Gostaria, incialmente, de destacar dois fatos que têm relação direta
com os comentários que farei à seguir: o primeiro, foi uma grave dúvida que tive de qual abordagem utilizar para comentar esse livro e a segunda, talvez mais "grave" a tarefa de contrastar a ação dos irmãos Bielski com o seu oposto, resistência e, numa abordagem cruel, da "colaboração" de setores da comunidade judaica com os nazistas,via os famosos Junderats (Conselhos judeus). No entanto, tudo isso vem permeado com uma vertente que quero expressar de antemão para que eu seja muito bem entendido: como "goy" não me sinto na condição de julgar as motivações de setores do povo judeu nos mais diversos momentos , especialemente quando um verdadeiro massacre estava em curso. Esse cuidado, essencial, baseia-se muito em recente entrevista de Ellie Weisel para a revista "Veja", onde ele demonstrava uma certa discordância com aquela que elaborou uma tese que eu era mais adeso, Hanna Arendt, em seu famos livro "Eichmann em Jerusalém" algo que guiou sempre minha reflexão desde que me vi envolvido por essa verdadeira voragem que consistiu a minha relação com os eventos da 2a. Guerra, Nazismo e Holocausto, algo com que travo contato desde os 14 anos de idade, ou seja, a 31 anos. Acredito que ao ler esse livro, toda essa "carga" tenha vindo em cada letra, em cada palavra, em cada situação que me vi confrontado. Bem se sabe que em face à morte, seja de que forma seja, nos enchemos de coragem, resistimos ou nos entregamos à imolação, tranformando-nos em mártires ou em heróis. Esse esquema que , em tese, simplifica tudo, na verdade rouba as características mais fortes e relevantes de gestos como a dos irmãos retratados no livro de Duffy. Tuvi, Aesel e Zus Bielski não promoveram atos isolados e individuais que os poderiam caracterizar , egoísticamente, como heróis de uma luta que tinha tudo para ser perdida. Fosse assim, eles se perderiam em um oceano de "heróis" que existem para demonstrar que os homens de seu tempo e da posteridade, serviram-se de sua memória para exaltar algo que todos poderiam fazer mas que, por motivos vários, declinaram se fazê- lo. A grandeza dos irmãos consiste em liderarem 1.200 pessoas à salvação pela resistência ao opressor. E como resistiam? Resistiam com armas mas resistiam ao preservar o modo judeu de organizarem-se, de culturarem, seus hábitos, costumes e a própria vida, consistindo, todos, em testemunhas, vivas, do que se passou. Duffy acerta quando não os glamouriza, ao contrário, exibe suas dúvidas, seus acertos, seus erros, suas vacilações e coragem, portanto, tirando-lhes a aura mitológica e reforçando-lhes a humanidade o que, na minha concepção, longe de diminuí-los, engrandeceu-os. Não os mostraram em artificial linearidade, ao contrário, demonstrou-lhes diversos em personalidade, pendores, gostos e desgostos. Mostrou alguns que eram piedosos e outros rigorosos, ao extremo. Enquanto partisans, mesmos submitidos à estrutura soviética de comando, preservaram-se como resistentes judeus em toda a sua grandeza e orgulho. Sobreviveram, com exceção de Aesael que, integrado ao Exército Vermelho, pereceu no cerco de Könisberg. Junto à eles e por conta deles, 1.200 judeus, famílias inteiras, sobreviveram. Qual é o contraste que se pode observar entre a ação deles e do Junderat? Como disse, por desconhecimento, apenas mostrarei o contraste, não elaborarei teorias. Fato é que a história fala por si e exalta os irmãos que arriscaram por várias vezes, seja na mão dos alemães ou dos soviéticos, as suas vidas. Recuperar a história dos irmãos serve-nos muito nesses tempos em que os fatos ganham os longes do passado e ações, talvez desastradas do governo israelense, levam aos Mahmouds Ahmadijads da vida tentarem negar o que ocorreu. No entanto, parece-me inconcebível negar algo que vai além do imaginável, que suscitou gestos desesperados mas também teve sua grandiosidade. São testemunhos eloquentes, inegáveis mesmo oferecendo um recorte de toda a tragédia uma pálida noção do que ocorreu. Seria inoportuno, exatamente por isso, resgatar as histórias parciais e dizer, muito bem isso foi o que aconteceu e correr o risco de que ignorantes minimizem tanta dor ou morte? Pessoalmente, mesmo sendo "goy" , não entendendo a profundidade e as razões dos judeus, arrisco-me dizer que a oportunidade vem exatamente da tentativa de minimizar o sofrimento em uma época onde o sofrimento individual é irrelevante, chegando às margens do desprezível. Seis milhões, seis mil, seiscentas, sessenta, seis mortes qual é a diferença? Todas são mortes, destruição, desespero. Se o ditado judaico "quem salva uma vida, salva a humanidade inteira" é verdeiro, é terrível notar que matamos muito da humanidade no Holocausto e seguimos matando ainda hoje. Também quer me parecer que a advertência de Brecht mantêm-se viva e poderosa: "Eles quase dominaram o mundo! Mas não vos iludis porque o ventre que os gerou ainda é fecundo". Por isso, atentar à resistência dos Bielski é termos novo alento para combater não apenas os renascimentos dos ovos da serpente mas , enfim , estirpar o útero que os acolhe. Utopia? Talvez. No entanto, seja como seja, a história dos Bielski nos serve de alento na caminhada. Leitura indispensável. NOTA DE DIREITOS AUTORAIS: A reprodução dessa resenha é livre desde que citada a fonte e que o texto não sofra alterações , sem fins lucrativos. Quaisquer outros usos com exceção desses, deverão ser autorizados por e-mail em jbliborio@gmail.com.