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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESErsTTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanga a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenca católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
', controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
■"' este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julrto de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada


em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xliii Julho 2002 481
A Fénix: morrer para renascer

"Jesús na boca do povo" (ÉPOCA)


"O Messias antes de Jesús" por Israel Knohl

Dom Vital em processo de canonizacáo

Orar num mundo trepidante

Abusos sexuais na Igreja

Ordalías: Que sao?

"O sucesso do pecador" (VEJA)

O Decálogo de Assis para a Paz

"Me dé um conselho..."

"Conversando com Deus" (III) por Neale


Donald Walsh

"Consciéncia em confuto" por Kenneth Overberg


PERGUNTE E RESPONDEREMOS JULHO2002
Publicacio Mensal N°481.

SUMARIO
Diretor Responsável
Estéváo Bettencourt OSB A Fénix: morrer para renascer 241
Autor e Redator de toda a materia O "outro Jesús" dos apócrifos:
publicada neste periódico "Jesús na boca do povo" (ÉPOCA) 242
Lendo Qumran:
Diretor-Administrador: "O Messias antes de Jesús" por Israel
D. Hiidebrando P. Martina OSB Knohl 248
Um herói em foco:
Administracáo e Distribuicáo: Dom Vital em processo de canonizacáo.. 253
Edicoes "Lumen Christi" A alavanca que levanta o mundo:
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501 Orar num mundo trepidante 260
Tel.: (0XX21) 2291-7122 Valores conculcados:
Fax (0XX21) 2263-5679 Abusos sexuais na Igreja 265
Prática ultrapassada:
Enderezo para Correspondencia: Ordalías: Que sao? 270
Ed. "Lumen Christi" O fascfnio do dinheiro:
Caixa Postal 2666 "O sucesso do pecador" (VEJA) 276
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Nao á guerra:
O Decálogo de Assis para a paz 279
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO Amiga angustiada:
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" "Me dé um conselho..." 282
na INTERNET: http://www.osb.org.br Piedade nao crista:
"Conversando com Deus" (III) por Neale
e-mail: lumen@alfalink.com.br
Donald Walsh 284
"Consciéncia em confuto" por Kenneth
IMPRESIAO
Overberg 286

dtAFICA MAEQUES SAKAIVA COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA


NO PRÓXIMO NÚMERO:

O texto bíblico manipulado e alterado? - Os mitos da pedofilia. - O celibato nao é a


causa. - "O outro Jesús segundo os Evangelhos Apócrifos" (A. Pinero). - Resposta a
Leonardo Boff. - «Os católicos romanos sao cristios?» {J.T.C.). - Batistas herdeiros do
Montañistas, Donatistas, Cataros...?-Nudez na Paulicéia.

PARA RENOVADO OU NOVA ASSINATURA (ANO 2002,


DEFEVEREIROADEZEMBRO): R$ 35,00.
NÚMERO AVULSO R$ 3,50.
O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar, em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ.


2. Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, agencia 0435-9 na C/C 31.304-1
do Mosteiro de S. Bento/RJ ou BANCO BRADESCO, agencia 2579-8 na C/C 4453-9
das Edicóes Lumen Christi, enviando em seguida por carta ou fax comprovanle do
depósito, para nosso controle.

3. Em qualquer agencia dos Correios, VALE POSTAL, enderezado as EDICÓES "LUMEN


CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"


Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro - RJ
A FÉNIX: MORRER PARA RENASCER
O ser humano tende a fazer do visível o trampolim para ¡lustrar o invi-
sível. No folclore de muitos povos há estorietas ficticias cheias de sabedoria;
entre elas, a lenda da fénix, que já Heródoto (séc. V a.C), poeta grego,
contava, e que a tradicáo crista assumiu como significativa da ressurreicao
de Cristo e, indiretamente, dos cristáos. Eis o seu teor:
Havia no longínquo Oriente um país muito feliz, cujas portas se abri-
am para o céu. Nesse país nao existia nem doenca nem sofrimento nem
morte. Lá se achava um bosque habitado por um pássaro maravilhoso, a
fénix, que cantava todas as manhás, saudando o nascer do sol. Eis, porém,
que de mil em mil anos sentía o desejo de morrer para renascer. Deixava
entáo o seu sagrado recinto e vinha pra o nosso mundo, onde reina a morte.
Voava entáo para a Siria (Fenicia); lá escolhia urna bela palmeira, na qual
confeccionava seu ninho, ou melhor, seu túmulo; recomendava sua alma á
Divindade e permitía que seu corpo fosse consumido pelo fogo e assim re-
duzido a cinzas. Destas ressurgia um verme, que se transformava em bor-
boleta e, finalmente, em nova fénix. Tendo renascido a partir das próprias
cinzas, a fénix retomava o vóo e ia levar os restos do seu velho corpo até o
altar do sol em Heliópolis no Egito; ai oferecia-se em espetáculo as multi-
dóes, que a saudavam exultantes. Por fim, retornava ao seu país no Oriente.
Ora essa lenda foi utilizada por S. Clemente Romano (t cerca de 97),
Tertuliano (t 220 aproximadamente), Latáncio (t após 317) e outros autores
cristáos, assim como pela iconografía, para ilustrar a ressurreicáo de Cristo:
Deus Filho veio do "paraíso" ou do estado de felicidade celeste a este mun
do, onde reina a morte. Aceitou morrer, mas voltou á vida num corpo glorio
so, com o qual retornou á "casa do Pai". Assim Ele demonstrou aos homens
que a morte nao é morte, mas, sim, passagem para nova vida. Conseqüen-
temente o cristáo vé na lenda da fénix urna imagem da sua própria ressurrei
cao, configurada á de Cristo.
Como dito, a estória da fénix tinha significado também para o homem
grego pré-cristáo, pois foi primeramente concebida pelo poeta-teólogo
Heródoto. Isto quer dizer que no mais íntimo de cada homem, independen-
temente da sua crenca religiosa, existem a aspiracáo e o senso da imortali-
dade; existe o anseio de superar a morte e conseguir a athanasía, que
segundo os gregos, era privilegio dos deuses. Essa Vitoria sobre a morte é
concedida por Cristo a todos os homens, aos quais Ele promete a ressurrei
cáo da carne. Verdade é que certos ambientes gregos pré-cristáos, impreg
nados de dualismo (cf. 1Cor 15), difícilmente aceitaram a idéia de volta ao
corpo ou ressurreicáo. Prevaleceu, porém, a concepcáo de que o corpo é
elemento integrante do ser humano e deve ter parte na sorte final do indivi
duo.
A lenda da fénix transfigura a morte, fazendo déla passagem para a
plenitude da vida.
"Ó feliz ave, que obteve a vida eterna mediante o beneficio da morte!"
(Latáncio).
E.B.
241
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLIII -N9 481 - Julho de 2002

O "outro Jesús" dos apócrifos:

"JESÚS NA BOCA DO POVO"


(ÉPOCA)

Em súrtese: A revista ÉPOCA (27/03/02) publicou um artigo que


insinúa haverna literatura apócrifa urna imagem de Jesús mais auténtica
do que a dos Evangelhos canónicos; seria o Jesús visto pelo povo como
passionai, por vezes violento com seus amiguinhos e nem sempre púdico.
- Na verdade, os apócrifos apresentam Jesús menino como taumaturgo
todo-poderoso - o que é fruto da imaginagáo de cristáos simples, desejo-
sos de exaltar Jesús. O autor do artigo confunde apócrifos com literatura
racionalista moderna e com dizeres rabínicos. Quanto a Jesús adulto, há
escritos gnósticos que o apresentam ora como misógino, ora como amante
de María Madalena - o que é contraditório e sem autorídade. Em suma,
os apócrifos nao alteram a imagem de Jesús canónico.
* * *

A revista ÉPOCA, de 27/03/02, publicou o artigo "Jesús na boca do


povo", com o subtítulo: "O Cristo dos textos rejeitados pela Igreja toma o
lugar do Messias dos Evangelhos", da autoría de Antonio Goncalves Fi-
Iho. O articulista quer dizer que aos poucos se irá dissipando a imagem
clássica de Jesús em favor da figura de um Jesús libertino e passionai
transmitida pelos Evangelhos apócrifos. - Já que tal tese é grave, vamos
dedicar-lhe as páginas subseqüentes. Comecemos por examinar

1. Os apócrifos: que sao?

A palavra grega apókryphon significa "oculto". No inicio da era


crista era chamada "apócrifa" a literatura nao lida em público na Liturgia,
mas passível de leitura particular, a gosto dos fiéis. Nada tinha (ou tem)
de esotérico, escondido ao grande público.

Existem apócrifos do Antigo e do Novo Testamento; referem o que


a imaginacáo do povo de Deus concebía, desenvolvendo temas aborda-

242
"JESÚS NA BOCA DO POVO"

dos pelos livros canónicos. Interessam-nos nestas páginas os Evange-


Ihos apócrifos de Tiago, Tomé, Nicodemos...

Tais escritos tém dupla origem:

- varios provém da parle de cristáos simples, admiradores de Je


sús e desejosos de exaltá-lo, a ponto de fazer dele um taumaturgo todo
poderoso desde a infancia. Tais sao o Evangelho Árabe da Infancia, o
Evangelho Armenio da Infancia, a Historia de José Carpinteiro... A res
pectiva linguagem é popular e, por vezes, incorreta. Os milagres atribuí-
dos a Jesús sao extravagantes ou, vez por outra, de mau gosto. Nao sao
anteriores ao século II;

- outros Evangelhos apócrifos tém origem em escolas heréticas,


especialmente em correntes do Gnosticismo dualista (a materia seria má,
o espirito bom). - Como réplica a essas doutrinas heréticas, existem
apócrifos que tém por fim defender a fé ortodoxa; tal é o Protoevangelho
de Tiago, datado de 150 aproximadamente, que professa (através de
narrativas fantasiosas) a virgindade de María no parto e após o parto: os
"irmáos" de Jesús seriam filhos de Sao José, que, viúvo e idoso, terá sido
designado pela Providencia Divina para ser o esposo de Maria.
Os Evangelhos apócrifos nao gnósticos se classificam em quatro
categorías:

1) Apócrifos da Natividade de María ou de Jesús: o Protoevangelho


de Tiago e suas reelaboracóes latinas, como o Evangelho do Pseudo-
Mateus e o da Natividade de Maria;
2) Apócrifos da Infancia: assim os Evangelhos árabe, armenio e
latino da Infancia de Jesús, a Historia de José Carpinteíro;
3) Evangelhos da Paixao do Senhor, da Desoída á Mansáo dos
Mortos e da Ressurreicáo: tais sao o Evangelho de Bartolomeu, as Atas
de Pilatos;

4) Apócrifos assuncionístas, que narram a morte e a assuncáo de


Maria aos céus. A bem da verdade, é preciso acrescentar que nos
apócrifos nem tudo é fantasía ou heresia.
Existem ai varias noticias que a tradicáo crista respeita: assim os
nomes de Joaquim e Ana, genitores de María Ssma., a Apresentacáo de
Maria no Templo aos tres anos de idade, o nascimento de Jesús numa
caverna entre o boi e o asno, os tres reís magos com seus nomes Melquior,
Gaspar e Baltasar, os nomes dos dois ladróes Dimas e Gestas, o nome
Longino do soldado que desferiu o golpe de lanca, o encontró com
Verónica na Via Dolorosa...

Os artigos de fé referentes á descida de Jesús á mansáo dos mor


tos e á Assuncáo de Maria, táo minuciosamente relatados pelos apócrifos,

243
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

tém sua origem na Tradicáo oral anterior a tais escritos. Estes dáo colo
rido vivo as verdades da fé. Nao se pode esquecer que, conforme Sao
Joáo (20, 30 e 21, 25), ficou fora da Tradícáo escrita ou dos Evangelhos
muito do que Jesús fez e disse.

Ainda urna observacáo: Sao Lucas, em seu Evangelho (1, 3), afir
ma que em 70 aproximadamente muitos já haviam tentado escrever a
respeito dos ditos e feitos de Jesús. Daí a pergunta: teráo passado para
a literatura apócrifa esses escritos de autores anónimos? - Os estudio
sos hoje respondem negativamente; os Evangelhos apócrifos sao poste
riores aos canónicos (o quarto Evangelho data de 100 aproximadamen
te), embora possam provir de urna tradicáo oral antiga.

Examinemos agora de mais perto o artigo de ÉPOCA.

2. O artigo em foco

O articulista dá a entender que nos apócrifos é apresentado um


"outro Jesús", diferente do clássico e que essa nova imagem do Senhor
prevalecerá sobre a clássica. O "outro Jesús" seria passional, violento,
dado a um comportamento pouco recatado. A tese é totalmente gratuita
e infundada. Vejamos como o autor a propóe:

2.1. A infancia de Jesús

Jesús menino brinca de fazer milagres: plasma pássaros de barro


e os manda voar; mata um amiguinho que esbarra em seu corpo e o
ressuscita logo em seguida; Jesús transforma meninos em bodes e os
faz voltar a ser meninos; Jesús ajuda Sao José, esticando a madeira de
urna cama para que corresponda ás medidas da encomenda. Judas
Iscariotes, quando menino, era possesso do demonio; certa vez tentou
morder Jesús em seu flanco direito; Jesús entáo pós-se a chorar e o
demonio saiu do menino Judas sob a forma de um cao furioso... María
SSma. também faz muitos milagres.

Ora tal procedimento nao condiz com o de Jesús nos Evangelhos


canónicos. Nestes Jesús aparece moderado e seus milagres sao se-
meia ou sinais de urna realidade transcendente. Os apócrifos sao a ex-
pressáo da piedade popular que se comprazia em ver um menino Jesús
prodigioso, sem se dar conta de que assim caia no grotesco e trivial.
Tentavam assim suprir a lacuna deixada pelos Evangelistas sobre Jesús
dos doze aos trinta anos de idade.

De passagem pode-se perguntar: por que ficou tal lacuna? - Em


resposta dir-se-á que nao provém da falta de noticias ou de urna suposta
viagem de Jesús ao Tibe ou ao Egito, mas se deve ao fato de que os
Evangelhos nao sao urna biografía, mas sao o eco escrito dos tres anos

244
"JESÚS NA BOCA DO POVO"

de prega9áo oral de Jesús; Sao Marcos, por exemplo, comeca com o


Batismo ministrado por Joáo e termina com a Ascensáo do Senhor (nao
é um biógrafo, mas um auténtico evangelista, narrando a vida pública do
Mestre); Sao Mateus e Sao Lucas transmitem alguns quadros esporádi
cos da infancia do Senhor sem pretender ser completos (fizeram-no ul-
trapassando o género literario "Evangelho").
2.2. A juventude de Jesús

Escreve Antonio Goncalves Filho:

"O Cristo dos Evangelhos apócrifos tinha entre os seus amigos gente
transviada demaispara ser aceita na casa dos ortodoxos. Nos apócrifos,
ao contrarío dos Evangelhos canónicos, nao se evita discussáo sobré
virgindade, homossexualismo ou prostituigáo" (p. 80).
O articulista afirma sem citar a fonte dos seus dizeres. Quais sao
os apócrifos que referem tal noticia?
2.3. Jesús e Maria Madalena

Conforme o articulista, "alguns discípulos de Jesús eram misóginos


e detestavam Madalena, que sempre estava ao lado do mestre e é retra
tada como sua amante" (p. 81).

Estes dizeres sao tirados da literatura apócrifa gnóstica. Os


gnósticos eram dualistas, infensos á materia e ao matrimonio (tenha-se
em vista o Evangelho de Tomé: Jesús seria misógino). Todavía no cha
mado "Evangelho de Maria" Jesús aparece sensual, tendo Maria Madalena
por amante. A contradicao evidencia que esses escritos carecem de au-
toridade histórica e nao afetam a figura de Jesús casto e sobrio. De resto,
quem consulta os Evangelhos canónicos, verifica que Madalena nao es
tava sempre ao lado de Jesús, embora fizesse parte do grupo de mulhe-
res que acompanhavam o Senhor, servindo-lhe com seus bens (cf. Le 8,
1 -3). Esse acompanhamento nao era constante, pois Jesús aparece muita
vezes a sos com seus discípulos; ver Me 6, 31 s; 9, 33-35; 10, 28-31...
A conduta de Madalena no Evangelho nao oferece base para se
dizer que havia ai algo de pecaminoso. De resto, o articulista parece
confundir (como fazem muitos) Maria Madalena com a mulher de má
vida que aparece em Le 7, 36-50 e que é guardada no anonimato; esta
banha os pés de Jesús com suas lágrimas e os enxuga com seus cábe
los - o que Madalena nao fez; Madalena foi libertada de sete demonios,
o que nao quer dizer que era prostituta ou luxuriosa; ver Le 8, 2.
2.4. O nascimento de Jesús

Á p. 81 lé-se que "Jesús era filho ¡legítimo de um soldado romano e


nao terá nascido em Belém, mas em Nazaré. Sem reis magos", confor
me os apócrifos.

245
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

A afirmacáo de que Jesús era filho de um adulterio de Maria com


um soldado romano nao é dos apócrifos, mas dos rabinos que nos pri-
meiros séculos combatiam o Cristianismo, e o queriam deturpar median
te a sentenca gratuita atrás mencionada; ver o tratado rabínico Aboda
Zara 40d, onde Jesús é chamado Ben Pandara (filho de Pandara). Por
conseguinte a calúnia nao é de fundo apócrifo. Os apócrifos nao gnósticos
sao muito respeitosos em relacáo a Jesús e Maria. O Protoevangelho de
Tiago (§ XVI) refere o espanto de Sao José e dos sacerdotes ao verem
Maria grávida; té-la-áo submetido á ordália ou á prova da agua estipula
da em Nm 5,11 -31, resultando daí que Maria era inocente, pois concebe
ra do Espirito Santo".
Longe de o contraditar, os apócrifos abonam o nascimento de Je
sús em Belém. Com efeito; o Protoevangelho de Tiago § XVII refere que
José e Maria foram de Nazaré a Belém para se recensear. Ademáis a
arqueología confirma o nascimento em Belém, pois conservou a memo
ria do lugar da Natividade. - A teoría do nascimento em Nazaré nao é,
pois, de origem apócrifa, mas de índole racionalista moderna; sim, os
críticos liberáis julgam que a narracáo de Le 2, 1-20 nao corresponde á
historia, mas é urna construcao ficticia devida a intencáo de afirmar que
Jesús era Filho de Davi e, por isto, tinha de nascer na cidade de Davi. Tal
tese é gratuita e preconceituosa; nada a fundamenta.

Quanto aos reis magos, aparecem mais de urna vez na literatura


apócrifa. É o Evangelho Armenio da Infancia (capítulos 5 e 11) que infor
ma. Eram tres: Melquiorou Malkon, rei dos Persas; Gaspar, rei dos Hindus,
e Baltasar, rei dos Árabes. A versáo etíope do Protoevangelho de Tiago
Ihes dá nomes etíopes, a saber: Tanisuram, Malike e Sissehá. Como en-
táo se pode escrever que os apócrifos nao mencionam os magos?
2.5. Jesús e a Cruz
O articulista cita ainda urna teoría que nao é dos apócrifos: Jesús
nao terá morrido na cruz. Esta tese é desenvolvida por autores moder
nos, que afirmam ter sido Jesús sepultado ainda vivo; quando as mulhe-
res ungiram seu corpo, ajudaram-no a despertar: ter-se-á levantado e
partido para a india, onde se diz que há reminiscencias do sabio chama
do Jesús. - Ora este tese é contraditada pelo relato de Joáo 19, 31-37:
os soldados que iam quebrar as pernas de Jesús, viram-no já morto; por
isto nao Ihe aplicaram o crurifrágio, mas um deles o golpeou com sua
lanca. Só este golpe de langa bastaría para matar Jesús.
Antonio Goncalves Filho cita outrossim o cineasta holandés
Verhoeven, que, "como alguns gnósticos, nao descarta a possibilídade
de outro homem ter sido crucificado em lugar de Cristo" (p. 81).

1 A propósito de ordalías, verpp. 270-275 deste fascículo.

246
"JESÚS NA BOCA DO POVO"

Na verdade, os gnósticos dos séculos ll/lll julgavam que a materia


é má e, por isto, nao podiam conceber a nocáo de um Deus encarnado e
crucificado. Antes dos gnósticos ninguém negava a crucifixáo de Jesús
(tenham-se em vista as cartas de Sao Paulo, especialmente Gl 3,1; 1Cor
2,2). É estranho que um autor do sáculo XXI retome urna posicáo dualista
preconcebida, a revelia de narracóes anteriores unánimes entre si.

3. Conclusáo

A literatura apócrifa em nada altera a clássica imagem de Jesús. O


valor dos apócrifos nao consiste em revolver a Cristologia, mas em mani
festar um pouco da historia das idéias na Igreja dos primeiros séculos. O
artigo de ÉPOCA joga levianamente com coisas serias, tendo por autor
alguém que mal conhece a materia de que trata. Seria oportuno que nos-
sas revistas ilustradas, ao abordarem assuntos religiosos, procurassem ad
quirir a devida informacáo para nao se arriscarem ao ridículo de dizer tolices.

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247
Lendo Qumran:

"O MESSIAS ANTES DE JESÚS"


por Israel Knohl

Em súrtese: O Prof. Israel Knohl julga ter havido na comunidade


dos mongesjudeus de Qumran um personagem que tinha atributos divi
nos e, ao mesmo tempo, era Servo Sofredor; terá sido assassinado pelos
soldados romanos em 4 a.C; seu cadáver terá ficado exposto durante
tres dias, após os quais seus discípulos proclamaram que havia ressus-
citado. Esta figura de "Messias" terá sido paradigmática para Jesús. -
Ora quem observa os Evangelhos, verifica diferengas capitais entre Je
sús e Menaém ou o "Messias" de Qumran: enquanto este é jactancioso e
ambiguo em seu comportamento, Jesús se mostra humilde e destemido
ao anunciara Boa Nova. O paralelismo de esquema apontado por Knohl
é secundario em relagáo as duas personalidades em foco e suas respec
tivas mensagens. Donde se depreende nao haver dependencia de Jesús
em relagáo ao chefe da comunidade de Qumran.
» * *

A publicacáo dos manuscritos do Mar Morto (cf. PR 476/2002, pp.


23ss), tem suscitado novos estudos sobre o assunto, principalmente por
parte de pesquisadores que desejam esclarecer as origens do Cristianis
mo. É comum a conclusáo de que nao alteram as clássicas concepcóes
vigentes até a época da descoberta desse precioso acervo (1947). Toda
vía alguns autores tém proposto conjeturas que merecem consideracao;
tal é o caso do Prof. Israel Knohl, da Universidade de Jerusalém, o qual
lancou o livro "O Messias antes de Jesús"1, fruto de erudicáo que funda
menta hipóteses.

Passamos a analisar e comentar tal obra.


1. Oconteúdodo livro

O autor parte do principio de que o messianismo professado pelos


judeus até o século I a.C. concebía um Messias táo somente glorioso e
nao padecente. Todavía em Qumran um chefe da comunidade monásti
ca chamado Manaém se terá apresentado como Messias sofredor e res-
suscitado; era divino e sentava-se na corte celeste ácima dos anjos, e
humano, porque foi muito maltratado e finalmente morto em 4 a.C. pelos

Ed Imago, Rio de Janeiro 2001, 140x210mm, 143 pp.

248
"O MESSIAS ANTES DE JESÚS"

soldados romanos que sufocaram urna rebeliáo judaica. Estes nao per-
mitiram que fosse sepultado para maior opróbrio da vítima; contudo seus
discípulos acreditaram que o Mestre ressuscitou após tres dias e subiu
aos céus. Ele anunciava urna nova era de perdáo, em que nao haveria
pecado nem culpa. Estas idéias provocaram a sua rejeicáo e excomunháo
por parte dos fariseus encabecados por Hilel. Eis como o próprio Messi-
as Manaém se apresenta no manuscrito 4QHE:

« 1 [... Eu serei c]onta[do entre os anjos, minha morada é na] santa5

2 assembléia.] Qu[em ... E quem] foi desprezado como [eu? E


quem]

3 foi rejeitado [pelos homensf como eu? [E quem] se compara a


m[im na resistencia] ao mal? [Nenhum ensinamento]

4 se compara ao meu ensinamento. [Pois] estou sentado [... no


céuf

5 Quem é igual a mim dentre os anjos? [Quem poderia cortar mi-


nhas palavras? Ef

6 quem poderia medir o [fluxo] de meus labios? Quem [pode-se


juntar a mim e assim fazer um confronto com meu julgamento?10
Eu]

7 sou o bem-amado do reí, um companheiro dos sanpos e nin-


guém pode acompanhar-me. E a minha gloria]11

8 ninguém se compara, pois eu [...Nem]

9 com ouro <eu> [me] coroa[rei, nem com ouro refinado]».

A morte trágica do "Messias" Manaém terá despertado nos mon-


ges de Qumran a nocáo de um Messianismo catastrófico. O Messias
seria nao somente glorioso, mas também padecente.

O Prof. Knohl assim descreve a atitude do Messias perante os seus


semelhantes:

"Manaém via-se como alguém algado a urna posigáo ácima dos


outros. Nao mais se consideraba como um ser de carne e osso, como
demonstra sua afirmagáo: 'Meu desejo nao é da carne'. Esta negagáo da
materia está de acordó com a descrigáo que faz de si mesmo sentado no
céu sobre um trono de poder na congregagáo dos anjos. Era urna figura
messiánica que alegava ser quase divina. Esta quase divindade o distin
guía de todos os outros seres humanos e constituía a base de suas pre-
tensóes messiánicas" (p. 73).

Urna vez apresentado o "Messias" Manaém, escreve Knohl:

249
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

"Creio que a figura do Messias de Qumran e a ideología messiánica


a ele ligada tiveram urna profunda influencia sobre Jesús e o desenvolvi-
mento do messianismo crístáo" (p. 57).

Com outras palavras: Jesús era mero homem, que também se fez
Messias seguindo o esquema de Manaém: perseguido, morto e, ao ter-
ceiro día, ressuscitado. "Pretendo demonstrar que a imagem messiánica
de Jesús foi formada por um encontró com aqueles que mantinham o
legado do Messias de Qumran", escreve Knohl á p. 58.

"Jesús acreditaba que o destino do 'filho do homem' seria seme-


Ihante ao do Messias de Qumran, Ele predisse que o 'filho do homem'
seria morto do mesmo modo que o Messias de Qumran havia sido morto
petos soldados romanos. Eacreditava que o 'filho do homem' ressuscita-
ria após tres dias, assim como se acreditaba que o Messias de Qumran
havia ressuscitado 'depois do terceiro dia'" (p. 60).

Knohl reconhece certa fragilidade de sua teoría quando observa:

"A identidade que proponho para o Messias de Qumran é apenas


urna hipótese. O caráter fragmentario e problemático das fontes relativas
a personalidade histórica que tentó identificar com o Messias de Qumran
nao permite que sejamos muito categóricos" (p. 63).

Pergunta-se agora:

2. Que dizer?

Para o cristáo, Jesús é Deus e Homem. Nao dependía de esque


mas alheios, mas veío para cumprír a vontade do Pai.

Prescindindo, porém, da fé, observamos quanto segué:

2.1. Diferencas decisivas

Se o esquema do Messias de Qumran é real, difere do de Jesús,


pois as personalidades de Manaém e de Jesús sao evidentemente diver
sas urna da outra. Com efeito:

- a apresentacáo que Manaém faz de si mesmo parece mais a


expressáo da vaidade e da presuncáo do que da verdade. Quem é puro
e santo, nao costuma alardear suas virtudes. Só se declara perfeito e
santo quem nao é tal. - Sem dúvida, Jesús disse certa vez: "Quem de
vos me acusa de pecado?" (Jo 8,46); disse-o, porém, esporádicamente,
numa altercacáo com os judeus, que Ihe eram hostis. Durante toda a sua
vida pública Jesús foi moderado em suas afirmacóes, precisamente por
que nao quería despertar nos ouvintes a impressáo de que viera trazer
urna redencáo política como a esperavam os judeus.

250
"O MESSIAS ANTES DE JESÚS" 11

- Manaém levava urna vida dupla: era hostil aos romanos, que do-
minavam o país, mas fazia-se amigo de Herodes, que era amigo dos
romanos. Knohl descreve esta ambigüidade nos seguintes termos:

"Á noite o Messias vai dormir tarde. Amanhá irá novamente ao pa


lacio, se sentará na companhia dos filhos do rei e conversará com Herodes.
A conversagáo se dará no saláo que tem o nome do imperador Augusto.
Nenhum dos participantes jamáis irá imaginar que apenas há aigumas
horas, aqueie respeitávei convidado esteve reunido com os membros de
sua comunidade, planejando derrotar Augusto e seu exército no dia da
vinganga" (p. 23).

Ora Jesús ¡amáis cedeu á duplicidade nem bajulou as autoridades


civis para obter protecáo ou favores.

- Ao contrario de Manaém, Jesús jamáis apregoou a guerra para


implantar seu Messianismo. O recurso ás armas era comum entre os
pretensos liberadores do povo; ver At 5, 36s.

- O Messianismo de Manaém foi frustrado em suas pretensóes;


nada conseguiu, ao passo que o de Jesús, enviado do Pai, logrou efeitos
renovadores da sociedade.

2.2. O terceiro dia

A expressao "ao terceiro dia" foi pelos cristáos atribuida ás Escritu


ras. Tenha-se em vista 1Cor 15,4: "Ressuscitou ao terceiro dia segundo
as Escrituras". A passagem bíblica que de mais perto fundamenta estes
dieres, é a de Os 6, 2:

"Vinde, retornemos ao Senhor, porque Ele nos despedagou, Ele


nos curará; Ele feriu, Ele nos liga a ferida. Após dois dias nos fará reviver,
no terceiro dia nos levantará, e viveremos em sua presenga".

De resto, a locucáo "ao terceiro dia" é muito freqüente ñas Escritu


ras e anterior aos monges de Qumran; levem-se em conta, entre outros,
os seguintes versículos:

Gn 22, 4: "Ao terceiro dia, Abraáo, levantando os olhos, viu o lu


gar".

Gn 40, 20: 'No terceiro dia, que era o do aniversario do Faraó...".

Ex 19,11: "Estai prontos para o terceiro dia".

Lv 19, 6: "o que restar no terceiro dia, será queimado ao fogo".

Nm 7, 24: 'No terceiro dia trouxe a sua oferta Eliab".

1Rs 12,12: "Voltaiamim no terceiro dia".

251
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

Est 5,1: "Ao tercelro dia Ester se aprontou,"

At 27,19: 'No terceiro dia... langaram ao mar até os apetrechos do


navio".

Quem verifica esta freqüéncia, nao procurará em Qumran a fonte


da expressáo "ao terceiro dia" ou "após o terceiro dia".

2.3. Dois porqués

a) Knohl chama a atencáo para o fato de que Jesús nunca se disse


"Messias" (p. 15)

Na verdade, Jesús nunca usou o título "Messias" por causa das


conotacóes políticas que este apelativo tinha. Jesús nao veio satisfazer á
expectativa, dos judeus, de um reino judaico emancipado dos romanos;
ao contrario, mandou dar a César o que é de César (cf. Mt 22,21); o seu
Reino nao é deste mundo (cf. Jo 19, 36). Por isto recorreu ao apelativo
"Filho do Homem", que em Dn 7, 13s e na literatura judaica posterior
significa o Messias. Jesús porém, aceitou que o chamassem "Messias";
cf. Mt 16,17. 22, 64; Me 14, 62; Le 22, 70.

b) Pela mesma razáo Jesús impóe aos discípulos cedo segredo


sobre a sua messianidade; queria evitar mal entendidos e levantes revo
lucionarios do povo. O segredo, porém, nao impede os Apostólos de com-
preender a identidade de Jesús; ver Mt 16, 16-19. No fim da sua vida
terrestre Jesús reconhece perante o Sinedrio ser o Messias e é condena
do á morte precisamente por causa disto; ver Mt 22, 64; Me 14, 62.

3. Conclusáo

A obra do Prof. Israel Knohl é interessante por apresentar aspectos


do mundo romano que interessam ao judaismo antigo. O estilo do escritor é
agradável e claro: "Decidí escrever de forma a ser fácilmente lido e compre-
endido pelo público em geral" (p. 11). Todavía no tocante a Qumran, o autor
nao pode deixar de se basear, mais de urna vez, em conjeturas; afirma:

"O argumento deste capítulo (3) se baseia numa suposigao aceita


pela maioria dos estudiosos da literatura do mar Morto, embora nao por
todos. Refiro-me a identificagáo do povo de Qumran com os essénios... A
respeito do alto grau de probabilidade, a meu ver, de que essa suposigao
seja correta, nao temos aqui um fato incontestável" (p. 63).

Mesmo no caso de serem corretas as suposicóes do Prof. Knohl, a


imagem do Messias de Qumran assim descrita fica muito longe da figura
de Jesús Cristo, que, á diferenca de Manaém, nunca pensou em promo
ver urna guerra para implantar seu messianismo. A originalidade singular
de Jesús perdura inabalada.

252
Um herói em foco:

DOM VITAL EM PROCESSO DE CANONIZAgÁO

Em síntese: Dom Frei Vital María Gongalves de Oliveira foi bispo


de Olinda (PE) de 1872 a 1874. Nesse breve período esforgou-se por
eliminar das Irmandades da diocese os confrades magons, de acordó
com determinagoes da Santa Sé, mas a revelia do Governo imperial, sim
pático á Magonaria. Inabalável em suas posigóes, D. Vital foi preso e
condenado a quatro anos de prísáo. Anistiado pelo Duque de Caxias em
1875, o Prelado viajou para París, onde veio a falecer, alquebrado pelo
sofrímento, em 1878.

Está em curso o processo de Beatificacáo e Canonizacáo do Bispo


de Olinda Dom Frei Vital Maria Goncalves de Oliveira, falecido em 1878,
em idade relativamente jovem, mas abatida pelo sofrimento na luta em
prol da fidelidade á Igreja. Tal figura de herói é insuficientemente conhecida
e valorizada; daí a conveniencia de breve perfil biográfico da mesma.

Antes do mais, faz-se necessário explanar o paño de fundo ou

1. O Padroado

A Igreja no Brasil, durante quase quatro séculos, foi marcada pela


instituicáo do padroado. Tratava-se de urna estreita ligacáo do rei de
Portugal (e, após a independencia, dos Imperadores do Brasil) com o
poder eclesiástico, no sentido de que aquele teria certos direitos e privile
gios, como nomear bispos, conferir beneficios eclesiásticos ou receber
dízimos das igrejas sob sua jurisdicáo. - A origem do padroado situa-se
na Idade Media, ligada a dois fatores: o sistema feudal e as Ordens Reli
giosas militares.

O sistema feudal: Durante a Idade Media, especialmente no séc.


X, desenvolveu-se a praxe segundo a qual o Senhordo feudo era o patrono
das igrejas situadas em seu dominio. Desse modo, os senhores feudais
escolhiam os vigários e curas para as ditas ¡grejas. No séc. XVI, visto que
os reís de Espanha e Portugal se tinham empenhado na propagacáo da
fé católica ñas térras entáo descobertas, foram-lhes concedidos pela Santa
Sé privilegios semelhantes.

As Ordens Militares: Outro fator que se encontra na origem do


padroado consiste na formacáo de Ordens Militares, compostas de lei-
gos que seguiam urna regra de vida aprovada pela Santa Sé. Tendo sur-

253
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

gido no tempo das Cruzadas, muito se desenvolverán! na Idade Media.


Entre elas, destaca-se a Ordem dos Templarios, a qual, com o passar do
tempo, acumulou muitos bens. Estes foram cobrados por Filipe, o Belo,
rei da Franca (séc. XIV), que pressionou o Papa, com diversas acusa-
cóes á Ordem, para obter a supressáo da mesma. Esta, de fato, ocorreu
-na Franca em 1312. Em Portugal, o rei D. Diniz, com o fim de aproveitar
os bens da dita Ordem, formulou acusacáo semelhante contra a Ordem
da Cavalaria de Nosso Senhor Jesús Cristo (fundada em 1318, aprovada
em 1319), mais tarde unida as Ordens de Aviz e de Santiago.

Em 1456 foi outorgada, pelo Papa Calixto III, á Ordem de Cristo, a


jurisdicáo espiritual ñas térras conquistadas (Bula "ínter Coetera"). Com
isto o Prior do Convento de Tomar, da Ordem de Cristo, recebia, sobre as
regióes conquistadas, os mesmos poderes de um bispo em sua diocese.
Este poder, reservado ao Prior de Tomar, foi logo cobicado pelos reis,
que para isso procuraram para si o título de Gráo-Mestre da Ordem.

Em Bula de 1516 o Papa Leáo X concedeu ao rei de Portugal o


Padroado sobre todas as igrejas das térras conquistadas. A jurisdicáo
espiritual, porém, era reservada ao Prior do Convento de Tomar. Muitos,
porém, interpretaram erróneamente a Bula papal, outorgando a prerro
gativa da jurisdicáo espiritual aos reis de Portugal, que possuíam o título
de Gráo-mestre da Ordem.

Houve assim abusos da parte da Coroa, especialmente em certas


épocas, como o exigir que as Bulas pontificias (exceto as de "foro de
consciéncia") fossem aprovadas pela Coroa antes de chegar ao clero
portugués e que os bispos tivessem a concessáo da Corte para manter
relacóes com a Santa Sé.

O sistema do padroado, a par desses aspectos negativos, teve tam-


bém seu saldo positivo, quando exercido dentro dos limites das Bulas:
facilitou a erecáo de igrejas; providenciou a remuneracáo do clero e dos
missionários e a dotacáo de dioceses, paróquias, colegios...; favoreceu
ainda as missóes e a unidade da Igreja ñas térras conquistadas.

Quando da independencia do Brasil, o Papa Leáo XII separou de


Portugal a Ordem de Cristo e atribuiu a ela e a seus Gráo-mestres (en-
táo, os Imperadores) o padroado (Bula Praeclara Portugaliae, 1827).
Permaneceu assim estreitamente unida a Igreja ao Estado no Brasil. Isto
levou a ingerencias indevidas do poder civil na Igreja; no tempo do Impe
rio; um dos casos mais graves fol o dos Padres Feijó e Antonio Maria de
Moura, apresentados pela Regencia, em 1833, para bispos; a sua indica-
cáo nao foi aceita pela Santa Sé, visto terem os referidos padres certas
idéias discordes da Igreja. Houve fortes tensóes, chegando um membro
da Cámara a propor o desvinculamento da Igreja no Brasil frente ao Vatica-

254
DOM VITAL EM PROCESSO DE CANONIZAgÁO 15

no, cuja autoridade se transferiría para o Governo. Esta proposta nao foi
aprovada e a questáo se resolveu com a renuncia do Pe. Feijó e do Pe.
Moura á mitra episcopal, tendo entáo o Governo apresentado novos nomes.

Outro grave confuto foi a chamada "Questáo Religiosa", durante o


segundo Imperio, tendo por principáis heróis D. Vital, de Olinda, e D.
Macedo Costa, de Belém do Paré.

2. Quem foi Dom Vital?

Procederemos por etapas.

2.1. Até o episcopado

Dom Vital nasceu no municipio de Pedras de Fogo (Pl) aos 27 de


novembro de 1844.

Entrou no Seminario de Olinda, onde pouco tempo ficou. Viajou


para a Franca, onde ingressou na Ordem dos Capuchinhos. Ordenado
sacerdote, voltou para o Brasil e iniciou seu ministerio pastoral em Sao
Paulo. Aos 27 anos de idade, foi designado pelo Imperador para ocupar
a diocese de Olinda - o que foi confirmado pelo Papa Pió IX aos 12 de
dezembro de 1871. Sagrado em Sao Paulo aos 12 de marco de 1872,
transferiu-se para Olinda, onde o aguardava grave problemática.

2.2. A I uta contra a Maconaria

As Irmandades da diocese contavam numerosos macons entre os


seus membros - o que era contrario as leis da Igreja. Com efeito; a atual
Maconaria comecou a existir em 1717 na cidade de Londres com índole
de sociedade secreta. Como tal, foi logo condenada pelos Papas; a ne-
nhum católico seria lícito filiar-se a urna Loja Macónica. No Brasil, porém,
podiam muitos crer que tal condenacáo nao estava em vigor, pois o Go
verno Imperial, sendo filomacom e gozando dos privilegios do padroado,
nao havia promulgado a decisáo papal (as leis da Igreja tinham o valor de
leis civis quando ratificadas pelo Estado e, quando nao, careciam de vi
gencia no Brasil).

Chegando a Olinda, D. Vital percebeu que a situacáo das Irmanda


des era irregular e quis logo intervir.

Aos 28 de dezembro de 1872 escreveu ao Vigário de Santo Anto


nio do Recife nos seguintes termos:

"Constando-nos que o sr. Dr. Antonio José da Costa Ribeiro, noto


riamente conhecido por magom, é membro da Irmandade do SSmo. Sa
cramento dessa matriz, e pesando sobre todos os iniciados na Magona-
ría pena de excomunhao maior ¡angada por diferentes Papas, mandamos
que V. Revma., sem perda de tempo, se dirija ao Juiz daquela Irmandade
e ¡he ordene em nosso nome que exorte caridosa e instantemente ao dito
irmáo abjurar essa seita condenada pela Igreja. Se por infelicidade este

255
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

nao quiser retratarse, seja ¡mediatamente expulso do gremio da Irman-


dade, porquanto de tais instituigdes sao excluidos os excomungados. Da
mesma sorte se proceda com todo e qualquer magom membro porventura
de qualquer Irmandade existente na sua freguesia. Aguardamos a comu-
nicagao de que as nossas ordens foram cumprídas".

Semelhante carta foi enviada aos Vigários de Boa Vista, do ñecife,


de Sao José da Capunga, ao padre Guardiáo de Sao Francisco e ao
Provincial do Carmo.

Algumas Irmandades responderam que nao cumpririam as exigen


cias do Bispo, porque seus compromissos nao Ihes permitiam eliminar
os confrades macons. Em conseqüéncia a opiniao pública se dividiu en
tre adeptos e adversarios das decisóes do Bispo diocesano.

Aos 19 de Janeiro de 1873 D. Vital lancou o interdito sobre as Ir


mandades recalcitrantes; proibiu-lhes comparecer em público com suas
insignias e receber novos membros. Os interessados deveriam escolher
ou as Irmandades ou a Maconaria; seriam incompatíveis no mesmo su-
jeito a opa da associacao religiosa e o avental de pedreiro.

Os macons reagiram, convocando reunioes de protesto público.


Por sua vez, a imprensa passou a atacar o Bispo.

Os jesuítas tomaram partido na questáo, declarando obrigatórias


em alto grau as ordens emanadas do Bispo diocesano. Isto mais infla-
mou os ánimos; houve depredacoes violentas e estúpidas, as quais nao
intimidaram o Prelado.

Aos 2 de julho de 1873 D. Vital mandou publicar a bula de Pió IX


Quamquam Dolores (interditada pelo governo imperial) declarando "es
tar sujeita á pena de excomunháo a Maconaria Brasileira; em conse
qüéncia fossem dissolvidas as Irmandades resistentes, dando lugar a
outras, criadas pelo Bispo".

Alias, pouco antes, o respectivo Ministro de Estado enviara um Aviso


a D. Vital baseado no artigo 10e § 14 da Constituicao do país, defenden-
do a Maconaria como sociedade beneficente, nao proibida pela lei; o
Bispo deveria ater-se á Constituicáo nacional e levantar os interditos lan
zados sobre as Irmandades dentro do prazo de um mes.

Eis, porém, que D. Vital se negou a obedecer, permanecendo firme


em suas determinacóes anteriores. De resto, o Bispo já havia prestado
contas do seu procedimento ao Papa Pió IX, que o aprovara e Ihe dera
plenos poderes para dissolver as Irmandades renitentes. Visto o apoio
de Pió IX ao Bispo de Olinda, comecou a agir nos mesmos moldes o
Bispo do Para D. Antonio de Macedo Costa.

256
DOM VITAL EM PROCESSO DE CANONIZAgÁO 17

Entrementes foi enviado a Roma, para defender o Estado brasitei-


ro na questáo do Bispo de Olinda, o embaixador Francisco de Carvalho
Moreira, Baráo de Penedo. Encarregado para esta missáo pelo Visconde
de Caravelas, Ministro dos Negocios Estrangeiros, tinha a recomenda-
cáo de convencer o Papa de que deveria induzir os bispos a obedecer á
Constituicáo brasileira. A missáo, de fato, nao tinha a finalidade de dialo
gar, mas de dar ciencia ao Santo Padre do andamento da questáo e
prevenir incidentes mais graves. O Governo tencionava, de antemáo,
condenar o Bispo. Em outubro de 1873 o Baráo de Penedo entrou em
contato com o Cardeal Antonelli, Secretario de Estado do Vaticano, pe-
dindo-lhe audiencia com o Santo Padre. Junto ao Papa, defendeu Pene-
do a Maconaria brasileira e propós fazer-se um Memorándum sobre o
caso dos Bispos, a ser submetido ao parecer dos Cardeais. Foi aceita a
proposta. Analisada a questáo, chegaram ás seguintes conciusoes:

- as Irmandades eram associacóes mistas; tinham, portanto, com-


promisso com o Governo e nao só com a Igreja;

- o procedimento de D. Vital nao fora correto; os interditos e as


suspensóes impostos pelos Bispos de Olinda e do Para foram
desabonados.

O Cardeal Antonelli, sob a influencia da diplomacia brasileira, tor-


nou-se contrario a D. Vital. Enviou-lhe carta censurando-o por falta de
moderacao e prudencia. Mandava que revogasse os interditos e reunis-
se as Irmandades, exortando os macons a délas se retirarem.

No inicio do ano seguinte, foi preso D. Vital no Recife. Eis como


isto se deu:

A urna hora da tarde de 2 de Janeiro de 1874 apresentou-se ao


Palacio da Soledade no Recife o juiz com o seu séquito para ler o decreto
e executar a ordem de prisáo. D. Vital tudo ouviu, mas recusou obedecer.
Ademáis gozava de imunidade eclesiástica e nao estava sujeito á Justica
imperial desde que fosse réu táo somente em materia estritamente religi
osa. O juiz mostrou-se um tanto embarazado com a atitude do Prelado e
mandou pedir ao Chefe de Policía que Ihe mandasse dois oficiáis e agen
tes policiais.

Entretanto D. Vital subiu aos seus aposentos. Rezou tongamente e


resolveu escrever duas cartas: Pela primeira nomeou tres administrado
res da diocese de Olinda, que deviam suceder-se por ordem no caso de
impedimento ou morte do gerente em exercício. A segunda carta foi um
protesto contra a ordem de prisáo injustamente infligida a um bispo da
Igreja num país em que igreja e Estado estavam unidos segundo o artigo
59 da Constituicáo.

257
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002 ___

Urna hora mais tarde, chegou a torga policial requisitada. O juiz


subiu aos aposentos do Bispo, bateu forte na porta duas vezes, intiman-
do-o a se apresentar. Em resposta a essa ordem, abriram-se as portas
da cápela, e o Bispo compareceu vestido de seus paramentos pontificáis,
com mitra e báculo, cercado dos padres da Cámara Eclesiástica. Em
presenca do juiz; da forca policial e de dois padres, D. Vital leu o seu
protesto contra a violacao da imunidade eclesiástica e a invasáo de do
micilio.

O Bispo quería seguir paramentado até a prisáo. Mas o juiz, rece-


ando um levantamento do povo, que se ia aglomerando ñas rúas, pos as
máos nos ombros do Prelado, declarou-o preso e dissuadiu-o de sair
paramentado.

Levado ao arsenal de Marinha, tres dias depois D. Vital foi embar


cado no navio Recife e transportado para o Rio de Janeiro. Para desviar
a atencáo do público, o governo imperial mandou que na baía de
Guanabara D. Vital fosse transferido para o navio de guerra Bonifacio e
guardado por um oficial da Policía. Assim é que no dia 13 de Janeiro de
1874 D. Vital chegou ao Rio sem que a populacáo carioca o soubesse.
Levaram-no para o arsenal, onde ficou hospedado sob vigilancia de urna
sentinela colocada as portas de seus aposentos.

Entrementes conseguiu o Baráo de Penedo a carta do Cardeal


Antonelli contra os dois Bispos brasileiros. A carta chegou ao Rio quando
já estava preso D. Vital. Foi entao entregue ao Internuncio D. Domingos
Sanguigni. A carta devia ficar secreta, mas o prelado, de boa-fé, infor-
mou o Governo do seu recebimento. Este passou entáo a urgir D.
Sanguigni para que entregasse a carta, que deveria ser publicada.
A missiva foi entregue a D. Vital no final do mesmo más de Janeiro.
Ao lé-la, reconheceu o Bispo de Olinda ser fruto de informacóes deturpa-
das; precisava de explicacóes concretas de Roma e, por isto, nao a pu
blicaría. Além do qué, teria por efeito, sua publicacao, apenas semear
confusáo entre o povo. Por ser correspondencia particular, nenhuma obri-
gacáo havia de a publicar. Escreveu entáo ao Papa urna carta narrando
pormenorizadamente os acontecimentos. Temendo quebra de sigilo, en-
viou-a através de seu secretario, Pe. José de Lima e Sá.
Ao recebera correspondencia de D. Vital e tomando conhecimento
da verdadeira versáo da Questáo, o Santo Padre anulou a carta do Car
deal Antonelli. Com este ato, tornou sem efeito as decisoes da missáo
Penedo. Entrementes o Governo insistía na publicacáo da carta. Nao
conseguíndo, porém, a missiva, os jomáis teceram consíderacoes sobre
seu suposto conteúdo: noticíaram que a Santa Sé reprovava as atitudes
do Bispo e dava ordem de retirar as interdicoes.

258
DOM VITAL EM PROCESSO DE CANON IZACÁO 19

O processo contra D. Vital, entretanto, seguía. O julgamento da


Questáo deu-se em fevereiro de 1874. D. Vital foi condenado a quatro
anos de prisáo com trabalhos forcados, sentenca depois comutada para
quatro anos simples.

Ao ouvir a sentenca condenatoria, D. Vital calou-se, como se calou


Jesús (cf. Me. 19,15).

Ao saber da condenacáo de D. Vital, o Papa Pió IX lamentou o fato


e elogiou o Bispo de Olinda, reprovando as Lojas Macónicas. Enviou-lhe
ainda carta especial. O Cardeal Antonelli, de sua parte, protestou contra
o Governo brasileiro, por nao ter cumprido a promessa de que nada de
desagradável acontecería ao prelado de Olinda.

Quanto ao Bispo do Para, foi também preso e levado para o Rio de


Janeiro, em fins de abril de 1874. Juigado, recebeu sentenca igual á de
D. Vital.

2.3. O Fim do Confuto

A contenda prosseguíu. Em setembro de 1874 o Governo intimou


os prelados administradores das dioceses de Pernambuco e do Para, ai
deixados pelos Bispos, a levantarem os ¡nterditos. Estes se negaram,
pois nao possuíam tal direito, que havia sido reservado pelos Bispos para si.
Foram abertos contra eles processos por desobediencia á autorídade civil.

Em novembro do mesmo ano, o Nordeste foi abalado por diversas


revoltas populares. Tratava-se de motins contra o Governo, por insatisfa-
cao quanto aos ¡mpostos, á conscricáo militar e aos pesos e medidas. O
Governo acusou os católicos, em especial os jesuítas, de responsáveis
pelas rebelioes. Prendeu nove padres em Olinda e os deportou, sem
processo e sem julgamento.

Finalmente, caiu o ministerio do Visconde do Rio Branco em junho


de 1875.0 novo Primeiro-ministro, Duque de Caxias, decretou em 17 de
setembro de 1875 a anistia aos Bispos e administradores de diocese. D.
Vital viajou a Roma, sendo recebido em audiencia por Pió IX. O Papa
retribuiu a visita através de Monsenhor Jacobini, o que foi sinal de grande
deferencia para com o Bispo brasileiro. Regressando ao Brasil em no
vembro de 1876, reassumiu o governo de sua diocese. Contudo, doente,
cinco meses depois embarcou para a Europa, em busca de tratamento
médico. E no Convento da Ordem Capuchinha em Paris, morreu a 4 de
junho de 1878, de tísica pulmonar aguda.

Seu nome, assim como o de D. Macedo Costa, estaráo para sempre


gravados nos anais da historia da Igreja e do Brasil. A República, proclama
da em 15/11/1889, extinguiu o Padroado, que, concebido outrora como estí
mulo á propagacao e conservacáo da fé, se tornou asfixiante para a Igreja.

259
A alavanca que levanta o mundo:

ORAR NUM MUNDO TREPIDANTE

Em síntese: O mundo atual, de avangada tecnología, beneficia o


homem, mas também o maltrata, contribulado para sua dispersáo, seu
nervosismo e seu esvaziamento interior. Apesar de tudo, faz-se mister
orar, pois a oragáo é a alavanca que levanta o mundo. Para conseguir
praticara oragáo, recomendase ao cristáo: 1) disciplina de vida ou ascese,
que controla as paixóes; 2) a recordagáo de que somos templos de Deus,
que compete adorar mesmo sem palavras ou num silencio eloqüente;
nesse silencio o Mestre interior fala e atrai sempre mais quem tem a cora-
gem de Ihe ser fiel. Há de ser a prece constante do cristáo: "Senhor,
ensina-nos a orar!" (Le 11, 1).
* * *

O grande teólogo Romano Guardini, em seu livro sobre a oracáo,


observa um fato estranho:

"Em geral, o homem nao gosta de rezar. É fácil que sinta, ao rezar, a
sensagao de aborrecimento, certa dificuldade, repugnancia, até mesmo hos-
titidadé. Qualquer outra coisa Ihe parece mais atraente, mais importante. Diz
que nao tem tempo, tem outras obrigagoes urgentes; mas, assim que resol-
ve deixar de rezar, comega a fazeras coisas mais inúteis. O homem deve
deixar de engañar a Deus e a si mesmo. É muito melhor dizer abertamente
'Nao quero rezar' do que ficar usando de semelhantes subterfugios. É muito
melhor nao se entrincheirar por tras de justificativas como a de que está
demasiado cansado e confessar clara e abertamente: 'Nao tenho vontade
de rezar'. A impressáo que se tem nao é muito boa e revela toda a mesqui-
nhez do homem; mas esta é a verdade, e é partindo da verdade que se
progríde muito mais fácilmente do que partindo da dlssimulagáo"
(Introduzione alia preghiera, Brescia 1954,2a edigáo, p. 11).
Guardini levanta um problema que em nossos dias ainda é mais
atual do que no século passado: para muitos "é difícil encontrar tempo
para rezar" e, quando se póem a rezar, sentem o tedio e experimentam a
pressa de acabar. Quem procura as causas deste fato, encontrará urna
explicacáo muito plausível na realidade do mundo que nos cerca. Anali-
semos, pois, as notas características da nossa sociedade.
1. O mundo que nos cerca

O ambiente em que vive o homem contemporáneo, é o de alta e


avancada tecnología. Esta, em larga escala, beneficia os cidadáos, per-

260
ORAR NUM MUNDO TREPIDANTE

mitindo-lhes comunicares facéis, tratamento mais eficaz de graves mo-


do ser'humana2^-' ""* também meXe Profundamente co!n o íntimo
- Sem

modas 'iCSSES4 3 S0C¡edade d° deSCartáVel' d° 6fémer0'das


Tenha-se em vista a obsessáo sexual. Urna das suas expressoes
mais recentes e o relacionamento sexual de meninos e meninas com
engravidamento de muitas destas; a imprensa noticiou que em determi
nada escola, as meninas que quiseram resistir á moda foram
constrangidas para ceder-lhe: «fica, fica...". O sexo tornou-se mercad™
na, como dizem; por isto também muitos casamentes fracassam rápida
mente. O culto do corpo prevalece sobre os valores éticos.
A televisáo vem a ser urna escola de modas ou modismos a des
truir a familia e a própria dignidade humana.

A constante geracao de novos e novos aparelhos e produtos cada


vez mais sofisticados, fomenta o consumismo.

O clima existencialista, com atencáo quase exclusiva ao aquí e


agora, rejeitando a Metafísica ou os principios perenes, habitúa o cida-
dao ao efemero, que geralmente incomoda menos do que as sentencas
definitivas. Ha quem pergunte: por que, neste "aqui e agora" sustentar
urna palavra (... até mesmo um compromisso religioso) dita outrora em
outro aquí e agora"? O relativismo da verdade e da Ética parece justifi
car novos e novos comportamentos.

2) A sociedade contemporánea também é a do barulho.


Barulho... porque muitos motores funcionam simultáneamente a
comecar pelos motores dos carros, que tornam o tránsito implacavel-
mente ruidoso. A tecnología assim opoe-se ao silencio.
Também se fala de "explosáo musical". A música rock os bares
com suas músicas e suas cadeiras e mesas que por vezes invadem a
rúa... sao fatores de estardalhaco.

Até mesmo no telefone existe a "musiquinha" que soa ao ouvido de


quem aguarda. -

A Liturgia, em alguns casos, se ressente da explosáo musical vis


to que certas orquestras funcionam durante a Missa, mais aptas a ator-
doar do que elevar a mente a Deus.

3) O comportamento humano nao pode deixar de ser assim afetado.


261
00 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

O cidadáo é levado a viver fora de si, mais do que em si mesmo


(para usar a terminología de S. Agostinho). É-lhe difícil ficar em silencio;
fala muito, fala demais, até com prejuízo para si. Isto redunda em esvazi-
amento do seu interior e superficialidade.
No plano da religiáo, a oracáo silenciosa gera fastio. A religiáo se
torna muito mais emotiva do que racional; apela para visóes e revelacoes
que ¡nterpelam a fantasía e nao resistem ao crivo do intelecto.
4) Apesar de tudo, é preciso orar, pois é a oragáo que obtém de
Deus as gracas que os homens nao podem dar a si mesmos. Nem todos
conhecem o valor da oracáo. Os que o conhecem, véem a obrigacao de
se dispor a rezar, por mais avessas que sejam as circunstancias em que
o cristáo é colocado. Bem notava Santa Teresa de Lísieux:
Vm sabio disse: 'Dai-me urna alavanca, um ponto de apoio, e eu
levantarei o mundo1. O que Arquimedes nao pode obter, porque o seu
pedido nao se dirigía a Deus e porque era feito do ponto de vista material
apenas, os Santos o obtiveram em toda a sua plenitude. O Todo-Podero
so Ihes deu como ponto de apoio Ele mesmo, e só Ele. Deu-lhes por
alavanca a oracáo, que abrasa com um fogo de amor, e foi assim que
eles levantaram o mundo. É assim que os Santos aínda militantes o le-
vantam, e até o fim do mundo os Santos vindouros o levantarao tambem .
Em conseqüéncia, póe-se a pergunta:
2. Como conseguir orar neste mundo turbulento?
A resposta é complexa. A seguir, seráo indicadas duas imprescin-
díveis etapas:

2.1. Pureza de coracáo


Diz o Senhor: "Bem-aventurados os que tém um coracáo puro, por
que veráo a Deus" (Mt 5,8).
A pureza de coracáo implica ascese ou autodominio, que se exer-
ce em

- silencio de palavras. Afirma Sao Tiago que "quem nao peca no


talar, é realmente um homem perfeito" (Tg 3, 2). Na verdade, quem fala
moderada e sabiamente, revela ter um coracáo harmonizado ou livre de
desordem. O bom uso da palavra é, pois, um dos pontos mais importan
tes da ascese crista;
- silencio interior ou a guarda da memoria e da imaginacáo. Im
porta nao ceder a devaneios que as vezes sao urna forma de fugir do
dever duro e exigente;

262
ORAR NUM MUNDO TREPIDANTE 23

- disciplina de vida: procurar ser pontual no cumprimento das


obrigacóes, planejar o día, a semana, o mes, prometer a si mesmo nao
perder tempo, jamáis estar ocioso...

Estas e outras práticas acessíveis á pessoa normal mortificam as


paixoes desregradas e váo proporcionando a pureza de coracáo.
2.2. "Nao sabéis que... Ele está em vos?" (1Cor 6,19)

Positivamente talando, diremos que um ótimo recurso para criar


um clima de oracáo é recordar-se da presenca de Deus ñas almas dos
justos. A propósito escreve o Papa Leáo XIII:

"Deus, por meto de sua graca, está presente na alma do justo da


forma mais íntima e inefável, como que em seu templo, e daí provém
aquele amor mutuo, pelo qual a alma está intimamente presente a Deus;
está mais nele do que possa estar entre os amigos mais queridos e delei
tarse nele com a mais deliciosa dogura. Esta maravilhosa uniáo, que
propriamente se chama inabitagáo, somente por condigáo ou estado, nao
por sua esséncia, difere da que constituía felicidade no céu"(Divinum illud).

Merecem especial atencáo os seguintes dizeres do Papa:

- "de forma inefável" ... Nao se pode envolver em categorías de


pensamento humano essa presenca de Deus ñas almas dos justos. É
mais íntima do que a presenca de amigo a amigo. O Senhor Deus, habi
tando a alma fiel, embeleza-a mediante a graca santificante e a orna
menta com dons espirituais para que seja sua digna morada.

- O Deus que habita ñas almas justas, é o mesmo Deus que faz a
felicidade dos bem-aventurados no céu; a diferenca consiste em que nesta
peregrinacáo terrestre Deus é conhecido através dos véus da fé, ao pas-
so que no além Ele se revela face-a-face. Isto quer dizer que o céu come-
ca na térra para quem sabe desfrutar o dom de Deus.

Quem toma consciéncia disto, é atraído ao silencio interior a fim de


ouvir a voz do Mestre. Nao é necessário que o cristáo pronuncie longos
discursos a Deus; o cansaco, a dor de cabeca, as preocupacoes podem
dificultar o coloquio com Deus. Basta entáo ao orante recordar-se da
pequenez do ser humano e da grandeza misteriosa do Senhor para que
haja um silencio eloqüente que louva a Deus: "Tibí silentium laus. -
Para vos o silencio é louvor".

Santa Teresa de Ávila explora a doutrina da habitacáo de Deus ñas


almas justas em sua obra "As sete Moradas ou o Castelo Interior".

Assim como há diversos graus de vida interior (uns sao mais apli
cados ao silencio, outros menos; uns sao mais generosos para com Deus,

263
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

outros menos...), assim também há diversos graus de experiencia de Deus


hospede da alma. É o SIM prontamente dito a Deus a todo momento que
abre as portas da intimidade com Ele.
É de notar ainda que esse descobrir Deus em seu templo humano
nada tem que ver com a meditacáo budista. Esta supóe seja o homem
urna centelha da divindade envolvida na corporeidade, que é má; o bu
dista que medita, procura esvaziar-se de tudo interiormente para perder
qualquer apego á materia e desencarnar-se definitivamente. O cristáo, ao
contrario, sabe que ele traz um tesouro em seu íntimo, tesouro que ele quer
louvar e suplicar como também quer ouvir. É S. Agostinho quem escreve:
"Nao julgueis que se pode aprender alguma coisa de um homem.
Podemos despertara vossa atengáo com o ruido da nossa voz; mas, se
nao há dentro alguém que vos ensine, esse ruido será inútil".
"Por que gostas tanto de talar e táo pouco de escutar? Aquele que
ensina verdadeiramente está dentro; em contrapartida, quando tu tentas
ensinar, sais de ti mesmo e andas por tora. Escuta primeiro a quem tala
dentro e só depois, a partir de dentro, fala aos que estáo tora".
Sao estas algumas normas básicas que visam a favorecer a vida
de oracáo. Nao se pode esquecer, porém, que a oracáo é dom de Deus,
dom que desperta em nos o gosto e a prática da oracáo. Porconseguinte
a primeira coisa a pedir na oracáo é o próprio dom de saber rezar: "Se-
nhor, ensina-nos a rezar!" (Le 11,1).

Introducto ao Direito Canónico, porEdson LuizSampel. - Ed.LTr,


Sao Paulo 2001, 160 x 250 mm, 84 pp.
O autor éjuiz do Tribunal Eclesiástico de Sao Paulo. Tem por obje
tivo de sua obra reunir os principáis tópicos do Direito Canónico e compára
los com o Direito Estatal; expoe o essencial a respeito de cada tema
abordado, fugindo de discussóes académicas e usando de linguagem
acessível e sintética. Tal obra destinase principalmente aos estudantes
de Direito e de Teología. Luiz Eduardo Sampel revela competencia para
iniciar seus leitores no Direito de modo geral.

ERRATA

Em PR 479/2002, p. 161 é atribuido á Biblia da CNBB um erro que


ela nao comete: o texto da p. 1273 dessa edigáo bíblica nao quer dizer
que Jesús nasceu em Nazaré, mas sim que viveu em Nazaré. A Reda-
gáo de PR pede desculpas á CNBB e aos leitores por este descuido.
No mesmo número de PR, p. 157, linha 20 de cima para baixo, leía
se CAVALEIROS em lugares de REÍS.

264
Valores conculcados:

ABUSOS SEXUAIS NA IGREJA

Em síntese: Tém sido amplamente divulgados pela imprensa abusos


sexuais cometidos contra adolescentes na Igreja. A propósito é de notar que
as autoridades eclesiásticas o reconhecem francamente e tém tomado pro
videncias para que nao se repitam; tém indenizado as vftimas e propoem
normas mais severas para a selegáo dos candidatos ao sacerdocio. De res
to a parábola do joto e do trigo (Mt 13,24-30) ilustra o fato: o dono do campo,
tendo semeado trigo, nao permitiu que seus servidores arrancassem ojoto
semeado pelo Inimigo; deveriam ficar juntos o trigo e o joio até o dia da
messe; tem-se ai urna imagem da Igreja: o Senhor permitirá a existencia do
pecado e dos pecadores por toda a historia da Igreja. Urna Igreja semjoio
(sem pecadores) nao seria a de Cristo nem seria possível.
* * *

Tem suscitado comentarios diversos o fato de que clérigos de algu-


mas partes do mundo tém sido denunciados como pedófilos e, mais ampla
mente, autores de abusos sexuais. Seja proposta urna reflexao a respeito.

1. O Problema

Principalmente nos Estados Unidos tém-se registrado graves es


cándalos nao só por parte de sacerdotes sexualmente desregrados, mas
também devidos a Bispos, que nao tomaram enérgicas providencias para
evitar a repeticáo dos escándalos. Principalmente a arquidiocese de
Bostón tem sido vítima de abusos sexuais do clero; seu arcebispo, Car
deal Bernard Law (um dos mais eminentes do país), tem sido acusado de
nao combater com a devida eficacia os males assim perpetrados. O mes-
mo ocorre com o Cardeal Edward Egan, arcebispo de Nova lorque, con
siderado omisso na punicáo dos males ocorrentes.

Julgando que urna das causas de tais escándalos é o fato de ter o


padre a obrigacáo do celibato, o Cardeal Roger Mahony, arcebispo de
Los Angeles, propos a realizacáo de ampio debate sobre o tema. Alias,
esta mesma proposta ocorreu em Bostón, tendo como porta-voz o jornal
"The Pilot"; o mais antigo jornal católico dos Estados Unidos.

Reina, pois, urna certa perplexidade na mente de muitos, visto que


os tatos sao realmente surpreendentes e interpelam vivamente as autori
dades eclesiásticas.

2. A atitude da Igreja

A Igreja tem reconhecido os males sem os dissimular, a comecar


pelo S. Padre Joáo Paulo II, que na sua Carta aos Sacerdotes por oca-
siáo da quinta-feira santa de 2002, escreveu:

265
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

"Neste momento nos, sacerdotes, temos sido pessoal e profunda


mente perturbados pelos pecados de alguns irmáos nossos que atraigo-
aram a graga recebida na Ordenagao, chegando a ceder as piores mani-
festagóes do mysterium iniquitatis que atua no mundo. Oríginaram-se
assim escándalos graves, com a conseqüéncla duma pesada sombra de
suspeita langada sobre os restantes sacerdotes benfazejos, que desem-
penham o seu ministerio com honestidade, coeréncia e até caridade he
roica. Enquanto a Igreja manifesta a sua solicitude pelas vítimas e procu
ra dar resposta, segundo a verdade e a justiga, a cada penosa situagáo,
todos nos - cientes da fraqueza humana, mas confiando na forga sanante
da graga divina - somos chamados a abragar o mysterium Crucis e
empenhar-nos aínda mais na busca da santidade. Devemos rezara Deus
para que, na sua providencia, suscite nos coragoes um generoso ressur-
gimento daqueles ideáis de total doagáo a Cristo que estáo na base do
ministerio sacerdotal" (n° 11).
Como se vé, o Papa lamenta o fato, sem dúvida, mas também tira
dele urna ligáo muito positiva: "Somos chamados a empenhar-nos ainda
mais na busca da santidade". Com efeito; na comunháo dos Santos so
mos interdependentes; a santificacáo e a salvacáo de uns depende da
fidelidade de outros a Cristo; quem é mais fiel transmite aos seus irmáos
mais riqueza espiritual do que aqueles que sao menos fiéis; se um irmáo
cai, podem os demais perguntar a si mesmos qual a responsabilidade
que Ihes toca nessa queda... As fainas de uns sao apelos a mais intensa
santidade por parte de outros.

O episcopado norte-americano tem ressarcido os danos causados


pelos escándalos, pagando elevadas quantias.
Além disto, a Congregacáo para a Doutrina da Fé, encarregada da
problemática, aos 18 de maio de 2001 dirigiu urna Carta a todos os Bis-
pos e Superiores religiosos, solicitando-lhes enérgica atitude diante de
possíveis abusos de criancas por parte de clérigos e Religiosos. Logo
que haja indicio de delito, procedam a urna investigacáo do caso, que
deve ser levado ao conhecimento da Congregacáo. Se for encontrado
fundamento para se iniciar o processo judicial, o caso fica reservado á
Congregacáo para a Doutrina da Fé.
Este mesmo órgáo da Santa Sé estabelece oito delitos, reserva
dos á mencionada Congregacáo: quatro contra a Eucaristía (como a vio-
lacáo das especies eucarísticas), tres contra o sacramento da Reconci-
liacáo (como é a violacáo do sigilo sacramental), sendo o oitavo o abuso
de criancas por parte de um clérigo. Desta maneira é evidenciado o repu
dio da autoridade eclesiástica a tal tipo de infracao.
Mais: os Reitores de Seminarios e seus assessores deveráo para
o futuro prestar especial atencáo á índole dos respectivos candidatos, a

266
ABUSOS SEXUAIS NA IGREJA 27

fim de nao promoverem aqueles que na sociedade civil nao conseguiri-


am realizar-se honestamente.

Vé-se, pois, que a Igreja está consciente da gravidade do mal e da


necessidade de solícita vigilancia.

3. Celibato simplesmente optativo?

Nao sao poucos aqueles que, visando a remediar ao problema,


propóem a abolicáo do celibato obrigatório. Pois bem; sobre o celibato e
seus valores já foram publicados varios artigos em PR; ver 276/1984, pp.
369 e 436; 279/ 1985, pp. 141ss; 316/1988, pp. 429ss; 317/1988, pp.
444ss; 414/1996, pp. 490ss; 451/1999, pp. 575ss. Sejam brevemente
recordados textos da Escritura e da Tradicáo que o fundamentam.

As secóes de 1Cor7, 25-35 e Mt 19, 10-12 revelam o sentido do


celibato em si e em vista do ministerio sacerdotal, evidenciando que é
independente de questóes económicas, como seria o desejo de nao re
partir herancas.

Com efeito. Sao Paulo apresenta o celibato ou a vida una e indivisa


como atitude a que todo cristáo deve tender ao menos interiormente (por
sua disponibilidade intimarse nao também exteriormente ou físicamen
te. A virgindade é um paradigma para todo discípulo de Cristo, paradigma
do qual cada um se aproxima de acordó com a vocacáo pessoal que
Deus Ihe deu.

O Senhor Jesús, em Mt 19,10-12, considera o celibato em relacáo


ao Reino de Deus que se vai implantando na térra e cujo servico inspira
a vida indivisa; é assim evidente que os ministros desse Reino, chama
dos a se consagrar inteiramente ao servio do mesmo, se sentem espe
cialmente interpelados pelo convite ao celibato.

Esse convite foi ouvido e vivido, como se eré, desde os primordios


da Igreja. O sacerdocio judaico nao exigía o celibato; o sacerdocio cris
táo, apresentando-se como algo de novo (a "novidade crista"), voltou-se
muito conaturalmente para o celibato em sinai de dedicacáo total ao Rei
no. O Novo Testamento nos dá a saber claramente que, além de Jesús,
Sao Paulo era celibatário (cf. 1Cor 7, 7) e insinúa o mesmo com relacáo
a Barnabé, Silas, Lucas, Timoteo, Tito, que acompanhavam Sao Paulo
em seu ministerio com dedicacáo integral. Deviam ser espontáneamente
celibatários.

Ñas epístolas pastorais (1/2Tm, Tt) aparece a preocupacáo de se


efetivar a hierarquia da Igreja; como as comunidades cristas eram entáo
constituidas por adultos convertidos, a escolta dos pastores recairia na
turalmente sobre homens casados; todavía note-se a tendencia a exigir
dos ministros do Senhor urna certa continencia; com efeito, Sao Paulo

267
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

diz que o "epíscopo", o presbítero e o diácono devem ser "marido de urna


só mulher" (1Tm 3,2; Tt 1, 5s; 1Tm 3,12), isto é, seja casado urna só vez,
nao duas vezes sucessivas.

A documentacáo existente sobre a observancia do celibato por parte


dos clérigos nos primeiros séculos é escassa. Encontra-se, porém, um
ou outro texto significativo, como sao os seguintes:

Tertuliano (t após 220): "Quantos homens e mulheres, ñas Ordens


da Igreja, apelam á continencia! Preferiram esposar-se com Deus, res
taurar a honra de sua carne e já se consagram filhos da etemidade, ex-
tinguindo em si os desejos da paixáo e tudo aquilo que nao poderia ser
admitido no paraíso" (De exhortatione castitatis 13 PL 2, 930 A).

Tertuliano cedeu ao rigorismo montañista; por isto quería que os


viúvos nao se casassem segunda vez. Todavía ele exprime a grandeza
da vida una, ¡ndependentemente de qualquer preconceito herético, ao
qualíficar o celibato como um "esposar-se com Deus". Bem manífesta
que a renuncia ao matrimonio nao é algo de meramente negativo, mas
implica a fruicáo de um bem aínda maior.

Eusébio de Cesaréia (t 340) justifica o celibato sacerdotal recor-


rendo a um tema que já Orígenes (t 250) havia explorado:

"Os doutores e pregadores da palavra de Deus devem apressar-se


em renunciar ao casamento para se dar mais completamente ás obras
superiores. Eles criam urna posteridade divina e espiritual, e nao se limi-
tam a educar um ou dois filhos, mas ocupam-se com urna quantidade
inumerável" (Demonstragáo Evangélica 19, 14s PG 22, 81).

Eis o texto de Orígenes subjacente ao de Eusébio: "Se na Igreja os


padres e os doutores podem gerar filhos, é conforme o modo daquele
que diz: 'Filhinhos, que eu gero novamente até que o Cristo esteja forma
do em vos1 (Gl 4,19)" (Sobre o Levítico, hom. 6, 6 PG 12, 474).

Escreve Max Thurian, monge protestante de Taizé, que se tornou


católico:

"Ñas Igrejas da Reforma foi deixado o celibato á escolha de quem


exerce o ministerio. Mas, com o desenvolvimento das comunidades, o
celibato foi recolocado em lugar de honra como forma de servigo ao Se-
nhor. Muitas vezes observo as grandes dificuldades encontradas por pas
tores casados, constrangidos a ocuparse com coisas estranhas ao mi
nisterio. Em todo caso, tratase de um servigo em prol do Reino - diz o
Evangelho - e, por isto, eu o considero um tesouro muito importante da
Igreja Ocidental" (entrevista concedida ao repórter Angelo Montonati).

Como se pode perceber, a extincáo da lei do celibato nao seria


solucáo, mas, antes, urna concessáo á onda de erotismo. O que importa

268
ABUSOS SEXUAIS NA IGREJA 29

é preparar os jovens para enfrentar essa onda sem se dobrar. Caso falte
essa preparacáo-formacáo, nao haverá castidade nem na vida conjugal,
pois acontece que homens e mulheres casados também prevariquem
fora do lar.1

Vale a pena guardar "o tesouro muito importante da Igreja Ociden-


tal" (Max Thurian). O celibato é o dom indiviso do cristáo a Deus e ao
próximo, possibilitando mais livre servico á causa do Reino e o exercício
de urna paternidade espiritual de grande fecundidade para a Igreja e o
género humano.

3. O Trigo e o Joio

Urna parábola do Evangelho (Mt 13, 24-30) elucida o misterio do


pecado dentro da Igreja. Narra Jesús que um homem semeou trigo em
seu campo. Sobreveio o adversario e lancou sementes de joio em meio
ao trigo; quando os servidores do patráo viram o joio crescer,
impacientaram-se e foram pedir autorizacáo para arrancá-lo. Paradoxal-
mente, porém, o patrao recusou-se: "Nao, para nao acontecer que, ao
arrancar o joio, com ele arranquéis também o trigo. Deixai-os crescer
juntos até a colheita" (w. 29s). - A parábola ¡lustra o que seja a Igreja: é
0 campo no qual o Senhor semeou a Palavra da Vida; o inimigo, porém,
suscitou o pecado, muitos fiéis católicos desejariam ter urna Igreja sem
joio ou sem pecado e se impacientam... O Senhor, porém, quer deixar os
pecadores dentro da sua Igreja, tendo em vista urna finalidade providen
cial; os prevaricadores devem ser, para os justos, um estímulo a que
sejam melhores; vendo a hediondez do pecado, concebam mais vivo
horror ao mesmo e procurem reparar as falhas dos irmáos mediante urna
conduta de vida mais coerente. Em conseqüéncia, deve-se dizerque urna
Igreja sem joio nao é a de Cristo, nem mesmo é possível, visto que toda
criatura humana está sujeita, por sua própria índole, ao pecado. Ao bom
cristáo, portanto, importa ter paciencia, nao se abalar com o misterio da
iniqüidade e procurar, pela comunháo dos Santos (ou através de urna
conduta ainda mais fiel), socorrer aos irmáos que fraquejam.

Nossos tempos ingratos também tém seus aspectos positivos: sa-


codem os fiéis, incitando-os a deixar a vida tibia para tender a maior
santidade e perfeicáo.

1 Tenha-se em vista quanto relata a revista VEJA, edigao de 27/03/02, pp. 90s, sob o
título "Médico e Monstro": o Dr. Eugenio Chipkevitch, pediatra, foi preso por molestar
criangas no consultorio e filmar as respectivas cenas em vídeo. "Chipkevítch só era
atraído sexualmente por meninos. Por enquanto nao foi descoberta nenhuma meni
na entre as suas vítimas. Ainda que numa das gravagdes ele aparega fazendo sexo
com urna crianga de 9 ou 10 anos, a maioria das vítimas tem entre 12 e 15 anos. As
fitas arruinaram a vida dupla táo cuidadosamente montada pelo pediatra" (p. 90).
Por conseguinte, fora da vida celibatária também há prevaricagáo sexual, desde
que falte o aprendizado do autocontrole.

269
Prática ultrapassada:

ORDÁLIAS: QUE SAO?

Em síntese: Ordália é umjulgamento que a Divindade é chamada


a proferir sobre a inocencia ou nao de uma pessoa suspeita mediante
uma prova física a que tal pessoa é submetida. Tal prática era vigente
entre povos pré-crístáos, inclusive no povo do Antigo Testamento (cf. Nm
5, 11-31). Esteve em uso na Idade Media. As autoridades eclesiásticas
mais de uma vez se manifestaram contrarias a tal costume, o qual, po-
rém, esteve em vigor na Alemanha e na Franga até o século XVII. - As
ordálias sao condenáveis porque vém a ser um tentar a Deus, fazendo
supor que Ele responde a convengóes arbitrarias dos homens (excetue-
se o caso bíblico atrás citado, já que está inserido na Leí de Deus).
* * *

As ordálias cairam em desuso no século XVII, mas sao menciona


das pela Biblia (cf. Nm 5,11-31) e por livros de historia. Donde a conve
niencia de explanar o seu significado.

1. Ordálias: nocáo

A palavra "ordálias" vem do anglo-saxáo ordeal, que dá em ale-


máo Urteil; julgamento. Como tal, ordália é um julgamento que a Divin
dade é chamada a proferir a respeito da inocencia ou nao de um presu
mido réu mediante uma prova física a qual é submetida a pessoa suspeita.

As ordálias sao praticadas desde os tempos pré-cristáos na india,


na Grecia (ver a Antígona de Sófocles, versos 264s) como também entre
os judeus; ver Nm 5,11 -31:

""O Senhor falou a Moisés: 12<Dize aos israelitas: - Quando uma


mulher trai o marido e se torna infiel, 13outro homem tendo relagóes com
ela, sem o marido o saber, ela assim se torna impura em segredo, sem
que haja testemunhas nem flagrante: use o marido, tomado de ciúmes,
com ou sem fundamento, tiver suspeitas de que ela se tornou impura,
1sele a conduzirá ao sacerdote e fará por ela uma oferta de quatro quilos
e meio de farinha de cevada, sem derramar azeite nem espalhar incensó
sobre ela - pois é oblagáo de ciúme, um sacrificio que recorda o pecado.

16O sacerdote mandará que ela se aproxime e fique de pé diante do


Senhor. 17Em seguida pegará um pouco de agua santa numa vasilha de
barro e um pouco de pó do piso da morada, e misturará o pó com a agua.

270
ORDALÍAS: QUE SAO? 31

18O sacerdote colocará a mulher diante do Senhor, soltará os cábelos


. déla e Ihe pora ñas máos a oblagáo que recorda o ciúme. O sacerdote
segurará na máo a agua amarga, portadora da maldigáo, 19e esconjurará
a mulher, dizendo: 'Se ninguém dormiu contigo, e se, enquanto casada,
nao te transviaste, tornando-te impura, que esta agua amarga da maldi-
gao nao te seja prejudicial. 20Mas se, depois de casada, foste infiel e te
contaminaste, maniendo relagóes com outro que nao teu marido21- aquí
segué a fórmula pela qual o sacerdote fará jurar a mulher sob pena de
maldigáo -: Que o Senhor faga de ti um objeto de maldigáo e imprecagáo
entre o poyo, fazendo descair teus quadris e inchar o ventre. 22Que esta
agua portadora de maldigáo penetre em tuas entranhas, fazendo inchar o
ventre e descair os quadris'. A mulher responderá: Amém, améml 23O
sacerdote lángara essas maldigóes por escrito e as diluirá na agua amar
ga, 24a fim de fazer da mulher beber a agua amarga portadora de maldi
gáo. Assim a agua amaldigoada penetrará nela, causando-lhe amargura.
25Tomará da máo da muihera oblagáo de ciúme e, oferecendo-a com um
gesto diante do Senhor, a levará para o altar. 2SPara que Deus se recor
dé, tomará um punhado da oferenda e queimará no altar. Depois dará de
beber a agua a mulher. 27Quando tiver dado de beber a agua, e quando
esta agua portadora de maldigáo e de amargura tiver penetrado nela,
entáo, se ela se contaminou e foi infielao marido, o ventre ficará inchado,
os quadris descairáo e a mulher se tornará objeto de maldigáo no meio
do povo. 28Mas, se a mulher nao se contaminou e estiverpura, ficará ilesa
e poderá conceber".

No inicio da era crista, por volta de 150, o apócrifo Proto-evangelho


de Tiago (capítulo 16) apresenta Sao José e a Virgem María submetidos
ao julgamento de Deus (ordália) por ter sido María SSma. encontrada
grávida antes de co-habitar com Sao José (o que é totalmente
inverossímil). As ordalías estavam muito em uso entre os povos bárbaros
que invadiram a Europa nos séculos IVA/; tal prática foi por essa via trans
mitida aos povos cristáos, que a adotaram ao menos até o inicio do sécu-
lo XIII (em algumas regióes esporádicamente até o século XVII).

As razoes dessa expansao e vigencia das ordalías sao principal


mente:

- a dificuldade de encontrar provas convincentes da inocencia ou


nao de um individuo suspeito, fora dos casos de flagrante delito. As tes-
temunhas eram raras e sujeitas (elas mesmas) a mentir, fosse por inte-
resses pessoais, fosse por medo; era muito forte o espirito corporativista
dos medievais;

- a tendencia dos medievais a supor e proclamar milagres. Acredi-


tavam fácilmente que Deus intervinha de maneiras extraordinarias na

271
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

historia dos homens para protegé-los, curá-los, exortá-los e puni-los; te-


nha-se em vista a hagiografía medieval, que se compraz em narrar mila-
gres na vida dos Santos. Em conseqüéncia admitia-se sem dificuldade
que Deus se manifestava milagrosamente para dissipar dúvidas de or-
dem judiciária.

2. As modalidades das ordalías

É muito vasto o leque de tais práticas, pois, além das ordalías ofici
almente previstas pelos textos legislativos medievais, havia aquelas em-
preendidas em caráter particular por nobres camponeses que quisessem
tirar dúvidas ocorrentes no seu curso de vida. - Eis as práticas maís fre-
qüentes:

- a ordália da agua: a pessoa era mergulhada em agua; se esta


recusava tragar o individuo, este era tido como culpado (nem a agua o
aceitava!);

- o duelo ou o combate a dois: o vencedor era tido como inocen


te, o vencido como culpado;

- a ordália do ferro quente: consistía em colocar um pedaco de


ferro em brasa em contato com o corpo (especialmente a língua) da pes
soa suspeita ou em obrigá-la a transportar o ferro de um lugar para outro.
Caso saísse ilesa, era reconhecida como ¡nocente;

- a ordália do fogo: o pretenso réu era levado a caminhar sobre


carváo em brasa;

- a ordália do veneno: quem o bebesse sem falecer, era declara


do inocente;

- a ordália do pseudo-veneno: tal ingrediente nao fazia mal, mas


agia por sugestáo; se alguém imaginasse estar tomando bebida mortífe
ra e passasse mal, era tido como réu;

- o juramento com imprecagóes: o individuo jurava e acrescen-


tava: "Que Deus me fulmine ou que um raio me parta, se nao estou di-
zendo a verdade!";

Eis outras modalidades de ordalías nao previstas pela legislacáo


oficial:

- a consulta aleatoria da Biblia: a pessoa abre o livro sagrado, e,


tendo os olhos fechados, póe o dedo sobre algum versículo, que é inter
pretado como a resposta de Deus a urna dúvida do(a) consulente (práti-
ca aínda hoje usual de maneira supersticiosa ou inspirada por mentalida-
de mágica).

272
ORDALÍAS: QUE SAO? 33

As reliquias dúbias podiam ser submetidas á prova do fogo. Assim


Santa Ida de Bolonha (f 1113) pediu ao rei Afonso VI de Castela onze
cábelos da SSma. Virgem. O monarca Ihe atendeu, mas antes quis sub-
meter á prova do fogo esse tesouro e certif¡car-se de que era auténtico.
O mesmo rei Afonso VI (f 1109) quería substituir, nos seus territo
rios, o rito litúrgico mozarábico pelo romano; submeteu entáo um livro de
cada rito ao julgamento de Deus: por duas vezes o rito mozarábico saiu
vencedor. Nao obstante, o soberano deu a vitória ao rito romano.

A prova da imersáo na agua fria desaparece no século XIII. Contu-


do nos séculos XVI e XVII foi restaurada para detectar as bruxas: julga-
va-se na época que as bruxas eram peso leve e deviam flutuar sobre as
aguas.

Na Inglaterra anglo-saxónica praticava-se a ordália do pao e do


queijo. O individuo acusado devia engolir um pedaco de pao ou de queijo
bento; caso isto ficasse preso na garganta, a pessoa era tida como cul
pada. Esta prática lembra a fórmula de juramento popular: "Que este
pedaco de pao me sufoque, se o que digo nao é verdade!".

No reinado de Carlos Magno (800-814) estava em uso a ordália da


cruz: caso duas pessoas entrassem em discordia, eram colocadas dian
te de urna cruz com os bracos estendidos. A primeira que deixasse cair
os bracos era declarada ré. Tal uso foi abolido por Luís o Piedoso (814-
840).

Praticava-se também a ordália da Eucaristía principalmente quan-


do um presbítero ou um Bispo era acusado; aplicava-se também as co
munidades monásticas ñas quais tivesse ocorrido algum furto; cada monge
recebia a Comunháo com a fórmula: "Corpus Domíni sít tibi ad probationem
hodie. - O corpo do Senhor hoje seja provacáo para ti!".

Seja citada a ordália do caixáo (¡us feretri ou Baarrecht). Supu-


nha que urna pessoa assassinada e posta no caixáo deixaria escorrer
sangue se á sua presenca comparecesse o assassino. O fundamento
para esta crenca era o texto de Gn 4, 10, onde se lé que o sangue de
Abel assassinado por Caím clama a Deus.

Note-se aínda o seguinte:

A prova ordálica podia ser aplicada diretamente ao individuo sus-


peito ou a outra pessoa, que fazía as vezes do suposto réu. Isto valia
especialmente para os duelos, mormente quando estavam em causa
mulheres ou pessoas pouco afeitas ao combate. Ás vezes podia-se re
correr a animáis como substitutos, sendo entáo escolhidos de preferen
cia os galos.

273
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

Ainda nos tempos atuais as ordalías (oficialmente abolidas nos


países ocidentaís) sao praticadas na África, onde o nuance ou veneno é
dado a pessoas suspeítas ou aos seus substitutos.

3. Que diz a Moral católica?

Em nossos días vé-se claramente que as modalidades de ordalías


instituidas pelos homens sao uma forma de tentar a Deus1. Ele nao está
obrigado a atender a convencóes arbitrarias dos homens. Mesmo a prá-
tica "¡nocente" de procurar uma resposta de Deus colocando as cegas o
dedo sobre alguma passagem da Biblia é condenável; Deus nao costu-
ma utilizar recursos extraordinarios para falar as criaturas.

Até o século XII os concilios regionais, os Papas e os teólogos se


mostraram favoráveis ou, ao menos, tolerantes em relacáo as ordalías.
Assím, por exemplo, num Concilio de Francoforte (Alemanha) em 794
um Bispo acusado de traicáo salvou sua boa fama gracas á ordália apli
cada, em seu nome, a um de seus servidores.
Todavía alguns Papas como Nicolau I (t 857) e Estéváo V (t 891)
censuraram o recurso as ordalías, especialmente ao duelo, como sendo
estranhas aos cánones sagrados e modalidades de tentar a Deus.
Agobardo (t 840) é autor de dois escritos condenatorios: uma car
ta ao rei Luís o Piedoso e o tratado De divinis sententiis (A respeito das
sentencas divinas); rejeita as ordalías, especialmente o duelo judiciário,
como usos contrarios á carídade e á doutrina crista; além do qué sao
tentativas de obrigar Deus a se pronunciar.
Tais protestos nao tiveram grande repercussáo, dada a mentalida-
de vigente nos século VIII e IX.

No século XII os protestos foram maís eficazes, vista a evolucao da


mentalidade. Assim o grande jurista Ivo de Chartres (t 1115) dissertou
longamente sobre o assunto: tinha como ilícitas ordalías ñas causas ecle
siásticas (o que faz eco as determinacoes dos Papas atrás citados), mas
admitia tais práticas em outros casos, desde que se tívessem esgotado
em váo todos os meios de descobrir a verdade; quem nao observasse tal
restricáo, estaría tentando a Deus. Observa ainda que tais provas (as
quais devem respeitar sempre as leis vigentes) nao sao infalíveis, pois
Deus, em sua bondade, pode perdoar a um pecador. Desta maneira Ivo
de Chartres tencionava fazer uma síntese dos principios doutrinários,
das necessidades concretas e dos resultados da experiencia.
1 Nótese a diferenga: a prática descrita em Nm 5, 11-31 tinha o abono do próprio
Deus, ao passo que as demais nao o tinham; eram convengóes meramente huma
nas.

274
ORDALÍAS: QUE SAO? 35

Em sentido análogo escreveu Galberto de Bruges após o assassí-


nato do conde Carlos o Bom: preocupado com os erros judiciários decor-
rentes dos julgamentos de Deus, propós a distincáo entre o duelo culos
resultados seriam sempre verídicos, e as outras ordalías, ñas quaís a
justica divina poderia ¡ntervir perdoando ao réu.

Guiberto de Nogent em sua autobiografía escrita por volta de 1114


revela-se perplexo dlante do caso de um ladráo, conhecido como tal que
sai vitonoso de urna ordália (duelo judiclário), sendo tido como réu aque-
le que o denunciou. Em sua perplexldade Guiberto concebe duas expli-
cacoes para tal fato: o acusador era realmente réu porque havia jurado
nao denunciar o ladrao e perjurara ou - o que parecia mais verossímil ao
autor- todo o procedimento era injusto e contrariava os cánones saqra-
dos.

A condenacáo foi-se fazendo mais e mais sentir, principalmente


sob a pena de grandes Papas. Assim numa carta ao Bispo de Úpsala
Alexandre III (1159-1181) classificou as ordalías como execrabile
ludicium (execrávelou horrendo julgamento). O Papa Celestino III (1191-
1198) declarou que o duelo nao deveria ser tolerado em parte alguma.
O Concilio Geral do Latrao IV (1215) proibiu aos clérigos tomar
parte ñas ordalías, nem mesmo ñas oracoes e béncáos que costumavam
acompanhá-las: ver canon 18. A retirada do aparato religioso que cerca-
va as ordalías era um golpe mortal a elas infligido, pois punha em xeque
a presuncáo de serem o julgamento manifestado pelo próprio Deus.
Finalmente o Papa Honorio III (1216-1227) proibiu expressamen-
te, e de modo geral, todo tipo de ordália tanto em causas religiosas como
em causas leigas. A doutrina da Igreja estava assim definitivamente fir
mada. E preciso nao tentar a Deus, presumindo que fará coisas extraor
dinarias porque assim convencíonam as criaturas.

A Palavra Viva de Deus (Volume XV), por Bento da Conceicáo


(Ansto). Editora e Gráfica Ltda., 2000, 160 x 210 mm, 167pp.
Aristo foi radialista por 33 anos, músico popular com varios LPs
gravados. Tocado pela graga, converteu-se ao Catolicismo. Diz receber
diariamente mensagens de Jesús e de María, mensagens que anunciam
a volta gloriosa de Cristo. Ocorre, porém, que o autor escrevia antes do
ano 2000; estejá se passou sem que aspredigoes se tenham cumprído.
Eis mais um testemunho de que nao se deve dar crédito a quem queira
predizera data da consumagáo da historia; o Senhor Jesús de antemáo
condenou tais "profecías": "Nao compete a vos conhecer os tempos e os
momentos que o Pai dispós..." (At 1, 7).

275
O fascínio do dinheiro:

"O SUCESSO DO PECADOR"


(VEJA)

Em súrtese: Marc Lewis, millonario inglés de 28 anos de idade,


concedeu urna entrevista a revista VEJA, em que exalta os pecados capi-
tais como fatores de enriquecimento. Descreve como os cometeu e diz
nao ter religiáo e sim devogáo ao dinheiro. O artigo que se segué, tece
alguns comentarios a respeito.
* * *

A revista VEJA, edicáo de 13 de marco 2002, publica uma entrevis


ta de Marc Lewis, milionário inglés de 28 anos de idade, que exalta os
pecados capitais como aliados de quem quer ganhar dinheiro. Nao tem
fé religiosa, mas sim devogáo ao dinheiro.
Visto que tais afirmacoes interpelam vivamente a consciéncia cris
ta, apresentaremos os tópicos principáis da entrevista acompanhados de
comentarios.
1.0 Personagem

O repórter Eduardo Salgado assim introduz o entrevistado:


«Autor de best-seller de auto-ajuda, milionário inglés sus
tenta QUE OS SETE PECADOS CAPITAIS SAO A CHAVE DO ÉXITO
"O inglés Marc Lewis, de 28 anos, está prestes a se mudar para
uma casa de mais de 1 milháo de dólares em Londres, onde vai morar
com a namorada Rachel. Poderla estar numa propriedade rural no suida
Franca plantando uva e vivendo sem preocupagoes. Dinheiro nao falta.
Sua fortuna é estimada em 14 milhóes de dólares. Mas nao vai optar pela
vida mansa, pois é viciado em trabalho. Dono de uma cadeia de restau
rantes e de uma empresa de marketing esportivo, Lewis langou ha duas
semanas um livro que se tornou fenómeno de vendas na Inglaterra. Em
Sin to Win (Pecar para Vencer), defende que o segredo do sucessoe
cometer os sete pecados capitais. Para ele, orgulho, preguiga, luxuna,
gula, avareza, inveja e ira sao características de pessoas bem-sucedidas».
2. Tópicos principáis

'Marc Lewis: Orgulho, preguiga, luxúria, gula, avareza, invejaj


ira os sete pecados capitais sao nossas maiores fontes de motivagao,
sao as coisas que nos dáo inspiragáo para o sucesso. Todas as pessoas
bem sucedidas sao orguihosas, querem ser as meihores, anseiam por
novas conquistas, nao estáo satisfeitas com o que possuem. Agem com
276
"O SUCESSO DO PECADOR"

paixao, nao perdem nenhuma oportunidade e concordam que é impor


tante encontrar a maneira mais fácil de atingir os objetivos Por tudo isso
precisan) exaltar e usar os sete pecados capitais. Nao ter medo deles".
A propósito observe-se: o pecado é a maior desgraca que possa
acontecer a alguém, pois a) a fé ensina que afasta da verdadeira Vida o
pecador, fazendo-lhe perder o único Bem que ele nao pode perder- b)
escraviza e degrada o ser humano; tenha-se em vista a parábola do filho
prodigo (Le 15, 11-32): o jovem, fascinado pela perspectiva de urna vida
libertina, sai de casa, gasta todo o seu dinheiro num comportamento des-
regrado; sobrevém a fome e o dinheiro acaba; com isto acabam-se os
amigos e os prazeres da vida desenfreada. Assim provocado, o jovem
vai procurar emprego e só encontra o de guardador de porcos que ele
assume para nao morrer de fome. Isto é duplamente humilhante para um
judeu, visto que a Lei de Moisés e a tradicáo rabínica baniam o porco como
animal ¡mundo. Mais: o jovem tinha inveja dos porcos e quería alimentar-se
com a racio deles, mas nlnguém Iho permitía; em tempo de fome mais vale
alimentar um porco do que um homem. Tal é o rebaixamento que o pecado
inflige ao pecador; na parábola ele caí abaixo dos animáis ¡mundos...
Se o pecado traz algum beneficio de ordem material, tal beneficio
custa muito caro, e cedo ou tarde fenece, deixando o pecador profunda
mente frustrado.

Alias, já Platáo dizia: "É melhor sofrer urna injustica do que come
ter urna injustica".

Á pergunta "O Sr. nao teme a ira divina?" responde Lewis: "Deve-
mos terfé somente em nos mesmos... Existem tantas religioes. Elas nao
podem estar todas certas. A maioria deve estar errada. Portanto temos
de confiar somente em nos mesmos".

- Confiar em si mesmo é confiar num ser limitado e sujeito a falhar.


Nao existe criatura infalível por si mesma. Mesmo que alguém seja bem
sucedido durante urna fase de sua vida, nao se deve iludir, pois pode,
após grandes éxitos, decepcionar a si mesmo. O ser humano, na verda-
de, é um clamor voltado para o infinito; o homem sincero verifica sua
carencia e a necessidade de se apoiar no Absoluto; daí o senso religioso
inato em todo homem.

Reconhecemos que existem muitas religioes e que nem todas po


dem ser verídicas. Para facilitar a análise, agrupamo-las em tres blocos:
o politeísta (que admite muitos deuses), o panteísta (que identifica a D¡-
vindade com o mundo e o homem) e o monoteísta (que admite um só
Deus transcendente). Ora o politeísmo é ilógico, pois só pode haver um
Infinito e Absoluto; o panteísmo também é excluido pela razao, pois identifi
ca o Infinito com o finito, o Absoluto com o relativo, o necessário com o
277
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002
38

contingente... Só resta o bloco monoteísta, que compreende judaismo,


Cristianismo e islamismo; dentre esses tres sobressai o Cristianismo,
pois o judaismo é essencialmente expectativa do Messias queja veio, e
o isla é um amalgama de judaismo, Cristianismo e religiao árabe antiga.
- Por conseguinte nao é táo difícil descobrir a verdade em materia religi
osa; a razáo mesma aponta para ela.
Lewis: "É inegável que o dinheiro traz felicidade. Devemos ter de-
vogáo ao dinheiro".
- Para dissipar o equívoco subjacente a estes dizeres, basta lem-
brar a parábola (espelho da vida) de Le 12,16-21: um homem teve urna
colheita táo farta que o seu problema nao era a falta de trigo, mas a
maneira de guardar tanto trigo. Após muito refletir, descobre a solucao:
destruirá seus celeiros e construirá outros maiores, onde colocara todas
as suas provisóes: a seguir, dirá a si mesmo: «Acumulaste muitos bens
para muitos anos; agora descansa, come, bebe e desfruta! . Mas Deus
Ihe disse: "Insensato! Nesta noite te pedirao a vida. Aquilo que preparas
te, para quem ficará?".
Assim é o dinheiro. Inegavelmente propicia algum bem-estar, mas
há de ser utilizado com superioridade ou desapego, pois, quando menos
se espera, ele pode escapar ou o proprietário escapará chamado por
Deus a outra vida, sem poder levar coisa alguma material armazenada
na térra É pois, ilusoria a devocáo ao dinheiro. Mais vale converter-se para
valores que nao passam e para o Amigo que nao abandona, o propno Deus.
A guisa de ¡lustracáo popular, vai aqui transcrito breve, mas denso
poema:

NEM TUDO O DINHEIRO CONSEGUE


Autor desconhecido

O dinheiro resolve muitas situacoes, mas nem sempre compra aquilo


que constituí profundo desejo.
O dinheiro pode comprar, por exemplo:
- A cama, mas nao o sonó.
- O livro, mas nao a inteligencia ou o saber.
- O alimento, mas nao o apetite.
- O luxo, mas nao a beleza.
- Urna casa, mas nao um lar.
- O remedio, mas nao a saúde.
- A convivencia, mas nao o amor.
- A diversáo, mas nao a felicidade.
- O crucifixo, mas nao a fé.
- Urna granja, mas nao os lucros.
- Um lugar no cemitério, mas nao no céu.
278
Nao á guerra:

O DECÁLOGO DE ASSIS PARA A PAZ

Em síntese: Aos 24/02/02 o Papa Joáo Paulo II dirigiu urna carta a


todos os Chefes de Estado deste mundo, acompanhada do Decálogo
para a Paz proclamado em Assis aos 24/01/02 por representantes de dez
crengas religiosas diferentes. Tal proclamagáo corresponde a íntimo an-
seio de todo homem. É de esperar que os governantes do mundo inteiro
colaborem para que seja posta em prática.
* * *

É oportuno lembrar que aos 24/01/02 em Assis se reuniram repre


sentantes de doze confissóes religiosas de diversas partes do mundo
para orar pela paz e proclamar dez principios que promovam as iniciati
vas de paz e rechacem todo perigo de guerra ou hostilidade. O decálogo
assim elaborado foi enviado pelo Santo Padre a todos os Chefes de Es
tado juntamente com urna carta de apresentacáo. Nesta o Pontífice des
taca "ter verificado que os participantes do encontró de Assis estavam
como nunca animados por urna conviccáo comum: a humanidade deve
escolher entre o amor, que constrói, e o odio, que destrói".

A seguir, váo publicados os dois importantes documentos.


1. A Carta aos Chefes de Estado

«A Suas Excelencias os Chefes de Estado ou de Governo

Há precisamente um mes que foi realizado em Assis o Dia de Ora-


cáo pela paz no mundo. Hoje, o meu pensamento dirige-se espontanea-
mente para os responsáveis da vida social e política dos países que ali
estavam representados pelos chefes religiosos de numerosas nacoes.

As intervencoes inspiradas destes homens e mulheres, represen


tantes das diversas confissóes religiosas, assim como o seu desejo sin
cero de trabalhar a favor da concordia, da busca comum do verdadeiro
progresso e da paz no seio de toda a familia humana, encontraram a sua
expressáo nobre e concreta num "decálogo" proclamado na conclusáo
desse dia excepcional.

Tenho a honra de enviar o texto deste compromisso comum a Vos-


sa Excelencia, convencido de que estes dez propósitos poderao inspirar
a acáo política e social do seu governo.

279
40
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

Pude verificar que os participantes no encontró de Assis estavam


animados como nunca por urna conviccáo comum: a humanidade deve
escolher entre o amor e o odio. E todos, enquanto membros da mesma
familia humana, souberam traduzirtal aspiracáo através deste decálogo,
persuadidos de que o odio destrói; o amor, ao contrario, edifica.
Faco votos para que o espirito e o compromisso de Assis levem
todos os homens de boa vontade a procurar a verdade, a justica, a liber-
dade o amor, a fim de que toda a humanidade possa gozar destes direí-
tos inalienáveis, e cada povo, da paz. Por seu lado, a Igreja Católica, que
deposita a sua confianca e esperanca no "Deus da caridade e da paz
(2Cor 13,11), continuará a empenhar-se para que o diálogo leal, o per-
dáo recíproco e a concordia mutua assinalem o caminho dos homens
neste terceiro milenio.
Reconhecido a Vossa Excelencia pelo interesse que se dignar pres
tar á minha Carta, aproveito esta ocasiáo para Ihe confirmar a minha
mais elevada estima.

Vaticano, 24 de fevereiro de 2002.


Joao Paulo II»

2. O Decálogo da Paz

1 Comprometemo-nos a proclamar a nossa firme conviccáo de


que a violencia e o terrorismo estáo em oposicáo com o verdadeiro espi
rito religioso e, ao condenar qualquer recurso á violencia e á guerra em
nome de Deus ou da religiáo, empenhamo-nos em fazer tudo o que for
possível para desenraizar as causas do terrorismo.
2 Comprometemo-nos a educar as pessoas no respeito e na esti
ma recíprocos, a fim de poder alcancar urna coexistencia pacífica e soli
daria entre os membros de etnias, culturas e religióes diferentes.
3 Comprometemo-nos a promover a cultura do diálogo, para que
se desenvolvam a compreensáo e a confianca recíprocas entre os indivi
duos e entre os povos, pois sao estas as condicóes para urna paz auten
tica.
4 Comprometemo-nos a defender o direito, de todas as pessoas
humanas, de levar urna existencia digna, conforme com a sua identidade
cultural, e de fundar livremente urna familia que Ihe seja própna.
5. Comprometemo-nos a dialogar com sinceridade e paciencia, nao
considerando o que nos divide como um muro insuperável, mas, ao con
trario, reconhecendo que o confronto com a diversidade do próximo pode
tomar-se urna ocasiáo de maior compreensáo recíproca.
280
O DECÁLOGO DE ASSIS PARA A PAZ 41

6. Comprometemo-nos a perdoar-nos reciprocamente os erros e


os preconceitos do passado e do presente, e a apoiar-nos no esforco
comum para vencer o egoísmo e o abuso, o odio e a violencia, e para
aprender do passado que a paz sem justica nao é urna paz verdadeira.
7. Comprometemo-nos a estar da parte de quantos sofrem devido
á miseria e ao abandono, fazendo-nos a voz dos que nao tém voz e em-
penhando-nos concretamente para sair de tais situacoes, convictos de
que, sozinho, ninguém pode ser feliz.

8. Comprometemo-nos a fazer nosso o brado de todos os que nao


se resignam á violencia e ao mal, e desejamos contribuir com todos os
nossos esforcos para dar á humanidade do nosso tempo urna real espe-
ranca de justica e de paz.

9. Comprometemo-nos a encorajar qualquer iniciativa que promo-


va a amizade entre os povos, convictos de que, se nao há um entendi-
mento solidario entre os povos, o progresso tecnológico expoe o mundo
a riscos crescentes de destruicáo e de morte.

10. Comprometemo-nos a pedir aos responsáveis das nacóes que


facam todos os esforcos possíveis para que, quer a nivel nacional, quer
internacional, seja edificado e consolidado um mundo de solidariedade e
de paz fundado na justica.

24 de Janeiro de 2002

Permita Deus que tanto esforco em prol da paz mundial obtenha o


éxito desejado: urna humanidade mais unida e fraterna!

Como ser Igreja hoje á luz dos Atos dos Apostólos, pelo Pe.
Crístovam Jubel. - Ed. Pao e Vinho, Rúa Santa Catarina 2824. 85035-
150 Guarapuava (PR), 2002, 140 x 210 mm, 51 pp.

O autor apresenta roteiros para a leitura dos Atos dos Apostólos


em comunidade, tirando conclusóes para a vida eclesial de nossos
días. O livro pode ser utilizado sem dificuldades, pois usa linguagem
simples, adaptada a comunidades rurais. A mesma editora publicou
varios outros livros de índole litúrgico-pastoral listados logo no inicio
da obra em pauta.

281
Amiga angustiada:

"ME DÉ UM CONSELHO..."

Em síntese: N.N. está angustiada porque, enquanto rezava, urna


amiga a viu configurada a urna monja. A vontade de Deus estaría assim
expressa. Todavía ajovem quercasarse e terfilhos; daía afligáo: deverá
renunciar as suas mais íntimas inclinagóes para seguir a vocagáo religio
sa?-A resposta é negativa: Deus chama cada criatura humana median
te as aptidóes que Ele deposita em cada qual. A vocagáo é a plena rea-
lizagáo das potencialidades do individuo e nao sufocagáo das mesmas.
É oportuno nao crer fácilmente em "revelagoes" subjetivas e mal funda
mentadas.
* * *

Vía ¡nternet a Redacáo de PR recebeu a seguinte mensagem:

«Quería um conselho...

Antes de mais nada, meu nome é N. N., tenho 18 anos, fago Facul-
dade de Química Industrial. Tenho urna vida de oragáo bem ativa, e gos-
taria de contar um pouquinho do que anda acontecendo comigol!
Tenho o costume de orar em frente ao Santíssimo. Um dia, estáva-
mos eu e mais duas amigas em oragáo, quando urna délas teve urna
visáo de minha pessoa de monja, num mosteiro. Desde entáo, nao tenho
paz!!! A questáo é que nunca sonhei isso pra mim..., quero casar..., ter
filhos, poder ensinar a eles o amor de Deus! Há tres anos resolví fazer um
voto de espera por urna pessoa. Entáo, nao sinto no meu coragáo essa
vontade de ser monja! Porém, se essa for a vontade do Senhor, estarei
lá, com o coragáo partido, mas estarei!! Mas será que Deus reservaría
algo pra mim que nao satisfaría as vontades do meu coragáo? Nao sei,
estou táo confusa!! Nao sei o que fazer!! Sei que María nao sonhou em
seramae do Salvador, mas Deus quis assim... Como vou saberse essa
é a vontade de Deus mesmo? Urna decisáo dessas é pra vida toda..., no
meu caso, eu abandonaría tudo..., teña que deixar tudo para tras. Me
ajude, me dé um conselho..., e, se essa visáo nao for do humano da
minha amiga? Espero resposta!! Se quiser saber qualquer coisa, pode
perguntar...

A paz...»

Que conselho...?

A resposta será formulada em seis etapas:

282
"ME DÉ UM CONSELHO..." 43

1) Toda criatura humana recebe de Deus urna vocacáo ou um cha


mado... chamado a exprimir a sabedoria do Criador de tal ou tal maneira.
Ninguém existe á toa, mas cada qual é urna nota na sinfonía do mundo
criado; cada qual é um tijolinho na edificacao da Jerusalém celeste.

2) Como descobrir a vocacáo que Deus dirige a cada um(a)?

Antes do mais, pelas virtualidades que Ele colocou em cada ser


humano. A vocacáo implica a plena realizacáo de tais virtualidades e,
assim, da personalidade de cada qual.

Essas potencialidades podem chamar-se "carismas". Carisma é,


na verdade, um dom de Deus para o servico do próximo. Muita atencao é
dispensada, hoje em dia, aos carismas extraordinarios (glossolalia, pro
fecía, dom de cura...); existem, porém, os carismas ordinarios, como o da
matemidade, o da educacáo dos pequeños, o da enfermagem, o da ad-
ministracáo eficiente... Deus fala e chama por esses dons.

Se, apesar de tudo, alguém senté dificuldade para discernir o cha


mado de Deus, recorra a um diretor espiritual, que ajudará a ver melhor...
E, em todo e qualquer caso, reze, pedindo as luzes do Espirito Santo.

3) Urna vez reconhecida a vontade de Deus, nao hesite o cristáo


em segui-la. Vá corajosamente e com alegría. Sao fortes as palavras do
Senhor em Le 9, 62: "Quem póe a máo no arado e olha para tras, nao é
digno de mim". Nem sempre é fácil seguir o Senhor, mas ninguém o deve
fazer com o coracáo partido. Haja profunda alegría tanto naqueles que
se casam como naqueles que se consagram á vida una ou indivisa; "Deus
ama a quem dá com alegría" (2Cor 9,7). Urna vocacáo a contragosto nao
é vocacáo.

4) Ninguém tem o direito de impor urna "vocacáo" a alguém. Nem


os pais aos filhos, nem o diretor aos dirigidos.

5) É oportuno desconfiar das "revelacoes pessoais", proferidas "em


nome de Deus". Muitas vezes sao projecóes do íntimo da pessoa que
fala; de boa fé ou candidamente, atribuí seu modo de ver ao Espirito
Santo.

6) Porfim, á amiga que pede um conselho, diremos: dado que sen-


te o desejo de se casar, creía que esta é sua vocacáo, á revelia de quanto
Ihe tenha sido dito em contrario. E case-se "para ensinar aos seus filhos
o amor de Deus"; quem sabe se Ele nao Ihe dará a graca de ver entre os
seus filhos um(a) vocacionado(a) para seguir a vida una ou indivisa? Vocé
estará assim preenchendo indiretamente o lugar que sua amiga Ihe quis
assinalar!

283
Piedade nao crista:

"CONVERSANDO COM DEUS" (III)


por Neale Donald Walsch

Em síntese: Eis urna obra em tres volumes, dos quais o terceiro é


aqui analisado. Tratase de presumido diálogo do autor com Deus, que
estaría talando por locugáo interior. O teor dos dizeres da Divindade, no
caso, é panteista e monista, exprimindo-se em frases confusas. De resto,
o individuo panteista cai em contradigáo consigo mesmo, pois esquece
que ele é a própria Divindade ou "pane de Deus" (4a capa).

A obra "Conversando com Deus", de Neale Donald Walsch com-


preende tres volumes, dos quais passamos a comentar brevemente o
terceiro1, conscientes de que é um best seller da atualidade.

O encontró com Deus teve origem em 1922, quando o autor se


achava deprimido e angustiado. Escreveu entáo urna carta irritada para Deus.
Com grande surpresa sua, obteve resposta mediante "locugáo interior".

A doutrina católica reconhece a possibilidade de tal fenómeno mís


tico, mas pode-se ter certeza de que nao ocorreu no caso de N. D. Walsch,
pois os dizeres atribuidos a Deus, além de ser confusos, sao monistas e
panteístas: Deus, o homem e o mundo seriam urna só realidade. Te-
nham-se em vista as seguintes afirmacóes:

"Somos parte de Deus, pois nunca estamos separados dele. Faze-


mos com Ele um Todo... A verdade é o corpo, e a alegría é o sangue de
Deus" (43 capa).

Fala Deus: "Jesús disse: 'Sem o Pai, Eu nao sou coisa alguma'. O
pai de tudo é o puro pensamento. Essa é a energía da vida. É o que
voces escolheram chamar de Amor Absoluto. É o Deus e a Deusa, o Alfa
e o Ómega, o Inicio e o Fim. É a Totalidade de Tudo, o Movedor Imóvel, a
Fonte Primordial. É isso que voces tentam compreender desde o inicio
dos tempos. O Grande Misterio, o Enigma Interminável, a verdade eterna.

Nos somos Um Só, e portanto é isso que VOCES SAO'" (p. 202).

Comentando: Jesús nao disse o que Ihe é atribuido no texto atrás.


As palavras citadas mal se combinam com a seqüéncia do texto, que
professa o monismo panteista. Haveria urna só substancia, e esta seria a
Divindade.

Ed. Ediouro, Rio de Janeiro 1999, 135x210mm, 429 pp.

284
"CONVERSANDO COM DEUS" (III) 45

Sobre Jesús Cristo mesmo assim se lé á p. 63:

"O autor: Cristo nao é o exemplo mais elevado? Nao é Deus toma
do Homem?

Deus: Cristo é o exemplo mais elevado. Mas nao é o único exem


plo para atingir esse estado elevado. ÉDeus tornado Homem. Mas nao é
o único homem feito de Deus.

Todo homem é 'Deus tornado Homem'. Vocé é Deus expressando-


se em sua forma atual. Mas nao se preocupe com a possibilidade de Me
limitar; com o quanto isso Me torna limitado. Porque Eu nao sou limitado
e nunca fui. Vocé acha que é a única forma que Eu escolhi? Acha que os
seres humanos sao as únicas criaturas que Eu imbuí de Minha Esséncia?"
Ou á p. 358:

"O autor: Jesús era um desses Seres muito evoiuídos?


Deus: Vocé acha que ele era muito evoluído?

O autor: Sim. Como Buda, Krishna, Moisés, Babaji, Sai Baba e


Paramahansa Yogananda.

Deus: De fato. E muitos outros que nao mencionou.

O autor: Bem, no Livro II o Senhor 'insinuou' que Jesús e esses


outros mestres podiam ter vindo do 'espago cósmico', ter sido visitantes
aqui, partiihando conosco os ensinamentos e a sabedoria dos seres mui
to evoiuídos. Entáo é hora da verdade. Jesús era um extraterrestre?
Deus: Todos voces sao extraterrestres».

Como se vé, o autor é relativista, equiparando Jesús a outros mestres.


Em suma, a obra "Conversando com Deus" é um espécimen típico
do que nao raro acontece: atribui-se a Deus a origem de fenómenos
meramente humanos. Neale Donald Walsch projetou para fora de si, como
se Ihe viesse de Deus, o que ele sabia ou discutía a respeito de Deus, do
homem e do mundo. O panteísmo está hoje em dia muito em voga por
dois motivos principáis: 1) influencia de crencas orientáis sobre a espiri-
tualidade ocidental; 2) propicia urna religiosidade "que nao incomoda",
pois, no caso, o homem é a própria Divindade - o que permite a cada um
fazer seu Credo e sua Ética próprios.
Alias, o panteísta nao deveria nem poderia rezar, pois ele é supos-
tamente urna parcela da Divindade ou a Divindade mesma. O fato de que
ele reza, atesta sobejamente quanto o homem se senté carente e náo-Deus.
A necessidade e a prática da oracáo estáo profundamente impregnadas no
ser humano, mesmo naqueles que julgam ser urna parte da Divindade.

285
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

"CONSCIÉNCIA EM CONFUTO"
por Kenneth Overberg

O livro tem por subtítulo "Como fazer escolhas moráis". Tem por
autor o Pe. Kenneth R. Overberg S.J., docente de Teología na Xavier
University de Cincinnati, Ohio1.
O Pe. Overberg quer ajudar o leitor a tomar decisóes éticas em
casos complexos. Afirma que o individuo deve seguir a sua consciéncia.
Esta, porém, nao é autónoma (nao define por si só o que é bem e o que
é mal), mas é teónoma ou regida pela lei de Deus. Por conseguinte, an
tes de tomar urna decisáo, compete á consciéncia olhar para a lei de
Deus (que murtas vezes se manifesta pelas justas leis dos homens) e, de
outro lado, para as condicóes subjetivas em que se encontra o sujeito.
Assim devo comparecer ao meu escritorio de trabalho por obrigacao de
justica (é o aspecto objetivo do caso), mas, olhando para minhas condi-
cóes subjetivas, verifico que estou fortemente gripado. A consciéncia entáo
me dirá que estou dispensado de ir trabalhar, ao passo que a urna pes-
soa sadia dirá que deve sair para o trabalho.
Tal é o papel da consciéncia: tem um parámetro objetivo (a lei como
tal, válida para todos) e um termo subjetivo (as circunstancias em que se
acha o individuo). Visto que estas podem ser muito complexas, torna-se,
por vezes, difícil formar um juízo sobre a atitude a tomar. É precisamente
para este aspecto da questáo que se volta o livro do Pe. Overberg; é
minucioso ao ponderar tudo o que deva ser levado em conta pela consci
éncia. Embora pretenda ser equilibrado e prudente, o autor tende a exa
gerar o aspecto subjetivo das circunstancias, como se estas estivessem,
de maneira geral, ácima da lei objetiva. É o que transparece no caso da
Sra. Bergmeier exposto as pp. 65-69 do livro:

O autor imagina a Sra. Bergmeier detida em campo de concentra-


cáo; o marido e os filhos já foram libertados e voltaram para casa. Só Ihe
resta um recurso para ser posta em liberdade: engravidar, pois as autori
dades do campo nao desejam tal tipo de prisioneiras. A Sra. Bergmeier é
amiga de um guarda, que ela poderia atrair para um relacionamentose-
xual. Entra entáo em confuto de consciéncia, que o autor assim expóe:

Tradugáo de Attilio Brunelta. - Ed. Loyola. Sao Paulo 2001, 130 x 220 mm, 210 pp.

286
"CONSCIÉNCIA EM CONFUTO" 47

"A Sra. Bergmeier comega a sua avaliagáo observando cuidadosa


mente as realidades envolvidas. Ela e o marido amam sinceramente um
ao outro... Seu amor está encarnado em tres filhos maravilhosos. Quáo
estranho entáo que esse amor e compromisso a possa levar a procurar
urna relagáo sexual e urna gravidez com alguém que ela mal conhece!
Mas valería a pena pagar esse prego a fim de voltarpara junto dos seus?

A Sra. Bergmeier continua suas ponderagdes... Seus longos anos


de vida conjugal Ihe ensinaram a partilha pessoal profunda e a expres-
sáo de amor que representa urna relagáo sexual... Entretanto pergunta a
si mesma como seu marido reagirá se voltar grávida para casa.

A Sra. Bergmeier pensa no filho que nascerá. Qual será o sentido


da vida do filho? A crianga será meramente um meio de fuga ou o símbo
lo do seu amor pela familia? Como os outros filhos iráo aceitar- ou rejei-
tar-essa crianga? O valor da vida familiar é extremamente importante
para a Sra. Bergmeier. Ela sabe o que significará a sua presenga para os
filhos, quanto eles precisam de urna máe.

O guarda que ela procura é também urna preocupagáo para a Sra.


Bergmeier. Ela se pergunta o que representaría para ele aquele encontró
entre os dois... Ela se valería daquela ocasiáo simplesmente para a sua
satisfagáo pessoal? Ela o estaría usando, reduzindo-o a simples meio
para engravidar?...

Como luterana fiel, a Sra. Bergmeier reflete sobre suas tradigoes


religiosas e lembra as passagens bíblicas que tantas vezes ouvia. Cal
mamente, fala com as companheiras no campo de concentragáo, procu
rando ouvira opiniáo délas e ojulgamento que fazem a respeito do caso.
Reflete sobre as pressdes particulares da vida no campo de concentra
gáo, e como isso tudo está influenciando sua decisáo. A Sra. Bergmeier
se pergunta súbitamente: quáo má deverá sera situagáo para justificar a
infidelidade - e isto seria realmente urna infidelidade?

Por fim, a Sra. Bergmeier decide relutantemente que nao seria cor
reto procurar ficar grávida. Reconhece que nao pode forgar a liberdade
daqueles que a mantém na prísáo. Eles poderáo recuar no compromisso
de libertar mulheres grávidas. A libertagáo da prísáo pode ainda vir de
outra fonte. Sua religiáo Ihe dá esperanga; mesmo em face da escuridáo
da vida na prísáo ela Ihe reafirma sua própria compreensáo do significa
do e do valor da sexualidade e do matrimonio. E, o que aínda é mais
importante, a Sra. Bergmeier percebe que, por mais que queira estar com
a familia, procurar ficar grávida contradiría sua própria integridade como
pessoa, reduzindo o próprio corpo, o guarda e a crianga a simples meio
de fuga" (pp. 65s).

287
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 481/2002

Deve-se reconhecer que a decisáo tomada foi correta. Mas o autor


do Hvro dramatizou demais a situacao: desde o inicio da questáo devia
ficar claro que o relacionamento sexual com o guarda seria um adulterio;
ora o adulterio é um ato mau, intrinsecamente mau, que nenhum fim, por
mais nobre que seja, pode justificar. O fim (born) nao justifica os meios
maus. Tal era o principio a aplicar sem delongas.

Overberg reconhece que em muitos casos o fim nao justifica os


meios, mas admite que em outros casos ele os justifica. Cita entáo a
emergencia de se ter que amputar urna perna para salvar a vida de al-
guém: a amputacáo seria algo de mau, justificado pela necessidade de
salvar urna vida (cf. pp. 57s). - Observe-se, porém, que a amputacáo de
urna perna nao é um ato intrinsecamente mau (como sao o adulterio, a
calúnia, o roubo...); é um ato doloroso, infeliz, mas, do ponto de vista
moral, é neutro: se alguém corta a perna de outrem por vinganca, comete
um ato moralmente mau; se, porém, a amputa a título medicinal, pratica
um ato bom (embora doloroso). Deve-se, pois, dizer que em caso ne
nhum o fim justifica os meios intrinsecamente maus.

O livro de Overberg tem suas páginas instrutivas e válidas, mas a


orientacáo geral dá excessivo peso as circunstancias subjetivas.
Estévao Bettencourt O.S.B.

Religióes, Crencas e Crendices, por Urbano Zilles. - EDIPUCRS.


Porto Alegre. 2002. 3a edigáo revista e ampliada, 140 x210 mm, 376 pp.

O grande teólogo Mons. Urbano Zilles aprésenla ao público um Dicio-


nário (exaustivo, pode-se dizer) de correntes religiosas que se possam des-
cobrir no Brasil de hoje. Descreve cada denominagáo com rigor objetivo e
tece consideragoes filosófico-teológicas a respeito do fenómeno religioso.
Chama a atengáo para a necessidade urgente de melhor e mais intensa
catequese do povo católico para que possa discernir verdade e erro em
materia religiosa (pp. 371s). Acentúa também a importancia dos meios de
comunicagáo, que aínda sao poucos na Igreja Católica (p. 372). Em suma, o
livro é muito interessante; denuncia os erros, mas nao agride, sugerindo o
diálogo entre os irmáos da grande familia humana, diálogo que nem sempre
é aceito por nao católicos. - Em complemento verp. 247deste fascículo.

CARO(A)AMIGO(A)LEITOR(A), SETAL ÉA REALIDADE, PROCUREAPRI-


MORAR SEUS CONHECIMENTOS RELIGIOSOS, FAZENDOALGUM OUALGUNS
CURSO(S) POR CORRESPONDENCIA MINISTRADO(S) PELA ESCOLA "MATER
ECCLESIAE; CAIXA POSTAL 1362CEP20001-970 RIO (RJ) OU TELEFAXOXX
021-2291-7122. PECA INFORMACÓES E FICARÁ SABENDO QUE TODA A DOU-
TRINA DA FÉ, A ESCRITURA SAGRADA, OS MISTERIOS DO OCULTISMO LHE
SERÁO EXPLANADOS EMAPOSTILAS DE FÁCIL LEITURA.

288
Edic.óes Lumen Christi
Rúa Dom Gerardo, 68 - Centro
20090-030 Rio de Janeiro - RJ
Tel.: (21) 2291-7122 Ramal 327 / Fax: 2516-6343 / 2263-5679
e-mail: lumenchristi@bol.com.br

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Assunto: Teología
A contemplado do Coracáo de Jesús nos sermóes de Freí Mateus da Encarnacáo
Pina, monge beneditino e teólogo brasileiro do século XVIII por D. Cirilo Folch Gomes,
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Estéváo Bettencourt, OSB sobre as igrejas ditas cristas, as pseudocristás, sobre religi-
óes orientáis, esotéricas e ainda sobre o espiritismo, seus congéneres e algumas mais,
servindo nao só ao conhecimento destas denominacóes mas também ao diálogo
ecuménico e inter-religioso. 168 págs R$ 9,80.
RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA: COMPENDIO DE TEOLOGÍA - D. Cirilo Folch
Gomes, OSB
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to do Rio de Janeiro, suscitador carismático da espiritualidade litúrgica - primeiro padre
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Rocha, OSB, profundo conhecedor da vida monástica no Brasil.
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