Unificado, abrangendo inclusive as operag6es de crédito da Unido, e a revogagio da lei comple- mentar 21, estava completada a modernizagao institucional das contas fiscais do governo federal. Esta separaco institucional entre 0 Tesouro ¢ 0 Banco Central era condigo essencial para a retomada do controle monetério pelo governo. O fracasso do Plano Cruzado e a volta da moeda indexada A partir do segunda semestre de 1986, quando 0 fracasso do Plano Cruzado jé era conhecido por um grupo de técnicos do governo, mais uma vez altera-se o quadro institucional do mercado. No fundo, o langamento das Lec ¢ dos Fundos de Curto Prazo nada mais era do que a criagio de condices institucionais para acomodar a volta da inflagdo clevada c da indexagao da moeda. O fato de ser a Lc um titulo emitido pelo Banco Central ¢ nfio pelo Tesouro Nacional tinha um objetivo claro: mostrar a todos que se tratava de uma moeda ¢ nao um titulo de crédito. ‘Além desta mensagem conccitual clara, a LBc incorporava formalmente 0 conceito daindexagio financeira. A variagdo do valor de face das Lec: estava vinculadaa taxa média de juros nas opcragdcs de um dia no sistema Selic, ¢ no mais, como desde a criagio das oi em 1964, a um fndice interno de precos. A principal consequéncia da criagdo desta nova forma de indexagao foi 0 “‘casamento” entre os depésitos no Open (passivo dos intermedidrios financeiros) c a carteira de titulos vinculados a estes depésitos (ativos dos intermedidrios financeiros). Para dar-se maior transparéncia a esta nova situagao foi alterado o critério de contabilizagdo das operagGes de Over. A partir de 1988 as institui- (g0es financeiras passaram a registrar suas operagdes de recomprade titulos pablicos como ‘um depésito em seu exigfvel de curto prazo, ao lado dos depésitos & vista, dos depdsitos a prazo e dos depésitos interbancérios. Pela primeira vez os ntimeros da contabilidade das instituigdes financciras registraram os compromissus de recompra, trazendo ao nivel do consciente a verdadeira dimensio da Moeda Indexada. ‘Como langamento ativo correspondente aos depésitos do Open as instituigdes finan- ceiras registram sua carteira de titulos piblicos vinculada (lastro) aos compromissos de recompra. Esta nova maneira de contabilizagao de tais operagdes explicitava suas és caracterfsticas bésicas: (1) cram depésitos de um dia; (2) tinham um compulsério de 100% ‘cm titulos piiblicos; (3) 0 detentor cfetivo dos titulos ptiblicos eram os intermedidrios financeiros. ‘Como complemento importante a esta estrutura institucional do Open foi criado um imposto de renda, exclusivamente na fonte, para as opcrages de curto prazo. Este novo tributo buscava dois objetivos basicos: o primeiro, como um imposto “policia”, visava inibir as fraudes aos limites quantitativos de depésitos do Open. Esta preocupa- ECONOMIA E SOCIEDADE - 17 Luiz Carlos Mendonga de Barros 40 € importante para evitar-se a “exposure” excessiva dos intermedidrios financeiros, principalmente os de menor porte. © segundo objetivo do me de curto prazo era o de permitir a cobranga do imposto inflaciondrio sobre a Moeda Indexada. Existia ainda um terceiro objetivo que era 0 de voltar a criar uma yield curve, das taxas Ifquidas de m, positivo no mercado. A capluséo da inflago apés 0 chamado Cruzado m recompés rq quadro da Moeda Indexada. A memsria inflacionéria ainda viva e 0 mecanismo operacional para a ealizagio das operagSes em massa de Overnight intacto fizeram com que 0 proceso de desmonetizagao fosse ainda mais rapido do que a monetizagao da economia em marco de 1986. A novidade institucional do inicio de 1987 foi a utilizagao da ac como titulo de lastro das operagdes no Open. Com ela o sistema da Moeda Indexada estava plenamente sancionado, principalmente pela eliminago total do risco econémico dos intermedisrios financeiros. Outro fato importante observado neste perfodo de desmonetizagao da economia toi de novo a explicitagiio da realidade Uv Ueposity winpulsério de 100% da Mocda Indexada. Com a diferenca de que, desta vez, substitufa-se um ativo monetério com 40% de compuls6rio (os depésitos & vista) por um outro com 100% de compulsério em titulos piblicos. O efeito sobre a liquidez da economia foi o contriirio daqucle verifica- do em margo de 1986, com uma destruicao brutal do crédito bancério. O Banco Central foi obrigado entio a criar mecanismos especiais de liquidez para evitar um verdadeiro “credit crunch” com inevitaveis quebras de instituigdes financeiras. Mesmo assim, 0 volume de quebras ¢ concordatas de empresas do setor real foi suficientemente grande para provocar enormes prejuizos nos intermediérios financeiros bancérios. ‘0 novo sistema do Open mostrou sua operacionalidade, tanto no que se refere & parte dos novos titulos (L8) como na parte tributéria. Terminada a ilustio do Cruzado, voltévamos a indexagao do sistema financeiro, agora na sua fase terminal. A fase terminal — 1987-90. A explosio inflaciondria nos dois dltimos anos do governo Samey testou a0 méximo anova estratura da Moeda Indexada em nosso sistema financeiro. A aceleragao brutal da inflago, principalmente depois do fracasso do chamado Plano Verao, pratica- ‘mente destruiu a moeda tradicional da economia. Da mesma forma, o medo da hiperin- {flagdo aberta trouxe para o Over a quase totalidade dos recursos da poupanga financeira. ‘A fusiio da moeda e da poupanga nunca foi to ampla como neste perfodo. ‘A aceleragio da inflago de um més para 0 outro foi de tal ordem que 0 conceito de {juro real nas operagdes de Open virou uma abstragdo. A necessidade de colocar as taxas ‘didrias do Open om linha nfo mais com a inflagao do més anterior, mas sim com a inflagao ou expectativa da inflagao corrente, praticamente destruiu a operacionalidade do sistema, Ocupom dos titulos indexados ao Qver passou de 200% ao ano, na tentativa de acomodar uma inflago que se acclerava a uma taxa de 15% ao més. As vésperas da posse do presidente Collora indexagdo formal do sistema financeiro criado 25 anos antes chegavaa seu fim sob 0 peso de uma inflagao de mais de 200.000% ao ano. 18- ECONOMIA E SOCIEDADE

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