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Comissão Examinadora
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DEDICATÓRIA
sempre renunciando suas vontades para que meu navegar em mar tranqüilo me fizesse ao
longe, permitindo perseguir sonhos distantes, sem que ao menos eu tivesse chance de
agradecê-la.
Para Victor Matheus, filho que está sempre ao meu lado e Thaís Marques que
À Thais Caroline que mesmo distante de meu olhar, me faz sonhar com sua doce
presença de filha.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Jung Mo Sung, que com sua paciente orientação, contribuiu de forma
apoio e financiamento da pesquisa, sem o qual não seria possível transformar o sonho em
realidade.
pela acolhida e apoio neste caminhar, em especial ao Dr. Fernando Londoño e Dr. Ênio
Betesda, que com presteza me receberam e forneceram informações úteis a esta pesquisa
meu trabalho.
Soares que foi minha professora na graduação e incentivou meus passos na pós-
graduação, Drª Vitalina que me motivou a cursar o mestrado, a Elita, Sueli e Claudia
Aos meus amigos, professores e alunos da escola pública, que indiretamente fazem
parte de minha vida tornando-a mais suave diante da problemática que o mundo nos coloca.
À minha esposa Eliana, a quem devo muito, por sempre me apoiar e saber
RESUMO
compõe esse segmento no Brasil. Preservando suas tradições doutrinárias com um discurso
moral rígido, na área dos usos e costumes de santidade, surgindo assim divisões no seu
interior de grupos que não mais admitia essa tradição, constituindo outras igrejas com um
representada pelo pastor Ricardo Gondim, que surgiu no âmbito da Assembléia de Deus
salvação baseada no caráter cristão de uma moral personalista, enquanto que Elinaldo
santidade ainda é o caminho para manter o cristão fiel à santidade e a salvação eterna.
ABSTRACT
The Evangelical Church Assembly of God, one of the representatives of the classic
pentecostalism, is considered one of the largest of this segment in Brazil. Preserving its
traditions doctrinaires with a rigid moral speech, in the area of the uses and habits of
holiness, appearing like this divisions in its interior of groups that not more admitted that
tradition, constituting other churches with a less rigid speech. Enter these Betesda's
Assembly of God.
I here aim to analyze and compare the moral theological speech developed by the
traditional Assembly of God and the one Betesdas´s Assembly of God, represented by the
minister Ricardo Gondim. It was initially a mission within the traditional Assembly of God
pentecostal conceptions about the uses and habits of holiness in a concrete experience of
salvation based on the Christian character of a personalist moral, while Elinaldo Renovato
remainded in the old essentialist moral tradition, which the uses and habits of holiness is
still the path to keep the Christian faithful to the holiness and to the eternal salvation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
ANEXOS 161
INTRODUÇÃO
difícil definir e compreender esse fenômeno face à opacidade dos preconceitos associada ao
como internacional razão pela qual se apresenta como tema de grande interesse para
genérica, de ser apenas um movimento de tradição protestante, fundado nos Estados Unidos
dos dons do Espírito Santo. Nos dias atuais, entretanto, essa significação soa por demais
teológica e ritual, adverte-nos para o perigo das generalizações. Limito-me, por isso, a
no Brasil – CGADB, que surgiu em 1911 em Belém do Pará e se espalhou por todo o país,
Estado do Ceará.
O estímulo para realizar tal pesquisa nasceu de minha própria experiência de vida.
Apesar de ter nascido em um lar católico praticante, minha família transitou pelo
candomblé e, por fim, quase todos os seus membros acabaram por se converter a uma
Igreja pentecostal sem expressão no Brasil. Em meu percurso acadêmico, quando cursava
13
Igreja da Assembléia de Deus ligada a CGADB, em 1991. Lá, deparei com um discurso
as doutrinas colocadas pelos pastores e pela própria convenção nacional que organiza as
Igrejas Assembléias de Deus. Meu dilema foi o de não poder ensinar algo diferente daquilo
que estava previsto pelo regimento de tal Igreja. O desejo de pesquisa cresceu ainda mais
uma certa resistência às aulas. Por meio das discussões sobre história, religião e cultura foi
moral religioso e na leitura da Bíblia como verdade absoluta de Deus. Percebi que era hora
de desvendar este discurso que tanto atrai como, de certa forma também cria uma repulsa,
que faz com que alguns membros se rebelem contra as doutrinas impostas, provocando
rupturas e fazendo surgir novas Igrejas pentecostais. Todas essas questões acabaram me
1
Usarei aqui a categoria “tradicional” para indicar que esta Igreja foi a origem de todas as
Assembléias de Deus no Brasil, sofrendo cisões no decorrer do tempo e dando origem a outros
ministérios, como o de Madureira, o Ministério do Ipiranga e a própria Betesda.
14
relação do crente com o mundo. Na realidade, o que se pode perceber é que, na Igreja
Assembléia de Deus tradicional, a maior parte do grupo manifesta por meio da fé uma
obediência às doutrinas e ao discurso realizado pelo pastor. Pode-se observar também toda
uma literatura produzida por um setor da Igreja Assembléia de Deus tradicional, a CPAD –
Casa Publicadora das Assembléias de Deus, que contribui para a manutenção da estrutura
doutrinária, colocando em destaque alguns autores com seus livros sobre ética e moral
Partindo desse ponto, começei a freqüentar os cultos das duas Igrejas e a fazer um
Igreja Assembléia de Deus Betesda, o discurso era diferente, mais contextualizado, liberava
sociologia da religião sobre o pentecostalismo. Pude perceber que a grande maioria dos
transformações sociais e declínio das ideologias tradicionais e dos sistemas de valores, foi
15
tradicional ainda conservam uma doutrina voltada a exteriorização que são os “usos e
se instalou com os primeiros missionários suecos. Por outro lado, a Assembléia de Deus
do crente, fornecendo a ele a liberdade de participação nos cultos e no mundo. Esta Igreja
A partir disso surgiu-me uma indagação: qual a razão teológica doutrinária que leva
verdade divina revelada, que constitui o conceito básico da moral essencialista, na qual os
atos são bons e maus em si, proporcionando um moralismo como parte essencial para a
santidade. A ordem estabelecida não pode ser quebrada porque a moral é configurada
dentro do grupo para assegurar não somente os limites, mas, também, para ideologicamente
teológico moral seguindo uma visão personalista, que ocupa um lugar central na busca de
uma maior autonomia e liberdade dos indivíduos perante as instituições. Segundo este
princípio, cada pessoa deve ser livre para escolher os próprios objetivos, significando o
Betesda, liderada pelo pastor Ricardo Gondim Rodrigues, em São Paulo. Será analisada,
respectivamente, a literatura desenvolvida por essas duas denominações, das quais irei
tempo”2 e “Aprendendo diariamente com Cristo: como viver a vida cristã em um mundo
em conflito”3 ambas publicadas pela Casa Publicadora das Assembléias de Deus – CPAD,
Deus no Rio Grande do Norte, e é também comentador das Lições Bíblicas Dominicais das
Farei uma correlação desse discurso com a literatura desenvolvida pela Igreja
Assembléia de Deus Betesda, em São Paulo, que é constituída por escritos do pastor
Ricardo Gondim Rodrigues, publicados pelas editoras Abba Press e Mundo Cristão,
destacando-se o livro: “É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe”.4 Neste livro,
costumes, levantando, assim, uma crítica aos setores mais tradicionais do pentecostalismo,
2
LIMA, Elinaldo Renovato de. Ética cristã: confrontando as questões morais do nosso tempo. Rio
de Janeiro: CPAD, 2002.
3
Idem. Aprendendo diariamente com Cristo: como viver a vida cristã em um mundo em conflito.
Rio de Janeiro: CPAD, 2003.
4
GONDIM, Ricardo. É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe. São Paulo: Mundo
Cristão, 2001.
17
A pesquisa se limita a fazer uma análise das obras citadas para, então, confrontar as
doutrinas morais elaboradas por esses dois grupos, analisando a linguagem e a interação
com o público, entre outros aspectos. Para tanto, foram realizadas entrevistas com pastores
das respectivas Igrejas, entre as quais se destaca a do pastor João Eunilson de Jesus
pastor Ricardo Gondim, líder da Betesda. Foi possível, desse modo, obter uma visão mais
Ricardo Gondim, que a partir do ano de 1982 passou a ser presidente da Assembléia
proibição não produzem santidade, mas conduzem ao pecado; já o autor Elinaldo Renovato
tem como preocupação principal a manutenção do discurso nas tradições dos usos e
com vitalidade dois modelos de discursos teológicos morais para desvendar quais
social, nem tampouco, à de válvula de escape. Parti do princípio de que, embora existam
elementos alienantes, ela produz um sentimento singular para a existência das pessoas
ligadas a esse segmento religioso, podendo gerar esperança em suas vidas. Para tanto, no
como surgiu a Igreja Assembléia de Deus tradicional em solo brasileiro, sua expansão e seu
usos e costumes de santidade, bem como sua divisão, que deu origem a outros ministérios,
das Assembléias de Deus, no qual o pentecostalismo clássico, doutrina que estrutura tais
histórico, no moralismo e no imediatismo que tipifica a relação dos fiéis com Deus.
Deus: o de Elinaldo Renovato de Lima, que defende a tradição dos usos e costumes como
essencial para a santidade; e o discurso de Ricardo Gondim, que se distingue por uma moral
normas dos usos e costumes, mas sim, da transformação do caráter do indivíduo que possui
CAPÍTULO I
suas características doutrinárias, bem como o perfil social daqueles que aderem a essa
das crises sociais e econômicas, sua preocupação em manter sua identidade em uma
Analisarei também a Igreja Assembléia de Deus Betesda, que de início era uma
tornando-se uma Igreja independente com um discurso moral diferente de sua Igreja de
origem.
5
Para Ari Pedro Oro, “o termo evangélico é genérico e cobre o conjunto das igrejas protestantes,
isto em razão da importância atribuída ao Evangelho. O campo evangélico histórico é formado
pelas tradicionais denominações resultantes da Reforma protestante iniciada na Alemanha por
Martinho Lutero, em 1517. As principais são as luteranas, calvinistas, batistas, presbiterianas,
anglicanas e metodistas. O campo evangélico pentecostal, derivado especialmente do metodismo,
iniciou-se nos Estados Unidos em 1906, chegando ao Brasil em 1910 (com a Congregação Cristã do
Brasil e a Assembléia de Deus)”. ORO, Ari Pedro. Avanço pentecostal e reação católica.
Petrópolis: Vozes, 1996, p.19.
21
dão ao fato narrado na Bíblia no livro de Atos dos Apóstolos, o evento marcado pela
desse conceito, tende-se a classificar de forma generalizada todos os grupos religiosos cuja
6
BÍBLIA SAGRADA. Atos dos Apóstolos. 2: 1-4.
7
O termo “pentecostes” surgiu no Antigo Testamento como uma ordenança de Deus ao povo de
Israel. Tratava-se de uma festa de alegria, também conhecida por festa das primícias da produção
(eminentemente agropastoril), fazendo parte do conjunto de três festas anuais dos judeus: Páscoa,
Pentecostes e Tabernáculos – conforme relatos Bíblicos de Deuteronômio – 16: 9-12; Êxodo – 23:
14-15; 34-18; e Levítico – 23: 4-8.
8
Antônio Gouveia Mendonça, escrevendo a respeito da “marginalização social” e do “misticismo
no pentecostalismo”, assegura que a experiência espiritual do dom de línguas, característica do
êxtase pentecostal, é uma recuperação do poder perdido socialmente, uma vez que sua relação com
a sociedade abrangente é de subordinação e marginalização. Como essa recuperação do poder não
se estende à sociedade, porque não é por ela reconhecida, ela se manifesta no reconhecimento da
22
Uma forte rede de relacionamento interno, afirmando a idéia de família da fé. Para
os pentecostais, não importa o nome da igreja ou placa, importa apenas a doutrina
que se prega em seu interior, que irá propiciar uma grande irmandade entre as
igrejas e uma unificação no cumprimento de um crente para com o outro; a
expressão mais abrangente neste cumprimento é a saudação: “a paz do senhor,
irmão”.
mundo presente. Essa promessa é a que mais tem alimentado as igrejas pentecostais.
Tomando como base várias passagens bíblicas do Antigo e do Novo Testamento,
afirmam que haverá um arrebatamento da Igreja e a implantação do milênio, e que o
mundo passará por grande tribulação sendo governado pelo anticristo. Para os
pentecostais, a segunda vinda de Jesus resultará no grande julgamento final. Essa é,
portanto, uma das perspectivas mais assustadoras com respeito ao futuro daqueles
que não fazem parte desse movimento, pois, para estes, segundo os pentecostais,
haverá o juízo final; os fiéis, ao contrário, aguardam o fato com alegria, pois
reinarão com Cristo.
Grande crescimento entre adeptos de baixa renda, embora haja também grande
número de cismas e deslocamentos interdenominacionais, e ainda, nos últimos anos,
uma elevação da faixa de renda da clientela atraída.
O pentecostalismo sempre se caracterizou por ser uma doutrina religiosa ligada aos
oprimidos e marginalizados11 que se relacionam diretamente com Deus, que produzem seus
bens simbólicos, e que não se estruturam como um corpo sacerdotal hierarquizado segundo
os moldes da Igreja Católica, da qual herdaram alguns elementos rituais e de onde – mesmo
que ainda paire alguma relutância em aceitar o fato – provém a grande maioria de seus
adeptos: “Considerando-se que, nos últimos anos, o pentecostalismo é a face mais evidente
11
Cf., CAMPOS JR., Luís de Castro. Pentecostalismo: sentidos da palavra divina. São Paulo:
Ática, 1995, p. 23; Cf., CORTEN, André. Os pobres e o Espírito Santo: o pentecostalismo no
Brasil. Petrópolis: Vozes, 1996.
24
e agressiva da expansão dos cultos não católicos, não há dúvida que os temores de um
Para Beatriz Muniz de Souza, a doutrina pentecostal "constitui uma das maneiras
ação na vida prática”13. De alguma forma, ela orienta a conduta dos indivíduos mesmo nos
O resgate de suas origens, entretanto, é uma tarefa árdua, face às variadas versões
contemporâneo tem sua origem na aridez da vida religiosa que, conjugada ao cerceamento
12
VALLE, Rogério & SARTI, Ingrid. O risco das comparações apressadas. In: ANTONIAZZI, A.
Nem anjos, nem demônios. Petrópolis: Vozes, 1991, p.18.
13
SOUZA, Beatriz Muniz. A experiência da salvação: pentecostais em São Paulo. São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1969, p. 163.
14
Ibid., p. 163.
15
E. P.Trompsom mostra em sua obra que, durante muitos anos, o ingresso na comunidade
metodista adquiriu uma conotação de caráter fetichista; para o trabalhador migrante, isso
possibilitava o acesso a uma nova comunidade que prestava um auxílio mútuo entre seus membros.
Cf., TROMPSOM, E. P. A formação da classe operária inglesa: a maldição de Adão. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987. Eric Hobsbawm, ao discutir a formação da classe operária inglesa e as
seitas religiosas, salienta que as seitas normalmente se ocupavam dos problemas do proletariado,
iludindo-os ou solucionando-os não como problemas de classes, mas de indivíduos ou de grupos
25
tipo milenarista,16 que tiveram por mérito levar os homens à aceitação do conceito
wesleyano17 de perfeição cristã como uma segunda obra da graça distinta da salvação,
convicção sustentada por protestantes puritanos migrados para os Estados Unidos, aos
Seymour, batista, que atribuiu a Deus uma terceira bênção, o batismo com o Espírito Santo.
sendo ele negro, logo atraiu os brancos, formalizando o movimento pentecostal com ênfase
Cristo – surgiu como elemento que norteou os primeiros passos do movimento em direção
freqüentadas em sua maioria por negros. O culto tinha como característica os cânticos
movimento pentecostal que se espalhou pelos Estados Unidos e que hoje atinge vários
industrial com um quadro social marcado pelas precárias condições de trabalho, pela
impulso nos primeiros anos principalmente entre os imigrantes, como Luigi Francescon,
18 CONDE, E. História das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2000, p. 21
27
Gunnar Vingren, suecos e batistas, que chegaram ao Brasil para fundar a Igreja Pentecostal,
Durham, cuja peregrinação teológica o havia levado do meio batista para o movimento de
santificação. A missão na Rua Azusa, em Los Angeles, estava exercendo profunda força no
mundo protestante. Ela funcionava como um potente ímã – atraindo líderes de diversos
país.
XX, quando surgiu a Congregação Cristã, em 1910, em São Paulo, fundada por Luigi
Chicago. Em 1903, foi batizado por imersão, desligando-se dos presbiterianos. Reuniu-se
com um grupo holiness até descobrir a mensagem pentecostal na igreja do Pastor William
H. Durham. Após receber a experiência do batismo com o Espírito Santo, recebeu uma
Lombardi que deixássemos o nosso trabalho material para nos dedicarmos inteiramente à
28
obra que Ele nos havia preparado; ambos nos encontrávamos em má situação financeira e
cada um com seis filhos menores.”19 A obra era a evangelização do mundo italiano em
geral, e assim, puseram-se a viajar – Francescon pelos Estados Unidos e Lombardi para a
dirigindo-os à Argentina e depois ao Brasil. Sua missão era iniciar um trabalho pentecostal.
fora promissor, e, pouco depois, Lombardi voltou para a Argentina e Francescon foi a
Santo Antônio da Platina, no Paraná, para visitar um italiano que conhecera em São Paulo.
Lá, conseguiu conversões. Voltando a São Paulo, em junho de 1910, pregou em italiano na
metodistas e alguns católicos.20 Permaneceu com esses membros até setembro, quando
partiu para o exterior. Porém, com suas freqüentes visitas e com o patriarcalismo da colônia
italiana que foi a base inicial, ele conseguiu estruturar a Igreja. Quando chegou ao Brasil,
Francescon tinha 44 anos e fez sua última visita ao país com 82 anos, morrendo em
A Congregação Cristã teve seu início em São Paulo, e o seu desenvolvimento deu-
seguiu a trilha do café, que havia empregado largamente a mão de obra imigrante, e que
19
FRANCESCON, L. Histórico da obra de Deus, revelada pelo Espírito Santo, no século atual. 4ª
ed., São Paulo: 1977, p.17-8.
20
Ibid., p. 24.
29
Paulo, do sul de Minas Gerais e do oeste do Paraná. Ela já foi considerada a maior igreja
pentecostal do Brasil, sendo deixada para trás pela Assembléia de Deus no fim dos anos de
1940. Hoje, seu tamanho é inexato, sendo seu crescimento experimentado com maior
intensidade nas regiões interioranas onde a divulgação se dá com maior facilidade e sem
norte-americana, com ênfase no batismo com o Espírito Santo, no dom de falar línguas
nos rituais, no proselitismo religioso e na rigidez moral. Sua inserção deu-se, entretanto,
não pela via da postura reivindicatória exercida na prática do evangelho social dos negros,
vítimas do preconceito racial do sul dos Estados Unidos, mas por dissidentes brancos,
oriundos de áreas de imigração com grande influência de outras culturas – a sueca, por
americanos – fato a ser considerado na análise sobre as práticas religiosas e sociais dos
crentes da Assembléia de Deus. O “batismo com o Espírito Santo, crença no poder de Deus,
21
ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostalismo: Brasil e América Latina. Petrópolis: Vozes, 1995,
p. 24.
30
no ambiente rural, uma vez que, em diferentes situações, o migrante já chega à cidade
pelo Espírito Santo que se contrapõe à falta de um plano sócio-político. “O Espírito Santo
santificaria os crentes, o poder de Jesus curaria os males dos brasileiros pobres. Por que
então iriam eles interessar-se em mudar a nossa sociedade se tinham a Jesus como médico
22
Cf., CORTEN, André, op. cit., p.70.
23
Cf., ROLIM, F. C., op. cit.; Cf., CORTEN, A., op. cit.; JARDELINO, José Rubens L. As
religiões de espírito. São Paulo: ISER/CEPE, 1994.
24
ROLIM, F. C., op. cit., p. 25.
25
NOVAES, Regina Reyes. Os escolhidos de Deus, pentecostais, trabalhadores e cidadania. São
Paulo: Marco Zero, 1985, p. 16
26
ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais no Brasil, uma interpretação socioreligiosa. Petrópolis:
Vozes, 1985, p. 169-181.
31
ISER – confirmam a visão geral de que o pentecostalismo é uma opção feita pelos pobres.
Mostram que os pentecostais concentram-se nas faixas de mais baixa renda e de menor
escolaridade e que suas igrejas proliferam nos bairros mais precários, ou seja, na periferia
dos grandes centros, geralmente onde o braço do Estado não alcança, portanto, lugares
pentecostalismo cresce nos meios pobres, atraindo preferencialmente os estratos sociais que
baixa renda e escolaridade dos crentes pentecostais revelada nas pesquisas do ISER. A
Janeiro, em 1994, constatou que 57% dos pentecostais recebiam até dois salários mínimos;
32%, entre dois e cinco; e apenas 11% ganhavam mais de cinco salários mínimos (Gráfico
1). Quanto à escolaridade, 40% tinham menos de quatro anos de estudo; 34% entre cinco e
oito anos; e 26% nove anos ou mais de formação escolar (Gráfico 2). 28 Quanto maior a
27
Cf., FERNANDES, R. C. Governo das almas: As denominações evangélicas no Grande Rio. In:
ANTONIAZZI, Alberto. Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo.
Petrópolis: Vozes, 1994, p.163-203.; Cf., FERNANDES, R. C. Novo nascimento: os evangélicos
em casa, na igreja e na política. Rio de Janeiro: Mauad, 1998, p. 23-4. Cf., PIERUCCI, A. F.;
PRANDI, R. A realidade social das religiões no Brasil: religião, sociedade e política. São Paulo:
Hucitec, 1996, p. 211-238.
28
Cf., FERNANDES, R. C., op. cit., p. 23.
32
evangélico. Isso significa que a evangelização pentecostal revela-se mais bem-sucedida nos
renda e escolaridade mais baixas que a média evangélica, seu contraste com a população
Escolaridade entre os
Pentecostais
menos de quatro
anos de estudo
26%
40% entre cinco e oito
anos de estudo
29
Ibid., p. 24.
33
A luta no cotidiano contra a miséria, por melhores condições sociais, faz com que
um grande número de pessoas pertencentes à classe pobre procure a igreja que tenha um
2-1 – A Origem
ao Brasil, vindos dos Estados Unidos, os missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren, de
Pará.
jardineiro batista. Teve de interromper sua educação escolar com 11 anos de idade.
Trabalhou como jardineiro até 1903, quando seguiu a trilha de parentes para os Estados
Unidos. Teve vários empregos manuais e freqüentou uma Igreja Batista sueca.
Foi nesse tempo que conheceu Daniel Berg, que também era do sudoeste da Suécia,
filho de um líder batista que havia emigrado aos 18 anos de idade. Nos Estados Unidos,
de infância havia se tornado pentecostal. Ele era Lewi Pethrus, posteriormente líder do
movimento pentecostal sueco. Pethrus, pastor de ovelhas e depois sapateiro, havia perdido
popular, nas quais os socialmente subalternos têm participação, ao passo que, nas pequenas seitas,
tem presença o dirigente. Nesse tipo de igreja, a conquista de respeitabilidade traz como obrigação
reclassificar os afiliados segundo critérios não muito explícitos de classe.
35
1913. Esse rompimento foi fundamental para que sua igreja assumisse uma ação
Influenciado por Pethrus, Berg também teve uma experiência pentecostal enquanto
voltava aos Estados Unidos, em 1909. Conhecendo Vingren, os dois se uniram pelo ideal
deveriam ir a um lugar chamado Pará. Não sabendo onde ficava o Pará, localizaram-no em
A escolha do Estado do Pará para iniciar a Igreja Assembléia de Deus não foi
racional, porém, acabou tendo uma racionalidade maior – no sentido de se fazer presente
contexto para a profecia. Na realidade, Pará era uma palavra conhecida na região de
Goodyear em 1839, a borracha havia se tornado um insumo industrial essencial. Entre 1860
mundial;32 esse é também o período em que Chicago se tornou o centro industrial dos
32
Caio Prado Junior menciona que a exportação de borracha estava em “contínuo aumento desde
1827, quando se registra um primeiro e modesto embarque de 31 toneladas, e atinge em 1880 cerca
de 7.000 toneladas” e em 1887 se eleva para mais de 17.000 toneladas. O crescimento continuará
interrompido durante mais de vinte anos, de uma parte estimulado pelo crescente alargamento do
consumo mundial e ascensão de preços”. PRADO JUNIOR, C. História Econômica do Brasil. São
Paulo: Brasiliense, 1984, p.236-40.
36
Estados Unidos e o tipo Pará era considerado o padrão mundial de qualidade dessa matéria-
prima. No início do século XX, longe de ser um local desconhecido no canto do mundo, o
Estado do Pará, assim como Belém (Santa Maria de Belém do Grão-Pará), eram conhecidos
naquela época, abrigando centenas de casas de exportação que estavam em contato com o
mundo todo. O nome Pará era uma constante nos centros industriais como Chicago,
principalmente em 1910, quando o governo brasileiro, por meio da política conhecida como
relação aos anos anteriores. Além do fator da exportação da borracha, havia também o
pastor da Igreja Batista em Belém, que era precisamente um sueco emigrado para os
Estados Unidos aos 7 anos de idade. Tratava-se de Erik Nilsson que, desde 1897,
implantava igrejas em toda a Amazônia. Embora tivesse vindo por conta própria ao
Brasil, inicialmente com vistas a uma carreira como pecuarista, é provável que o nome Pará
já tivesse aparecido em relatos seu enviado à comunidade batista sueca nos Estados Unidos.
Vingren e Berg vieram para o Brasil sem sustento garantido e sem apoio
denominacional. O dinheiro para a viagem fora doado por uma igreja sueca de Chicago. No
Brasil, Berg trabalhou por um tempo numa fundição, venderam Bíblias e, ao que tudo
profecia a eles feita ainda nos Estados Unidos, contribuíram grandemente para o
missionários de igrejas evangélicas históricas, o Brasil era quase que totalmente católico.
37
Através dos dois missionários suecos iniciou-se, então, um movimento que alteraria
profundamente o perfil religioso por meio da pregação sobre o batismo com o Espírito
Metodista – ficaram bastante incomodadas com a nova pregação dos missionários realizada
no porão da primeira Igreja Batista da Rua João Balby 406, pois, apesar do espaço exíguo,
A princípio não houve divergência com a Igreja Batista em torno das pregações de
Berg e Vingren porque o pastor da Igreja Batista, Erick Nilsson, com quem os dois estavam
Espírito Santo.33 Sua esposa, porém, temerosa, pediu que parasse com essa doutrina. Desde
então, o pastor Erick Nilsson fez-se inimigo declarado da doutrina pentecostal, o que
acabaram criando um mal-estar com os da doutrina tradicional batista, como afirma Luis de
Castro Campos Jr: “A doutrina do batismo no Espírito Santo foi o elemento catalisador da
33
Cf., OLIVEIRA, J. As Assembléias de Deus no Brasil: sumário histórico ilustrado. Rio de
Janeiro: CPAD, 1997, p. 40.
34
CAMPOS JUNIOR, L. de C., op. cit., p. 31.
38
de junho de 1911, sendo Gunnar Vingren aclamado pastor da nova Igreja e Daniel Berg,
seu auxiliar. O grupo era formado por: José Plácido da Costa, Piedade da Costa, Prazeres
no Espírito Santo –, Maria de Nazaré, Manoel Maria Rodrigues, Jesus Dias Rodrigues,
Jesusa Dias Rodrigues, José Batista de Carvalho, Maria José de Carvalho, Antonio Mendes
Garcia, Manoel Dias Rodrigues, Emilia Rodrigues, Joaquim Silva, Benvinda Silva, Ana
Silva, Teresa Silva, Isabel Silva e João. Em 1911, inicia-se a Missão da Fé Apostólica e,
2-2 – A Expansão
Pará, onde nasceu, em muitas vilas e cidades até alcançar os grandes centros urbanos, como
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, fazendo dela, como ainda hoje, a
mais importante Igreja Pentecostal do Brasil. André Corten menciona que é a “mais
35
Há um dado conflituoso em todos os relatos acerca do número de pessoas excluídas da Igreja
Batista, em 1911. Abraão de Almeida cita 19 pessoas. Cf., ALMEIDA, A. História das Assembléias
de Deus no Brasil. Rio de janeiro: CPAD, 1982, p.27. David Berg, 18 pessoas. Cf.,BERG, D.
Daniel Berg: o enviado de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p.97. Emilio Conde registra 17
pessoas Cf., CONDE, E. Op. cit., p.32. Ivar Vingren menciona 18 pessoas Cf., VINGREN, Ivar.
Gunnar Vingren, o diário do pioneiro. Rio de Janeiro: CPAD,1973, p.33. E Joanyr Oliveira cita 19
pessoas excluídas. Cf., OLIVEIRA, Joanyr. Op. cit., p.51. Em todas as obras aqui citadas, há listas
dos nomes que não combinam com os números informados, Emilio Conde registra 17 excluídos,
mas relaciona 20 nomes. A explicação provável pode estar no próprio Emilio Conde, em sua obra
História das Assembléias de Deus no Brasil, publicada pela CPAD, quando diz que “dessa lista, 17
eram membros ativos e outros menores”. Em minha dissertação, registro uma lista de 19 nomes de
excluídos.
36
Cf., OLIVEIRA, J., op. cit., p. 59.
39
importante do mundo em número de fiéis: pelo menos cinco milhões”. 37 Para Paul Freston,
milhões de fiéis – 31% dos 26 milhões de evangélicos brasileiros e 46% dos de origem
pentecostal. Em 1991, tinha 2,4 milhões de fiéis, de acordo com o IBGE. Representava
29,6% dos pentecostais e 18,4% do total de evangélicos do país. Segundo a Revista Veja,
expansão de maneira a torná-la uma igreja protestante nacional por excelência no intervalo
reduzia-se a ela. Não obstante, podemos considerar que a recepção tenha sido limitada. 40
Deus expandiu-se com seu trabalho religioso para outras regiões criando grupos e
dá o nome de “nucleação”.41
37
CORTEN, A., op. cit., p. 66.
38
Cf., FRESTON, P., op. cit., p. 76.
39
EDWARD, J. A força do senhor. Veja. A nação evangélica. São Paulo: Abril, 3/7/2002, p. 89-95.
40
Paul Freston mostra que era inferior a 11% o total dos pentecostais de missão, excluídos os
luteranos, em 1930. Cf., FRESTON, P., op. cit.
41
ROLIM, F. C. O que é pentecostalismo. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 36.
40
Paulo Daniel Berg e sua esposa, Sara, quando realizaram o primeiro culto em uma casa
alugada na Vila Carrão, um bairro periférico distante do centro de São Paulo. Surgiu, então,
uma filial da Igreja Evangélica Assembléia de Deus, ligada ao Ministério Missão – Belém,
que atualmente tem como pastor-presidente o Sr. José Wellington Bezerra da Costa.44
42
Idem. Pentecostalismo: Brasil e América Latina. p. 45.
43
A característica migratória da população decorre dos problemas e transformações sociais e
culturais, evidenciam um vazio nas pessoas pelo desarraigamento e pela desestruturação da relação
social e afetiva, tornando-se, então, um campo propício à pregação do evangelho. Assim, o mapa do
fluxo de crescimento da Igreja acompanha o mapa do fluxo migratório do país. Isto lhe confere a
abrangência geográfica que hoje possui. Cf.,VALIM, A. Migraçoes: da perda da terra à exclusão
social. São Paulo: Atual, 1996, p. 12-42; Cf., MARICATO, Erminia. Habitação e Cidade. São
Paulo: Atual, 1997, p. 30-40.
44
A Assembléia de Deus se encontra atualmente dividida em ministérios, cada um composto por
pastores, evangelistas e presbíteros. O “Ministério Missão – Belém” é o tronco principal, oriundo da
obra pioneira dos missionários suecos, em 1911. Este se desdobrou em outros ministérios, entre
eles, o de “Madureira”, tendo sua própria convenção – CONAMAD – que abrange o Rio de Janeiro
e, devido ao seu grande crescimento, ganhou destaque especial. Foi desligado da Convenção Geral
das Assembléias de Deus no Brasil em 1988, na Assembléia Geral Extraordinária que ocorreu em
Salvador, presidida pelo pastor José Wellington Bezerra da Costa, na qual o fato mais relevante foi
o desligamento dos obreiros do Ministério de Madureira. Esta cisão tem alimentado o conflito
interno em que a Igreja se acha envolvida. Há outros ministérios que surgiram devido à ocorrência
de cisões de cunho político ou em relação à “doutrina dos usos e costumes”, tais como: Ministério
do Ipiranga, Ministério da Barra Funda, do Peru, Boas Novas e Assembléia de Deus Betesda, que
também organizou sua própria convenção.
41
acelerada da Assembléia de Deus ocorreu entre as primeiras décadas até os anos de 1940,
período definido por Paul Freston como o da primeira onda do pentecostalismo, 45 sendo o
ênfase na glossolalia. Uma segunda onda surgiu entre os anos de 1950 e início dos anos de
dos setores intermediários pelo avanço das relações capitalistas no campo. O contexto de
seguinte, um fenômeno que irradia e se firma a partir do Rio de Janeiro, dentro do quadro
45
FRESTON, na sua tese de doutorado: Protestantes e política no Brasil, pela UNICAMP em 1993,
desenvolve uma classificação metafórica do movimento pentecostal, retratando os ímpetos
expansionistas como ondas sucessivas de implantação de igrejas e/ou seitas. Diferentes
classificações e/ou tipologias foram desenvolvidas por outros pesquisadores. Cf., BITTENCOURT
FILHO, J. Pentecostalismo autônomo. In: Alternativas dos desesperados: como se pode ler o
pentecostalismo autônomo. Rio de Janeiro: CEDI, 1991.; Cf., MENDONÇA, A. G. Um panorama
do protestantismo brasileiro atual. In: LANDI, L. Tradiçoes religiosas no Brasil. Rio de Janeiro:
Cadernos do ISER, nº 22, 1989.; Cf., MENDONÇA, A. G. & VELASQUES FILHO, P., op. cit.
42
todas essas ondas a Assembléia de Deus tem sobrevivido sempre com fôlego renovado, o
que subsiste até hoje, ou seja, uma proporção elevada de nordestinos na cúpula nacional,
geralmente de origem rural, que carrega as marcas dessa dupla origem, isto é, da
Paul Freston assinala isso como de grande importância para entender a trajetória da
Assembléia de Deus no Brasil afirmando que “a Assembléia de Deus tem um ethos sueco-
As Assembléias de Deus no Brasil têm uma relação interna de poder que pode ser
facilitar o controle pelos missionários e depois foi reforçado pelo coronelismo nordestino.
dependentes, cada uma com áreas geográficas definidas, mas não necessariamente
46
Cf., SOUZA, B. M., op. cit., p. 56.
47
FRESTON, P. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, A. Nem anjos nem
demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994, p.76.
43
os ritos, a Igreja criando atividades durante toda a semana para manter ali o crente,
disciplina moral caracterizada pelo negativismo dos costumes – não fumar, não beber, não
de quando o pentecostalismo se iniciou são preservados naturalmente, pois, para eles, não
Muito embora receba a influência dos Estados Unidos, a convivência tem sido
marcada desde seu início, por volta de 1934, por dificuldades de aceitação. Estas se referem
austeridade dos antigos suecos e nordestinos,49 como à importância atribuída por parte dos
48
Exemplo disso é o Ministério do Belém, em São Paulo, onde o pastor-presidente é José
Wellington Bezerra da Costa, presidente da Convenção Geral das Assembléias de Deus, presidindo
mais de 70 Igrejas e congregações na Grande São Paulo e interior do Estado, tendo como vice-
presidente o seu filho, José Wellington Costa Junior. O mesmo ocorre na cidade de Mauá (Grande
São Paulo): o pastor Joaquim Marcelino da Silva, que foi o segundo pastor-presidente do campo de
Santo André, de 1954 a 1957, voltou a presidi-lo de 1963 até 1981; em 1983, assumiu o campo de
Mauá e transferiu, em 1986, o poder para seu filho, o pastor Samuel Marcelino da Silva, que
permanece até hoje como presidente desse campo. Com um total de 4 mil membros em 34
congregações, situadas todas na periferia da cidade de Mauá, somente a sede de onde ele comanda
está situada no centro da cidade, com 600 membros ativos.
49
Segundo Albert W. Brenda, o primeiro missionário vindo dos Estados Unidos chegou ao Brasil
em 1934, mas houve dificuldades de aceitação por parte dos suecos e brasileiros. Ele assinala que
uma das razões pode ter sido financeira. “Quando um americano chegou, desembarcou com seu
Chevrolet do ano e alugou um apartamento em Copacabana”. Os missionários americanos passaram
44
americanos à educação teológica e sua atitude mais flexível em relação aos costumes que,
A mobilidade social que se vem processando a cada nova geração eleva o nível de
escolaridade e, como conseqüência, acentua o conflito, embora ainda não resulte em uma
diferenciação significativa de classe entre liderança e povo, o que é previsível à medida que
alterando o perfil do crente. Essa geração mais jovem e com melhor nível de instrução
representa o germe da renovação dentro da Igreja e tem servido para alimentar os conflitos
com os pastores mais antigos. Estes reagem alimentando o fervor conservador, pois temem
ceder espaço a um clero mais jovem e crítico, porta-voz de uma teologia política e uma
moral mais sofisticada e liberal, muitas vezes fora do alcance de sua compreensão.
a ser vistos como “mundanos”. O crescimento do pentecostalismo nos Estados Unidos, após a
explosão inicial, foi lento, até o seu ressurgimento repentino durante a Depressão. A partir de então,
os tabus comportamentais, que no começo atingiam atividades fora dos horizontes sociais dos
membros, passaram a ser disfuncionais e foram relaxados. Esse processo foi bem mais rápido nos
Estados Unidos do que na Suécia ou no Brasil. Cf., BRENDA, A. W. Ouvi um recado do céu. Rio
de Janeiro: CPAD, 1984, p.89.
50
Cf., MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo:
Loyola, 1999.
45
igrejas-mães que congregam a maioria dos fiéis em ascensão social, os quais tornam-se
mais comedidos e levam o retraimento aos mais humildes; estes se contentam com as
eram tidas como virtude, como a de estar alheio às questões sociais (enquanto seita
conversionista, tinha a promessa de mobilidade após a morte), são hoje vistas de modo
problemas mais cadentes das classes operárias, como doença, emprego ou, mais
eclesiástico de alto apelo popular, nesse momento de profunda crise social causada por um
concentrador de renda.
51
Refiro-me aos grupos neopentecostais, nos quais seus membros são liberados dos usos e
costumes, e praticantes da teologia da prosperidade. Entre esses grupos estão Igrejas como a
Universal do Reino de Deus, a Renascer em Cristo e a Igreja Internacional da Graça de Deus.
52
Para Paul Freston, a mudança de postura política por parte da Assembléia de Deus, em 1985, foi
fundamental para que o fenômeno político protestante tivesse abrangência nacional. Tanto pelo
46
diversificando em termos sociais, mas enfrenta opções contraditórias diante de sua nova
realidade. Fazendo-se presente em todas as classes sociais, hesita entre o desejo de aderir
determinado populismo religioso que tende a se glorificar na escolha dos humildes por
entregando”.54
relação aos trajes e à aparência dos crentes; e mesmo na aceitação de comportamentos antes
prescritos, impulsionados pelas gerações mais jovens e com um padrão mais elevado de
terão que agir é bastante desfavorável à continuidade de tais atitudes. Os jovens prefeririam
concluir que a luta seja entre a autoridade tradicional que apela ao fiel para que cumpra a
tradição assembleiana, e os jovens pastores que querem liberdade para inovar nas
congregações. Como coloca o pastor Geremias do Couto, “está havendo uma deturpação
tamanho (cerca de 35% do campo protestante), como pela dispersão geográfica, era a única Igreja
capaz de imprimir uma dimensão nacional à irrupção política. Cf., FRESTON, P. op. cit., p. 35.
53
Na década de 1980, foi criada a Associação de Homens de Negócio do Evangelho Pleno –
ADHONEP seguindo o modelo norte-americano.
54
BRANDÃO, C. R., op.cit., p. 262.
55
O modelo congregacional tem como instância máxima à congregação, onde são decididas as
questões que a envolvem.
47
dos postulados histórico-pentecostais das Assembléias de Deus, que [...] hoje sofrem os
efeitos da institucionalização”.56
de vista o modelo deixado pelos primeiros missionários. Com isso, em 1997, criou-se o
Conselho de Doutrina da Convenção Geral para cuidar dos assuntos voltados às questões
princípios doutrinários que caracterizam a igreja como autenticamente pentecostal tem sido
uma constante. Entre esses princípios, destacam-se os pontos voltados para os costumes
rígidos, tais como: as mulheres devem usar cabelos compridos, não usar batons,
maquiagens pesadas, calça comprida; e, para os homens: cabelo curto, barbeado, e se for
obreiro, usar terno e gravata etc. O pastor José Wellington, presidente da Convenção Geral
pinturas, brincos etc. Não somos retrógrados, desejamos apenas nos conservar
CPAD sem, no entanto, limitar a liberdade de ação inerente a cada igreja nem determinar
atividades. Além dessas especificações contidas nas Disposições Gerais, há outro artigo
56
COUTO, G. do. Assembléia de Deus no futuro. Mensageiro da Paz. Órgão informativo das
Assembléias de Deus no Brasil. 7/1989, p. 3.
57
COSTA, J. W. B. da. Nossa Identidade. Mensageiro da Paz. Órgão informativo das Assembléias
de Deus no Brasil. 2/1991, p. 2.
48
autoridades constituídas”.58
1937, a CPAD que, seguindo os passos da Igreja, tornou-se a maior editora evangélica
pentecostal da América Latina. Ela é administrada por um Conselho representado por uma
Mensageiro da Paz. A revista Ensinador Cristão tem como propósito discutir e dar suporte
do Círculo Jovem Cristão, trazendo matérias sobre violência, drogas etc.; a Mulher – Lar
& Família discute o papel da mulher na Igreja e no lar juntamente com a família; a
ensino doutrinário e teológico nas igrejas Assembléias de Deus que são ligadas à
pentecostal.
Deus no Rio Grande do Norte, é comentador das lições bíblicas dominicais das
seus livros publicados pela CPAD, dois dos quais irei analisar nesta dissertação:
58
OLIVEIRA, J., op. cit., p.134.
49
“Aprendendo diariamente com Cristo: como viver a vida cristã em um mundo em conflito”;
ensinamentos verdadeiros nos tempos bíblicos são para o autor de igual forma verdadeiros
hoje em dia e aplicáveis às diversas questões da vida do crente, ou seja, defendem uma
59
Segundo Elinaldo Renovato de Lima, em sua obra Ética Cristã, a Bíblia é a palavra inspirada e
revelada por Deus, imutável e infalível, portanto, a revelação da vontade de Deus para o ser
humano. Constitui-se, assim, no fundamento para a moral que, segundo ele, pode ser entendida
como um conjunto de regras de conduta. Cf., LIMA, E. R. de. Ética Cristã, p. 8-27. Nesse aspecto,
Elinaldo Renovato de Lima tem uma leitura bíblica do conservadorismo protestante norte-
americano que, no final do século XIX, representava uma reação ao liberalismo teológico. Os
conservadores pleitearam para si a condição de ter um Cristianismo verdadeiro, passando a fazer
uma interpretação literal da Bíblia, na qual esta assumia a condição de fonte exclusiva do
conhecimento de Deus. O Conselho de Doutrina da Convenção Geral das Assembléias de Deus no
Brasil expõe sua forma de leitura bíblica expressando que “a autenticidade da Bíblia baseia-se na
sua infabilidade e inerrância. Os atributos da divindade são por ela revelados. Ela é autêntica em
tudo, pelo fato de o próprio Deus ser o seu autor, e o Espírito Santo, seu Inspirador. Nela são
autênticas e inerrantes as revelações e os fatos narrados. Em face dos mais densos ataques da Escola
Alemã desferidos contra as Escrituras, o fundamentalismo, movimento antiliberal do século XIX,
saiu em defesa da inspiração plenária das Escrituras. A inspiração plenária da Bíblia é fato
incontestável porque assuntos vitais como expiação, salvação, ressurreição, recompensa e castigo
futuro requerem a direção de um Espírito infalível a fim de se evitar informações que levem ao
erro”. CGADB, Conselho de Doutrina da. Manual de Doutrinas das Assembléias de Deus no
Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2000, p.18-20. A leitura fundamentalista da Bíblia é um
entendimento literalista do texto bíblico, que considera sua forma final como a expressão verbatim
da palavra de Deus e a vê como clara, simples e sem ambigüidade. Normalmente, recusa-se a usar o
método histórico-crítico ou qualquer outro suposto método científico de interpretação e não levam
em conta as origens históricas da Bíblia, nem o desenvolvimento de seu texto ou suas diversas
formas literárias. Essa maneira de ler a Bíblia originou-se, em última instância, de uma ênfase no
sentido literal da Escritura na época da Reforma, em reação à interpretação alegórica do fim da
Idade Média. Entretanto, no período ulterior ao Iluminismo, surge formalmente entre os
protestantes como baluarte contra a exegese liberal do século XIX. O nome "fundamentalismo"
deriva de um documento publicado pelo Congresso Bíblico Americano realizado em Niágara,
Estado de Nova York, em 1895. Nele, protestantes conservadores, reagindo contra o darwinismo, o
progresso científico na biologia e na geologia, e a interpretação liberal da Bíblia no século XIX,
formularam uma declaração de cinco pontos sobre doutrinas a serem mantidas, mais tarde
chamados de "cinco pontos do fundamentalismo", que eram eles: a inerrância verbal da Escritura, a
divindade de Cristo, seu nascimento virginal, a doutrina da expiação vicária e a ressurreição
corporal quando da segunda vinda de Cristo. Para assegurar esses pontos, insistia-se sobre "o que a
Bíblia diz" em um sentido literal de fato. Segundo Joseph Fitzmyer, a forma de apresentar essas
doutrinas fundamenta-se em uma ideologia que não é bíblica, apesar das alegações de seus
representantes, pois exige adesão firme a rígidas atitudes doutrinárias e uma leitura sem
50
passada, ou seja, aquele que se converte “deve mostrar ter morrido para o mundo e
renascido para Cristo, vivendo agora em novidade de vida”61 ainda que a velha vida tenha
trazido fama, dinheiro e posição social, esta deve ser abandonada, pois o mundo é símbolo
de pecado e decadência. Outro aspecto ligado à conversão é que o crente deve ser submisso
às determinações e deveres impostos pelos líderes, sobre o que deve ser cumprido e as
proibições de omissão para realizar o ideal de vida que os crentes propõem dentro da
questionamentos ou críticas da Bíblia como única fonte de ensinamento sobre a vida cristã e a
salvação. Seu apelo é ao "senso comum", porque a Bíblia não pode conter erros, portanto, nenhum
erro histórico. De maneira intolerante, exerce uma influência nas pessoas que é quase a de um
"culto" ou "seita" extremista. Ao não levar em conta o caráter histórico da revelação bíblica, a
leitura fundamentalista não admite que a Palavra de Deus inspirada tenha sido expressa na
linguagem de autores humanos que podem ter tido capacidades extraordinárias ou limitadas e
escreveram em diversas formas literárias. Conseqüentemente, tende a tratar o texto bíblico como se
ele tivesse sido ditado palavra por palavra pelo Espírito e considera o autor humano mero escriba
que registrou a mensagem divina. Além disso, dá indevida ênfase à inerrância de detalhes, em
especial os que supostamente dizem respeito a acontecimentos históricos ou questões científicas.
Ignora os problemas apresentados pelos textos hebraicos, aramaicos e gregos originais e, muitas
vezes, se prende a determinada tradução ou edição da Bíblia. Cf., FITZMYER, J. A. A Bíblia na
igreja. São Paulo: Loyola, 1994, p. 65-9.
60
LIMA, Elinaldo Renovato de. Ética Cristã, p. 16.
61
CGADB, op. cit., p. 44.
51
um conjunto de ações que os fiéis realizam como expressão de sua relação com Deus e de
Condenação ao mundo atual com suas tentações, corrupções e inovações, que estão muitas
“holiness”, que foram iniciados nos Estados Unidos. Ainda hoje, esses traços se fazem
sentir nos discursos e pregações dos crentes da Assembléia de Deus, tanto nos púlpitos das
Igrejas, como na literatura. É muito utilizado o esquema dos mandamentos 62 de Deus para
concepção moral. São, portanto, os usos e costumes rígidos que estão intrínsecos na
3-1 –Origem
A Assembléia de Deus Betesda não nasceu Igreja e nem o pastor Ricardo Gondim
Rodrigues, que hoje é seu presidente, foi seu fundador, embora ele tivesse conspirado
durante muitos anos antes do dia em que ela se iniciou. Ricardo Gondim morava nos
Estados Unidos e, enquanto viajava pelo Brasil como intérprete das reuniões evangelísticas
62
Cf., VIDAL, Marciano. Moral de atitudes: moral fundamental. São Paulo: Aparecida, Editora
Santuário, vol. II. 1978, p.770.
63
Ibid., p. 771.
52
lideradas pelo missionário Bernhard Johnson,64 conversava com seu amigo Ademir
Ademir Siqueira lhe confidenciou: “ainda começo um centro evangelístico que alcance os
depois, nascia em Fortaleza (CE) a Missão Betesda, em março de 1981, que seria
financiada nos três primeiros anos pelo pastor Robert Goree. O dinheiro enviado ao Brasil
chegava diretamente para Ademir Siqueira, sem passar pelas mãos de Bernhard Johnson,
organizador das missões evangelísticas das Assembléias de Deus no Brasil. Isso deixou
64
Nascido nos Estados Unidos, chegou ao Brasil em 1957. Foi pastor no sul de Minas Gerais e
fundou a Convenção Estadual das Assembléias de Deus daquele estado. Em 1964, tornou-se
missionário e fundou a Cruzada Boas Novas que, mais tarde, passou a chamar-se Cruzada Bernhard
Johnson, atuando no Brasil e em mais de 70 países no mundo. Foi fundador da Escola de Educação
Teológica das Assembléias de Deus – EETAD, com sede em Campinas (SP), e da Faculdade de
Educação Teológica das Assembléias de Deus – FAETAD.
65
GONDIM, Ricardo. Nasce uma Igreja. Disponível na internet.
http://www.ricardogondim.com.br/artigos. Acessado em 06/08/2003.
53
Arquitetura se converteu. Ele seria o crente número um da missão, mas também seria o
Enquanto esses fatos ocorriam em Fortaleza, Ricardo Gondim ainda morava nos
Estados Unidos, terminando seu curso no Gênesis Training Center. 66 Retornou ao Brasil
em julho de 1981, para trabalhar com o missionário Bernhard Johnson, como diretor-
Campinas (SP), uma escola de ensino teológico por extensão. Era um esforço missionário
para dar suporte teológico aos milhares de obreiros leigos do movimento pentecostal.
rejeitado pelos missionários norte-americanos: por mais americanizado que estivesse, não
poderia considerar-se um missionário dentro da missão; percebia que, mesmo tendo vivido
nos Estados Unidos, havia uma rejeição aos brasileiros, perpetuando a visão colonialista de
que os nacionais não eram dignos dos norte-americanos.68 A segunda decepção foi em
relação ao seu salário. Tratou da quantia que ganharia com Bernhard Johnson, quando
66
Uma escola teológica que preparava homens e mulheres para o trabalho missionário, era
interdenominacional mas seguia a linha pentecostal. Atualmente, esta escola não mais existe.
67
GONDIM, R. Nasce uma Igreja.
68
Cf., Ibid.
54
ainda estava nos Estados Unidos, porém, quando chegou ao Brasil, ouviu que o valor
combinado não poderia aparecer nem ser contabilizado para não levantar questionamentos.
Oficialmente receberia menos e o restante seria dado secretamente por Bernhard Johnson
foi percebendo a cada dia que não havia nascido para ficar resolvendo problemas
salvar vidas e ordenar famílias”.69 Apesar de tudo, passou a conviver com os dilemas da
Ademir Siqueira era médico e pastor, havia fundado e dirigia a Missão Betesda,
porém, teve uma morte prematura aos 32 anos de idade, em 28 de dezembro de 1981, em
um acidente automobilístico. Ricardo Gondim ficou chocado com a morte do amigo. Dois
dias depois, estava em Fortaleza para prestar condolências à família de Ademir Siqueira e
Assim como ocorreu com Luigi Francescon, fundador da Igreja Congregação Cristã,
69
Ibid.
55
receberam uma profecia ainda quando estavam nos Estados Unidos, antes de fundarem suas
respectivas igrejas em solo brasileiro. O fator profético estava presente quando Ricardo
orientados pelo pastor Elias Gonçalves Pinheiro, pai de Ademir Siqueira, para dar
ressalta:
Tremi da cabeça aos pés. Eu precisava de tempo para orar, falar com a Geruza.
Naquela mesma noite, a Geruza foi a um culto numa pequena igreja da
Congregação Cristã do Brasil. Lá uma mulher foi tomada em profecia, sem
conhecer a Geruza e sem saber o que se passava, disse-lhe o texto de Josué 1: 1-
9. O capítulo começa dizendo: “Meu servo Moisés está morto”. Culmina
prometendo: “Não fui eu que lhe ordenei ? Seja forte e corajoso! Não se
apavore, nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde
você andar”. Quando eu telefonei para Geruza contando-lhe do convite, ela
começou a chorar. Deus já confirmara: Tínhamos que voltar para Fortaleza e,
por ordem divina, e em nome de uma grande amizade, transformar a Missão
Betesda em Igreja Evangélica Assembléia de Deus da Aldeota – que passou a
ser Assembléia de Deus Betesda dois anos depois.71
Fortaleza, em março de 1982, que em seguida passou a ser a Igreja Assembléia de Deus
fim da década de 1960 e dela foi expulso em meados de 1970 em virtude da sua
70
Ibid.
71
GONDIM, R. Nasce uma Igreja.
56
experiência com o pentecostalismo. Nessa mesma época, travou amizade com Ademir
a Ademir Siqueira que solicitasse a Bernhard Johnson sua indicação para alguma escola
bíblica nos Estados Unidos. Ele foi indicado ao Gênesis Training Center, na cidade de
Santa Rosa, no Norte na Califórnia. Por esta razão, “na Assembléia de Deus do Ceará,
adquirira um certo respeito por haver estudado nos Estados Unidos e por trabalhar com um
Johnson”.73 Dessa forma, Bernhard Johnson também foi seu líder espiritual.
pelo Brasil.
72
GONDIM, R. Alvorecendo teologicamente. Disponível na Internet.
http://www.ricardogondim.com.br/artigos. Acessado em 06/08/2003.
73
Idem. Frustração que se transformou em benção. Disponível na Internet.
http://www.ricardogondim.com.br/ artigos. Acessado em 06/08/2003.
57
de 1991, trazida pelo próprio pastor Ricardo Gondim e sua esposa, Sílvia Geruza F.
março de 1991, a Igreja Assembléia de Deus Betesda foi inaugurada oficialmente em São
Paulo. Com o seu crescimento, foi necessário mudar várias vezes de prédio e endereço,
sempre para bairros de concentração de uma população de classe média de São Paulo,
como Vila Mariana, Campo Belo, que fica próximo ao aeroporto de Congonhas, Moema,
ao lado do Shopping Ibirapuera, e, por último, em um templo próprio que foi inaugurado no
número 1000, no Jardim Marajoara em São Paulo, contando hoje com um número de
aproximadamente 2500 pessoas freqüentes. Atualmente, conta com cinco igrejas no estado
de São Paulo: São José dos Campos, Morumbi do Sul, Jardim das Fontes, Tatuapé e São
Paulo. Está explícito em seu manual aos novos convertidos: “Temos o compromisso em
fundar igrejas fortes e que prevaleçam, tanto nos centros urbanos estratégicos como
A ação para o surgimento de novas igrejas dá-se de três formas: a partir da reunião
74
Para a Assembléia de Deus tradicional, ligada à Convenção Geral das Assembléias de Deus no
Brasil – CGADB, a consagração feminina ao pastorado é uma verdadeira aberração teológica. A
consagração feminina é aceita em algumas Assembléias de Deus nos Estados Unidos. Como
Ricardo Gondim e sua esposa obtiveram naquele país a sua formação teológica, acabaram por
introduzir essa diferenciação.
75
IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS BETESDA. Aos nossos membros: histórico da Igreja
Evangélica Assembléia de Deus Betesda, funcionamento, ministérios e documentos da fé. Série
Doutrinas; Editora Imprensa da Fé, 1998, p. 28.
58
de um grupo familiar que deseja alcançar determinada região com a visão da Igreja
Igreja a arcar financeiramente com esse programa, realizando anualmente uma conferência
Igreja conhecida no mundo inteiro. Como ocorre com a Igreja Assembléia de Deus
tradicional no Brasil, que tem um programa de missões e é conhecida em vários países dos
cinco continentes.
que é visto pelos fiéis como de grande importância e que tem como objetivo analisar áreas
socialmente. Acreditando que através da educação poderá romper com a pobreza, vão
tentando levar escolas às crianças carentes dos bairros periféricos, como também
Tauá (CE), com 480 crianças; o Centro Infantil Betesda em Fortaleza, no bairro de Antonio
Bezerra, com 600 crianças; o Sítio Betesda também em Fortaleza, no bairro de Granja
59
Portugal, com 800 crianças; o Centro Infantil Betesda em Boqueirão do Cesário (CE), com
didático, ensino, médicos, dentistas e refeições diárias. Em São Paulo, há uma distribuição
ICEC – para oferecer cursos intensivos de teologia, que funciona no mesmo prédio no qual
se realizam os cultos semanais, promovendo fóruns sobre prática política, justiça social e
questões éticas como aborto, pornografia, guerra etc. A Assembléia de Deus Betesda
realiza um programa semanal de rádio, “Reflexões”, em São Paulo, pela Musical FM 105,7
e Objetiva Sat FM 93,3; em Fortaleza, pela FM Apostólica 96,5, comandado pelo pastor
as mulheres, em São Paulo, pela Musical FM 105,7, realizado por sua esposa, a pastora
Sílvia Geruza.
indicados pelos já existentes, sendo que pastores recomendam novos pastores, presbíteros
pastores, que é o órgão máximo na Igreja, que tem a seu cargo todas as responsabilidades.
76
IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS BETESDA. Aos nossos membros. p. 55-6.
60
Nele, a consagração de pastores e demais obreiros não ocorre como em outras igrejas da
obreiro. Esse princípio é igual para os demais cargos ministeriais dentro da Igreja.
Na igreja Assembléia de Deus Betesda há uma relação muito forte entre o clero e os
mas, sim, multiplicá-los, estimulando os outros a usarem seus dons e treinando discípulos
pastores, presbíteros e diáconos, que se reúnem ordinariamente uma vez por ano. Tem uma
diretoria executiva, que é escolhida entre os pastores, uma secretaria executiva e uma
das ações missionárias, e a secretaria da ação social, que planeja as ações sociais da igreja
no país.
de Deus Betesda aceita como co-irmãs quaisquer congregações evangélicas que professem
que na administração das coisas secundárias possam ser diferentes umas das outras.
61
Repudia, porém, qualquer pensamento, doutrina ou manifestação espiritual que venha ferir
A Assembléia de Deus Betesda não está ligada à Convenção Geral das Assembléias
de Deus no Brasil, portanto, à primeira vista pode-se considerá-la uma dissidente. Ricardo
Nós fizemos questão de, quando nos separamos da Convenção Geral das
Assembléias de Deus no Brasil, manter o nome de Assembléia de Deus
Betesda. Atualmente, eu sinto que estamos mais próximos das raízes das
Assembléias de Deus mundiais do que a própria Assembléia de Deus
brasileira, pois esta não reflete os anseios pelos quais a Assembléia de Deus
no mundo caminha, como por exemplo, nos EUA e na Europa, no qual sua
tendência não é a mesma no Brasil; então, eu me sinto mais próximo com
aquilo que a Assembléia de Deus é hoje no mundo do que a própria
Assembléia de Deus brasileira. 77
voltada racionalmente para as questões sociais brasileiras. Como ele mesmo esclarece: “A
contemporanizou, se abriu e que está tentando dialogar com sua época, com sua cultura.”79
77
GONDIM, Ricardo. Entrevista concedida em 19/12/2003. Vide anexo II.
78
A crença nos milagres e no processo de santificação, no batismo com o Espírito Santo e a
glossolalia.
79
GONDIM, Ricardo. Entrevista. Vide anexo II.
62
Pude perceber que grande parte dos membros que freqüentam a Assembléia de Deus
Betesda pertence a uma classe social mais abastada, à classe média, 80 tais como advogados
e médicos. A doutrina dos usos e costumes legalistas não faz parte dos ensinamentos
podendo ela vir a exercer cargos e até chegar ao nível de pastora, o que não é aceito pela
instruções aos membros para que usem de moderação nos comportamentos práticos, tais
decência cristã. Os membros devem viver pela palavra de Deus com dedicação e
legalismo, que é produto de uma coerção realizada pelos pastores. Portanto, o papel da
Igreja, que segundo os líderes é guardiã da identidade que Deus deu ao ser humano e ao lar,
deve ser o de desenvolver o contato vital com Deus e seus princípios a fim de que estes
Para a Igreja Assembléia de Deus Betesda, os cultos devem ser leves, inspiradores e
às pessoas. A liturgia deve ser criativa e absorvente. A mensagem desenvolvida pelo pastor
deve ser sólida e centrada nas Escrituras, e, ao mesmo tempo, contextualizada e fácil de ser
entendida tanto pelos crentes quanto pelos descrentes. Há uma preocupação na importância
80
O seu início em Fortaleza tinha como objetivo evangelizar profissionais, universitários e outros
segmentos mais intelectualizados da cidade. Isso não significa, entretanto, que não haja pobres e
analfabetos que freqüentam e fazem parte dessa igreja.
63
desejam atingir, pois, segundo essa Igreja, os não crentes têm uma cosmovisão diferente da
dos evangélicos. Por isso, sempre é necessário encontrar um meio de fazer conhecida a
mensagem do evangelho.
possa refletir e ter uma relevância para a realidade social na qual está inserida. Portanto, seu
conceito de conversão é o de que o sujeito que se converte ao evangelho não sai do mundo,
mas se torna um grande atuante nele, tendo sensibilidade às necessidades do outro, devendo
tomar providências para melhorar a situação daqueles que vivem na privação e que são
Deve, porém, viver também uma vida em santidade sem se deixar moldar pelo
mundo. Parte daí que a Assembléia de Deus Betesda tem como objetivo o cumprimento
das obrigações com a sociedade, sendo seus membros cidadãos, ajudando a corrigir as
a Deus e uma forma de ação responsável como cidadãos do país. Deve-se, então, apoiar a
lei e a ordem civil, honrar, respeitar e orar pelos líderes políticos, exercitando sempre o
CAPÍTULO II
nos usos e costumes de santidade como via do relacionamento com Deus; a obediência à
dissidência política ou por não concordarem com seus métodos ou doutrinas. A Igreja
Assembléia de Deus Betesda é um desses casos, mesmo não concordando em ser uma
diferenças existentes entre as duas Igrejas que surgiram de um mesmo tronco religioso, ou
protestantismo. Assim, farei também uma busca na tentativa de dar uma resposta para o
surgimento de dois discursos morais divergentes, a partir de uma mesma tradição teológica,
interpretação da teologia dos avivamentos dada pelo protestantismo em sua feição mais
Oriundo da reforma do século XVI e aqui aportado a partir de 1850, portanto, quase
sempre posterior aos movimentos avivalistas que proliferavam na Inglaterra e nos Estados
81
MENDONÇA, Antônio Gouveia. Vias da salvação na teologia da Reforma. Rio de Janeiro:
Tempo e Presença. Konoinia, n. 289, set/out. 1996, p. 11.
66
sujeição do corpo ao espírito e rejeição ao que é diferente – estrutura sua ética em torno de
respeito aos preceitos morais propostos pela Igreja, que formam um rígido e
82
A mais atuante hoje é a Escola Dominical. Como prática ainda em voga, faz largo uso dos meios
de comunicação de massa.
83
Luteranos alemães restritos às áreas de colonização do sul do Brasil e sem intenção missionária,
atitude não tolerável pelo catolicismo, religião oficial do Império.
84
Presbiterianos, metodistas e batistas oriundos do sul dos Estados Unidos.
85
Cf., BITTENCOURT FILHO, J. Terminologias classificatórias do pentecostalismo. São Paulo:
PUC, 1996; MENDONÇA, Antonio Gouveia. Terminologias classificatórias do pentecostalismo.
São Paulo: PUC, 1996; Cf., OLIVEIRA, P. R. Terminologias classificatórias do pentecostalismo.
67
estabelece com ele uma relação necessária. Antes, representa uma reação preservacionista à
sociedade. Substituía-se a idéia de um mundo feito e estático por outra em que ele se
conservadorismo.
aceitação das teorias das ciências da natureza a respeito da idade e forma da origem do
comum a todas as formas de vida, se opunha à doutrina tradicional da criação, baseada nos
São Paulo: PUC, 1996; Cf., ORO, Ari Pedro. O Espírito Santo e o pentecostalismo., Porto Alegre:
Telecomunicação, v. 25, n. 107, mar/95.
86
Cf., ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus: o fundamentalismo no Judaísmo, no
Cristianismo e no Islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 204.
68
sociais e históricas que auxiliam o estudo da Bíblia e de seus manuscritos. A única leitura
admitida é a que se faz literal e acrítica de seus próprios fundamentos, pleiteando para si a
faculdade dos órgãos dos sentidos, resulta da experiência sensorial com os objetos que
heurístico e o dado científico, uma vez que opera em função da distinção entre a verdadeira
e falsa ciência, cujo critério de determinação é à atitude que o indivíduo assume em relação
à fé. Qualquer dúvida que se coloque à mesma revela a falsa ciência, uma vez que a fé é
87
Karen Armstrong afirma em sua obra que para os conservadores a verdade literal das Escrituras
constituía uma questão de vida ou morte para o Cristianismo. Para lutar contra os ataques dos
liberais e críticos da Bíblia, foi necessária uma campanha contundente fundando uma “associação
para promover a interpretação literal das Escrituras e as doutrinas ‘cientificas’ do pré-milenarismo.
Em 1919, realizou-se na Filadélfia um congresso do qual participaram 6 mil cristãos conservadores
de todas as denominações protestantes”. As campanhas prosseguiram no sentido de expulsarem os
liberais das várias denominações. Cf., Ibid., p. 202-3.
88
MENDONÇA, A. G. & VELASQUES FILHO, P., op. cit., p. 114.
69
originado do esforço de fixação das doutrinas cristãs, entre elas a autoridade inspirada na
89
O conservadorismo tem sido freqüentemente tomado como sinônimo de fundamentalismo, quase
sempre em referência ao pentecostalismo. Embora o primeiro contenha o segundo, faz-se necessário
demarcar alguns pontos discutindo o que vem a ser o fundamentalismo. Para Ivo Pedro Oro, o
fundamentalismo é um conceito ambíguo, sendo “hoje sinônimo de quase tudo o que cheira a
tradicional, conservador, sectário ou dado a excessos na vivencia religiosa”. Cf., ORO, I. P. O outro
é o demônio. São Paulo: Paulus, 1996, p.44. Para Jürgen Moltmann, o fundamentalismo
originariamente designava “determinada corrente do protestantismo americano que se opunha a
qualquer adaptação moderna e liberal da igreja invocando os fundamentos bíblicos da fé cristã: o
fundamento da fé interpretado de maneira bem arbitrária”. MOLTMANN, J.Fundamentalismo e
modernidade. In: Concilium, 1992, p.24. De modo geral, o fundamentalismo se relaciona com o
processo de modernidade, muitas vezes como reação à mesma, embora possa ser essa apenas uma
posição retórica, na medida que, rejeitando a cosmovisão moderna (pluralismo, cosmopolitismo,
racionalidade, progressismo e secularismo), o fundamentalismo recorre à tecnologia, bem como
possui traços da modernidade como o individualismo e a aceitação do racionalismo científico.
Karen Armstrong examina o termo fundamentalismo argumentando que: “Os primeiros a utilizá-lo
foram os protestantes americanos que, no início do século XX, passaram a denominar-se
‘fundamentalistas’ para distinguir-se de protestantes mais ‘liberais’que, a seu ver, distorciam
inteiramente a fé cristã. Eles queriam voltar às raízes e ressaltar o ‘fundamental’ da tradição de
certas doutrinas básicas. Desde então se aplica a palavra ‘fundamentalismo’ a movimentos
reformadores de outras religiões. Tem-se a impressão de que os fundamentalistas são inerentemente
conservadores e aferrados ao passado, e, no entanto, suas idéias são essencialmente modernas e
inovadoras. Queriam voltar ao ‘fundamental’, porém, os protestantes americanos agiram de um
modo peculiarmente moderno”. ARMSTRONG, K., op.cit., p.10. Paul Freston, citando Moltmann,
nota a oposição fundamentalismo/liberalismo, agora acrescida do pluralismo que caracteriza a
sociedade contemporânea, percebendo que os fundamentalistas “não reagem às crises do mundo
moderno, mas às crises que o mundo moderno provoca em sua comunidade de fé e em suas
convicções básicas [...] Diante da moderna subjetividade do homem e das liberdades individuais, os
fundamentalistas colocam na autoridade divina a segurança de sua fé”. FRESTON, P. Protestantes
e politica no Brasil , p. 26. Resulta que por fundamentalismo entende-se comumente o movimento
ultraconservador e autoritário, surgido em certos meios protestantes como reação ao modernismo
teológico e religioso, que prega como fundamentos inabaláveis da fé verdades tradicionais de sua
confissão. A designação fundamentalismo deriva da preocupação em manter como absolutos os
fundamentos doutrinais confessionais, aos quais se agarra literalmente, excluindo toda interpretação
crítica – rótulo negativo e pejorativo, comumente generalizante quando aposto aos pentecostais, que
preferem se auto-intitular evangélicos-conservadores. Permanece em questão, sujeito a amplas
controvérsias, o fato de ser a Assembléia de Deus fundamentalista. Leituras, entrevistas, bem como
meu convívio com assembleianos, não me permitiu afirmar serem eles fundamentalistas; embora
muitos se declarem apegados a uma leitura não interpretativa e à aceitação histórica da inerrância
bíblica, há aqueles que se dispõem a uma atitude questionadora e histórica diante dos costumes e
que realizam uma leitura bíblica mais interpretativa e contextualizada.
70
a-histórico, não dando margem ao social nem à presença da Igreja no mundo. A crença
A filosofia do senso comum forneceu base inquestionável para uma filosofia das
ciências durante o século XIX nos Estados Unidos. O liberalismo, baseando-se na aceitação
não pressupõe mediações, contribuiu com elementos para a ordem moral nacional e
realização do reino de Deus, que seria um estado ético de perfeição humana. Segundo o
ideais anunciados por Jesus Cristo, que forneceu o exemplo supremo de uma vida abnegada
Deus.
minoritárias e vencidas. Melhor dizendo, o liberalismo que aqui chegou não percebia o
Reino de Deus na Terra como uma construção humana, passível de ser alcançada antes da
90
MENDONÇA, A. G. & VELASQUES FILHO, P., op. cit., p. 131.
71
outros motivos, pela necessidade de garantir educação e formação moral a quem não fora
permitido ler a Bíblia em seu próprio idioma. Apesar da doutrinação da elite dominante ter
por base práticas modernizantes93 e liberais, não houve uma adesão maciça dos intelectuais,
91
O evangelho social enfatizava a necessidade de se modificar a sociedade corrompida que, por sua
vez, estava corrompendo o homem. Os partidários do evangelho social falavam do reino onde os
homens viveriam como irmãos num espírito de cooperação, amor e justiça. A Igreja deve desviar
sua atenção da salvação dos indivíduos pecadores para a ação coletiva de salvar a sociedade.
Conseguir uma vida melhor na Terra havia sido substituído pela preocupação com a vida no Além,
e esperava-se que Cristo e os valores cristãos conquistassem o mundo. O progresso podia ser visto
no avanço da democracia política, no movimento em favor da paz mundial e nos esforços para o fim
da discriminação racial.
92
“Entendem o milênio como período de justiça universal estabelecido na segunda vinda de Cristo.
Tal acontecimento será visível e súbito, sem nenhum aviso prévio, precedido apenas do anúncio do
evangelho a toda a humanidade. Durante o milênio os justos ressuscitarão e participarão do governo
universal de Cristo. Ocorrerá ainda um período de grande tribulação – são citados freqüentemente
Ap. 2:27 e Sl. 20 como base – acompanhado da admissão por parte de Israel da messianidade de
Cristo, da conversão de um grande número de pecadores e, por fim, da vitória final sobre Satanás,
que será jogado em um abismo. Passado o milênio, Satanás será solto e tentará mais uma vez a
vitória. Nessa ocasião, ele, seus anjos e as almas perdidas então ressuscitadas, serão julgados,
condenados e lançados para tormento eterno num lago em chamas”. MENDONÇA, A. G. &
VELASQUES FILHO, P., op. cit. p. 125-6.
93
O termo “modernizante” é atribuído aos ideais missionários, se aplica apenas em referência ao
contexto brasileiro do final do século XIX, impregnado do catolicismo ultraconservador do
montanismo. “Há um visível descompasso com a sociedade, descompasso que é historicamente
explicável: no momento em que o protestantismo foi inserido na sociedade brasileira, esta se achava
num estágio de desenvolvimento significativamente anterior à sociedade norte-americana; por isso
o protestantismo foi recebido como vanguarda do progresso e da modernidade. Hoje, quando
movimentos neoconservadores e reformistas atingem valores, as Igrejas brasileiras, na esteira
desses movimentos, agitam-se na busca de valores que nunca fizeram parte da sociedade brasileira.
Assim, se no passado o protestantismo brasileiro apontou para o futuro, hoje ele aponta para o
72
denominação”. 94
de Deus e na doutrina calvinista da eleição, feição com que, no início do século XX, o
experiência cristã.
porém, foi nos Estados Unidos que ganhou expressão como movimento de santificação
versão protestantizada do ascetismo, que deu origem a um entusiasmo fanático com o qual
passado – aliás, um passado inexistente”. MENDONÇA, ª G. & VELASQUES FILHO, P. op. cit.,
p. 13.
94
BITTENCOURT FILHO, José. A memória é sempre subversiva: as Assembléias de Deus no
contexto brasileiro. In: Imagens da Assembléia de Deus.Ciências da Religião, Cadernos de Pós-
Graduação, UMESP, s.l.d., p. 32.
73
enfatizava o papel do homem, que usa sua liberdade e responsabilidade para responder ao
de sua aceitação. Gerou-se, desta forma, uma doutrina de salvação centrada na antropologia
de sua ortodoxia para receber a predestinação, não mais como teologia universal, mas como
mistério discernível apenas pela fé dos eleitos. O ser humano informado pela fé de sua
salvação deve adotar um tipo de comportamento que o distingue enquanto eleito, não como
sinal visível para si mesmo, mas, sim, para a comunidade. Edifica-se, desse modo, uma
ética puritana na qual o ativismo alcança papel central, enquanto são condenados
comportamentos que desviem as energias do homem para outras atividades que não as de
louvor a Deus.
95
Ibid., p. 29.
74
homem uma nova vivência em Jesus Cristo, ou seja, uma constante busca da perfeição
cristã, só tangível pelo isolamento em relação às questões mundanas, que dão lugar a uma
ética negativista:
necessário criar um clima altamente emocional, em que choros e desmaios são habituais.
moralismo e no imediatismo que tipifica a relação do crente com Deus. Ela acentua, ao
96
MENDONÇA, A.G. & VELASQUES FILHO, P., op. cit., p. 97.
97
MENDONÇA, ª G. & VELASQUES FILHO, P. op. cit., p. 23.
75
mesmo tempo, à distância entre o natural e o sobrenatural. Enfatiza de dois modos o falar
em línguas estranhas como sinal do batismo com o Espírito Santo 98 e como dom de Deus
dom de cura pode ser ocasional ou permanente, e lhe atribui grande importância
epistolas de Paulo que aos evangelhos, à experiência religiosa que à pureza doutrinária. Há
98
Beatriz Muniz de Souza diz que “a posição doutrinária adotada pelos grupos pentecostais prende-
se, no nível psicossocial, à dramaticidade da experiência da salvação, sendo freqüente, durante as
pregações, o enfático e emocional apelo à necessidade de que os pecadores se arrependam dos erros
cometidos e se convertam ‘aceitando Jesus como único salvador’. Poderá então ser alcançada a
recompensa espiritual da santificação completa, marcada pelo ‘batismo do Espírito Santo”.
SOUZA, B. M. op. cit., p. 53.
99
O “dom de cura” merece destaque tanto nas obras doutrinárias quanto nas declarações de fé das
igrejas pentecostais, sendo, especialmente quando exercido pelos líderes, associado ao dom de
“operação de milagres”, em referência às enfermidades mais graves. SOUZA, B. M. op. cit., p. 58-
9. Mendonça cita a Assembléia de Deus como sendo administrada por líderes que são a um só
tempo autoridade tradicional carismática no sentido weberiano, que atribuem grande ênfase ao dom
de línguas, entendendo que esse dom se manifesta de dois modos como sinal de regeneração, ou
seja, de confirmação do recebimento do batismo pelo Espírito Santo e o dom permanente da
glossolalia, dádiva concedida apenas a alguns fiéis para edificação da comunidade religiosa. Não
inclui, entretanto, o dom de cura divina como atributo da Assembléia de Deus, mas como
manifestação restrita aos movimentos dissidentes do pentecostalismo clássico, que recusam a
autoridade tradicional aceitando apenas a autoridade carismática, constituídos quase sempre de
grupos de pequeno porte sem nenhuma tradição. Esses posicionamentos refletem a grande
dificuldade de classificar e/ou estabelecer tipologias para o pentecostalismo, seja pela carência de
estudos acadêmicos ou pela fragilidade dos conceitos, interpretados hoje à luz da sociologia devido,
em parte, ao seu próprio dinamismo. Cf., MENDONÇA, A. G. & VELASQUES FILHO, P. op. cit.,
p.157.
100
“A começar pela criação do homem até o Juízo Final, são estabelecidas sete épocas ou
‘dispensações’, sendo a última delas a ‘milenar’, caracterizada pelo reino de Cristo na Terra”.
SOUZA, B. M. op. cit., p. 60. Para os pentecostais as dispensações são revelações progressivas e
associadas dos procedimentos de Deus para com o homem, na qual, tem como propósito colocar o
homem sob uma especifica regra de conduta. As sete dispensações são: Inocência; Consciência ou
Responsabilidade Moral; Governo Humano; Promessa; Igreja e Reino.
76
Reacionária face ao racionalismo moderno da cidade, encontra celeiro fácil nas classes
religiosa, cuja racionalidade ética tem que ser buscada em uma perspectiva de retribuição: a
salvação. A Assembléia de Deus se destaca pela ênfase dada aos dois estágios da salvação,
também dão a direção para dois discursos na comunidade. Primeiramente, eles objetivam
que podem assegurar a permanência da pessoa na corrente dos que atualizam essa tradição.
muito mais numerosas, profundas, abrangentes e impactantes nos últimos trinta ou quarenta
anos do que foram durante toda a história das Assembléias de Deus. São mudanças
Essas mudanças que ocorrem na sociedade a cada dia não são absolutamente
irrelevantes para a Igreja Assembléia de Deus. Ao contrário, criam um dilema que exige
77
uma resposta urgente para que ela se mantenha firme no seu discurso moral: como levar o
sagrado para fora de suas paredes, trazendo problemas profanos para dentro sem, no
entanto, “macular” nem deixar transparecer essa mudança? Deve ela se sentir parte do
mundo moderno globalizado, aguardando o que o futuro lhe reserva, principalmente o que
modernidade, não aceitando as mudanças ocorridas. Outra alternativa seria que, para a
equilibrada diante das mudanças ocorridas, não se fechando totalmente a elas como uma
ostra dentro de si mesma, nem aceitando inconseqüentemente suas implicações como uma
esponja que a tudo absorve. Tal postura representaria, na verdade, ser fiel à sua identidade
do passado, tendo a consciência das necessidades de hoje. E foi isso que percebeu Ricardo
de Deus no Brasil. Ele criou uma convenção própria para a nova Igreja, para que esta
Bezerra da Costa, que preside a Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, e os
mentalidade e o mesmo discurso tradicional que se faz presente em grande parte das
Assembléias de Deus no Brasil. Eles tentam preservar seus fiéis do modo mais puro
78
possível, ao mesmo tempo em que se distanciam, pelo menos dentro dos muros
verdadeiros monastérios e neles se fechando: a igreja e a casa. 102 As exceções ficam por
conta do trabalho e da obra de evangelização. Por várias décadas, tais prescrições legalistas
Como Ricardo Gondim teve uma formação teológica mais liberal, fruto de sua vivência nos
religiosa no Brasil.
101
AYRES, Antônio Tadeu. Reflexos da globalização sobre a Igreja: até que ponto as últimas
tendências mundiais afetam o corpo de Cristo ? Rio de Janeiro: CPAD, 2001, p. 67.
102
Cf., BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os deuses do povo. p. 142-3.
103
A Assembléia de Deus norte-americana não tem doutrinas tão rígidas quanto aos usos e
costumes de santidade exigidos pelos líderes, como acontece nas Assembléias de Deus no Brasil.
Nos Estados Unidos, a ascensão social não é só permitida como também estimulada.
79
como ocorreu a transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna. Essa transição
nos ajudará a entender melhor os dois discursos teológicos morais que se desenvolveram na
humanidade uma visão e explicação do universo, sendo sua estrutura social baseada no
modelo hierarquicamente divino, ou seja, o céu confere a Terra seu modelo e autoridade,
sendo essa hierarquia aplicada integralmente na Terra pela Igreja. Por ser um modelo
divino, não podia ser questionado, devendo apenas ser aceito e obedecido. O clero, aliado
subordinação dos poderes celestes. Olhavam para os céus e para as escrituras sagradas,
anjos-homens é o modelo escolhido por Deus para governo humano. Rei - clero e nobres-
plebe. Assim, essa imagem central do mundo legitimava com eficácia o poder estabelecido.
Portanto, perplexos e angustiados pelas indagações que faziam à vida, os homens voltavam-
104
Segundo Jung Mo Sung, “o conceito de sociedade tradicional é utilizado para designar sistemas
sociais que, de modo geral, correspondem a critérios de culturas avançadas em relação às formas
sociais mais primitivas, mas que existiam antes da primeira industrialização no mundo ou que ainda
não sofreram o impacto do encontro socioeconômico com o processo de industrialização”. SUNG,
Jung Mo. Teologia e economia: repensando a teologia da libertação e utopias. Petrópolis: Vozes,
1994, p. 151.
80
Nesse sentido, podemos dizer que a moral está estabelecida nos alicerces da
diante das novas gerações. Desenvolve-se a partir daí um discurso nos padrões de morais
do passado, não podendo dar lugar a inovações. Como diz José Wellington Bezerra da
Costa: “A doutrina, por ser bíblica, não pode sofrer adaptações, conforme as circunstâncias
Na modernidade, esse monopólio foi rompido e o homem, sua razão e sua técnica,
velocidade com que os produtos chegavam às pessoas, bem como o alcance da sua
105
Ibid., p. 152.
106
COSTA, J. W. B. da. Doutrinas e Costumes. Disponível na Internet, http://www.cgadb.com.br.
Acessado em 26/02/2004.
107
SUNG, Jung Mo, op. cit., p.159.
108
Cf., DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. São Paulo: Pioneira, 1993. p. 18-9.
81
Além disso, a lógica da ciência natural moderna parece ditar uma evolução universal na
direção do capitalismo.109
Essa velocidade produtiva foi, portanto, responsável por todas as elevações do padrão
as pessoas não apenas à compulsão para compra, mas, também, à provisão de meios para
produtos cada vez melhores e mais adaptados às suas necessidades ou desejos. Em uma
legitimava as diversas atividades sociais, hoje, cada tarefa social é justificável por si
mesma.
A diferença é que esta nova legitimação da dominação não desce mais do céu
da tradição cultural, mas é soerguida a partir da base do trabalho social. Agora a
instituição do mercado promete a justiça da equivalência das relações de troca.
A categoria da reciprocidade usada para fundamentar a nova legitimação é o
próprio princípio de organização dos processos sociais de produção e
reprodução.[...] Essa inversão não significa o abandono da utopia, da esperança
do “banquete celestial”. Mas sim uma profunda transformação no conceito do
tempo e da história. Um reposicionamento da utopia.110
Podemos dizer, então, que o paraíso se dá aquém e não mais além da história. O
velho conceito do paraíso no céu, chega a Terra, um projeto a ser concretizado na história
109
Cf., FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco. 1992, p.
56.
82
do homem. O banquete celestial será servido àqueles que tomarem o caminho do progresso
rumo ao paraíso. Chega-se até lá, principalmente, pelo aperfeiçoamento do progresso rumo
à perfeição. Uma vez que esse homem moderno é capaz de tudo, naturalmente ele é capaz
de transformar sua sociedade, seu mundo, e não só isso: ele poderá instaurar o tão
prometido paraíso aqui na sua própria Terra, com a ajuda de Deus, pois, este é uma figura
rígida e valores morais aperfeiçoados, para o aquém, em que o banquete celestial será
servido a todos aqueles que, conduzidos pelo aperfeiçoamento técnico, chegarem ao paraíso
expressão que Peter Berger111 cunhou por analogia com o que sucede no campo econômico,
em que vários produtos são ofertados obedecendo às leis de compra e venda. Nesse
gerencial passam a ser a obsessão dos que estão no mercado. Esses instrumentos da
110
SUNG, Jung Mo, op. cit., p. 164.
111
Cf., BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São
Paulo: Paulus, 1985.
83
mercadejar mais facilmente seu produto. Dessa forma, a religião transforma-se em mais um
mercado, o cliente sempre tem razão e, como o gosto dos clientes muda rapidamente, a
teológico, mostrando que “a igreja é o sinal mais concreto do reino de Deus na Terra.”112
É bem verdade que, apesar de procurar mostrar-se mais liberal, em especial maior na
área dos usos e costumes de santidade, a Betesda apresenta uma inteiração de sua tradição
religiosa, pois, em vez de manter-se apartado do mundo, esse crente, acima de tudo, está
imbuído de um espírito guerreiro já que, em “nome de Jesus” e com a autoridade por Ele
limitações e fraquezas, tem a convicção da vitória. Como herdeiro das promessas divinas,
vê-se como mais do que vencedor e crê em todo poder naquele que o fortalece.
fechar os olhos para as mudanças sociais e culturais ocorridas no mundo e nas pessoas.
Ficar anacrônico e preso aos ícones e símbolos do passado é praticar de forma velada uma
idolatria. Para a Assembléia de Deus Betesda, o caminho tomado foi o de construir uma
Igreja com pessoas diferentes, sem massificação e homogeneidade, olhando o ser humano
112
GONDIM, R. Fim do milênio: os perigos e desafios da pós-modernidade na Igreja. São Paulo:
Abba Press, 2002, p. 59.
84
pluralidade.114
discurso nas tradições morais dos usos e costumes como essenciais para a santidade. O
usos e costumes e, sim de uma transformação do caráter do indivíduo que possui uma
Deus tradicional e faz parte da ala mais radical que diz que a Bíblia deve ser lida de forma
literal. Seus livros são publicados pela CPAD, e os mais importantes são: “Ética Cristã:
como viver a vida em um mundo em conflito”. Seu objetivo principal é estabelecer uma
Para isso, busca nos antigos personagens da Bíblia modelos a serem seguidos, uma
referência de homem moralmente correto para os dias atuais, mostrando como deve ser a
113
GONDIM, R. Fim do milênio. p. 58.
85
consumo, dos serviços de crédito ao consumidor, dos sedutores apelos do mundo da moda,
do lazer e das opções de entretenimento criadas pela indústria cultural, Elinaldo Renovato
hábitos, que, segundo os pentecostais, fazem parte da salvação ou dão certeza de estarem
padrão bíblico para assuntos que vão desde o posicionamento ético, a vida devocional, o
jejum, os conflitos no lar, a experiência espiritual do Batismo com o Espírito Santo até a
“espera vigilante pela volta de Jesus Cristo”. Sua teologia lida com questões imediatas,
114
Cf., Ibid., p. 77.
86
pela sobrevivência. Ele penetra em todos os aspectos da vida e fornece energia e inspiração
para superá-los. É uma espiritualidade que oferece respostas às questões mais desafiadoras
dos crentes. Ela é enfatizada como grande virtude para o referencial moral. Nesse âmbito,
mundo é profano e considerado ilícito para um cristão, como é o caso da música não
evangélica que, segundo Elinaldo Renovato, não traz o louvor a Deus, a santidade bíblica,
ou a glória de Deus, mas, sim, a propagação dos interesses de uma sociedade corrompida
qual, “um princípio ético abrangente, que inclui não somente o comer e o beber, mas
117
‘qualquer coisa’ que demande um posicionamento cristão”. Na ótica de Elinaldo
Para Elinaldo Renovato, os temas éticos, tais como aborto, eutanásia, planejamento
familiar, sexo, doação de órgãos, clonagem de seres humanos, são polêmicos e por esta
115
CESAR, W. & SHAULL, R. Pentecostalismo e futuro das igrejas cristãs. Petrópolis: Vozes e
Sinodal, 1999, p. 202.
116
Cf., DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na
Austrália. São Paulo: Paulinas. 1989, p. 363-92.
117
LIMA, E. R. Ética Cristã. p.20.
87
A análise de Elinaldo Renovato para todos os temas éticos seguirá mandamentos que
estão registrados na Bíblia, e não uma postura crítica social ligada à cultura brasileira, suas
sociedade é corrompida e reprovada por Deus, e o cristão tem que ter um “modo de pensar
e de agir, com base na ética cristã, que tem amplo respaldo na Bíblia Sagrada” 120 e que não
sofre mudanças com o passar do tempo, permanecendo com a mesma estrutura no tempo e
exceção da glossolalia como evidência do batismo com o Espírito Santo. Desde o princípio,
118
Ibid., p. 22.
119
Ibid., p. 1.
88
espiritualmente aquele que renasce em Cristo, é fundamental que o crente se afaste dos
prazeres, interesses e paixões do mundo. “O apartamento das coisas do mundo deve ser o
anticatolicismo na esfera moral, cultural e religiosa. fator relevante – quem sabe primordial
participante do reino do mal. O mundo é o reino do pecado e das forças satânicas. O dever
tem que ser espiritual, através da conversão pessoal de cada homem. Os problemas sociais,
como a fome, a miséria e a corrupção, são frutos do pecado individual, portanto, devem ser
resolvidos através da mensagem evangélica que atinge e transforma as almas, e não com
Purificados dos pecados cometidos antes de renascer no batismo das águas, os fiéis
são instados a trilhar o penoso caminho da santificação. Para que não sucumbam às pulsões,
aos desejos, às próprias inclinações pecaminosas, devem renunciar aos prazeres mundanos,
compreendidos como ciladas do Diabo, por meio da mortificação da carne. Para que o
120
LIMA, E. R. Ética Cristã. p.15.
121
NOVAIS, Regina Reyes. Os escolhidos de Deus, p. 82.
89
Espírito Santo lhes preencha a vida, santificando-os, devem morrer para o mundo, o qual,
Por mais que o cristão esteja bem situado social, política e economicamente no
mundo, segundo Elinaldo Renovato, este cristão deve sempre ter em mente que seu destino
não é permanecer nele. Isso seria uma grande tragédia: “Essa é uma realidade da qual
muitos crentes não têm consciência. Vivem neste mundo, tão arraigados com ele, que
perdem a visão da cidadania celestial. Na verdade, nem somos deste mundo!” 123 Portanto,
a participação do crente no mundo deve ser mínima. A sociedade e a cultura têm que ser
evitadas devem ser encaradas como algo “mundano” e depreciativo, uma vida que “é visto
por Deus como reprovável e corrompida”,124 onde os valores morais estão invertidos e seus
referenciais são móveis, instáveis e mutantes, portanto, precisa ser salva pelo poder do
Evangelho.
A partir da crença de que o Diabo está no comando desse mundo, essa teologia têm
fortes razões para justificar procedimentos voltados para a separação do “mundo”. Viver
sacrifício. Na busca da salvação, o crente, deve resistir às tentações, ser radical na rejeição
arrastado pelo caminho largo dos prazeres da carne e das paixões do mundo.
122
Cf., LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p.230.
123
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 199.
124
Ibid., p.14.
90
Segundo Elinaldo Renovato, o cristão deve ter o caráter firmado em Cristo para não
ser derrotado pelas tentações impostas pelo mundo. Nenhum cristão tem vida isenta das
tentações, pois, quando Deus permite que tentações e tribulações do mundo venham a
afligir o crente, há um lado positivo, pois, faz crescer a confiança e a esperança em Deus.
como conseqüência do distanciamento de Deus. Segundo o autor, “na verdade, Deus fez o
homem para viver plenamente, com saúde física e mental. Entretanto, o pecado modificou a
traz implicações de natureza prática, já que tendem a aceitar, de forma bastante passiva, a
“vontade de Deus” diante da doença, das tragédias pessoais e dos problemas financeiros.
passiva. Quanto aos problemas familiares, há uma persistência maior em resolvê-los, já que
125
Ibid., p. 213.
126
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 145.
127
MENDONÇA, A. G. op., cit., p.138.
91
Segundo Elinaldo Renovato, somente “a Bíblia deve ser o livro da família”, 128 que
sentidos, provocadas por influências fortíssimas como modelos “vendidos” pelos meios de
comunicação de massa, que funcionam como um espelho social; a perda de identidade para
com os valores tradicionais que foram levados de roldão pela chamada nova moralidade; o
escamoteantes. Os resultados são filhos sem pais ou com pais múltiplos, mães solteiras por
enfim, todos os sintomas que denunciam a fragmentação dos antigos valores familiares e a
base familiar, dando como resultado a falta de Deus em muitos lares cristãos, onde a
Nos dias presentes, a influência mundana sobre o lar é maior do que se possa
imaginar. Há uma verdadeira sede de se abrir às portas para o mundo. E na
verdade nem é preciso abri-las. A influência vem através da janela da
televisão, de modo rápido e avassalador. A programação da TV secular
128
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 25.
92
ganham uma outra conotação, a de que eles advêm da ação maligna que, segundo o autor,
mídia concentra um enorme poder, do qual quase ninguém consegue escapar, a não ser
aquelas pessoas que são salvas e procuram viver de acordo com os padrões da Palavra de
relacionamentos familiares, que são provocadas pelo Diabo, sejam superados através de
estratégias dos conversos que permitam a ação sobrenatural de Deus, restaurando a ordem
tradicional familiar. Estratégias estas tais como a realização de orações, a audição musical e
principais à vida da família cristã assembleiana. O que vem de fora dessa esfera é visto
como mau e atrasado, exemplo disso é o livro de Harry Potter que, em sua ótica, pode
trazer influências diabólicas na família cristã. A Bíblia e a literatura produzida pela Igreja
129
Ibid., p. 190.
130
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 213.
131
Ibid., p. 26.
93
são consideradas pelo autor como essenciais para a formação do caráter, da personalidade
e para o desenvolvimento moral e social de uma família. Seu discurso mostra claramente
que “a Bíblia é a revelação da vontade de Deus para com o ser humano”. 132
Tudo que não seja bíblico ou da Igreja evangélica é visto como uma má influência à
formação moral, criando um conflito entre o “mundo” e a “Igreja”, no qual o mundo é visto
como algo pervertido e o que se origina neste meio serve para corromper a família, e a
Igreja como aquela que produz coisas boas. Em seu discurso, Elinaldo Renovato coloca
que o grande apoio à família advém da Igreja, principalmente da Escola Bíblica Dominical
que propicia formação ao crente. “A Igreja é a única instituição em que o cristão e sua
família podem apoiar-se neste mundo de mudanças e incertezas, sendo abençoada por Deus
em todas as áreas da vida”.133 Quando ele menciona que a Igreja é a única instituição
saudável, percebe-se em seu discurso que o mundo no qual a igreja está inserida está em
crise, pois, as demais instituições estariam falidas, no seu entender. Por exemplo, para ele a
escola secular tem sido fonte de influências negativas para a família, contribuindo para sua
Sua abordagem é a de que a Igreja deve ser colocada como prioridade, como
estratégia de seu discurso, ele utiliza um vocabulário simples que ocupa lugar de destaque
132
Ibid., p. 28.
133
Ibid., p. 80.
94
no cotidiano das pessoas, incorporando sempre um dualismo, “a luta do bem contra o mal”.
Diante desse conflito, ele insiste em ressaltar que o crente deve ter amizade com aqueles
que não fazem parte do grupo, pois esse relacionamento traz grandes resultados no
com os não evangélicos. Quanto ao namoro ou casamento, devem ser evitados para que não
comportamento que assegure sua posse. Elinaldo Renovato argumenta, portanto, que o
Sendo o mundo tentador, viver nele negando seus prazeres exige do fiel grande força
e resistência moral. O crente crê que o Diabo está presente nos mais ínfimos espaços da
vida. “O mundo, que ‘jaz no maligno’, está sendo guiado pelos valores deturpadores dos
guias materialistas do nosso tempo que, por sua vez, são guiados por Satanás. Os cristãos,
ao contrário, ‘são guiados pelo Espírito de Deus’”.136 Logo, a ética de proibições legalistas,
voltada para os usos e costumes, reforça a rejeição do mundo. Como ele diz:
134
Ibid., p. 80.
135
Refere-se aos casais em que um dos cônjuges é evangélico e o outro não é. O envolvimento em
um relacionamento que implique namoro ou casamento do crente com alguém que não pertença ao
grupo evangélico é visto na Assembléia de Deus como risco para a fé. Na visão de Elinaldo
Renovato, esse tipo de união contribui para resultados desastrosos na relação que o crente tem com
a igreja.
136
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo, p. 105.
95
pela comunidade religiosa, que o diferencie da sociedade. Assim procedendo, ele denota
sua condição de salvo em Cristo, pois, a seu ver, Deus se preocupa com a santidade
deve ser conservado tão irrepreensível como a alma e o espírito”. 138 Assim, a postura moral
O pastor, muito além de ter e exercer o poder representa o próprio poder; ele é, em
Deus para o povo”, em suma, tem a resposta; resposta definitiva, inquestionável e vitalícia.
Pode-se observar que o discurso de Elinaldo Renovato caminha nesse sentido, ou seja, o
137
Ibid., p. 247.
138
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 245.
139
“Não toqueis nos meus ungidos” até hoje é um chavão forte na AD para tentar legitimar todas as
ações de liderança. O “preceito” teológico nasce do episódio em que Davi é incitado a se vingar de
Saul mas se escusa por ser “ungido de Deus”( I Samuel, 24:6).
96
bíblico, respaldado por outros textos paralelos, podem ser considerados como uma doutrina
para a Igreja. Para fundamentar a doutrina dos usos e costumes de santidade, ele cita textos
Seu discurso dá grande ênfase para as questões dos usos e costumes, determinantes
para “remir de toda iniqüidade e purificar um povo especial, zeloso de boas obras”. 141
Estabelece, assim, uma lista de normas excessivamente rígidas quando contrastadas com as
regras que norteiam a conduta de pessoas na sociedade. Por exemplo, vestes e jóias, cortes
de cabelos para homens e mulheres, devem ser de tal modo que não venham a causar um
vestimentas e jóias, logo se dá ênfase à mulher, que é vista como símbolo de fraqueza e de
masculina sobre o sexo feminino. As cartas paulinas, de forma especial às destinadas aos
coríntios, dão a base para o discurso da superioridade masculina. Como se pode observar no
140
LIMA. E. R. Aprendendo diariamente com Cristo, p. 241.
141
Ibid., p. 229.
142
Segue sempre o modelo pelo qual, através da mulher, entrou o pecado no mundo, ou seja, a
mulher foi a primeira a ser escolhida para ser tentada pela serpente (Diabo), submetendo-se à sua
vontade. Logo levaria seu companheiro à mesma tentação. Sendo assim, as mulheres são vistas no
meio pentecostal como o ser mais fraco, no qual a maioria delas é relegada a segundo plano, tanto
no aspecto de direção quanto nos trabalhos regulares.
97
discurso de Elinaldo Renovato, parece que somente a mulher sente desejo sexual e comete
O ensino Bíblico neotestamentário nos mostra que o traje da mulher deve ter
três características: ‘honesto, com pudor e modéstia’. Hoje, há um espírito de
sensualidade querendo dominar o comportamento de muitas irmãs, jovens ou
casadas, que se deixam levar por modismos e influências malignas. E, em
nossa cultura, em que o sexo é considerado elemento de atração carnal,
exacerbado pela mídia, nas novelas, nos filmes, em revistas, etc., cada vez
mais o pecado da lascívia tem se manifestado no meio cristão. 143
No tocante ao corte de cabelo para os homens, ele fundamenta a sua posição na carta
do apóstolo Paulo à Igreja de Corinto: “Ou não vos ensina a própria natureza ser desonroso
para o homem usar cabelo comprido (I Co 11:14)?”. No livro bíblico do profeta Ezequiel
(44:20): “Não raparão a cabeça, nem deixarão crescer o cabelo; antes, como convém,
homem deve ser cheio e cortado; quando o homem usa o cabelo idêntico ao da mulher ou
paulina de I Co 11:5-6: “Toda mulher, porém, que ora ou profetiza com a cabeça sem véu,
desonra a sua própria cabeça porque é como se a tivesse rapada. Portanto, se a mulher não
usa véu, nesse caso, que rape o cabelo. Mas se lhe é vergonhoso o tosquiar-se, ou rapar-se,
cumpre-lhe usar o véu”. O cabelo deve ser comprido para que cubra sua cabeça, pois, ele é
visto como um véu para que a mulher possa chegar até Deus em oração, dispensando assim
143
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo, p. 240-1.
98
liberais de que o apóstolo Paulo escrevia a uma Igreja que estava situada em uma cidade,
pervertidas, que se convertiam e queriam continuar com seus maus costumes, portanto, uma
questão cultural a ser corrigida nessa igreja, não uma doutrina para a atualidade. Mas ele
afirma que, “tendo constatado de modo enfático, no Novo Testamento, cremos que o ensino
sobre uso do cabelo, por parte do homem e da mulher cristã, deve ser respeitado” 145, ou
Utilizando I Co 11: 14 – 16, (Ou não vos ensina a própria natureza ser desonroso
para o homem usar cabelo comprido? E que, tratando-se da mulher, é para ela uma glória?
Pois o cabelo lhe foi dado em lugar de mantilha. Contudo, alguém que quer ser
contencioso, saiba que nós não temos tal costume, nem as Igrejas de Deus.) ele argumenta
que não há apenas um ensino sobre costumes ou cultura dos tempos de Paulo, ou
simplesmente uma palavra dirigida apenas à Igreja de Corinto, mas uma doutrina sobre o
uso do cabelo do homem e da mulher em que não é necessária “uma exegese profunda, nem
e, sim, uma doutrina para a igreja seguir em todos os tempos e lugares, pois, se isso não
144
Leon Morris, em sua obra, mostra que Corinto era uma colônia romana, “da cidade grega a
menos grega, era por esse tempo a menos romana das colônias romanas”. Era uma cidade em que
gregos, latinos, sírios, asiáticos, egípcios e judeus compravam e vendiam, trabalhavam e se
divertiam juntos, na cidade e nos seus portos, como em nenhuma outra parte da Grécia. Por essa
razão é chamada de “cidade cosmopolita”. Portanto, uma cidade importante e próspera com grande
prestígio social. Era a capital da província romana da Acaia. Os Jogos Ístmicos eram celebrados ali
perto, e sob a égide da cidade, nos quais os mais excelentes atletas eram convocados. MORRIS,
Leon. I Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1983, p.11-23.
145
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. P. 242.
146
Ibid., p. 244.
99
fosse importante, segundo Elinaldo Renovato, “teríamos que rasgar muitas páginas da
assembleiana e aos escritos bíblicos e sua aplicação na vida dos fiéis para que não haja a
“sempre alguém vai querer aproveitar-se para demonstrar sua vaidade cada vez mais”148
podendo haver assim uma decadência moral e um desvio da fé, que irá resultar na perda da
salvação, pois, o cristão tem de se preparar para a vinda de Jesus Cristo,149 preocupando-se
sentimento de vingança, atração para o sexo ilícito, roupas indecentes, enfim, ele tem em si
tudo que é natural ao mundo de pecado. Com a conversão, esses hábitos devem ser
deixados para trás. Uma vez convertido, é necessário que regras e normas sejam
147
Ibid., p. 245.
148
LIMA, E. R. Aprendendo com Cristo. p. 249.
149
O manual de doutrina das Assembléias de Deus cita a doutrina escatológica que “na vinda de
Jesus, haverá duas coisas importantíssimas: a ressurreição dentre os mortos e a transformação dos
crentes que estiverem vivos (o arrebatamento da igreja). Esses dois fatos não ocorreram ainda, mas
acontecerão no dia da vinda de Jesus (1º Ts 4:16 – 18). A vinda de Jesus, ainda que oculta aos olhos
do mundo, será literal e pessoal. Enquanto a vinda de Jesus será motivo de glória para aqueles que o
esperam, será de sofrimento e agonia para os ímpios.” CGADB, p. 58.
100
obra é continuada, pelos crentes, no presente e que acabará no futuro, no Juízo Final, onde
Gondim era membro das Assembléias de Deus ligadas a CGADB e trabalhava como
Assembléias de Deus em Campinas (SP). Desde essa época, já se podia perceber suas
possuía experiência transcultural, pois, já havia viajado pela Europa e também morou por
alguns anos nos Estados Unidos. Suas inquietações eram o legalismo pentecostal, os
Ricardo Gondim teve sua formação teológica nos Estados Unidos, no Gênesis
Training Center, no Norte da Califórnia, que, acredito, o tenha levado a uma mentalidade
Certamente, uma mentalidade mais liberal, buscando algo que mantivesse a tradição
doutrinas.
de 1982. A partir de então, Ricardo Gondim começou a desenvolver nas pregações que
legalismo e dos estereótipos pentecostais. Isso fazia com que se sentisse mais próximo da
Igreja Assembléia de Deus dos Estados Unidos do que das Assembléias de Deus no Brasil.
qual seu discurso teológico ficou transparente para a comunidade evangélica pentecostal.
Ele traz a discussão sobre arbítrio eclesiástico ou, em uma linguagem mais simples, a
calças compridas, o corte de cabelos, o uso de jóias, de batom ou pinturas para as mulheres,
durante o culto. Em sua análise das condutas permitidas e proibidas, dos rigores legalistas e
geral – tem muita dificuldade para enxergar a graça comum, ou seja, a graça de Deus
distribuída a todos os homens e que os capacita a fazer coisas boas. Embora seja
participante da “natureza caída”, esse homem não deixou de ser a imagem de Deus.
evangélico brasileiro típico é conhecido como aquele que pode ou não fazer certas coisas,
porque ainda existe uma ditadura dos costumes, principalmente com respeito a ornamentos,
102
persiste a famosa frase: "Evangélico não ouve música do mundo", como se houvesse uma
departamentalização entre aquilo que pode ou não ser consumido pelo crente só porque foi
produzido por uma pessoa que não é evangélica. Portanto, a expressão "é proibido” ainda é
muito utilizada, literalmente. Para ele, o que existe é uma dificuldade de interpretação da
Bíblia por parte dos evangélicos, principalmente dos pentecostais. Por causa da falta de
bíblicos.
adquira uma capacidade maior de adaptação aos contornos culturais, possibilitando uma
comportamento do cristão não deve ser o de cumprir um catálogo do que pode e do que não
maturidade, olhar para a cultura à qual pertence e perceber a imagem de Deus na produção
humana. Nessa lógica, o que deve ser rejeitado é “o adoecimento de toda produção humana
e a manifestação do desejo doentio de poder. Que está em relevo na ânsia obcecada por
150
Método que visa a interpretação de textos religiosos, filosóficos etc.
103
prosperidade”.152 Portanto, “o mundo está cheio de maldade não por estar cheio de mentes,
voltar seus corpos, mentes, raciocínios, e inclusive seus espíritos contra Deus”.153
Em seu discurso está implícito que sua maior preocupação é reavivar a “Teologia da
Graça” e não assumir uma postura eticamente liberal.154 Para tanto, segundo Ricardo
Gondim, não é necessário isolar-se do mundo, pois essa atitude não é o caminho para a
vontade de Deus e o desejo de ver toda a sociedade refletindo essa vontade tem levado
ambiente hostil sem contudo participar de seus pecados. O crente deve ter maturidade cristã
que lhe forneça o espírito crítico para escolher com livre arbítrio quais ambientes devem
151
GONDIM, Ricardo. Entrevista concedida no dia 19/12/2003. Vide Anexo II.
152
Idem, É proibido, p. 76.
153
Idem, O evangelho da nova era: uma análise e refutação bíblica da chamada teologia da
prosperidade. São Paulo: Abba Press, 2001. p. 64.
154
GONDIM, R. É proibido p. 16.
104
ou não freqüentar com a obrigação de influenciar o mundo positivamente. Para ele, proibir
o crente de ir a certos locais considerados impuros é uma forma de tirar a liberdade cristã e
possibilitar um grande atraso em seu amadurecimento. Ficando claro em seu discurso que
“a censura e proibição taxativa a que não se freqüentem ambientes ‘suspeitos’ não gera
Ricardo Gondim se baseia na “Teologia da Graça” para propor aos crentes que
tenham compreensão da capacidade divina, para que saibam como obedecer e se comportar
mais real e simpática do cristianismo podem desprezar o legalismo pregado por alguns
pastores. A igreja deve ser o lugar onde as pessoas não devem sentir-se reprimidas, mas,
Para ele é necessário compreender a graça de Deus, pois ela é central nos
evangelhos, aliviando o crente das tensões religiosas e permitindo que Deus não seja uma
ameaça e nem mesmo um emaranhado de leis e regulamentos onde acaba escondendo sua
face. Para Ricardo Gondim, o Novo Testamento exalta que somente a graça é que torna o
155
Ibid., p.106.
156
GONDIM, R. É proibido. p. 107.
105
O olhar do autor para o legalismo doutrinário é o de que ele não tem valor contra o
desejo interior do crente mas que possibilita somente uma subordinação dos indivíduos à lei
fortemente repelido nos escritos paulinos, principalmente nas epístolas aos Gálatas e aos
Colossenses”,157 segundo as quais o legalismo dos usos e costumes não produz santidade
reflexão lúcida.
Nota-se, então que, para Ricardo Gondim, a forma de entender a santidade é quando
interagindo como instrumento de Deus na história, ou seja, cada indivíduo pode ser livre
intocável desse indivíduo enquanto pessoa. Buscando participar de uma sociedade na qual
os valores do Reino de Deus – justiça e paz – sejam modelos para todas as dimensões da
vida, este enfoque de santidade mantém a necessidade pessoal da ação social, exigindo que
os fiéis assumam sua condição de seres sociais, comprometendo-se com o mundo, mas
Em sua argumentação, ele propõe que os usos e costumes não são valores espirituais
em si mesmos, não fazem parte da lei moral de Deus, mas devem ser concebidos como
valores culturais. Para ele, os usos e costumes fazem parte da cultura de cada sociedade,
157
Idem, Entrevista. Vide Anexo II.
106
devendo ser respeitados. É necessário saber que a cultura exerce poder no comportamento
de cada sociedade ou grupo e que “a ética evangélica sobre a cultura deve discernir com
precisão o que é produto do pecado e o que é fruto da graça comum de Deus.”159 Diz ele
que o número de pessoas afastadas da Igreja e receosas de conhecer Deus demonstra que a
Quando se tem a percepção da graça, que a seu ver está acima das leis e preceitos impostos
pelos pastores, ela dissolve a culpa e abranda os sentimentos que as pessoas sempre tiveram
em relação a Deus, pois, “quanto menos ensino sobre a graça, mais desfigurada é a
compreensão que as pessoas terão de Deus. Menos conhecido ele será das pessoas”. 160
Para Ricardo Gondim, a cultura brasileira foi influenciada por muitos padrões de
comportamento, sofreu mudanças com o passar dos anos e basicamente com o processo de
globalização, que trouxe um novo conceito de cultura global pelo qual as pessoas passaram
Quando a questão é roupas e músicas, pode-se salientar que estas participam das
relações sociais nas quais um povo se expressa culturalmente. Logo, segundo o pastor-
uma teologia sobre os usos e costumes sem levar em conta as manifestações culturais. Para
ele, o legalismo pode indicar uma visão errada e preconceituosa ao atribuir valores morais
158
Mundanidade seria tudo aquilo que está identificado como pecado que promove uma vida moral
não digna, portanto, contra a vontade de Deus.
159
GONDIM, R. É proibido. p. 39.
160
GONDIM, R. É proibido. p. 159
107
ao modo como um grupo social se veste. No seu entendimento não há cultura sagrada. “A
cultural diferente do seu, respeitaram a maneira de ser daquele povo e procuraram adaptar-
Observa-se, então, que sua visão a respeito da Bíblia é que esta não é um livro de
codificação doutrinária, mas a história de um povo, e que os valores do povo bíblico são
diferentes dos valores do povo brasileiro, necessitando, assim, de uma contextualização dos
textos a serem aplicados na cultura brasileira. No seu modo de entender, as proibições são
Bíblia, Deus não assume a postura de condenar quando a questão é o uso de jóias, roupas e
adornos, sendo que os valores estéticos da Bíblia não estão ligados sempre à moralidade.
cultura na qual ele está inserido. “As proibições de nossas igrejas foram importações
culturais que uma mentalidade missionária forçou sobre nós e que aceitamos sem
referenciais com imensa rapidez. O fato de a Igreja Assembléia de Deus Betesda não se
ater aos usos e costumes humanos não implica que não se atenha aos princípios bíblicos de
Fica explícito no discurso de Ricardo Gondim que a Bíblia não traz aprovação ou
161
Ibid., p. 37.
162
GONDIM, R. É proibido. p. 66.
108
poderiam ser consideradas dignas, ou não. Isso significa, segundo ele, que Deus não atrela
ou uso de jóias não estão associados ao pecado das pessoas, mas fazem parte da produção
cultural.
pentecostal, nas quais a maioria das proibições visa sempre as mulheres que, geralmente,
sem poder de contestação, sofrem diante dos discursos que exigem delas submissão e a
A lei sobre o uso de roupas e adornos como forma de agradar a Deus, em sua ótica é
inútil e pode levar a um conceito de salvação pelas obras, além do que é a necessidade
social e não moral que provoca mudanças no comportamento das pessoas. Para Ricardo
de regras e leis”.163 Sua preocupação está voltada para muitos líderes pentecostais que não
têm estruturado os crentes com sua fé na graça de Deus, porém, têm acrescentado fórmulas
observei que grande parte das lideranças evangélicas é masculina, e as maiores proibições
ou pinturas e ao corte de cabelo. Todas essas proibições, para Ricardo Gondim, não têm
163
Ibid., p.154.
109
Segundo Gondim, o apóstolo Paulo pede “que esses preceitos sejam respeitados apenas
no contexto de Corinto. Ele não poderia exigir que essas normas fossem
obedecidas hoje, pois o véu e os cabelos compridos já não possuem a mesma significação
daqueles dias”.164 Portanto, em seu discurso, tais questões como cortar o cabelo para os
homens e mantê-los compridos para as mulheres, proibir o uso de jóias ou pinturas, não
Esse jugo pesado, quando não aliena, gera também uma outra excrescência: a
hipocrisia. Existem muitos que se acomodam ao sistema religioso e mostram-
se coerentes com as exigências do pastor somente quando estão na igreja.
Longe da fiscalização religiosa, porém, vivem noutra realidade. Esse largo
contingente de evangélicos conseguiu desenvolver uma duplicidade
comportamental. Na esfera privada agem e convive com mais liberdade,
brincam e riem, vestem-se de acordo com as últimas novidades da moda.
Mas, quando vão para a igreja, passam por uma metamorfose impressionante.
Assumem um ar mais grave. Agem dentro do ambiente religioso de acordo
com os códigos impostos pela liderança, mas com revolta. 165
Para o pastor Ricardo Gondim, essa situação produz críticas no meio daqueles que
de defesa ao desprezarem os sermões legalistas que ouvem. Os códigos pregados não lhes
dizem respeito, transformando a vida cristã numa espécie de hipocrisia involuntária, que os
agride. “O rigoroso discurso de alguns líderes hoje, mal sabem eles, faz parte do cardápio
164
GONDIM, R. É proibido. p. 99.
165
Ibid., p. 11.
166
Ibid., p. 12.
110
crente deve ser santo, ditando, assim, os regulamentos da igreja a serem seguidos.
esforço para ter uma nova cartilha de usos e costumes; a conversão engloba uma
Pode-se dizer, então que, ao procurar mostrar-se mais liberal – em especial na área
apresenta uma inteiração maior com o mundo vigente, criando novas possibilidades de
participação social, de conquista e exercício da cidadania por parte dos crentes que a
freqüentam. A santidade não está implícita nas proibições colocadas pelos líderes, mas,
crente com Deus se fazem necessária para que ele tenha uma vida moldada e equilibrada
167
GONDIM, R. É proibido. p. 178.
111
CAPÍTULO III
Neste capítulo procurarei apresentar uma análise dos modelos de moral, definindo o
conceito de ética como referência teórica sobre a prática moral. Nos dois discursos
teológicos apresentados no segundo capítulo, é possível notar que eles são permeados por
dois modelos de moral, o essencialismo e o personalismo, que têm por finalidade moldar
cristão que pode ter uma experiência religiosa sem isolar-se do mundo.
o mundo,168 então podemos pensar que o indivíduo que se torna adepto de uma
denominação religiosa tem uma nova visão-de-mundo, que se mostra na sua vida cotidiana,
na interpretação que constrói sobre sua crença e nas expectativas que coloca para si em
relação ao futuro.
A experiência religiosa impele o indivíduo a rever seus valores, com base nos
princípios religiosos introjetados e a adotar, juntamente com o grupo religioso do qual faz
explicá-lo. Além disso, a Igreja torna-se uma resposta para os conversos no sentido de lhes
conceder certezas diante das incertezas, que advém das crises e dilemas que permeiam a
realidade.
estar inserido na normalidade e, por essa razão, ter uma identidade. Esse conjunto de
normas é composto de valores morais de caráter normativo, pois, o homem é um ser moral
e os grupos sempre criaram sistemas de valores e normas morais para possibilitar sua
própria convivência.
A moral se caracteriza por sua dimensão social e tem nos costumes sua primeira e
mais aparente manifestação. O conjunto moral de costumes aceito por um grupo constitui o
forma diversa. A palavra ética vem do grego ethos, que pode significar costume e/ou
caráter; a palavra moral vem do latim mos, que significa costume."O termo ‘ethos’ foi
utilizado no mundo helênico com notável carga expressiva. Escrito com ‘epsilon’ o ‘ethos’
designava o conceito de costume (daí ‘etologia’ etc.); enquanto que escrito com ‘eta’ o
estudo fundamental do problema enquanto que a moral se refere aos códigos concretos do
significância”.170
Os costumes se referem aos usos sociais repetidos; por outro lado, o caráter tem um
referencial pessoal, é resultado das ações da pessoa internamente, ou seja, é o ser interno. O
ético, tal como usamos atualmente, está relacionado ao significado ethos-caráter. De modo
geral, é comum utilizar o conceito de ética e moral como sinônimos ou, quando muito,
definir a ética como um conjunto de práticas morais de uma determinada sociedade ou,
então, de princípios que norteiam essas práticas. Desde os tempos mais remotos, o homem,
regras tidas como incondicionalmente válidas, precedidas de larga tradição oral, estava
criada a moral.
168
Cf., PRANDI, Reginaldo. Um sopro do espírito: a renovação conservadora do catolicismo
carismático. São Paulo: Edusp e Fapesp. 1997, p.270.
169
VIDAL, Marciano. Moral de atitudes. Vol. I. São Paulo: Editora Santuário, 1986, p. 19.
170
Ibid., p. 18.
114
conjunto das práticas morais cristalizadas pelo costume e a convenção social dos princípios
refere-se à teoria sobre a prática moral. Ética seria então uma reflexão teórica que analisa e
Para Elinaldo Renovato, a realidade humana não é regida unicamente por leis
irreversível. Pelo contrário, as realizações humanas dependem das decisões de um Deus que
é o criador.171 O converso pentecostal busca a ordem oferecida por um Deus moral descrito
na Bíblia.
textos anunciando a liberdade dos indivíduos. Portanto, a moral deve partir da consciência
de cada um, percebendo o que vem ser lícito e o que convém realizar na vida.172
atividade cotidiana, dando-lhes, assim, o sentido da vida. Nesse caso, a Igreja enquanto
171
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 08.
172
GONDIM, R. É proibido. p. 113.
115
Juan Martim Velasco argumenta que não há religião sem ética. A religião tem em si
um código básico para delinear a ação do crente; código, este, útil e necessário ao grupo
quais, através da proposta de fins e ideais, tratam de construir a história humana segundo
modelos de moral mais presentes, que percebemos nos dois discursos apresentados no
segundo capítulo, são: a moral essencialista, que tem como herança às tradições greco-
latina e judaico-cristã, e a moral personalista, fruto do diálogo com a cultura moderna. Com
Nos discursos morais religiosos pode-se perceber que ele tem por finalidade moldar
pelo crivo da palavra bíblica pregada, “que fundamenta a validade da decisão ética, não em
173
VELASCO, Juan Martim. Religião e Moral. In: VIDAl, Marciano. Ética Teológica: conceitos
fundamentais. Petrópolis:Vozes, 1999, p. 169.
116
liberdade religiosa dos indivíduos; realiza uma interpretação contextualizada dos textos
bíblicos e proporciona aos membros a decisão do amadurecimento por uma moral concreta
sociedade.
palavra de Deus. Segundo ele, em meio a uma sociedade reprovada e corrompida perante
santo e digno. Em sua concepção, a Bíblia é o manual perfeito para a vida cristã. O cristão
não precisa recorrer a paradigmas humanos ou lógicos para posicionar-se quanto aos seus
atos; se estes estão fundamentados ou estão de acordo com a Bíblia, o crente não tem com
que se preocupar.175
Assim, o discurso de Elinaldo Renovato tem como base o essencialismo, uma das
vertentes da moral, o qual se estrutura na tradição e nos costumes, pois tudo se legitima em
nome da tradição; as novidades não são bem-vistas porque os valores são legitimados em
nome da moral eterna. A religião passa a ser a base da ordem estática estabelecida perante
as novas gerações. Nosso próximo passo é analisar a moral essencialista que permeia o
174
Ibid., p. 170.
175
Cf., LIMA, E. R. Ética Cristã.
117
moral dos indivíduos em toda e qualquer situação. Este conjunto de princípios está
religioso. Essa forma de moral é própria das sociedades tradicionais em que a força dos
grupo. As regras de conduta moral – o que é bom ou mau para as pessoas – já estariam
conduta moral são exteriores ao sujeito. De modo geral, acredita-se que elas foram ditadas
por Deus. Cabe ao ser humano seguir essas regras em sua vida cotidiana, sem poder
reformá-las ou mesmo substituí-las por outras, pois, não sendo seu autor, também não está
Deus e à sua lei, que é apresentada como ordem racional, à qual o homem é chamado por
Deus a dirigir, regular sua vida e os seus atos177 “Nesse sentido, pode-se dizer que o
raciocínio moral do passado é para nós uma herança; é ao menos um ponto de referência
Vidal coloca que esse modelo de moral se mede conforme a correspondência com a
vontade divina: “É bom o que Deus quer e é mau o que Deus proíbe”. 179 Percebe-se no
discurso de Elinaldo Renovato que a moral verdadeira para ele é a que emana de Deus e
não aquela produzida pela consciência humana, já que o homem está corrompido pelo
Bíblia Sagrada”.180
específico de comportamento, ou seja, fazer com que o indivíduo possa ser submisso às
176
ANJOS, Márcio Fabri dos. Moral Tribal e Moral Universal. In: SUESS, Paulo. Queimada e
Semeadura: da conquista espiritual ao descobrimento de uma nova evangelização. Petrópolis:
Vozes, 1988, p. 121.
177
Cf., Idem. Ética e clonagem humana. São Paulo: Instituto Teológico. Espaços. Ano I, p. 86.
178
Idem. Argumento moral e aborto: da argumentação sobre a moralidade do aborto do modo justo
de se argumentar em teologia moral. São Paulo: Loyola, 1976. p.33.
179
VIDAL, M. , op. cit., p. 216.
180
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 27.
119
regras e doutrinas impostas pela igreja e não questione a “Palavra de Deus” pregada pelo
pastor. A igreja através da liderança tem como dever fundamental a tarefa de regular o
Diante desse fato, pode-se argumentar que na moral essencialista o cumprimento das
regras morais pode ser assegurado por critérios pessoais ou coletivos. Coletivos quando
existe uma pressão por parte da sociedade para o cumprimento das regras, sob pena de
cometida.
Já no caso dos critérios pessoais, o indivíduo segue determinados preceitos por ter a
justiça. Em outro grupo estão as pessoas que se guiam por motivos morais menos elevados,
que agem sem convicção, só pela esperança de receber alguma recompensa de Deus, como
uma vida próspera ou uma vida eterna no céu. Na Igreja Assembléia de Deus tradicional, a
liderança procura imprimir na conduta dos fiéis, desde a conversão, normas e tabus
Com efeito, o sistema dogmático de crenças é imposto aos fiéis como uma
obrigação de consciência. Desde esse momento a ortodoxia dogmática
converte-se no inevitável horizonte da consciência moral. O funcionamento
da consciência se desenvolverá a partir do pressuposto de uma manipulação
original. Mais ainda, a ética se converterá numa ortodoxia dogmática, com
todas as falhas que lhe são inerentes: construção totalitária de uma
determinada ordem, dependência de poderes controladores, exclusão
daqueles que se regem por pautas ‘heterodoxas’ etc. 181
181
VIDAL, M. Moral de atitudes. Vol. I, p.76.
120
de controlar e punir seus membros. Passou a ser mais comum a pessoa seguir determinados
Prevalece, então, a referência contínua à Bíblia como garantia mais eficaz e segura da
Assim, o discurso da igreja se caracteriza como a leitura ética iluminada pelo dado
sobre a razão moral, isto é, ela decifra as implicações éticas da mensagem revelada. Como
extraordinário, que é a Bíblia Sagrada, por ele aceita como inspirada e revelada por Deus,
Cecília Loreto Mariz diz que o apelo do pentecostalismo visa a busca de uma ordem
ou moralidade oferecida por Deus, que aponta modelos e regras a serem seguidas, e que na
conversão a experiência do crente com o Espírito Santo é fundamental para que ele possa
182
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 9.
183
MARIZ, Cecília Loreto. Libertação e Ética: uma análise do discurso de pentecostais que se
recuperaram do alcoolismo. In: ANTONIAZZI, Alberto. Nem anjos nem demônios: interpretações
sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 220.
121
desemprego, da criminalidade e de outros desvios vistos como espirituais pelo crente é vista
como uma desordem sobrenatural que traria a falta de Deus e que implicaria na presença do
demônio. O converso pentecostal, especialmente aquele que mora na periferia das grandes
cidades e que compõe o quadro das Assembléias de Deus tradicional, constituída por
transformação econômica e de valores morais, busca a ordem oferecida por um Deus moral.
Ao defender um Deus absoluto que possui uma ética divina, e ao definir qualquer
sobrenatural que não seja Deus como demoníaco e mau, o crente não apenas crê numa
magia ética, mas atribui um poder mágico à ética. Pois convivendo com a ilegalidade e com
especial não encontra na esfera social uma plausibilidade ou apoio para nenhuma ética,
indo buscar esse suporte na esfera do sobrenatural, do absoluto que produz justiça. Quando
não se espera na Terra, que seja no céu, “onde todos irão prestar contas a Deus”.
Para tornar o indivíduo livre da opressão sofrida pela sociedade mais ampla, o
igreja e a família. Essa pequena sociedade coesa de “irmãos” ajuda na segurança dos
com o poder do sobrenatural. Como diz Elinaldo Renovato, “como resultado do ensino da
Palavra às pessoas, Deus promete multiplicar os dias dos seus servos na Terra, além de
bênçãos de vitória contra as injustiças”.184 Nesse aspecto, notamos que a “Palavra de Deus”
soa como aquela que tem poder e que dá o direito, a segurança e a orientação ao crente.
184
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. P. 77.
122
invertidos e deturpados, há uma orientação de Deus a ser seguida por aqueles que desejam
Nesse sentido é possível perceber que há uma preocupação no meio cristão da Igreja
Assembléia de Deus de fazer a vontade de Deus e cumprir seus mandamentos, ou seja, tudo
o que está escrito na Bíblia e que é considerado como “Palavra de Deus” deve ser
seguido fielmente pelo crente; com seu discurso de salvação, ela deseja que toda a
sociedade possa refletir sobre o cumprimento dessa vontade. Isso pode contribuir para uma
postura de intolerância religiosa porque essa atitude impõe uma crença e um tipo de padrão
de comportamento a todos.
A moral essencialista pode ser uma forma de conduta que limita o campo da
liberdade humana. Se o indivíduo não pode questionar as regras nem transformá-las, sua
liberdade se restringe a obedecê-las já que elas estão estruturadas na leitura literal da Bíblia.
Portanto, a moral essencialista não permite soluções novas que possam ser tomadas de
seres humanos. Entretanto, o discurso de Ricardo Gondim, vai de encontro com essa
necessidade de apresentar uma moral pela qual o indivíduo possa expressar seus
social. Dessa forma, Ricardo Gondim traz uma moral personalista em seu discurso.
123
A Assembléia de Deus tradicional sempre foi, desde seu início, uma Igreja voltada
para as massas, um movimento que nunca esteve preocupado com as elites. “Obviamente
no movimento pentecostal das Assembléias de Deus existem muito mais pobres do que
inspiraram-se no modelo vivido pelos pioneiros suecos, e ainda hoje há um forte discurso
voltado para manter a identidade do passado. Os primeiros “obreiros” não tinham nenhuma
uma forma diferente da que foi apresentada pela Assembléia de Deus tradicional que se
esmeraram nos códigos de usos e costumes como elemento da salvação. Ricardo Gondim
diz que
185
OLIVEIRA, José de. Breve história do movimento pentecostal: dos Atos dos Apóstolos aos dias
de hoje. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p. 72.
186
Cf., Ibid., p. 72.
124
contentar-se com sua sorte esperando que na outra vida ele possa compensar
todo sofrimento de sua existência.187
ser uma dimensão pública da vida passando a restringir-se à esfera privada, na qual as
pessoas querem optar pela sua preferência religiosa sem ser importunadas por opiniões
contrárias. Nesta sociedade, a religião passa a ser uma instituição a mais entre tantas outras,
Gondim, a Igreja deve ser um centro que possa provocar no indivíduo o desejo de pertença,
só assim poderá atingir a esfera inter-relativa onde todos são amados e queridos.188
nas instituições sociais e familiares, no meio da grande multidão, o homem torna-se mera
estatística que inflaciona os meios religiosos. Para Ricardo Gondim, as pessoas devem ser
tratadas na pessoalidade, individualmente, para se sentirem amadas por Deus, e não com a
frieza dos guichês das repartições públicas.189 Assim, tornam-se pessoas seguras no
estabelecimento de uma moral que não venha a limitar a liberdade ou oprimir o crente; que
ele possa, acima de tudo, ter a liberdade para se comunicar, participar e ser criativo.
Ricardo Gondim com sua dedicação à pesquisa dos movimentos espirituais, sociais
e políticos da Igreja Evangélica brasileira e sua experiência trazida dos Estados Unidos,
187
GONDIM, R. O evangelho da nova era. p. 11.
188
Cf., Idem. Fim do milênio: os perigos da pós-modernidade na Igreja. São Paulo: Abba Press, p.
58.
189
Cf., Ibid., p. 77.
125
onde recebeu sua formação teológica foi fundamental para o desenvolvimento da Igreja
reflexão bíblica, para que a Betesda pudesse ser uma Igreja Pentecostal que não
participantes pudessem contribuir com sua críticas e opiniões para o crescimento do grupo.
Certamente ele não poderia se fechar na tradição assembleiana e fazer com que todos
estivessem submissos ao seu poder. Isso fica claro nas atitudes dos membros envolvidos
regente associado. Ele explica que “a igreja é um lugar em que você compartilha a sua
freqüentá-la por ser uma Igreja muito fechada, que mantinha o legalismo pentecostal. Ele
declara que pertence hoje a Betesda porque encontra ali um canal de diálogo e participação.
190
DIAS, E. C. SP 450. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 de Dezembro 2003. Cotidiano, p. 9.
126
como também sociais, ou seja, o papel que irá desempenhar no contexto de sua sociedade.
convivência humana.
O espaço de realização pessoal não é um lugar dado de antemão, mas uma criação
que vai tomar forma na relação pessoal, em que a concepção que uma pessoa tem de si
base da criação das regras e normas que vão determinar o comportamento coletivo.
justo, que é o valor da pessoa humana. O indivíduo deve ceder ao todo até e enquanto não
for ferido em seus valores, ou seja, na plenitude do homem enquanto homem. Todas as
liberdade dos indivíduos diante das instituições. O princípio é o de que a pessoa não se guie
pela tradição ou por um conjunto de verdades preestabelecidas, mas que escolha o que é
melhor para si e para a sociedade. Ela tem como estrutura a consciência, e esta é um
elemento dinamizado dentro do grupo em que o sujeito está inserido. É dada a ele a
liberdade de pensar, de escolher e agir. Marciano Vidal afirma que, na moral personalista,
teológico, a liberdade torna-se necessária, pois, cada pessoa tem um destino além da
sociedade em que vive neste mundo e só pode realizá-lo sob condições de liberdade. Isso
significa que cada indivíduo é um fim em si mesmo e jamais deve ser tratado como simples
meio para se atingir determinado fim. Tratá-lo assim constitui forte violação à sua natureza,
todos, indivíduo e sociedade, tanto no plano natural como no sobrenatural, são chamados a
pessoa.
Para a moral personalista, cada indivíduo deve ser livre para escolher os seus
Distingue-se, portanto, por uma moral concreta da experiência religiosa, na qual a santidade
192
“não é resultado de observância a normas eclesiásticas ou de assiduidade aos cultos”
Ricardo Gondim:
191
VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999. p. 103-4.
192
GONDIM, R. É proibido. p. 168.
128
O discurso de Ricardo Gondim pode ser considerado personalista, pois, ele acredita
respeito da conversão é que essa ocorre sem nenhum esforço humano, sem regras ou
cartilhas de usos e costumes, mas com grande investimento de Deus no plano da salvação
vontade própria, de livre arbítrio, e que, portanto, se realiza no exercício da sua liberdade.
cristã, pode-se aceitar a ordem humana com sua normatividade consistente e autônoma.
normativa de Deus com o homem, e essa relação não contradiz a sua normatividade; ao
193
Ibid., p. 113.
194
Cf., VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. P. 44.
129
social e religiosamente a sua própria identidade e personalidade moral. Essa opção, que o
envolve em um compromisso que afeta todo o seu ser, qualifica nuclearmente o seu
humana que se traduz em uma prefiguração constante e distinta do agir de cada ser; serve
de base para o sentido radical que a pessoa dará à sua vida – sentido que é mais importante
existência. Estabelece no ser humano uma consistência essencial que influi de modo
marca precisa na história de cada pessoa de tal modo que, exprimindo a sua insubstituível
definido de referência em seu devir, de forma que seu itinerário pessoal possa realizar-se
com solidez, coesão, coerência e continuidade; passa a ser filtro valorativo de todas as
da pessoa humana, fazendo com que inicie sua vida moral propriamente e comece a ser um
195
Idem. Ética Teológica: conceitos fundamentais. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 301.
130
positiva, essa opção acarreta para o seguidor de Jesus uma verdadeira coexistência com sua
vida e mensagem.
geram santidade. Isso significa que a base da formação cristã é o amor a Cristo e ao
Evangelho, e que “proibir não ajuda. Quando se impede o livre-arbítrio, mais do que tolher
a liberdade cristã está roubando das pessoas processos de amadurecimento que lhes
possibilitariam saber discernir o que é bom e o que deve ser reprovado”. 196
Nesse aspecto percebemos que “quem ama não precisa de outra norma para agir
bem; seu amor é mais exigente do que poderia ser qualquer código de normas objetivas;
estas podem pedir que não se mate ou não se roube”.197 Segundo Marciano Vidal, a atitude
estruturada no amor contribui para a importância da pessoa, ou seja, ela quer por si mesmo
o bem de cada um. Uma ética que faz disso um princípio, ao mesmo tempo em que é mais
exigente, será mais prazerosa e constituirá o crente em uma autêntica liberdade. Essa ética
pode ser mais fundamental situada como está, no conjunto de uma fé religiosa. Portanto,
quem aceita Deus como Pai na fé, aceita logicamente a básica atitude ética religiosa que
isto é, olhar todas as pessoas como irmãos.198 Nessa opção o cristão se acha diante da
196
GONDIM, R., É proibido. p.108.
197
VIDAL, M. Ética Teológica., p. 161.
198
Cf., Idem. Moral de atitudes. p. 491-5.
131
Igrejas como uma contribuição para a formação cristã, estruturando uma nova realidade de
experiência religiosa. Na verdade, os valores que norteiam a vida dos crentes estão
perpassados pela experiência do sobrenatural. Quando o crente faz ou deixa de fazer algo,
tal atitude é um desdobramento da relação que ele tem com o núcleo fundamental de sua fé.
podemos perceber que o discurso religioso, resultante da religião, se constrói como ato de
e vida. Para Waldo César, talvez seja possível dizer que, mais do que linguagem existe uma
língua pentecostal, visto que ela abrange todas as formas de comunicação, tais como
Deus. Sua função, além de doutrinária, é inspirativa no viver do cristão. Assim, o discurso
estrutura da vida social e religiosa do crente. Waldo César observa que a experiência
200
religiosa promove um continuum entre o interno e o externo, no qual a aparente
passividade dos membros sentados nos bancos das igrejas é rompida com os apelos
concernentes à vida fora do templo, pois, a mensagem envia os crentes para o mundo para o
Para Elinaldo Renovato, seu discurso tem a força de produzir uma estabilidade na
vida cristã de cada membro participante das Assembléia de Deus. Ele está sempre frisando
em seu discurso temas direcionados a uma vida devocional diária do cristão: o jejum como
vitória nas tentações e por fim a espera do retorno de Cristo a Terra. Estes temas estão
ligados ao cotidiano do crente e tem como objetivo ensiná-lo a se comportar no seu dia-a-
e, claro, de possibilidade de vitória do crente. Todo crente quando sincero pode vencer toda
e qualquer tentação, seja qual for sua origem. Para tanto, adverte Elinaldo Renovato,
199
CÉSAR, W. & SHAULL R., op. cit, p. 80-3.
200
Cf., Ibid., p. 99.
201
Cf., LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 258.
133
“precisa seguir fielmente o que orienta a santa Palavra de Deus”, 202 significando que,
quando há derrotas, a falha está no sujeito crente e não em Deus. É necessário, então,
consertar-se diante da Igreja e da palavra de Deus para que não haja dúvidas e ele não
Esse discurso é uma estratégia que permeia o campo pentecostal, a palavra ocupa
lugar de destaque, o pastor atua como um grande animador pronunciando frases que
provocam nos fiéis confiança e coragem de vencer. O discurso baseia-se de forma especial
nas dificuldades enfrentadas pelos crentes no seu dia-a-dia, com ênfase acentuada na luta
contra o mal.
utilização de seus meios têm provocado um grande impacto em seu vigor escatológico. A
202
Ibid., p. 220.
203
Ibid., p. 222-4.
134
Não adianta ser crente dentro das quatro paredes da igreja: de nada valem os
‘Aleluias’ intramuros, para, logo na calçada, contradizê-los com atitudes
impróprias. De nada vale um culto dissociado da contingência diária. Não
devemos buscar uma vida marcada por picos de sensações espirituais
extraordinárias. E nem por uma carga exageradamente pesada de leis,
estatutos e normas religiosas. A peregrinação do crente é marcada pela busca
de querer viver humildemente e sensatamente diante de Deus. 204
Assembléias de Deus deve ser entendida como um fenômeno que possui expressões ou
manifestações sensíveis e significado na vida das pessoas. Ela pode influenciar as ações e a
forma visível da força do Espírito Santo movendo a Igreja. Ela produz a espiritualidade
seu Espírito que irrompeu em Pentecostes; a certeza de que a comunidade realiza no ato do
à luz desse evento; e, por último, a certeza de que a experiência do Pentecostes possui a
Francisco Cartaxo Rolim destaca que a experiência religiosa oferece aos crentes o
estruturadora, no qual.
204
GONDIM, R. É proibido. p. 182.
135
amparar o cristão e sua mensagem provocar um encorajamento para se obter a vitória sobre
íntimo em sua natureza, de maneira que este não precisará de outras pessoas para impor
regras, mas, auxiliado por Deus, ele poderá por si mesmo distinguir o que é verdadeiro e
fazer o que é direito. Sendo a igreja um organismo vivo e não uma instituição disputando o
mercado, suas afirmações têm que vir do coração de Deus e ter sua identidade no
convicções em sua fé. Pois sem convicções pessoais, este se fecha no tradicionalismo e
legalismo religioso, ou então, cai no desvio da “Palavra de Deus” indo de encontro com o
No discurso de Ricardo Gondim o crente não necessita realizar esforços para obter a
205
ROLIM, F. C., op. cit., p. 225.
206
Cf., GONDIM, R. Fim de milênio. 2002.
207
Ibid., p.77.
136
salvação ou vitória, é somente esperar com sua fé em Deus que com sua graça santifica e
capacita-o a fazer sua vontade, fornecendo o desejo, a força moral e os ímpetos de virtude.
Segundo Gondim, “a graça de Deus aguça no crente a percepção dos princípios da lei moral
Procuro analisar o discurso dos dois autores, no qual possuindo teologias morais
Renovato como Ricardo Gondim deixam claro que a Bíblia é o padrão a ser seguido. A
forma como procuram interpretar os textos sagrados para fundamentar suas posições
teológicas deixa evidente que estão revestidos da autoridade de Deus, portanto, se tornam
instrumentos no qual a voz de Deus se torna ouvida pelos crentes. Observarei, portanto,
suas tendências e características. Não tenho como objetivo aqui elaborar uma síntese do
termo sugere. O termo discurso teológico é empregado aqui para designar as marcas
lingüísticas, por intermédio das quais os crentes exteriorizam a moral e sua experiência com
Deus.
O discurso religioso (ou teológico) se caracteriza por ser aquele “em que fala a voz
208
Idem, É proibido. p. 161.
137
acrescentar a ausência de autonomia, pois aquele que fala em nome de Deus não pode
alterar o que lhe foi determinado. Assim, o texto bíblico sendo ele interpretado ou sendo
com o sagrado têm formas especificas; a fala é ritualizada e as fórmulas por intermédio das
Por esse motivo, o discurso religioso possui uma tendência à monossemia, ou seja, o
processo interpretativo não pode transgredir certos postulados que são preservados pelo
grupo como sendo sua identidade elementar. No caso do pentecostalismo clássico das
experiência com Deus e as falas adquirem. A relação com Deus se dá por intermédio da
momento em que cada crente é alcançado com a graça do enchimento do Espírito, bem
209
Cf., ORLANDI, Eni P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes,
1999, p. 245.
210
Elinaldo Renovato, em seu livro “Aprendendo diariamente com Cristo”, e Ricardo Gondim em:
“É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe”, descrevem as posturas que os crentes – após
sua experiência de conversão e serem dominados com o Espírito Santo – devem seguir e fazer para
atender o caminho da santificação e de uma vida moral integra com Deus. É certo que Ricardo
Gondim mostra com clareza que o crente não deve realizar o caminho dos usos e costumes para
agradar a Deus, mas viver uma consistência cristã da experiência com o Espírito Santo esperando
que Deus possa realizar sua vontade. Desse modo, o discurso de ambos tende a evoluir para uma
cristalização dogmática.
138
seja, “a santificação é uma exigência bíblica para os filhos de Deus e um imperativo da vida
cristã” 211 e que ocorre como relacionamento, como compreensão das Escrituras e também
imutável domina o temporal. Trata-se de uma relação assimétrica entre os sujeitos, pois o
ocorrem um processo de subsunção, ou seja, estar no lugar, de uma voz pela outra. As
evidenciam muito bem esse elemento. Quando Elinaldo Renovato afirma que “o referencial
seguro e infalível não é a consciência humana, mas sim a consciência de Deus, expressa em
212
sua palavra, a Bíblia Sagrada, hoje pregada pelos servos de Deus” , ou então, quando
afirma Ricardo Gondim, “Deus não deseja estabelecer com ninguém um relacionamento
211
GONDIM, R. É proibido. p. 165.
212
LIMA, E. R. Ética Cristã. p. 27.
139
proibitivo; ele almeja que sejamos íntimos e livres para desfrutar de sua companhia”213, eles
ocupam o lugar de Deus e a voz de Deus se confunde com suas próprias vozes.
mistificação porque oculta o mecanismo por intermédio do qual uma voz se mostra na outra
A forma taxativa com que Elinaldo Renovato recorre aos textos bíblicos para
mostra o importante papel que o texto sagrado possui em seu discurso, pois o autor
procura fundamentar seus argumentos em citações do texto bíblico, tendo assim, uma
autoridade divina diante de seu público. Assim também Ricardo Gondim, mesmo
nos textos bíblicos sua autoridade pastoral e de representante de Deus em sua Igreja. Pois
como relata no manual aos membros da Betesda: “acreditamos que a Igreja deve honrar e
da voz de Deus. Nesse sentido, o livro de Ricardo Gondim, “É proibido: o que a Bíblia
permite e a igreja proíbe” mostra-se paradigmático. Ele procura mostrar como o movimento
movimento pentecostal com sua “cartilha do que pode e não se pode fazer” tem contribuído
213
GONDIM, R., op. cit., p. 61.
214
Igreja Assembléia de Deus Betesda. Aos nossos membros. p. 25.
140
para o crescimento de inúmeros “desviados” que cresceram nas Igrejas, mas, por não
215
suportarem o fardo do legalismo, acabaram deixando o evangelho. Segundo ele, os
pentecostais têm dificuldade de entender a “graça comum de Deus”; por essa razão, se
afastam ou condenam a cultura de ser perniciosa aos crentes por medo de cederem ao
mundanismo. Para ele, “a intenção de Deus não é que formássemos guetos culturais, mas
que fôssemos sal e luz dentro de nossa própria realidade”. 216 Dessa forma, fica claro que há
de Deus e o dizer humano. A comunidade resolve esse problema através da fé, ou seja,
como não compreende, crê e obedece. Como fica evidenciado nas palavras de Elinaldo
Renovato, “sabemos que muitas das perguntas que se fazem, em termos éticos e morais, só
dinâmica segundo a qual os lugares de locutor e ouvinte não são fixados categoricamente
ou, melhor dizendo, da “troca de papéis na interação que constitui o discurso e que o
215
Cf.,GONDIM. R. É proibido. p. 11.
216
Ibid., p. 39.
217
LIMA, E. R., op. cit., p. 2-3.
218
ORLANDI, Eni P., op. cit., p. 239.
141
lúdico, polêmico ou autoritário; ela é também a condição necessária para que o discurso
mundo para outro. Deus partilha com os seres humanos suas propriedades: santidade,
poder, fé, unção, benção etc., por outro lado, o ser humano lança-se até Deus buscando
conversão, do batismo com o Espírito Santo e do processo de santificação, ele realiza essa
ilusão da reversibilidade, pois, de maneira simbólica, assume mesmo o papel de Deus. “Ser
representante, no discurso religioso, é estar no lugar de, não é estar no lugar próprio”. 220
as condições de dominação pela palavra. Adilson Citelli afirma que uma das formações
discursivas mais explicitamente persuasivas é a religiosa, na qual seu enunciador não pode
ser questionado ou analisado, pois representa a voz de Deus, e esta dará forma a todas as
outras vozes, incluindo a daquele que fala em seu nome: o pastor. Logo, é um discurso de
autoria sabida, porém, não determinada, visto que a fala do pastor se constrói como verdade
– não sua mas do outro –, aquele que por ser considerado a determinação de todas as coisas
219
Ibid., p. 239.
220
Ibid., p. 252.
221
Cf., CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 2000, p. 48.
142
Portanto, diante desse discurso não se pode questionar, pois, se o fizer, estará
questionando Deus e sua vontade, ou, quando se pode questionar, deve fazê-lo com
especulação da Bíblia.222 A ordem estabelecida também não pode ser quebrada. Nesses
discursos estão implícitas a ética e a moral, configuradas dentro do grupo para assegurar
aqueles que se convertem. Podemos observar também que não se dá apenas uma imposição
da Igreja, que define e enquadra o que deve ser dito; há o consenso dos fiéis que se
reconhecem no discurso e acabam por criar uma rede que se reforça mutuamente. A Igreja
institucionalizando-se simbolicamente.
É através desse discurso que os crentes se sentem mais preparados para atuar no
Para o crente, a palavra ou o discurso é muito mais do que uma simples expressão
verbal. Neles, ele observa alguma coisa da dinâmica que propicia mudança. Ele acredita na
Igreja e em seu discurso, seja ele realizado no púlpito ou escrito, como sendo a “Palavra de
Deus”. Este discurso revela a intenção da pregação, a conversão; revela também aquele que
prega: o sujeito. A identidade deste sujeito se revela no discurso, ela se constitui nessa
222
Cf., GONDIM, R. Fim de milênio. p. 147.
143
operação. A linguagem faz parte das instituições culturais nas quais os indivíduos se
original e, através do discurso bíblico, adquire novas práticas discursivas que se revelam
mais eficazes na sua vida cotidiana. Para Cecília Loreto Mariz, o fator fundamental do
pentecostalismo é que ele articula a magia e o sobrenatural com a ética, levando o crente a
coletivo. Ao reelaborar uma linguagem nova a partir daquilo que já lhe era comum em sua
religiosidade, e com o acréscimo do discurso bíblico, ele estrutura uma nova realidade e um
novo imaginário que definem uma nova maneira de viver e de se relacionar socialmente.
Cria, portanto, novas relações de força e de poder diante das dificuldades do cotidiano.
escolha de temas, cria poder e cria saber. Poder tem o sentido que Michel Foucault lhe dá:
poder não é uno, não é composto, não é processo unidirecional entre uma entidade que
É preciso admitir que este poder é antes exercido que possuído, que não é
privilégio adquirido ou conservado pela classe dominante, mas efeito
conjunto das suas posições estratégicas. Efeito que se manifesta e por vezes
reflete a posição daqueles que são dominados. Por outro lado este poder não
se aplica pura e simplesmente como uma obrigação ou uma proibição àqueles
que não o possuem; ele os investe, impõe-se por meio deles através deles,
apóia-se sobre eles exatamente como eles próprios, na luta contra ele apóiam-
se por sua vez sobre as conquistas que o poder exerce sobre eles. 224
223
Cf., MARIZ, C. L., op. cit., p. 205.
224
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 259.
144
tradicional, além de sofrerem a dominação dentro da sociedade – os fiéis são quase sempre
oriundos das classes mais pobres – submetem-se também às diretrizes que ela impõe
convertidos para que não ocorra a perda gradativa de um referencial de valores morais e
éticos; esses valores estão cada vez mais obscuros no contexto de um processo compulsório
de liberalização dos costumes por parte de outras denominações evangélicas, o que gera
doutrina tem sua base no nível psicossocial que pode ser observado no apelo dramático em
religiosa pentecostal produz uma qualificação moral para os fiéis, ou seja, o fato de ser
de sua própria identidade e valores. A autora explica que o ponto central na caracterização
do fiel é que sua conduta seja moldada segundo um padrão julgado como moralmente
225
Cf., SOUZA, B. M., op. cit., p. 74.
145
teia do discurso bíblico, impondo um novo saber e intensificando o poder religioso. Parece
que a moral acentua uma exigência maior de austeridade exatamente onde as interdições
codificadas são mais coercitivas. A austeridade moral constitui, assim, uma confirmação
das interdições; confirma e reforça seu poder coercitivo. A disciplina da igreja vai
influenciar através de uma ética religiosa as atitudes dos fiéis e este comportamento vai
controle minucioso das operações do corpo e que assegura a sujeição constante de suas
226
BITTENCOURT FILHO, J., op. cit., p. 32.
146
manutenção da doutrina moral religiosa. Logo, a disciplina imposta no grupo começa por
normatização. Norma, corpo e saber são conceitos centrais para a análise das técnicas
normalidade social que constrange e obriga como realidade social em vigor. Mais que as
maneiras culturais de pensar, são os corpos físicos e suas manifestações vitais o lugar
hierarquia condiciona o crente para as relações com a sociedade em geral. O poder que se
estabelece dentro da família crente não é um poder que se traduz por violência, mas é um
227
FOUCAULT, M., op. cit., p. 143.
228
Cf., Idem. Microfísica do poder.
229
Cf., LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 113-35.
147
ser um exemplo para a família de Deus, especialmente na sua fidelidade à esposa e aos
filhos. Ele não pode falhar diante da sociedade”.230 Percebe-se que esse cristão tem de
possuir um posicionamento ético de acordo com o discurso empregado pela igreja diante da
através do discurso bíblico que aparece como o poder mais sutilmente disseminado nas
dos desvios com o pecado, com a marginalidade. Surge a presença constante do demônio,
de satanás, sempre como responsável por tais desvios degenerativos. Para os pentecostais,
O crente torna-se uma nova pessoa a partir do momento em que aceita Cristo como
senhor e salvador. Deve manter-se fiel a esse princípio adotando um modo diferente de ser
em relação ao que era antes. No meio pentecostal há uma mentalidade na qual o crente deve
passar por provações para que possa amadurecer e discernir a vontade de Deus e entender a
importância de ter uma vida santificada. Ele se torna um missionário, alguém que proclama
com todas as suas forças a novidade do evangelho. A partir desse princípio, que funciona
como um centro de valores, o crente constrói sua identidade. Desse modo, a doutrina se
manifesta como um centro de poder que gera a fé no Deus da retidão, no qual a experiência
do crente com o Espírito Santo faz gerar uma santificação. A fé determina uma nova visão
de mundo e uma nova identidade que é determinada pela fidelidade ao Espírito Santo.
230
Idem. Ética do comportamento cristão: uma abordagem pastoral. Disponível na internet.
http://www.cgadb.com.br. Acessado em 26/02/2004.
148
esforço por parte do crente para se manter como salvo e seguir o padrão imposto pela
igreja, ou seja, “pode-se exigir um pouco mais aos crentes com relação aos usos e costumes
adotados pela igreja local, desde que sejam ensinados sobre o assunto, com base na Palavra
de Deus”. 231 Os usos e costumes de santidade fazem parte da grande mudança que ocorreu
deixando o cabelo crescer. Para os homens, o cabelo curto, barba feita, terno e gravata. Não
que se traduz no vestuário até então utilizado pelos bem-sucedidos na vida. 232 Entretanto, o
pastor fica encarregado de manter seu discurso sempre lembrando as rígidas normas
pelo pecado. O progresso de nossa vida espiritual acontece como desdobramento da ação
do Espírito Santo, que nos coloca a caminho do modelo, que é Jesus”. 233 Ricardo Gondim
231
LIMA, E. R. Aprendendo diariamente com Cristo. p. 251.
232
MARIANO, Ricardo, op. cit., p. 195.
233
GONDIM, R., É proibido. p. 176.
149
argumenta que é um processo de transformação que ocorre mesmo que o crente não esteja
consciente do que está acontecendo; uma operação interna, secreta, produzida por Deus.
Anula, portanto, o papel do pastor no sentido de recordar o que os crentes devem ou não
fazer. Abole qualquer tipo de doutrina em relação aos usos e costumes de santidade
mostrando que a mudança no convertido não é externa, mas, sim, um processo interno.
Pode-se, então, perceber que as pessoas são mais aptas para decidir sobre sua vida cristã.
O crente que se sentiu atingido pelo poder do Espírito Santo passa a agir como um
como compreensão das Escrituras e também pela atuação sobrenatural do Espírito de Deus
portanto, suas atitudes no mundo. Neste momento ele rompe com a história com a qual até
significação da vida. Essa experiência coloca a pessoa em contato com uma religiosidade
que oferece respostas. Tudo tem sentido claro e definido. Desse modo, todo cotidiano é
possuído pelo religioso. Essa teologia articula a convicção plena de que os crentes de hoje
revivem o Pentecostes, conforme narrado no livro dos Atos dos Apóstolos, e adotam um
234
Ibid., p.168.
235
Ibid., p. 178.
150
Nessa nova realidade, o que interessa basicamente não é expulsar os homens da vida
social, impedir o exercício de suas atividades, e, sim, gerir a vida dos homens aproveitando
Para Michel Foucault, o poder não tem somente uma função repressiva. Ele é
também produtivo na medida em que produz saber. A força do poder vem justamente do
fato de que ele não se opõe ao saber, mas o promove. Por outro lado, a análise das práticas
estratégia de poder. Por meio das técnicas modernas de fabricação da verdade regula-se a
a pessoa reconhecem um Deus pessoal que, segundo Ricardo Gondim, age no interior de
cada ser, concedendo a liberdade de escolha. Do contrário, a pessoa humana corre o risco
de ser vítima do poder, seja do poder pessoal de alguém ou de determinada classe social.
produtiva, uma riqueza estratégica, uma positividade. E é justamente esse aspecto que
explica o fato de que tem como alvo o ser humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas para
236
IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS BETESDA, op. cit, p. 29.
237
Cf., FOUCAULT, M. Microfísica do poder. p.146.
151
Betesda olhar a vida cristã nos indivíduos, ou seja, para ela é fundamental que as pessoas
sejam alfabetizadas, pois, assim, terão uma capacidade maior de viver uma vida liberta das
imposições religiosas e poderá conquistar uma maior santidade. Ricardo Gondim afirma:
“quanto mais entendimento das Escrituras, da Palavra de Deus, mais condições de viver
responder à necessidade de um sujeito moral, para o qual a relação com o domínio está
cada vez mais ligada à forma de igualdade e reciprocidade, e que a manifestação da própria
relações de poder.
que pertencem à periferia, por serem na sua maioria pobres e analfabetos, deixando claro
cultos; e o legalista, proibitivo, para os pobres e analfabetos. Ele declara que há uma
238
Cf., GONDIM, R. É proibido. p.176.
239
Ibid., p. 178.
152
Esse argumento deixa explicito que a liberdade que o indivíduo deveria ganhar
conhecendo o Evangelho lhe é negada, como explica Ricardo Gondim: “o crente não tem
necessariamente que satisfazer as exigências das leis do pastor, não precisa se adequar a um
241
código rígido de proibições, que lhe rouba a alegria de viver”. É necessário, porém,
manter as proibições para que as pessoas não partam para o extremo da carnalidade, rebate
o pastor João Eunilson de Jesus, da Assembléia de Deus tradicional, que explica que “as
pessoas da periferia não têm uma conduta refinada, uma doutrina que possa corrigir sua
vida, então se faz necessário que Deus use a Igreja com uma palavra de cobrança, mais
rigorosa para o povo acordar para a realidade da vida. Pois todos podem alcançar a
incutindo medo nas pessoas e agindo como legisladores de pesadas exigências religiosas,
ao elaborarem um sistema tão implacável, ninguém se sente isento de culpa para poder
questioná-los; assim, esses líderes permanecem na direção das igrejas por muito tempo. 243
da igreja e do poder.
240
Ibid., p. 61.
241
GONDIM, R. Entrevista concedida. Vide Anexo II.
242
Afirmação de João Eunilson de Jesus Caetano, pastor da Assembléia de Deus tradicional.
Entrevista concedida em 20/10/2003. Vide Anexo I.
243
GONDIM, R. Entrevista. Vide Anexo II.
153
um discurso no legalismo doutrinário da experiência religiosa nas tradições morais dos usos
e costumes como essencial para a santidade, em que a ordem estabelecida não pode ser
questionada ou quebrada, pois é vista como uma ordem de Deus, que possibilita, portanto, a
personalismo, faz um discurso livre das proibições doutrinárias dos usos e costumes de
santidade, permitindo aos seus membros que tenham uma vida cristã mais livre e aberta
para a experiência religiosa, sem isolá-los do mundo e das outras pessoas; eles podem
têm suas relações de poder, assim como qualquer outra instituição social como a família, o
trabalho, a prisão, a escola244 etc. Uma com maior rigidez para o cumprimento das
denominações procuram estruturar o valor moral de seus discursos na Bíblia Sagrada, que
244
Cf., FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir.
154
CONSIDERAÇÕES FINAIS
como o crescimento vertiginoso que o movimento alcançou desde sua fundação até os dias
atuais. Tal movimento tem promovido debates e levantado teses diversas. Essa realidade
surpresa e da novidade.
O caráter intimista e místico que essa religiosidade sugere parece encontrar ecos na
cultura brasileira. Tem-se a impressão de que a cultura brasileira fornece o sulco pelo qual a
sacralização da vida a partir da experiência religiosa etc., nos fornecem uma pequena
faz necessário pelo fato de essa Igreja ter dado grande evidência do seu esforço para
distinguir-se dos demais grupos pentecostais. Ela é hoje a maior comunidade pentecostal no
cenário brasileiro. Seus limites se estendem para além do Brasil e da América Latina. Sua
relação com a política nacional tem sido cada vez mais assumida. Ninguém bem informado
brasileira.
156
cultura brasileira nas ênfases, bem como na maneira de experienciar o religioso, o discurso
tradicional, firmou laços de solidariedade entre os irmãos de fé, incentivou o auxilio mútuo,
conduta, seus valores e sua interpretação do mundo conforme os estritos preceitos bíblicos
impostos pela liderança sectária, os quais seriam funcionais em relação às normas de ação
papel de capacitar o crente para enfrentar a pobreza, as agruras dos empregos de baixa
Ocorre, porém, que a suposta integração social propiciada pela igreja, em vez de
levar o crente a estabelecer um compromisso com esse mundo, tinha uma contrapartida
de Cristo a Terra” e na radical dicotomia entre os reinos material e espiritual. Imerso nessa
157
deveria isolar-se e apartar-se das coisas, interesses e paixões mundanos, como até mesmo
morrer para o mundo. Portanto, o preço pago em troca do conforto espiritual, da certeza na
salvação, é o viver uma moral ascética e observar toda uma série de proibições, prescrições
discurso moral no puritanismo, representando uma ala radical da igreja que luta pela
cristão acerca da conduta e do modo de ser cristão no mundo. Ser cristão na Assembléia de
Deus Betesda tornou-se o modo primordial para que se permaneça liberto do pecado e se
obtenha uma interação com o mundo. Ou seja, manter uma boa relação com Deus passou a
significar o mesmo que ser atuante no mundo como forma de modificá-lo e torná-lo mais
justo para as pessoas, que podem gozar de uma vida livre e feliz.
Assembléia de Deus tradicional, desde seu início no Brasil, está mais voltada para as
classes pobres e periféricas das grandes cidades, permanecendo com um discurso moral
essencialista.
discurso moral de Ricardo Gondim apresenta uma interação maior de sua tradição religiosa.
Por conta dessa e de outras formas de inserção e acomodação à sociedade, cresce o número
Betesda, talvez não fossem alcançados, ou teriam que mudar seus hábitos se quisessem ser
batizados e prosseguir como fiéis em uma igreja da Assembléia de Deus tradicional. Tal
interessar-se por orientar sua mensagem para este mundo, não para transformá-lo
subitamente por meio de qualquer tipo de revolução de cunho milenarista, nem para
desqualificá-lo, mas para ajustar-se às demandas sociais das pessoas interessadas não
somente na salvação eterna, mas também em encontrar uma forma de lidar com seu
cotidiano a partir da sua experiência religiosa pentecostal. Isso demonstra que os fiéis estão
mais afinados com o que se passa à sua volta, isto é, com as informações rápidas via mídia
outras bases. O que quero dizer é que esse crente à primeira vista passa facilmente por um
descrente no visual, pois nada há na aparência que possa identificá-lo como membro da
Assembléia de Deus. Isso vem mostrar a grande diferença entre as duas denominações e
fundamentar suas posições teológicas, trazendo dois modelos de moral, mas contendo
lógicas discursivas semelhantes, pois, para suas comunidades estão revestidos da autoridade
de Deus, como instrumentos receptores de um discurso que deve ser colocado em prática.
Esse discurso possui um processo interpretativo que não transgride certas posições
que são preservadas pelo grupo como parte de sua identidade elementar; nesse caso, o
Pode-se concluir que o discurso teológico moral de ambos traz a experiência que o
crente tem com Deus através da conversão. Com um comportamento rígido ditado pela
tradicional, a relação de poder é realizada para a criação de regras e doutrinas impostas aos
indivíduos.
religiosa, tem suas relações de poder que ora tem o seu aspecto opressor, ora libertador,
porém, o que interessa destacar aqui são os aspectos promotores de esperança que as
igrejas das Assembléias de Deus possibilitam. Pensar uma teologia moral que parte da
fracassos, com seus risos, lágrimas, sonhos, mitos e expectativas. Nesse sentido, o
Para mim, o estudo da experiência religiosa da salvação e de usos e costumes nas igrejas
ANEXOS
1 – Anexo – I: Entrevista Concedida por João Eunilson de Jesus Caetano 20/ 10/
2003. Pastor da Igreja Assembléia de Deus tradicional, localizada no Jardim
Marajoara – Mauá, SP.
Juarez Ap. Costa: Na opinião do senhor porque a Assembléia de Deus cresce mais
na periferia, no meio pobre ?
João Eunilson de Jesus Caetano: Eu entendo que nós aplicamos a Palavra de Deus de
acordo com a necessidade do povo, e a periferia é o local onde se encontra o povo mais
pobre, a classe mais desfavorecida. Essa pessoa vem à Igreja pela necessidade e isso a
gente não pode negar, pois elas possuem uma necessidade de ser amada, o ser humano é um
ser gregário, vivendo em comunidade, tem necessidade de ser amado e compreendido, ser
notado. As pessoas querem ter uma vida livre das opressões, a maioria vem para a Igreja
com essa concepção de que aqui ela vai ter de tudo. Só que o evangelho na verdade é
passado para as pessoas de uma forma diferente, de uma forma errada. O evangelho não é
homem que foi gerado em pecado, pois o homem tem uma conduta toda irregular, no seu
mesmo pela situação em que vive. Então, por isso, na verdade é que ele vem a Igreja, pois
ele quer se encontrar com si mesmo. E no meio evangélico encontra-se com charlatões que
usa esse meio para prometer coisas que nunca irá cumprir.
O que a Igreja tem que pregar é a equidade, a justiça igual para todos e mostrar ao
homem que ele tem uma alma e que ela precisa ser salva. E ele só vai conseguir uma
salvação através de uma aproximação com Jesus, e através dessa aproximação as demais
162
coisas irão acontecer como milagre, pois a partir do momento em que ele tiver um
conhecimento da verdade ele vai fazer uma análise de vida, uma reciclagem. Então, ele
vem do mundo com vícios das drogas e a partir do momento que aceita Jesus sua vida vai
mudar completamente, ele vai ter uma compreensão de que as drogas não aliviam, e se tem
um alivio é temporário, é efêmero, passageiro. Por esta razão deixa de usar as drogas
quando vem a Igreja. Deixando de usar drogas ele vai poupar sua saúde, não vai ter um
gasto com a medicina, não vai correr o risco de ficar preso e pagar um advogado. Ele vai
usar o dinheiro para ajudar a sua família, nisso ele vai ter uma prosperidade, que na verdade
o evangelho deu para ele. Uma coisa que com o tempo ele vai ter que descobrir, e isso não
faz parte da teologia da prosperidade. Pois quando ele vem para a Igreja aquele
procedimento errado de conduta ele deixa para trás, porque deixa de beber, de fumar, de
usar drogas, deixa a prostituição, deixa de roubar e deixa de ter uma segunda mulher na rua.
Tudo isso é economia e que irá beneficiar para que ele possa andar mais bem vestido, vestir
melhor a família. Não usando drogas não tendo amantes ele passa a ter um relacionamento
mais aberto com a família, vai amar mais, vai se tornar mais amado pela esposa e família e
a vida dele vai melhorar. Então, isso é a proposta do evangelho, não a teologia barata da
prosperidade, mas uma conscientização de vida. O ser humano como ser gregário que
precisa ser amar e ser amado é um ser que é corpo, alma e espírito, que se relaciona no
mundo social com corpo e alma e com o espírito se relaciona com Deus, ele o homem
precisa disso.
J.A.C.: Qual a diferença que o senhor vê entre a Assembléia de Deus tradicional, que o
senhor lidera, com a Assembléia de Deus Betesda do pastor Ricardo Gondim ?
163
J.E.J.C.: O que muda é a camada social. A mensagem do pastor Ricardo Gondim até pelo
público que ele tem em sua Igreja tem que ser mais refinada, o que ele prega é uma
mensagem com mais teologia, com mais conhecimento. E nós com uma linguagem talvez
mais grosseira, pois as pessoas da periferia não têm uma conduta refinada, uma doutrina
que possa corrigir sua vida, então, se faz necessário que a Igreja use de uma palavra de
cobrança, mais rigorosa para o povo acordar para a realidade da vida. Pois todos podem
econômico mais alto e que tem seus vícios, mas já tem uma conduta de vida melhor, pois
muitos estudaram e tem títulos de universidades, são pessoas que já possuem regras, tem
uma conduta mais refinada uma doutrina de vida, uma disciplina então não precisa das
Muitas vezes Deus nos usa na Igreja para trazer uma mensagem com mais
correção, uma mensagem de alerta, deixa de fazer isso, deixa de fazer aquilo. Não é uma
proibição, mas fazendo uma conscientização às pessoas para que elas possam acordar para
a vida, pois assim como o Lula se tornou presidente da República o povo aqui na periferia
pode chegar a altos postos na vida, mas para isso ele precisa se reciclar precisa dos valores
absolutos da vida, não relativizar, aquilo que é absoluto como a família, a honestidade,
preservação do próprio corpo físico dele. Acredito então, que esse é um dos motivos das
parece que na periferia Deus vem com uma palavra um pouco mais dura, mais rigorosa.
Precisamos de uma disciplina um pouco mais forte para fazermos a vontade de Deus.
164
J.A.C.: O senhor acredita que as pessoas chegam a Igreja interessadas na salvação eterna,
e para atingi-la tem que ouvir um discurso moral de proibições ? Ou as pessoas só vêm
para a Igreja amenizar sua dor ?
J.E.J.C.: Vem para resgatar a identidade como homem, pai de família, enfim resgatar essa
identidade perdida através dos vícios. Na verdade sem uma conduta moral não tem como se
adquirir a vida eterna, uma vida desregrada, por exemplo, não será abençoada, salva no dia
do juízo. O dilúvio aconteceu porque o povo levava uma vida totalmente afastada de Deus,
homossexualismo liberado, então, por tudo isso é que a Igreja tem que ter um discurso
inspirado por Deus, para sustentar uma conduta moral. Cada homem com sua esposa, cada
mulher com seu marido, tem que haver uma honra entre a família, isto é, entre homem,
mulher e filhos se respeitando, para que se tenha uma comunidade. A sociedade precisa de
uma família sadia, pois a sociedade está doente porque a família está sem moral. Qual o
valor absoluto da sociedade hoje? É a liberalização de que tudo pode. Pode haver
casamento entre pessoas do mesmo sexo, pode ter relações sexuais fora do casamento, não
precisa se casar para fazer sexo. Quando o homem sai do padrão da Bíblia e pratica essas
coisas, sai do padrão de Deus, se tornando imoral. Pois o referencial moral dentro de uma
casa é o pai e a mãe, na Igreja é a Bíblia. Sem a conduta moral de Deus é impossível atingir
a vida eterna. Temos, portanto, que primar por uma vida regrada, disciplinada. Para
e outras.
mostre para o povo que é necessário uma conduta moral para se adquirir a vida eterna. Se o
165
evangelho não tiver esse principio fica difícil Deus atuar em um lar onde o marido é infiel
ou a mulher é infiel, os filhos não respeitam o pai. Esse lar seria uma bagunça, onde
J.E.J.C.: O próprio homem é um ser mau em si, mas não podemos descartar nunca que por
traz de toda essa problemática da imoralidade está o ocultismo. Acredito que existe uma
força oculta, existe demônios, espíritos malignos que querem atuar, encontrar brechas, pois
o homem foi gerado no pecado, então ele é despertado, sua vontade é aguçada através da
licenciosidade que está presente. Quem vai para a mídia ? Quem coloca as mulheres nuas
na televisão ? Hoje não precisa ter cultura, basta ter um corpo bonito para fazer sucesso.
Tem somente que apresentar seu corpo nu. Então, atrás de tudo isso existe uma perversão
primeiro do próprio homem que tem essa forte tendência imoral, agora por trás de tudo
isso tem o Diabo, os demônios, aqueles que não querem o bem estar, então, não há amor,
não há moral.
O que se ensinamos na Igreja é que se você já tem uma tendência, você deve fugir
daquilo, você ficar olhando a pornografia está despertando uma prática dentro de si
mesmo. Quando se aceita Jesus não se deixa de ser homem ou mulher; indo para a Igreja o
indivíduo alcançará um domínio, um controle, podendo saber excluir de sua vida algumas
práticas que não são benéficas para a família, para a sociedade como um todo. Somos
cidadãos brasileiros, enquanto cidadão tenho que produzir coisas boas para o crescimento
do meu país, então tenho que ter uma vida regrada, sadia, porque a sociedade depende de
mim, pois tenho que ter uma família que possa produzir o bem para a sociedade.
166
Juarez Ap. Costa: O senhor vê alguma diferença entre a Igreja Assembléia de Deus
Betesda e a Assembléia de Deus tradicional ?
Ricardo Gondim: Sim, em várias dimensões. A Igreja Betesda tem profundas diferenças
com a Assembléia de Deus tradicional, principalmente no que tange a liturgia, no que tange
sua concepção e sua percepção de valores teológicos, que considero que são muito
importantes para a vida da fé. E que acabam resvalando e mostrando mais claramente no
que diz respeito aos usos e costumes, são as diferenças fundamentais entre a Betesda e a
Assembléia de Deus tradicional. Essa diferença não é apenas cosmética, ela não diz apenas
a respeito de uma mudança estética, mas ela diz respeito a uma mudança mais profunda.
Nossa concepção é de um evangelho da graça que se dá e pode afetar a vida das pessoas. A
Assembléia de Deus tradicional tem uma visão do evangelho ressaltando muito mais as
obrigações, e eu tenho a concepção muito mais da graça de Deus. De que nós não
precisamos fazer as coisas para sermos aceitos por Deus. Então, é uma diferença sutil e
Nós temos uma visão de culto litúrgico que difere muito da Assembléia de Deus,
porque eu tenho uma visão de que o culto tem que ter a cara da Igreja local. O culto tem
que ter os contornos ditos pela própria comunidade, não pode ser formatado, enlatado, não
pode ser uma perpetuação daquilo que foi recebido de outros. Então, a liturgia da
Assembléia de Deus está muito engessada porque ela se prende muito a perpetuar o
não precisamos ficar encabrestados por uma tradição, mas termos muito mais latitude, mais
167
jogo de cintura. Então, a Betesda, também difere muito da Assembléia de Deus nessa
dimensão. Quem não conhece a Betesda e assiste a um culto aqui, pode achar que ela tem
Esse não é o sentido, o sentido não é que queremos ser em si uma dissidência, queremos ser
nós fizemos questão de quando nos separamos da Convenção Geral das Assembléias de
Deus tradicional, de manter nosso nome de Assembléia de Deus Betesda. Eu sinto que
estamos mais próximos das raízes das Assembléias de Deus mundial do que a própria
Assembléia de Deus tradicional brasileira, pois esta não reflete os caminhos pelos quais a
próximo com aquilo que a Assembléia de Deus é hoje fora do Brasil do que a mesma
contemporaneidade dos dons espirituais. Somos uma igreja envolvida com missões, nós
Deus tradicional, ou seja, com igrejas filiadas, congregação com padrão da igreja mãe, as
igrejas satélites e as igrejas filhas. Nós mantemos muito das características que estão bem
J.A.C.: Qual a razão teológica doutrinária que leva duas denominações da mesma tradição
pentecostal a terem duas posturas morais diferentes ?
R.G.: Eu diria que a diferença fundamental, e isso eu tento mostrar em meu livro “È
Bíblia, que ela, quando lê a Bíblia ela já lê com as lentes da moral legalista,
fundamentalista americana na virada do século (século XIX para XX), ela já vai ao texto
com esta leitura. Ela descarta toda questão cultural da Bíblia, não consegue perceber que é
intervenções de Deus na cultura de Israel valorizam os traços culturais que são bonitos, e
condenam os traços culturais que estão adoecidos. Essa impossibilidade de ler a Bíblia
adoecida, pecaminosa, faz com que as pessoas lêem a Bíblia com os olhos do legalismo,
por exemplo, a questão dos usos e costumes da Assembléia de Deus tradicional, tem uma
postura ostensivamente contrária de tudo aquilo que eles consideram vaidades. Vaidades do
E eu procuro mostrar no meu livro que isso é uma incapacidade de ver a cultura.
Quando houve adornos, beleza estética nos relatos do Antigo testamento, eles não
necessariamente são condenados por Deus, mas sim pela postura do coração e esta não tem
nada a ver necessariamente com adornos. Eu mostro para eles que essa é uma dificuldade,
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cultura e nenhum povo são em si mesmo ruim ou bom, ela tem coisas ruins e coisas boas,
mesmo na cultura judaica. O povo também tem uma leitura e uma tendência em divinizar a
cultura judaica. A cultura judaica tinha muitas coisas erradas e feias, comportamentos que
foram adotados pelo povo judeu nos quais Deus não aprovava, só porque eram judeus. E
assim, os gregos, os romanos e os babilônios todos eles tinham coisas boas e coisas ruins,
Assembléia de Deus tradicional de verem a “imago Dei” imagem de Deus no ser humano.
não ela tem a imagem de Deus, e essa imagem de Deus no ser humano é que o capacita,
mesmo não sendo cristão a praticar coisas bonitas, louváveis, coisas que são dignas de
serem elogiadas de serem inclusive vivenciadas por nós cristãos. Um autor para escrever
um texto louvável ele não precisa necessariamente ser cristão, um juiz para sentenciar uma
sentença justa ele não precisa ser cristão, um cantor para compor uma música bonita, não
precisa necessariamente ser cristão. Minha tarefa não é identificar o cristão ou não cristão.
Ou somente consumir, ler, louvar o que é feito pelo cristão e rechaçar o que não é feito pelo
não cristão. Não é esse o nosso papel, nosso papel é identificarmos naquilo que foi
produzido o que tem de louvável, o que tem de bonito, o que tem de digno,
bonitas ali e, eu tenho que necessariamente que aplaudir, não importa se veio da boca, da
pena, ou da escrita ou do texto de um cristão ou não, o texto em si ele têm valores do reino
de Deus. E de onde vem à capacidade do não cristão produzir coisas louváveis? È porque
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todos os seres humanos carregam em si mesmo a imagem de Deus, aquilo que os teólogos
Então eu posso ler um texto de Gilberto Dimenstein que não é cristão, mas de
tradição judaica e dizer puxa vida que coisa bonita, digna. Isso aqui eu como cristão tenho
que louvar este escrito e dizer é algo que como cristão assino embaixo, estou junto.
J.A.C.: Elinaldo Renovato chama atenção em seu livro “Aprendendo diariamente com
Cristo: como viver a vida cristã em um mundo em conflito” que cantores evangélicos da
Assembléia de Deus não devem cantar em Igrejas Católicas por ter imagens e
representações de santos. Segundo ele, cantores que desobedecem as ordens devem ser
repreendidos e punidos pelo pastor da Igreja local, pois eles cometeram algo que desagrada
a Deus. O senhor como pastor de um mesmo seguimento evangélico, o que acha dessa
posição ?
R.G.: Coitado, ele não leu o capítulo 17 do livro de Atos dos Apóstolos, em que o apóstolo
Paulo pregou no Aéropago , onde havia um panteão de deuses, e ele não se sentiu
proibido.
R. G.: Ela é fundamentalista, tem um cabresto da Teologia Sistemática muito forte, quero
dizer que a Teologia Sistemática ela é a rainha na leitura da Bíblia, então, não é a Bíblia
que está fazendo com que eu defina minha teologia, mas minha teologia é que define minha
que é muito forte e infelizmente perde muito na criatividade. É uma igreja que não
consegue ser criativa, ela não consegue fazer, ser inovadora na sua abordagem teológica,
J. A. C.: O senhor acredita que através de seus discursos, de suas pregações pode ocorrer
uma estruturação do cristão que freqüenta a Assembléia de Deus Betesda, criando assim
uma identidade de sujeito coletivo, preparado para enfrentar as relações de poder em nossa
sociedade ou na sociedade global ?
R. G.: Eu acho que uma das grandes contribuições, se é que posso falar de mim mesmo e
da Betesda sem parecer ufanista ou soberbo, mas eu diria que uma grande contribuição que
a Betesda tem dado é que você não precisa cometer suicídio intelectual. Eu acho que a
contribuição da Betesda é que não é proibido pensar e eu acho que esta estruturação tem
sido muito nessa dimensão. Quando a gente pensa, usa do bom senso, que temos liberdade
para questionar, não rompemos com a tradição cristã, não magoamos Deus, não fere, então,
esta capacidade de gerar pessoas que pensam sem se sentir patrulhados, que pensam sem
sentirem cabrestados por dogmas, eu acho que é uma contribuição no sentido de começar
estruturar homens e mulheres para serem livres. É um caminho perigoso, difícil, pois você
solta a pessoa, libera a pessoa. Talvez eu não veja, eu não consiga colher todos os frutos
dessa caminhada, mas eu acho que pelo menos uma próxima geração vai caminhar com
mais liberdade, com menos medo, com a capacidade maior de ser senhor de sua própria
história de suas próprias decisões. Poder tomar decisões morais sem que ele precise do
cabresto de uma igreja, de uma lei, de um livro que me diga o que eu posso fazer ou que
não posso fazer. Que tenhamos a capacidade, maturidade para decidir e tomar decisões que
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sejam dignas, que sejam louváveis, sem que eu precise dessa tutela, dessa bitola me
J.A.C.: Quando o senhor diz em seu livro “É proibido” na pagina 113, “ que o poder moral
de discernir e recusar o que é torpe vem da liberdade de escolha, maturidade emocional,
intelectual e espiritual. Nunca da censura e patrulhamento da nossa liberdade critica”, isso
significa que o pastor não tem que ficar impondo à sua comunidade o que é certo ou errado,
mas deixar o cristão à vontade e livre para escolher o que é certo e errado ?
R. G.: Lógico, lógico. O apóstolo Paulo diz isso quando ele trabalha lá em Gálatas ou
Colossenses, quando ele diz que essa doutrina do não pode, não deve, não toque, não tem
valor nenhum contra a sensualidade, não muda nossas estruturas. Você corrige
comportamentos, não corrige valores, você não muda os valores da pessoa. As pessoas
ficam fazendo determinadas coisas, mas fazendo não porque entendeu, não porque
escolheu, não porque decidiu que não quer aquele caminho, mas porque ele foi imposto. E
no fundo, dentro do coração dele continua desejando, então, não tem valor nenhum. Que
valor me tem de proibir você de fazer alguma coisa, de adulterar, de matar, roubar, ou fazer
qualquer coisa, se dentro de seu coração você continua desejando, querendo isso, eu não
mudei nada. Não houve maturidade, a maturidade é as escolhas que fazemos a partir dos
nossos valores que incorporamos em nosso viver e, esses valores formam nosso caráter.
Então, o cristianismo lida não com mudanças circunstanciais, ele lida com o caráter, a
J.A.C.: Então há uma diferença em ser cristão na Betesda e ser cristão na Assembléia de
Deus tradicional ?
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R. G.: Eu vejo que o cristão na Betesda ele é solto, ele é livre, ele não vive debaixo de uma
neurose religiosa, que o infantiliza, que oprime, ele é livre. Ele não tem necessariamente
que satisfazer as exigências das leis do pastor. Eu não sou mais a alma seca do crente. Eu
cristão, eu digo que sim, mas ele é mais triste, não tem uma religião crítica, é uma religião
sem festa, sem liberdade. Eu diria que o cristão da Betesda pode ser mais feliz, mais alegre,
ele pode fazer mais festa na presença de Deus, porque ele está livre. Ele não está precisando
R. G.: Eu diria que houve um tempo que era uma questão só de interpretação literal e
fundamentalista das escrituras, mas diria que hoje há uma vertente de poder nesta questão.
Assembléia de Deus tradicional. Eu diria que hoje a questão do legalismo tem uma
estrutura de poder fincada, ou seja, o pastor jovem tem uma percepção diferente, mas eles
se adequam a esse poder, pois sabem que só conseguem galgar dentro da hierarquia da
continuidade ao discurso das elites que estão dominando o poder. Essas elites dominam o
ditatorial, a ditadura se estabelece, os que estão lá tem toda uma estrutura montada e os que
querem chegar no topo precisam repetir, reforçar o discurso dos que estão no poder. Se
eles não reforçarem o discurso dos que estão no poder, são vistos como uma dissidência e
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as dissidências neste edifício monolítico não são bem vindas, então você tem que ser
sempre “sim senhor, não senhor”. Só é tolerável nessa estrutura do poder os que repetem o
Eu diria que hoje as Assembléias de Deus não mudam não é porque não tem
percepção, é porque hoje existe toda uma elite que domina a igreja, que estão embriagados
J.A.C.: Na visão do senhor o que é necessário para a igreja manter uma atitude ética, moral
comprometida com os valores Bíblicos, sem precisar do determinismo e legalismo ?
R. G.: Ela precisa em primeiro lugar se arejar, precisa ter pessoas que venham, que entram
na igreja com uma visão nova. A igreja precisa de novos convertidos e que entram na igreja
sem o ranço do passado e aqueles que estão na elite, que dominam a igreja, saibam dialogar
com pessoas que estão entrando. Essas pessoas novas, às vezes conseguem ver coisas que
nós da liderança não conseguimos mais ver. Eu estou na Betesda há vários anos e não
consigo mais ver certas e determinadas coisas. Já me acostumei a fazer certas coisas do
meu jeito e vou continuar a fazer, a única maneira de eu conseguir ver diferente é que entre
uma pessoa nova que nunca participou da Betesda, que tenha uma outra cultura, outra
cabeça, que não tenha um ranço religioso que a gente já criou, e quando ele chegar aqui
comece a questionar, perguntar. “Por que tem que ser feito assim ?”. E eu não tenha medo
da pergunta dele. Eu muitas vezes conversando com pastores da Betesda digo isso a eles e
tenho repetido essa frase: “nenhuma tradição nossa precisa ser perpetuada a não ser que
tenhamos uma boa razão para perpetuarmos a ela, o dia que não tivermos uma boa razão
para fazermos do jeito que estamos fazendo, não precisamos mais fazer.”.
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Por que eu preciso fazer desse jeito para sempre ? Não sou necessariamente
obrigado eu fazer desse jeito, só porque a gente sempre fez assim. Então precisamos ter a
capacidade de abrir para o novo, para as pessoas que estão chegando, para os
questionamentos. Por que estamos fazendo desse jeito ? Essa é uma razão.
Uma outra razão é não termos que apegar a estrutura de poder. Eu acho que a igreja
precisa ter uma estrutura leve, precisa ter uma estrutura de poder que fuja o máximo
possível do jogo político intenso, então, ela tem que se firmar muito mais na base dos
relacionamentos do que nas relações institucionais. Nós precisamos criar uma igreja onde
os líderes tenham uma relação muito mais forte com as pessoas, do que uma relação
institucional. E que as pessoas possam me ver muito mais como amigo, os pastores que
coordenam a igreja, que me rodeiam dentro da Betesda me vejam mais como amigo do que
como pastor presidente. Isso é muito importante para nós. E não podemos ter medo de
sermos livres, de ousarmos, caminharmos no reino de Deus sem que nós necessariamente
as margens dentro do qual eu possa andar. Mas é uma segurança falsa, por que a vida não
caminha sempre dentro dessas molduras, então, a gente vai encontrar com realidades para
as quais o faça não faça não tenha previsto, quando eu deparar com isso não vou ter
recursos, ferramentas para lidar com esse tipo de coisa, portanto, eu tenho que educar
muito mais do que disciplinar, do que proibir, censurar. Tem muito a ver, por exemplo, com
a censura colocada em um país, dentro de um regime ditatorial é muito mais fácil dizer para
sua população que esse livro você pode ler, esse livro não pode ler, isso é bom, aquilo não
é bom. É muito mais fácil agir assim, mas o que você ganha em domesticação, você perde
J.A.C.: No livro “Ética Cristã: confrontando as questões morais do nosso tempo” Elinaldo
Renovato de Lima diz que “temos de fechar todas as questões concernentes à moralidade e
a santidade da vida” e que “nessa área nenhuma condescencia é possível; a Bíblia lida com
valores absolutos e nenhuma espécie de relatividade admite.” O senhor concorda com ele ?
R. G.: É lógico que não, logo na primeira frase não consegue ser coerente. O que ele diz na
primeira frase ? Qual é o ser humano, qual é o sistema, qual é a legislação que consegue
entre seres humanos são infinitas, somos um universo infinito. Portanto, nós não
conseguimos fechar todas as questões. Não iríamos criar direito um livro canônico que
conseguisse abranger todo escopo das relações humanas. Essa é a grande falácia do
legalismo, no qual ele quer doutrinar, ele quer abranger todas as relações humanas, isso é
impossível, não tem como. Outra coisa é dizer que a Bíblia trata exaustivamente de
comportamentos humanos, também é outra falácia, pois a Bíblia é um livro que foi escrito
há 2000 anos atrás, e há comportamentos humanos hoje se quer estavam previsto na Bíblia.
Nós temos hoje a bioética, temos a engenharia genética, que são questões que estão
surgindo e que não estavam previstas na Bíblia. Não temos se quer como legalisticamente
nos posicionar diante destas questões. Principalmente sobre questões que dizem respeito a
comportamentos morais hoje, absolutamente novos como pedofilia, sado masoquismo, são
questões que não estão previstas na Bíblia, e que hoje diante da complexidade do viver
humano nós temos que lidar com isso. É um esforço inútil querer fazer um livro dizendo
que ele trata do absoluto, vai acabar no simplismo. Dentro desse livro que ele trata do
absoluto ele vai ter que transcender o texto bíblico, então, esse é o grande problema do
legalismo. Outra dificuldade do legalismo é que ele não consegue ser coerente, não
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consegue manter-se coerente. Ele vai se dizendo absoluto em uma coisa, e vai ter que ser
J.A.C.: Elinaldo Renovato também menciona que uma das leis da hermenêutica é que
quando a Bíblia trata de um assunto em vários textos isso se torna uma doutrina para a
Igreja, principalmente em Corinto a respeito das mulheres cortarem o cabelo e se vestirem.
Como o senhor analisa essa questão ?
R. G.: A questão hermenêutica que ele esta dizendo, é a mesma hermenêutica que diz que
não podemos pegar texto fora do contexto. Quando ele diz que está pegando vários textos e
fazendo deles uma doutrina, ele está se valendo de um dos princípios da hermenêutica e
que vários textos fazem uma doutrina, esse princípio tem outros princípios que precisa ser
colocado no contexto dos outros. Existe um princípio na hermenêutica que nenhum texto
pode ser lido fora do seu contexto, e que na leitura do texto deve se levar em conta
ler um texto seja de uma lei, um poema, um romance, qualquer texto, o princípio universal
da hermenêutica é que o texto deve ser colocado no seu contexto histórico. Temos que ter a
percepção que a Bíblia é um livro de história, e não posso ler a Bíblia como uma
sistematização doutrinária, ela é um livro histórico e tem que se levar em conta à história.
temos mais de um texto na Bíblia, inúmeros textos onde ela legitima relações poligâmicas.
J.A.C.: O senhor acredita que a experiência religiosa pentecostal possa produzir uma
evocado por todo movimento pentecostal tem sim uma vertente de convocação a uma vida
mais integra, mais santa diante de Deus. Ela é uma porta, para um estilo de vida que seja
digno dos filhos de Deus. Eu diria que a experiência pentecostal não é em si mesma uma
mágica para uma vida santa com Deus. Não é porque tenho uma experiência pentecostal
que a partir desse momento tenho uma vida santa. Mas a experiência pentecostal é uma
convocação para vivermos uma vida santa, integra, com valores, com princípios do reino
de Deus que são absolutos. Agora o comportamento do homem não tem como absolutizar,
o homem passa por aprendizados e aprende valores que vai ter pelo resto da vida, e que
vão ter que ser dirigidos por estes princípios do reino de Deus.
R. G.: Não tenho um numero exato, mas calculamos que a Betesda tem hoje em torno de 20
a 21 mil membros no Brasil todo. Em São Paulo temos aproximadamente uns 2500
J.A.C.: Ao que se deve esse fenômeno da Betesda em um espaço curto de tempo crescer
dessa forma ?
R.G.: Eu diria que a Betesda hoje é uma Igreja que faz um contra ponto pentecostal a
Portanto, somos um referencial saudável de que é possível ser uma Igreja pentecostal sem
ser preciso descambar para a teologia neopentecostal e que nem perpetue os valores
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