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Às vezes nos acostumamos muito com o que ouvimos ao ponto de não refletirmos mais
sobre o seu real significado, com isso, embora muitas verdades sejam ditas, nem sempre
conseguimos captar o seu valor. Quero propor uma reflexão sobre uma dessas verdades que nos
acostumamos a ouvir, mas que talvez em algum momento tenha se perdido algo de seu sentido.
É comum falarmos e também ouvirmos falar sobre “Cristo em nós”, às vezes em frases
soltas, outras em citações do texto bíblico de Colossenses 1:26, 27; mas talvez seja hora de
repensarmos o significado dessas palavras. Muitas vezes pensamos que “Cristo em nós” é
simplesmente a presença dele dentro de nós, mas se observarmos as palavras de Paulo aos Gálatas
encontraremos um novo conceito para isso.
“Meus filhinhos, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja
formado em vós.” Gl 4:19
Paulo está afirmando que Cristo deve ser “formado” em nós. A palavra utilizada nesta
passagem no texto grego é →morfê = forma, que é diferente de → skéma = forma ,
figura, semelhança exterior e efêmera, passageira. Enquanto morfê indica tanto caráter essencial
como figura. Então o que precisa ser formado em nós é a essência daquilo que é Cristo.
Quando se diz “até que”, quer dizer que Cristo não é colocado pronto e acabado dentro
de nós, existe um processo através do qual Ele vai sendo formado em nosso interior.
No Velho Testamento Deus disse que colocaria sua Lei dentro dos nossos corações.
“(...) Porei minha Lei no seu interior e a escreverei no seu coração(...)” Jr 31:33
Para nós “coração” fala de emoção, sentimento, mas para os judeus daquele tempo o
significado era diferente. “Coração” representava o centro da inteligência, a sede do pensamento.
Tendo esse entendimento em mente podemos afirmar que Cristo deve ser formado dentro de nossa
mente, ou seja, precisamos ter as mentes transformadas e conformadas (com a forma) à mentalidade
Cristo. O nosso padrão de pensamento deve ser baseado em Cristo, em suas palavras e atitudes. Não
pode haver uma mentalidade na Igreja que seja menor que a mentalidade de Cristo, senão
poderemos ser qualquer coisa, menos embaixadores do Reino de Deus, por isso precisamos buscar
edificar essa mente de Cristo em nós. Mas, como já vimos, isso é um processo, não começa num dia
e termina noutro, começa em Cristo e vai até a eternidade, em outras palavras: começa com o novo
nascimento em Cristo e vai até a plenitude de Cristo, pois Ele é “o princípio e o fim” (Ap. 1:8).
Assim podemos reler o texto de Colossenses 1:26 e 27:
“O mistério que estivera oculto dos séculos e das gerações, mas agora foi manifesto
aos seus santos, a quem Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério
entre os gentios, que é Cristo em vós a esperança da glória.”
Percebemos que o desejo de Deus sempre foi que houvesse Cristo em nós, desde todos
os tempos, pois Cristo em nós é a esperança da glória. Mas essa “glória” não é a “glória” cantada e
desejada como morada por muitos, pois o propósito desta “glória” é fazer com que os gentios a
vejam e sejam participantes da mesma. “Glória” no grego é = doxa = majestade, honra e
dignidade. “Glória” passa a ser muito mais do que aparência exterior, é qualidade de caráter, é algo
em nós que chama atenção do mundo para ver Cristo em nós e ter esperança de tornarse
participantes da mesma glória. Precisamos parar de viver uma vida medíocre e usar essa desculpa
de “olha pra Jesus, não olhe para mim...”. Onde o mundo verá Jesus? Se Cristo não puder ser visto
na Igreja (pessoas) não poderá ser visto em lugar algum. Deus deseja que as riquezas dessa glória
sejam vistas refletidas na Igreja. A Igreja é responsável por refletir a glória de Deus sobre a Terra.
A multiforme sabedoria de Deus deve se tornar conhecida por intermédio da Igreja (Ef. 3:10).
Cristo é a Palavra (Jo. 1: 1,14)
João afirma que “no princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus e a Palavra era
Deus”. Depois diz: “e a Palavra se fez carne e habitou entre nós”. A expressão 'carne' simboliza a
natureza humana, é uma referência clara da natureza divina e humana de Cristo. E ele completa
dizendo: “(...) e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e verdade”.
Algo interessante nesse trecho é que a natureza de Cristo foi revelada aos homens por aquilo que
eles viram. Não foi apenas por aquilo que ouviram, mas pelo seu modo de viver, e o seu modo de
viver era determinado por sua essência, pelo seu Ser. Uma vez que a sua natureza era divina, ele
podia revelála em conjunto com a natureza humana deixando assim transparecer aos homens a
semelhança e a natureza de Deus. Cristo não era o que fazia, Ele fazia o que era, o que lhe era
próprio, seus atos revelavam sua natureza pois eram determinados por ela.
Se Cristo é a Palavra, e nós cremos que sim, então podemos nos encher de Cristo à
medida que nos enchemos da sua palavra. Mas é muito importante pensar na sua palavra não apenas
como um manual de regras, pois isso pode gerar um certo tipo de ideologia que poderá trazer uma
alienação religiosa muito perigosa. Precisamos pensar com a mente (razão) e não somente com a
emoção e buscar entendêla a fundo, não desprezando a atuação do Espírito Santo na revelação da
Palavra.
Para continuarmos quero introduzir o significado de duas palavras que por certo abrirão
um pouco mais a nossa mente: Moral e Ética.
Moral é um conjunto de normas e regras de uma sociedade. Ética é princípio
permanente e universal. Moral nem sempre é ética. O ato moral depende da cultura, por exemplo,
para os Judeus do tempo de Cristo, era perfeitamente moral apedrejar as mulheres adúlteras, ainda
que isso contrarie a ética. A moral pensa na prática das normas, enquanto a ética pensa nas
consequências que elas podem trazer. O que é moral aqui, pode não o ser em outro lugar, mas o que
é ético aqui, o será também em qualquer parte do mundo pois a ética visa sempre o bem do ser
humano, o seu valor. Assim sendo, Cristo não agia conforme a moral do seu povo, ele agia
conforme a ética! Ele transgredia a moral, sempre que esta feria a ética. O ser religioso age sempre
conforme aquilo que ele considera moral, o ser espiritual age conforme a ética.
Então um dos primeiros passos em direção à plenitude de Cristo em nós, é agirmos
sempre por um princípio éticoespiritual. Se a moral disser que você pode roubar, ou mentir para se
dar bem aqui, você lembrará que nasceu de novo e “as coisas velhas já passaram” e recorrerá ao
princípio éticoespiritual de que “se torno a edificar aquilo que destruí, constituo a mim mesmo
transgressor” (Gl 2:18). É também deixar de usar as Escrituras para condenar as pessoas, e passar a
usála para resgatar e aproximar como se fosse com nós mesmos, “porque esta é a lei e os profetas”
(Mt. 7:12). É procurar agir sempre de maneira benigna e misericordiosa, pois a “misericórdia
triunfa sobre o juízo” (Tg. 2:13).
À medida que nos aprofundamos no estudo (exame, investigação, trabalho) das
Escrituras recebemos e percebemos traços da natureza divina que, se aplicarmos em nossa vida
cotidiana, poderemos nos tornar mais parecidos com Cristo. Recebemos mais “Cristo em nós”, ou
em outras palavras, Cristo vai sendo gerado em nós. Ele não é gerado em nós pelo tempo e sim pela
experiência com suas palavras, com sua vida. A exposição à sua natureza faz gerar em nós o seu
caráter. Isso exige um esforço espiritual, mental (intelectual), e muitas vezes físico, se quisermos
aprender a ser como Ele, pois afinal para isso fomos chamados: “Vinde mim e aprendei de mim
que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas” (Mt. 11:29).
Fé e graça para que tenhamos Cristo em nós.
Nelício Júnior
01/2006