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O ESTADO DE S PAULO

7 DE ABRIL DE 1988

“O comércio se
enriqueceria com tudo
isso que a ignorância
despreza”
Eis a íntegra do pronunciamento do jornalista Rodrigo Lara
Mesquita presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, durante os
debates de ontem no Seminário Brasil-Alemanha Meio Ambiente
2000:
"Esse negócio de preservação, conservação, defesa do meio
ambiente pode ser muito bonito, mas o que me interessa é aqui o
meu bolso.
Veio assim: de repente e de chofre. E não foi a única vez
nem a única pessoa: sempre como uma afirmação definitiva sem
nenhuma intenção de abertura uma troca de idéias - "Para que
falar de uma bobagem, assunto de românticos e outras espécies
de marginais?"
A oportunidade para uma resposta chegou com este seminário
promovido pelo instituto Goethe e os jornais O Estado de S.
Paulo e Folha de S.Paulo. E para sua formulação vamos recorrer
a quatro viajantes europeus que percorreram o Brasil, na época
do Império, e que foram antes de tudo brilhantes repórteres com
alguma formação na área da Botânica, da Geologia e da Zoologia,
Detinham também uma relação com o processo de ocupação do
território que era fruto da própria história européia - a sua
cultura,
A montagem que se seguirá abaixo foi feita com trechos da
"Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil" (1), de Jean Baptiste
Debret; da "Viagem Pitoresca Através do Brasil" (2), de João
Maurício Rugendas; da "Viagem pelo Distrito dos Diamantes e
Litoral do Brasil" (3), de Auguste de Saint Hilaire; e da
"Viagem ao Brasil" (4), de Hermann Burmeister. - Não houve
nenhum critério na escolha destes outros naturalistas - todos
os viajantes europeus que deixaram registro de sua estada por
aqui, depois da reabertura dos nossos portos, com a vinda de D.
João VI para o Brasil, em 1807, no início do processo que nos
levaria à independência, não escondiam a estupefação com este
processo de ocupação de uma nova terra. Esta discussão - a do
processo de ocupação do Brasil - já tem, pois, mais de dois
séculos, ainda que nem sempre com acesso ao grande público.
Vamos, portanto, a esta leitura livre destes viajantes e aos
nossos argumentos: "Com muita justiça os viajantes que
percorrem o Novo Mundo citam o brasileiro como o habitante mais
cortês e afável da América do Sul. Essas qualidades ele as deve
em parte à influência de um clima delicioso que, fecundando-lhe
as belas plantações, apenas exige dele que fiscalize
sossegadamente as abundantes colheitas cuja importação
constitui a base de seu comércio marítimo (1)...
... Para estabelecer uma comparação entre as florestas do
Brasil e as mais belas e antigas do nosso continente, não basta
ressaltar apenas a maior extensão das primeiras, ou o tamanho
das árvores. Faz-se imprescindível assinalar ainda, como
diferenças características, as variedades infinitas das formas
dos troncos e das folhas e dos galhos, alem da riqueza das
flores e da indizível abundância de plantas inferiores e
trepadeiras que preenchem os intervalos existentes entre as
árvores, contornam-nas e enlaçam-lhes os galhos, formando dessa
maneira um verdadeiro caos vegetal. Nossas florestas não podem
sequer darnos uma idéia mesmo longínqua (2)...
Eis como se faz a surriba nas capitanias do Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Goiás, etc: começa-se, se necessário, por cortar
as melhores madeiras da floresta virgem, pondo-se fogo em
seguida; à floresta sucede a capoeira, composta de espécies
diferentes e muito menos vigorosas. Torna-se a incendiar esse
novo matagal, e isso várias vezes, até que se transforme em
capinzal; queimadas sucessivamente as árvores e os arbustos, o
terreno se cobre completamente de uma gramínea verde-cinza,
chamado “capim-melado”ou “capim-gordura”, que engorda cavalos e
gado, mas não os fortifica (1)...
O Brasil possui imensos recursos alimentares, principalmente
para os seus habitantes, que são extremamente sóbrios... Penso,
finalmente, que se percorressem as florestas do Brasil com
sábios brasileiros e estrangeiros, encontrar-se-iam mil
recursos conhecidos e o comércio se enriqueceria com tudo isso
que a ignorância despreza; e esse sentimento eu o compartilho
com inúmeros viajantes que admiram o Brasil (1)...
Pernambuco, bem como as províncias vizinhas, cultiva o mais
belo algodão da América meridional;... o pau-brasil dá nessa
região excelentes resultados; mas já começa a faltar e o
comércio muito breve não terá mais lucros na sua exportação,
outrora tão importante. Esse empobrecimento é, aliás, devido
exclusivamente aos brasileiros, que confiam demasiado na
fertilidade de seu solo para a multiplicação das árvores úteis
e se persuadem com facilidade de que a arte não pode ajudar o a
natureza, o que os faz abandonarem a criação de sementeiras,
esse grande progresso da agricultura (1)...
...O brasileiro, e principalmente os que formam fazendas ou
alugam seus serviços de feitor, não passam, na maioria, de
especuladores, cujo objetivo é enriquecer o mais depressa
possível e voltar para a Europa com seus lucros. Muitos há, que
abandonaram sua pátria por motivos pouco honrosos, e nenhum
deles se apega aos país nem aos seus hábitos; ao contrário,
vêem, em tudo, um motivo de especulação e não têm, tampouco,
pela sua prosperidade, sua plantação, seus escravos, o mesmo
amor e os mesmos cuidados do indígena, o qual espera
transmiti-los um dia a seus filhos, ao passo que a única
preocupação dos outros é a de tirar o maior proveito no menor
prazo, sem se incomodarem, em absoluto, com o que possa
acontecer; por isso mesmo, os escravos desses homens são sempre
estragados pelos trabalhos excessivos (2)...
...Todas as vezes que atravessei florestas virgens, depois
de ter percorrido durante algum tempo regiões descobertas,
experimentei um sentimento de profunda admiração. É aí que a
Natureza mostra toda a sua magnificêcia, é aí que ela parece se
descobrir na variedade de suas obras; e. devo dizer com pesar,
essas magnificas florestas foram muitas vezes destruídas sem
necessidade (3)...
...Aqui, e provavelmente em todo o Brasil, não há, como na
Europa, o uso de explorar inteiramente uma certa extensão de
floresta; escolhem-se aqui e acolá as árvores que se quer
cortar e o lenhador s abate à sua altura, para não ter
necessidade de curvar o corpo no trabalho. Mesmo que as árvores
fossem abatidas ao nível do solo, os tocos, privados de ar e
logo abafados pelas lianas, não poderiam produzir brotação: com
mais forte razão os tocos de 3 a 4 pés de altura devem logo
secar e morrer. Quando passei por Macaé, as belas árvores já
começavam a se tornar raras e frequentemente eram procuradas
em florestas muito distantes da embocadura do rio. Assim,
enquanto de um lado os brasileiros ateiam fogo a imensas
florestas, sem outro proveito que o adubo passageiro, de outro
lado, quando exploram árvores preciosas, fazem-no de modo a
concorrer para a extinção de suas espécies... se o governo do
Brasil continuar a ligar tão pouca atenção ao que se faz
atualmente na exploração das florestas brasileiras, pode-se
prever com segurança que em breve os navios irão da Europa ao
Brasil carregados de tábuas de madeiras de construção (3)...
...Uma roça assim cultivada e arrancada à mata virgem é
aproveitada apenas alguns anos. O motivo é óbvio: o campo deixa
de receber o adubo necessário, pois os animais soltos andavam
pelo mato, e o terreno irregular e acidentado, situado nas
faldas das montanhas, facilmente emprobece. Torna-se então
necessário conquistar novo espaço para outras roças, ficando a
antiga ao abandono. Nela cresce logo um mato de árvores fracas
e baixas, formando-se uma cobertura de vegetação entremeada de
lianas ou cipó. É a capoeira dos brasileiros, espécie de defesa
natural, constituída de vegetação arbustiva, cuja denominação
deveria antes ser carrascal, pois, comparada com a selva, a
capoeira não passa de um cerrado de arbustos aos olhos do
viajante. Enquanto ainda há campo para novas culturas, o colono
deixa o mato em paz. Da capoeira tira a lenha e os cipós, sendo
estes empregados como cordas, especialmente na construção de
casas; servem para içar traves e pranchas e para prender os
tijolos às tábuas. Os pregos são uma preciosidade e daí os
múltiplos serviços que o cipó presta. Tirado assim da capoeira
tudo o que ela pode dar, chega, finalmente, a sua vez de ser
queimada. Cortam-se os arbustos a facão, incendiando-se em
seguida. O terreno assim, novamente limpo, serve para a cultura
por alguns anos, até que outros campos o substituam,. É esta a
forma pela qual o colono brasileiro faz a sua cultura nacional.
Meditando sobre o aspecto que as forças novamente
transformadas em capoeiras quase selvagem ofereciam,
prosseguimos viagem. Não me pude furtar a certo sentimento de
mal-estar, de desgostos, de decepção, até. Em vez da paisagem
tropical opulenta e rica, que esperava pode admirar, deparavam-
se-me aquelas largas extensões de campos meio devastados,
malcobertos por uma escassa vegetação , que deixava ainda
entrever a sua passada grandiosidade e beleza nos velhos
troncos carbonizados elevando seus galhos secos para o céu como
a clamar a justiça e a acusar o homem do seu crime. Nos lugares
onde a morte assim não se mostrava, era a capoeira com seus
arbustos desordenados que havia; cá e lá, algumas árvores
esparsas, cuja copa verdejante fora destruída ou queimada em
parte; e a paisagem não era menos desoladora. Em todo lugar
onde me foi dado contemplar a obra do homem o aspecto foi o
mesmo; a mesma febre de destruição propositada. Assim se me
apresentou a paisagem brasileira sobre a influência do
homem...”(4...)
...O homem, na conquista do solo para a suas culturas, não
procede econômica e racionalmente., Visando apenas lucros
rápidos, lança mão do fogo, que inutilmente destrói as belezas
naturais muito além das necessidades momentâneas. Uma única
árvore se salvou da ação destruidora das labaredas. Esse
aspecto de ruína da paisagem brasileira nas regiões onde se
iniciou a cultura do solo causa uma impressão dolorosa ao
viajante (4)...
As árvores derrubadas sobre o caminho somente são cortadas
quando seu diâmetro passa de um pé, caso em que ou os animais
não podem vencer o seu obstáculo, ou correm o risco de
tropeçar. A secção que se tira do tronco nunca é da largura do
próprio caminho, mas apenas do tamanho justo para dar passagem
a um animal, e o cavaleiro é obrigado a levantar os pés para
não tocar o obstáculo ao passar. No começo, quando ainda não
estava acostumado a viajar por tais estradas, tinha sempre
vontade de apear e remover a barreira do caminho, mas a
exclamação brasileira “Que homem!”- misto de surpresa e
desprezo ao mesmo tempo, assim como se dissessem “Que diabo
estúpido!” - levou-me em breve a desistir de meus filantrópicos
intentos. No Brasil, ninguém, cuida do outro - cada qual trata
de si - e eu tenho a convicção de que não foi o mesmo homem que
derrubou a árvore quem a cortou também na parte que obstruía o
caminho, mas sim outro alguém, que veio mais tarde e deparou
com o obstáculo atravessado na passagem. (4)...
...Segundo o que relatei, observa-se que em um espaço de
vinte léguas passei por duas cidades e cinco aldeias. Isso
prova como foram povoadas outrora as zonas auríferas da
Província de Minas, mas, à medida que o ouro desaparece, a
população desaparece com ele e dirige-se em massa às regiões
agrícolas,. Entrementes as terras destas regiões das quais tudo
se retira e nada se substitui, serão rapidamente esgotadas. em
poucos anos um pequeno número de homens terão estragado uma
imensa província, e poderão dizer: “É uma terra acabada”. então
a necessidade imperiosas força-lo-à a renunciar a este sistema
agrícola destrutor; mas já não haverá consolo para a lembrança
das belas florestas cujas árvores preciosas, exploradas com
critério, poderiam ser úteis a uma longa sucessão de
gerações”(3)...
Acredito que só com estes dados a resposta à questão inicial
estaria dada. Mas podemos acrescentar alguns números de hoje
para reforçarmos nossos argumentos: o Brasil tem 850 milhões de
hectares; destes, ocupamos hoje cerca de 285 milhões de
hectares (33%). Cerca de 85 milhões de hectares para usos
urbanos e a nossa malha viária, 50 milhões de hectares para a
agricultura e 150 milhões de hectares para a pecuária. Só o
cerrado, que corresponde a cerca de 20% do território nacional,
ou seja, 180 milhões de hectares, poderia suprir todas as
nossas necessidades de expansão de produção de grãos; hoje,
sua ocupação agrícola restringe-se a sete milhões de hectares.
Mas a nossa meta não é nem ocupar racionalmente o cerrado
nem aumentar a produtividade a padrões mundiais mínimos, num
país que tradicionalmente menospreza as tecnologias mais
avançadas. O nosso discurso ainda é voltado para a ocupação de
nossas novas fronteiras - um processo que mais depredou do que
contribuiu de fato para um desenvolvimento harmônico e
responsável. Afinal, nós ainda podemos continuar
irresponsavelmente para frente: não interessa que isso tenha
significado a morte da bacia do São Francisco e a morte muito
próxima da bacia do Paraná. Não interessa que esse processo
irracional de ocupação de nossas fronteiras agrícolas acarrete
num prazo de tempo muito curto a condenação para sempre ao
subdesenvolvimento de toda uma região, coimo ocorreu a partir
da década de 30 no Norte do Espírito Santo e Sul da Bahia. Não
interessa que comprometamos com mercúrio todas as bacias
hidrográficas do País, do Oiapoque - hoje um rio morto por este
metal pesado - ao Chuí. Não interessa que esta ocupação
irracional se traduza também em enchentes sistemáticas em
regiões industriais - como a do vale do Itajaí, em Santa
Catarina -, e em regiões agrícolas - como a do vale do Ribeira,
em São Paulo.
O que interessa “é aqui o meu bolso”, como notou Hermann
Burmeister em sua viagem por nossas terras: “No Brasil, ninguém
cuida do outro - cada qual trata de sí”. Em outra passagem: “Os
funcionários de então preocupavam-se mais com seus próprios
interesses do que com os do Estado”.
É este nosso problema. E poderíamos utilizar os mesmos
viajantes para argumentos, pois não só a ocupação do território
os preocupava: a formação de nossas instituições, a composição
da raça, a preocupação sempre inexistente com a educação foram
também alvos de suas observações, que serviriam de fonte para
os grandes explicadores da nossa nação: Oliveira Lima, Caio
Prado, Gilberto Freyre, Oliveira Viana, etc. E que, em última
instância, poderia explicar a profunda crise que o Brasil
atravessa: de desconfiança, de descrédito. Quase caracterizando
uma situação de anomia social.
E o que a Mata Atlântica tem a ver com tudo isso? É simples:
originariamente, entre Floresta amazônica e Floresta Atlântica,
o Brasil tinha cerca de 445 milhões de hectares e hoje este
potencial florestal está restrito a cerca de 350 milhões de
hectares. E a perspectiva, no caso de a ocupação continuar
ocorrendo no mesmo ritmo, é de que este pontencial seja extinto
até o ano 2.050. Em relação à floresta Atlântica, o fim está
mais próximo: dos 50 milhões de hectares de sua área original
restam hoje, cerca de 5 milhões de hectares e a perspectiva é
de que ela esteja extinga até o ano 2.000.
Assim, nós, da Fundação SOS Mata Atlântica, trabalhamos
contra o relógio por não desejarmos que nosso país se torne o
primeiro nos tempos contemporâneos a ser responsável pela
extinção de todo um ecossistema e, portanto, autor do mais
grave desastre ecológico dos nossos tempos. E por estarmos
convencidos de que num futuro já visível, em função da
biotecnologia, o banco genético composto pela Floresta
Atlântica terá significado econômico muito maior do que
atividades econômicas mais do que predatórias, o que seria
aceitável, depredatórias., E que têm dado retorno a bem poucos.
Se de sejamos exportar madeira, que pelo menos beneficiemos a
matéria-prima aqui e que, em função disso, a Nação como um todo
ganhe de fato com esta atividade.
Para terminar, lembrando antes a questão que suscitou este
texto: “Esse negócio de preservação, conservação, defesa do
meio ambiente é muito bonito, mas o que interessa é aqui o meu
bolso”, citarei uma frase do historiador francês Fernand
Braudel, que deveria sempre ser lembrada por nós brasileiros:
“Para ser é preciso antes ter sido”.

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