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Possibilidades e Limites das Teorias Psica- naliticas: a questo da religiosidade' liana Waingort Novinsky* ‘Ao percorrermos a histéria da Psicanslise, podemos observar ‘que a partir de vértices diversos originaram-se concepgbes ¢ praticas psicanaliticas diferentes. Cada perspectiva teérica nasce sempre da singularidade do seu autor e dos impasses que a teo- via e a técnica psicanaliticas encontearam em um determinado momento de sua histria F fundamental procurar compreender os contextos nos quais surgem as formulagdes psicanaliticas para podermos fazer uma apreensio rigorosa do que os diferentes autores podem nos for- necer, explictando o inédito de suas contribuigées, que se origi- naram a partie de suas singularidades, e ressaltando também os limites de cada uma delas ‘Toda teoria psicanalitica traz conteibuigbes as questées co- locadas pela pritica clinica e também apresenta limites que se- & io ampliados por novas teorias. Ateavés de um posicionamen- 10 frente a elas podemos ampliar nosso conhecimento, com 0 objetivo de poder lidar com os novos sofrimentos que chegam aos nossos consult6rios. Para isso, precisamos fazer a leieuea de um autor em diferentes niveis, procurando ter claro as 4 ° “a influéncias ¢ caracteristicas presentes em suas teorias,assumidas explicitamente ou nio. Partindo deste ponto de vista, tomare- mos, como exemplo para o tipo de andlise proposta, Sigmund Freud e a teoria psicanalitica que nos ofertou, focando na ques- tio da religiio e da religiosidade como foi vista por ele e suas consequéncias para a pritica psicanalitica, 1 Amigo elaborado a parte de confe- i candi rincia realzada na Sociedade Pore Freud e a criagdo da psicandlise fucsa de Pcandlie, Lisboa, feveriro e201, Como sabemos,a Prcaniise surge a partir da experiéncia de + Pais, mantras ds Freud no tratamento das neuroses, em seu consultério de es- Syl Baila de Pais de yecialista em moléstias nervosas. ssar de apresentar-se como __loeia Social pela Faculdade de Filosofia, pecial ; Apesar de ap tase Fmd tas da “judeidade” de Freud foram vetores da elaboragio de finial Fai Hot sua experigncia clinica assim como de seus conceitos te We stomata 2566 105-117 saneRO20 es utot8 RO cormous nl 18 & rota 5200 106 es oto RO comous nt 108 Judaismo, os temas fundamentais que Freud aborda e sobre (0 quais constréi o edificio tebrico da psica psicanalitica, so temas aparentados 3s questdes fundamen- tais do Judaismo, entre as quais podemos destacar a questio da interpretagio, a compreensio da Historia, a importancia da palavra, entre varios outros (Safra, 2001). Betty B. Fucks nos prope pensar o vinculo de Freud com 6 Judaismo a partir da categoria de “judeidade”. Enquanto a condigo judaica designa uma situagao estética, definida pela f- liagioe pelo culto, a “judeidade” é um projeto subjetivo que tem © futuro como horizonte, transgride os modelos do passado ¢ escapa is contingéncias do mero nascimento. A condicio judai- ca é um estaruto, um enraizamento comunitério, uma origem. A “judeidade”, pelo contratio, ndo esta na origem, mas no fim. Nio é uma identidade herdada, é uma construgio permanente, a recusa de toda identidade fixa,a eterna busca do nao-idéntico. A “judeidade” € 0 exilio, a errincia, a travessia do deserto, a lise e da clinica experiéncia de uma inelutavel “estrangeridade” (Fucks, 2000), (© conhecido pensador ¢ ensaista americano Harold Bloom assim se expressou sobre esta questio: “a judeidade mais pro- funda de Freud, voluntiria ou involuntitia, foi sua paixio pela interpretagio” (Bloom, 1989, p. 52}. ‘Além da importincia do Judaismo na formagio pessoal de Freud, também deve-se destacar a educagio que recebeu no gins- sio austeiaco e na Universidade de Viena, que enfatizavam a cul- tura humanistica e a cigncia, ambas profundamente absorvidas por Freud. Podemos perceber a influgncia da culeura ocidentalca- zacterizada pelo empirismo, incorporado pela Psicanalise. Como a cultura ocidental, a Psicandlise nio é uma cultura do livro, da leiturainfnita da tradigio, mas da observagio e da relagio direta da natureza interna do ser humano com 0 mundo que o rodeia Como nos diz Paulo Sergio Rouaner, filésofo estudioso de Freud e da Psicandlise © freudismo nio € fruto do Judaismo, mas da re- lagio instaurada entre o Judaismo e pensamento ocidental. £ dessa relagio que a psicanslise advém. A psicanalise no é judia nem goy, € o resultado da confluéncia e do contlito entre as duas culturas. Nio é uma sintese dos dois polos, é a impossibili- dade de toda sintese, a0 mesmo tempo, a impossi- bilidade de uma separagio. (Rouanet, 2002, p. 18) Ne Sho PRU, 28) 105-147 se 213 Nos escritos de Freud encontramos vimeras citages da li teratura poética, dramética e novelesca, que conhecia bem, ad- mizava os clissicos gregos e latinos, como W. Shakespeare, M. Cervantes, |. Goethe, H. Heine, J. Schiller, além de seus contem- pordneos como Stefan Zweig, Arthur Schnitzler e Thomas Mann, entre outeos. Com eles partilhou de grande prazer estético e tam- bhém as inquietagdes universais. As obeas destes grandes autores foram modelos para seu estilo de escrita,além de descreverem os processos mais obscuros da alma humana, que prefiguraram para Freud muitas das descobertas da psicanslise (Mezan, 1982, p. 33) Freud desejava ser um homem de cigncia, seu objetivo era criae uma ciéncia sobre a alma humana, que possuisse um objeto préprio ~o inconsciente e suas eis; uma metodologia especifica =a interpretagio do discurso dos pacientes na “situagio analiti- ca; que se baseasse na descrigo dos fenémenos observados na situagio analitica e na formulagio de leis gerais a parti deles; ‘que constitusse um corpo de conhecimentos acumulados por meios adequados, transmissiveis a quem desejasse se apropriar deles, verficéveis e retificdveis. Como afirma Freud em uma de suas conferéncias, a psicandlise é fundamentalmente uma disci- plina cientfica, partilha da visio de mundo da ciéncia e deve ser avaliada pelos critérios aceitos de cientificidade. ‘Tudo isso acontecia na Viena dos fins do século XIX, onde ‘ocorriam profundas transformagies na sensibilidade e no pensa- mento até entio vigentes e a volea com movimentos de renovagio «em todas as reas. A psicandlise freudiana é contempordnea des- tas teansformagées fundamentais nos ensinando que o racional mergulha no emocional, que a inteligéncia também é governada pelas paixées, que 0 conteiido manifesto de uma ideia se ancora numa complexa rede de desejos e de pensamentos latentes. 0 método psicanalitico pretende ser cientifico e racional. Oto Fenichel insttucionalizou esta compreensio melhor que qualquer ‘outeo, quando disse sobre a psicanslise: “O assunto é irracional, rnio o método” (Fenichel, 1941, p. 13, tradugio do autor). Em ou- tras palavras, Feud herdou do Romantismo o objeto de estudo, a icracionalidade,o inconsciente,os sonhos, a feminilidade,a sexual dade, as profundidades obscuras do espirito humano, mas eriou tum método e uma teoria baseados na racionalidade iuminista, ob- jetiva e cientifica. Entre as grandes realizagies de Freud esté o fato de ter aproximado a racionalidade iluminista da subjetividade ro- imaintica as influéncias grega e judaica, Atenas e Jerusalém (Strauss, 1967/1997). Mas ele o fez aproximando-as para separi-las, entre ‘o método e o objeto de investigacZo, entre o analista e 0 paciente We stomata 2566 105-117 saneRO20 ie utot8 RO comcoes nt 107 & H O° NI 108 2 Ino apesar de Freud te feito vieias observes sobre a questo da conta teandertncia e suas implicages que {pari da dscada de 1940-90 form dkseavolidas 2 pomto de tornaremse hoje fndarnensts para a li ie uot RO cormcous nl 18 Do ponto de vista metodolégico, Freud pretendia eliminar 0 “ator subjetivo”, ¢ a “judeidade” era definitivamente um fator subjetivo, o analista-cientista devia portanto observar com um olhar neutro, universal, e néo com um olhar Ginico, idiossinerd- tico, Segundo sua visio, para a psicanzlise ser uma ciéncia obje- tiva, a singularidade do analista individual nao devia interessar*, © ideal iluminista freudiano de ciéncia via a Psicanslise como aquela que libera o individuo da ilusio da eeligio. A Psicanali- se oferecia a Verdade em substituicio da religiio, considerada uma fantasia regressiva. A crenca religiosa era considerada “uma causa perdida”, “uma neurose infantil”, e Freud homenageava apenas 0 “Nosso Deus, Logos” (Freud, 1927/1996a, pp. 53-54), Freud, a Psicandlise e a religiao ‘Como sabemos, Freud escreveu virios trabalhos sobre religito e a longo de suas obeas encontramos numerosas referencias a esse tema. Nio € nosso propésito aqui aprofundar a anise destas ‘deias, mas vale destacar que ele apresenta o fendmeno religioso como uma defesa contra o desamparo, como uma necessidade da civilizagio e como uma iluséo, na medida em que a religiso no defende o homem da natureza (estamos sujeitos a terremoros, inundagdes, vuledes.. a natureza é inexoravel, majestosa, cruel, impessoal); ndo retfica a cultura (permanece o mal-estar, embora o.atenue com promessas de um mundo melhor); e nao defende 0 hhomem de seu destino {embora 0 console com promessas e afc _maées nao verifcaveis). Em outras palavras,a religito iludiria 0 hhomem porque, baseada em uma hipétese dominante, uma ver- dade universal, propée-se a nio deixar nenbuma pergunta sem esposta, a fornecer uma “Weltanschauung", uma visio de mun- do. Desse modo, tudo o que inquieta o homem teria uma solugio. Contrapondo-se as ilusées religiosas, Freud prope a ciéncia A grande contribuicio da Psicanslise, segundo ee, era ter esten- dido a pesquisa cientfica & vida mental Oscar Pfister, pastor protestamtee psicanalista, grande amigo e interlocutor de Freud, se contrapunha is suas ideas sobre a relighio a religiosidade, e em uma carta ditigida a ele assim se expressou © senhor sorrira a0 saber que acho que o méto- do psicanalitico que o senor criou é uma maneira espléndida de esclarecer e promover 0 desenvolvi- mento da religiio [...). Seu liveo foi resultado de uma necessidade interna, um ato de honestidade, ¢ Ne Sho PRU, 28) 105-147 se 213 de tom confessional. Seu colossal trabalho de toda uma vida nao teria sido possivel sem o aniquila- mento de falsos deuses, estivessem eles nas univer- sidades ou nas paredes das igrejas. Qualquer pes- soa que tenha tido o prazer de ter convivido com 6 senhor sabe que o senhor serve a ciéncia com a admiragio e 0 fervor que elevam o seu gabinete de trabalho a um templo. Falando francamente: tenho tuma forte suspeita de que o senhor batalha contra a religito a partir de um sentimento religioso. (Pfister, 1928/1993, pp. 557-579, tradugio minha) Nesta carta, Pfister chama a atengao de Freud para 0 fato de que ele nao esta levando em conta a diferenciagio entre 0 sentimento religioso, a experiéncia do sageado que reconhece © aponta no proprio Freud, na sua relagio com o seu trabalho, chamando 0 seu consultério de um templo, e a religido como conjunto de praticas e rituais institucionalizados e organizados ao redor de todo tipo de igeeias. As criticas mais contundentes que Pfister fazia a Freud eram sobre sua postura materialista, uma visio flos6fica derivada do Iuminismo do final do século XVII, ¢ também por considerar a realidade e a ética como algo evidente, as quais a ciéncia no podia responder (Argelazi, 2008). Outro amigo de Freud, Romand Rolland (1866 ~ 1944), pré- mio Nobel de literatura que também discordava das suas ideias sobre religijo, assim se expressou numa linda carta: Sua analise da religiio é muito justa. Porém, eu gos- taria muito de vé-lo fazer uma anilise do sentimento religioso espontiineo ou, mais exatamente, do. sentir religioso, que é completamente diferente das relies no sentido estrito do termo,e é muito mais duradouro. © que eu quero dizer & independentemente de qualquer dogma, de qualquer credo, de qualquer Igreja organizada, de qualquer Livro Sagrado, de qualquer esperanga na sobrevivéncia pessoal etc., simplesmente 0 sentimento do “eterno” (que pode muito bem no ser eterno, mas simplesmente sem limites perceptiveis, tal como o sentimento oceani- co). Esta sensagio, admite-se, tem um carater sub- jetivo. Mas o fato de ser comum aos milhares (mi- thoes) de homens que existem atualmente,com seus We stomata 2566 105-117 saneRO20 es utoe8 Rot coon nt 18 & H 9 \o milhares (milhdes) de nuances individuais, romna-o passivel de andlise, com uma exatidio aproximada. bl Eu mesmo posso dizer que essa sensagio me é fa- milliar, Ao longo de minha vida, ela nunca falhou; € sempre encontreinela uma fonte de renovagio vita. Nesse sentido, posso dizer que sou profundamente “religioso” sem que esse estado constante (como uma fonte de agua que sinto fluindo sob um barco) afete de alguma maneira as minhas capacidades de critica ea minha liberdade para exe v6 contra a imediater da experiéncia modo, sem desconforto ou contradigio, eu posso le- var uma vida “religiosa” (no sentido desse sentimen- to prolongado) e uma vida de razio critica (que & sem ilusio)... Eu devo acrescentar que esse sentimen- to “ocednico” nada tem a ver com minhas aspiag pessoais. Pessoalmente, aspiro por um descanso eter no; a sobrevivéncia nfo tem nenhum atrativo para mim. Porém, 0 sentimento que experimento se me impae como um fato, Ele € um contato. E 0 fato de eu reconhecé-o idéntico (com miltiplas nuances), em & tum grande niimero de alas viventes, aiudou-me a ccompreender que essa era a verdadeita fonte suber. rinea da energiarelgiosa a qual, subsequentemente, foi coletada canalizada e sugada pelas Igrejas, embo- ra possamos dizer que éno interior das Irejas (quais- quer que elas sejam) que o verdadeiro sentimento “religioso” é menos encontrado, (Rolland, ctado pot Ancona-Lopez, 2005, pp. 147-159) las ~ mesmo que isso. terior, Desse IIo (© proprio Freud comenta essa carta em O Mal-Estar na Civilzagon As opinides expressas por esse amigo que tanto respeito |...) causaram-me no pequena dificulda- dle, Nio consigo descobrie em mim esse sentimento “ocednico”. Nao é facil lidar cientificamente com sentimentos. Pode-se tentar descrever os seus sinais fisioligicos. Onde isso nao é possivel ~ e remo que © sentimento ocednico desafie esse tipo de caracte- rizagio ~, nada resta senio cair no contedido idea- ional que, de forma mais imediata, esta associado a0 sentimento, Se compreendi corretamente © meu Ne Sho PRU, 28) 105-147 se 213 ie utot8 RO cormoes nt 110 & rota 5200 amigo [..] trata-se de um sentimento de um vi lo indissolivel, de ser uno com 0 mundo externo ‘como um todo. Posso observar que, para mim, isto parece, antes, algo da natureza de uma percepcio incelectual, que, na verdade, pode vie acompanhada de um tom de sentimento, embora apenas da forma ‘como este se acharia presente em qualquer outro ato de pensamento de igual alcance. Segundo minha propria experiéncia, no consegui convencer-me da nnatureza priméria desse sentimento; iso porém no me dé o direito de negar que ele de fato ocorra em uteas pessoas. A tinica questio consiste em saber se ele esté sendo corretamente interpretado e se deve ser encarado como a fonts ¢ origo de toda a necessidade de religido. (Freud, 1930/1996), p. 82) A partie dai, Freud passa a desenvolver a hipdtese de que o 10 corresponde a um estado primario que 0 ego ja viveu um dia, antes de se diferenciar do mundo exter- no. Este estado de indiferenciagio, que é observado em casos de patologia grave, ¢ & normal no ego infantil, teria persistido em alguns individuos. © sentimento de unidade existiria a0 lado do ae sentimento do ego mais estrito e discriminado da maturidade, como um correspondente seu. Nesse caso, 0 contetido ideacio- nal a ele apropriado seria exatamente o da ilimitabilidade e 0 de um vinculo com o universo, Freud reconhece que a resposta que da & questo proposta por Romain Rolland € pouco satisfatéria, uma vez que ele no tem acesso a esse sentimento “oceanico”. Em seguida esclarece que em O Futuro de wna Ilusio nao pretendia investigar pro- priamente a origem mais profunda do sentimento religioso, mas aquilo “que o homem comum chama de religifo ~ 0 sistema de doutrinas e promessas que Ihe explicam os enigmas do mundo” (Freud, 1930/1996, p. 92). Apesar da imensa riqueza e diversidade do fendmeno religioso «em todas as épocas e culturas, Freud jamais reconheceu que este pudesse ser um fendmeno que expressasse uma vivéncia pessoal « cultural legitimas, e sua importancia na constituigao do Self. Isso trouxe consequéncias importantes: por conta das ideias de Freud, a religiosidade se tomnou quase um sindnimo de pato- logia, neur6tica ou psicética, ou no minimo uma defesa iluséria contra ameagas externas, reduzindo muito nossa compreensio do fendmeno religioso. A partir de suas ideias, do existencialismo H H H We stomata 2566 105-117 saneRO20 ee tot ROL cocoa 111 & rota 5200 Ii2 ie uo RO cormous nt 112 do marxismo {para nos referirmos a algumas influéncias), ter f@ se tornou, além de suspeito, algo considerado fora de propésito, em ‘muitos meios intelectuais e, em especial, nos psicanaliticos. Ao contririo das ideias de Freud, 0 pensamento cientifico ‘no substituiu 0 pensamento religioso; observamos na atuali- dade uma explosio da religiosidade no mundo inteiro, sob to- das as formas, correntes e tendéncias; no entanto, hoje, como ontem, a religio continua relegada a uma existéncia marginal no universo da psicologia, da psiquiatria e, com frequéncia, da psicoterapia e da psicanslise Esta interpretagio de Freud da religiosidade foi seguida du- zante muito tempo pelos psicanalistas, o que levou a psicanslise a fechae as suas portas a experiéncia espiritual tanto dos pacien- tes quanto dos analistas, o que explica os poucos relatos sobre esta questio de que dispomos até recentemente. Como ilustracio dessa atitude podemos lembrar a afirmagio de Otto Fenichel, no seu livro clissico Problemas da Téenica Psicanalitica, wm texto que influenciou a teoria ea prética de psicanalistas por décadas: Diz-se que as pessoas religiosas em andlise permane- cem nao influenciadas em suas filosofias religiosas, pois a prépria andlise pretende ser filosoficamente neutra, Eu no acho isso certo, Vi tepetidamente que através da anilise das ansiedades sexuais e 0 amadu- recimento da personalidade esta ligagio com a reli: ‘gio termina. (Fenichel, 1941, p. 89, raduco minha) Se levarmos em conta.a animosidade hist6rica entre psicandlise € teligido em geral, e psicandlisee crenga religiosa em particular, nao ‘nos surpreendera observar como a experiéncia religiosa nao esteve presente em nossos consults. Isto se deve, provavelmente, 8 in- terpretagio freudiana reducionista da experiénciareligiosae ao fato dda psicanilise nio ter aberto suas portas a experiéncia espiritual tanto dos analistas quanto dos seus pacientes. Sem diivida,a pouca frequéncia com que este tipo de experiéncia é relatada na psic lise est diretamente ligada & perspectiva do paciente de como 0 analista costuma perceber einterpretar a religiio e a religiosidade Como os psicanalistas ¢ filésofos da ciéncia apontam, uma visio contempordnea de ciéncia contesta toda dicotomia estrita entre cigncias naturais e todos os outros campos, incluindo a psicandlise e a religio. Tanto a cigncia quanto a racionalidade, de um lado, quanto a religido e a espiritualidade, de outro, si0 ‘mais complexas e multidimensionais do que Freud postulava. Ne Sho PRU, 28) 105-147 se 213 Alguns autores, embora se dizendo simpsticos & experigncia religiosa e mistica, as vem com suspeita, como infantis e ilusé- Fins, irracionais eregressivas, como por exemplo Ostow (2007) © problema, a nosso ver é que estio ligados a uma visio de ser humano comum & teadigio psicanalitica cléssica, e assim pre- ‘ocupados com a distingdo entte realidade e ilusSo, seguindo o modelo da pulsio, que 0s leva ainda hoje a concluir que a cexperiéncia religiosa¢ ilusbra, servindo apenas para gratificar aa necessidade instintual de vinculo, identiicando a dinamica do misticismo como um “distirbio do ego”, um “passo regressivo para trés, para alucinagio e perda do teste de tealidade”. Perde- -se assim a possbilidade de transformagio da ilusio, seu po- tencial de enriquecimento e sua ampliagio através do processo maturacional tio bem descrito por Donald D. Winnicott. Varias correntes na psicanslise contemporinea tém feito uma forte critica a estas posigées da psicanlise cléssica. A nogio atual de cincia, assim como a epistemologia contemporinea, 4 grande importincia & subjetividade do cientista, © que tor- nou possivel também uma mudanga na posiglo do psicanalista, ‘que hoje leva em conta suas perspectivas pessoais e sua subjeti- vidade, inclusive as suas crengas religiosas e seu background, de H H w modo a the permitir uma reflexdo sobre como isso afeta tanto & seu trabalho clinico quanto suas formulagies teéricas Como exemplo desta tendéncia, podemos citar o texto de Ahmed Fayek (2004), sobre o Isli e seu efeito na sua pritica psicanalitica; de Lewis Aron (2003) sobre a influéncia de Deus na sua visio da psicandlises e Anna Maria Rizzuto (2004) s0- bre o background catélico-romano e a psicanilise. Ao refletirem sobre sua formagio étnica e religiosa, demonstram como a ex- perigncia religiosa, de diferentes maneiras, contribuiu para que ‘encontrassem grande afinidade e realizaglo pessoal no trabalho psicanalitco, Isto nos remete novamente a nossa ideia inicial, de como nosso background, nosso pertencimento a uma determi- nada etnia € momento histérico determinam, mesmo que nio conscientemente, como ocorreu com Freud, nossa manera de ser enquanto psicanalistas © nossas possibilidades de estarmos, atentos 20 que nossos pacientes nos apresentam. Donald D. Winnicott contribuiu com um outro paradigma para a psicanilise, pois vé a ilusio como fundamental ao proces- so maturacional através da qual o bebé pode alcangar a realidade compartilhada ¢ niio como uma defesa. A capacidade de ilu- so é, portanto, neste contexto, uma necessidade para aleangar a relagio com os outros e através da experiéncia transicional We stomata 2566 105-117 saneRO20 ie uot RO comoes nl 113 & rota 5200 114 ie utot8 RO cormous nt 116 podemos chegar & experigncia cultural, relacionando a realidade externa e interna (Winnicott, 1988/1990). Para Winnicott, 0 homem nao nasce pronto, mas se consti- tui através da relacio, do encontro com 0 outro, denteo de um ambiente familiar e sociocultural historicamente determinado, pprocesso que se mantém por toda a vida ‘Winnicott refleiu sobre as condigdes do devir do ser huma- no, isto é de seu ethos, ¢ com um olhar sempre aberto para 0 inédito nos fala sobre 0 sofrimento contemporineo que se dé pelo esfacelamento deste ethos. A clinica passa a ser pensada como tendo por fundamento uma ética que possibilitaré a recu- peragio do ethos humano fragmentado. [Até bem pouco tempo a psicandlise,em seu compreensivel afi de legitimagio como cigncia positiva, entendeu como necessério 6 banimento de toda atencio & experiéncia emocional ligada a0 mistério da vida e ao sagrado, subserevendo concepgdes de mun- do que nao contemplavam a religiosidade, enquanto necessidade humana, compreendendo-a em termos de mera expressio de um infantilismo psicol6gico que ansiatia, em seu desamparo, por um poder benevolence vindo de uma dimensio sobrenatural Enquanto o préprio avango da cigncia, ns éltimos séculos, veio deixar claro os alcancese limites da teoria feudiana,ensejando uma ecuperagio da importincia da éica e da religiosidade, a expansio do pensamento psicanalitico na cultura, bem como as transforma- bes sociais ¢ culeurais que vém ocorrendo, modificaram os soft :mentos eas demandas que se apresentam na clinica contemporiinea. Vemos surgir assim uma psicanslise que precisa lidar com novas formas de sofrimento humano, que certamente se vinew- lam de modo essencial com as condigdes da vida concreta no mundo atual, originadas no projeto moderno em que vivemos, em uma cultura excessivamente definida pelo tecnol6gico em to- das as suas facetas, excessivamente racionalista e de nomeacio ‘Vemos surgirem fendmenos peculiares e subjetivos, jé desde a década de 1960, como as personalidades “como se”, faso self, personalidades simulacro e assim por diante [As queixas que recehemos em nossos consult6rios estio hoje ais ligadas & busca de sentido da existéncia que se expressa, de modo mais ou menos intenso, por meio de sensacbes de fu- tilidade, de vazio, de depressio. Trata-se da vivencia de estra- snhamento de si, da incapacidade de se sentir vivo e real, da im- possibilidade de viver ~ e digo viver porque se trata de questio existencial e no de questio meramente cognitiva ~ de “sentir que a vida vale a pena” Ne Sho PRU, 28) 105-147 se 213 © ponto importante a salientar & que esta clinica nio visa, como anteriormente, a recuperagio de um saber sobre si mes- ‘mo, a interpretacio “explicativa”, voltada ao resgate do recal- cado num registro representacional, e sim a conquista de um estado existencial, no qual é possivel ao individuo sentie-se real (Winnicott, 1971/1975). Nesta perspectiva é impossivel escapar A questio da religiosidade, rotulando toda fé como sintoma de infantilismo, pois as questdes relativas ao sentido da existéncia e A sensagio de estar vivo remetem inelutavelmente experiéncia ‘emocional voltada a dimensio do sagrado. Fora do Ambito de um atendimento capaz de acolhes, sem dou- twinag, a experiéncia emocional que inclui o sagrado e o divino,e tendido como uma imagem e experiéncia de deus presente, cons- ciente ou inconscientemente, em todos nds, difcilmente se poders atingir a experiéncia mutativa, que é 0 fundamento de toda clinica Somos desta forma sensibilizados no sentido de conduzie a ‘questionamentos acerca do quanto o estudo psicanalitico do ser hhumano tem sofrido distorgses a0 nio considerar em toda sua complexidade um aspecto absolutamente fundamental e distin- tivo da natureza humana, Certamente nio nos cabe discutie a existéncia ou no de deus, ‘que é uma tarefa da teologia, mas nos cabe compreender com rigor o fendmeno da religiosidade e da espiritualidade, que estio presentes em todos os seres humanos, através das experiéncias do sageado e do divino, Minha intengio ao trazer para discussio a questio da reli- siosidade na clinica psicanalitca contemporainea ~ sem divida, sem esgori-la~é exemplificar como nossas teorias aferam a nos- sa possibilidade de estar com os nossos pacientes, a maneira como estamos com eles e as questies que fazemos a eles, a nds rmesmos € & nossa profissio como um todo. Nossas teorias podem limitar e mesmo nos impedi de obser- var 0s fenmenos que se apresentam em nossos consultérios. Ao rem e nos permitirem uma abertura para ‘6 outro que nos chega, podem provocar 0 seu adoecimento a0 no contemplarem aspectos ontolégicos do ser humano, o ethos invés de nos sensibil humano, como no caso da questio aqui apontada, suas necessi- dades ecaractersticas transcendentes E preciso nos mantermos sempre abertos para o inédito que (0s pacientes nos trazem, pois nos apresentam nao apenas sua di- niimica intrapsiquica, mas também os sofrimentos presentes no mundo contemporineo. A questdo da rligiioe da religisidade esti hoje, para a ciéncin e a psicanilise, como 0 Outro que se We stomata 2566 105-117 saneRO20 ie utot8 Rot comoes il 118 & 4 H uw REFERENCIAS 116 ies uot RO comooes nl 118 {mpe para ser considerado e compreendido, como as histéricas © foram para Freud no inicio da psicanslise ‘Como dizia Charcot, em um aforismo que Freud muito apee- ciavas “La ehéorie, c'est bon, mais ga n'empéche pas d'exister” (“A teoria é muito boa, mas isso nio impede os fatos de existi- rem", Charcot citado por Gay, 1989, p. 62) . Ancona-Lopez, M. (2005), A espiritualidade e os psicélogos, In M. M. Amatuzzi (Org.). Psicologia e Espiritualidade. Sio Paulo: Ed. Paulus. Argelaz, PL. (2008). Psicandlise e Religito. Dissertagio de mes- trado, Pontificia Universidade Catélica de Sao Paulo, Sao Paulo. Aron, L. (2003, 4 de absil). God's Influence on My Psychoa- nalytic Vision and Values. 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(Trabalho original publicado em 1988). 8 iginal p 4a Possibilidades e Limites das Teorias Psicanaliticas: a questio da re-_RESUMO | suMRIARY & ligiosidade Este artigo discute as possibilidades¢ limites das teorias psicanaliticas, tomando como exemplo a questio da religiosidade tal como foi compreendida pela psicandlise, a partir das ideias de Freud, suas consequéncias, e como isto tem repercutido na pratica dos psicanalistas hoje. | Possibilities and Limits of the psychoa- nalytical theories: the religiousness issue This article discuss the possibilities and limits of the psychoanalytic theories, considering the issue of the religiousness as understood by psychoanalysis sit ce Freud and the consequences to psychoanalytical practice today. Teoria psicanalitica. Religiosidade. Freud. Winnicott. | paLaynas-cuave | KEWoROS Psychoanalytic theories. Religiousness. Freud. Winnicott ILANA WAINGORT NOVINSKY Rua De. Guilherme Bannit2, 90, ¢j 52 (04532-060 ~ Sio Paulo ~ SP tel: 11 99105-3470 ilanawn@gmail.com sceavo 1y.04 2014 bupuilananovinsky.weebly.com sean 17.05.2013 We stomata 2566 105-117 saneRO20 ie ato RO comcous nt 117 & rota 5200

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