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A criatividade na arte e na educação escolar: uma contribuição à pedagogia histórico-crítica à luz de Georg Lukács e Lev Vigotski
A criatividade na arte e na educação escolar: uma contribuição à pedagogia histórico-crítica à luz de Georg Lukács e Lev Vigotski
A criatividade na arte e na educação escolar: uma contribuição à pedagogia histórico-crítica à luz de Georg Lukács e Lev Vigotski
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A criatividade na arte e na educação escolar: uma contribuição à pedagogia histórico-crítica à luz de Georg Lukács e Lev Vigotski

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Esta obra corroborou a necessária superação de ideias que apre­sentam a imaginação e a criatividade como expressões naturais e livres da consciência, conduzindo seu leitor à compreensão de que apenas a liberdade interna do pensamento, do conhecimento e da ação, alcançados tão somente pela apropriação do legado cultural maximamente desenvolvido, possibilita-lhes existir concretamente. Dado que nos conduz a uma constatação: o indivíduo efetivamente criativo não é alguém a quem algo foi acrescentado, mas alguém de quem nada (ou o mínimo!) foi retirado! Eis, pois, que a luta contra as condições de alienação – objetivo maior na trans­missão
dos conhecimentos historicamente sistematizados – represente também a defesa da formação de sujeitos aptos a criar, especialmente, outro modelo de sociedade.
Lígia Márcia Martins
trecho do Prefácio
LanguagePortuguês
Release dateSep 20, 2021
ISBN9786588717394
A criatividade na arte e na educação escolar: uma contribuição à pedagogia histórico-crítica à luz de Georg Lukács e Lev Vigotski

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    A criatividade na arte e na educação escolar - Maria Cláudia da Silva Saccomani

    1

    A contraposição entre ensino e criatividade nas pedagogias do aprender a aprender

    Tirei muitos dos meus exemplos da infância, porque é o tempo de maior criatividade do ser humano. No período sensório-motor, por exemplo, antes do desenvolvimento da linguagem, é inacreditável a sua quantidade de invenção e descoberta. […] Só gostaria de terminar repetindo as palavras de um pesquisador que trabalha conosco em Genebra fazendo experiências sobre o pensamento das crianças na área da física. Ele disse o que distingue o físico criativo do não criativo: o físico criativo, apesar do seu conhecimento, em uma parte de si tem uma criança com a curiosidade e a candura da descoberta que caracterizam a maioria das crianças até serem deformadas pela sociedade adulta.

    PIAGET, 2001, p. 20

    Utilizamos a palavra contraposição no título deste capítulo de maneira completamente intencional. Segundo o Dicionário Aulete¹, contraposição significa ação ou resultado de contrapor-se, posição ou disposição em sentido contrário ao de algo ou ainda oposição, divergência. Nesse sentido, afirmar a contraposição existente entre ensino e criatividade nas pedagogias do aprender a aprender (DUARTE, 2001) significa afirmar que, para as pedagogias hegemônicas, ensino e criatividade são compreendidos como polos que se excluem, que se contrapõem, sem nenhum movimento dialético.

    O lema aprender a aprender (DUARTE, 2004a), proclamado aos quatro ventos atualmente, tem raízes no movimento escolanovista e reaparece nas concepções pedagógicas hegemônicas da atualidade, em especial no construtivismo, que se fundamenta na epistemologia genética do biólogo suíço Jean Piaget, com o qual introduzimos as ideias que serão aqui apresentadas. As palavras que inauguram este capítulo não nos deixam dúvidas de que o biólogo suíço compreendia a infância como a fase da vida mais rica em criatividade para o ser humano e, mais que isso, evidenciam que, para esse pesquisador, a apropriação de conhecimentos científicos acabaria por atrofiar essa criatividade própria das crianças. Concordamos com Piaget no ponto de vista de que a sociedade pode impedir a criatividade. Mas discordamos da generalização implícita ao raciocínio do autor suíço, pois não é sempre que a sociedade cerceia a criatividade e não é todo tipo de sociedade que o faz. Mais que isso, na direção oposta ao raciocínio do autor, entendemos que a sociedade impede o desenvolvimento da criatividade quando deixa de socializar os conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos em sua máxima expressão, como discutiremos no decorrer deste livro.

    O aprender a aprender não aparece apenas no construtivismo. Integram também esse grupo ideológico outras correntes pedagógicas, como a pedagogia das competências, a teoria do professor reflexivo, a pedagogia dos projetos, a pedagogia empreendedora e a pedagogia multiculturalista (DUARTE, 2010a). Não se trata, porém, de um grupo homogêneo; em linhas gerais, essas pedagogias partilham a ideia de que o ensino direto e intencional se contrapõe à aprendizagem, assim como se opõe à criatividade.

    Nosso propósito inicial é mostrar que a compreensão da criatividade nas pedagogias do aprender a aprender não guarda aproximações com a concepção de criatividade na perspectiva marxista, a qual será apresentada no próximo capítulo, a partir do psicólogo soviético Lev Vigotski e do filósofo húngaro Georg Lukács. Com efeito, nosso trabalho rema contra a maré de concepções espontaneístas acerca da criatividade na educação escolar, isto é, opomo-nos àquelas concepções que entendem que a criatividade é da ordem do espontâneo e do individual, portanto qualquer intervenção sistematizada interferiria no desenvolvimento dessa capacidade humana.

    1. A concepção de criatividade nas pedagogias hegemônicas

    Não é nosso objetivo fazer uma caracterização detalhada do lema aprender a aprender, pois isso já foi feito por vários outros autores². O objetivo deste capítulo é, pois, apontar a concepção de criatividade reproduzida pelo discurso das pedagogias hegemônicas, a qual está inteiramente sintonizada com a sociedade capitalista contemporânea.

    O movimento escolanovista, matriz de todas as posteriores pedagogias do aprender a aprender (DUARTE, 2001), aparece nas primeiras décadas do século XX como uma proposta de contraposição ao modelo tradicional de educação³. Essa oposição radical à escola tradicional foi preservada pelas pedagogias herdeiras do escolanovismo, fazendo-se presente de forma bastante acentuada na retórica educacional até os dias de hoje. Há aqui uma questão importante. As críticas feitas pelas pedagogias do aprender a aprender à escola tradicional são, na maioria, maniqueístas, ou, nas palavras de Saviani (2009, p. 10): se tornou senso comum o entendimento segundo o qual a pedagogia nova é portadora de todas as virtudes e de nenhum vício, ao passo que a pedagogia tradicional é portadora de todos os vícios e de nenhuma virtude.

    Dessa forma, analisaremos inicialmente a tão difundida contraposição entre a escola tradicional e as pedagogias que supostamente valorizariam a criação e a criatividade, para buscarmos, em um segundo momento, incorporar e superar ambas as concepções no intuito de trazer contribuições para a pedagogia histórico-crítica, que é a referência teórica de nossos estudos (SAVIANI, 2007, 2008, 2009, 2010a).

    O educador francês Georges Snyders apresenta, em seu livro Pedagogia progressista, uma visão positiva sobre o modelo tradicional de escola, buscando ultrapassar a caricatura negativa difundida pelos defensores da Escola Nova. Com essa finalidade, o autor emprega em seu texto um recurso semelhante ao que foi posteriormente chamado por Saviani (2009, p. 34) de curvatura da vara, ou seja, Snyders afirma que, ao contrário das críticas escolanovistas, o aluno da escola tradicional era ativo, sua atividade produzia alegria, desenvolvia criatividade etc.

    Para o autor francês, é preciso que os alunos se apropriem das grandes realizações da humanidade, e para isso é essencial a confrontação com os modelos. Segundo Snyders (1974, p. 19), modelos neste caso não é o contrário de originalidade, da individualidade de cada criança, mas condição indispensável para que ela desabroche⁴. Confrontar-se com os modelos não significa que o aluno permanecerá na mesmice, nem que sua capacidade criativa será menosprezada, mas que em contato com os grandes cada um poderá manifestar em si o essencial que não é mais do que o original […] a invenção tem necessidade de se apoiar em quadros e em métodos comprovados (idem, p. 21). Portanto beber da fonte dos grandes modelos é condição imprescindível para a rica criação. Para o autor, somente a partir da apropriação do existente é possível ser verdadeiramente criativo.

    É importante perceber o grande valor dado pela escola tradicional aos conteúdos escolares, aos conhecimentos verdadeiramente científicos, às obras artísticas mais desenvolvidas, enfim, aos modelos. Apenas assim, segundo o autor, o aluno poderá elevar seu espírito à altura do espírito da humanidade. Para Snyders, é falsa a afirmação de que o aluno é passivo no modelo tradicional, pois é mesmo para se aproximar eficazmente dos modelos que a atividade do aluno é indispensável (idem, p. 19).

    A criatividade só existe quando o indivíduo se apropria daquilo que já foi acumulado pela humanidade. Para Snyders, a originalidade individual é alcançada por meio do contato com os modelos que já atingiram a originalidade. Na escola tradicional, segundo Snyders, o contato com os modelos é alegria, isto é, a alegria é obtida ao se galgarem os degraus já alcançados pelos grandes modelos. A alegria não é, portanto, dada espontaneamente, mas produzida pelo esforço.

    Talvez o aluno não consiga apropriar-se de toda a riqueza dos modelos, mas essas primeiras aproximações iniciam um processo que leva seu pensamento a campos até então desconhecidos. Desse modo, para Snyders, o ensino tradicional é verdadeiramente um ensino (idem, p. 13). É preciso que a educação seja um momento de afastamento da vida cotidiana, que é superficial e imediata. Sem esse afastamento, o indivíduo não alcançará os modelos mais desenvolvidos que a humanidade já produziu. Educar é propor modelos, escolher modelos, conferindo-lhes uma clareza, uma perfeição, em suma, um estilo que, através da realidade do dia a dia, não será possível atingir (idem, p. 17-18). Não se trata, porém, de ignorar que os indivíduos têm uma vida fora da escola, mas de a escola produzir um momentâneo distanciamento dessa vida imediata e pragmática, confrontando os alunos com os modelos.

    Em entrevista concedida por Snyders em 1990, quando questionado sobre a formação dos alunos, do ponto de vista pedagógico, ele assinala sua posição no que tange especificamente ao ato de criação:

    Erramos em 1968 por excesso de otimismo. Acredito que um dos erros fundamentais reside no equívoco sobre a questão da criação: os alunos até o 2° Grau não vão à Escola para criar. Acho que fizemos mal em utilizar este termo criação. Pego o exemplo mais simples: o desenho. A criança faz no desenho o que quer, quando quer, porque assim o permitimos na Escola maternal ou lhe damos orientações muito gerais. O jovem de 13, 14 anos, quando desenha, desenha aquilo que viu nos cartazes, na televisão ou, na melhor das hipóteses, nos quadros. Ele não cria nada de novo, ele interpreta a seu modo o que reteve do que viu e do que gostou. Não acredito que possamos utilizar o termo criação para estes casos [DE CAMILLIS, 2006, p. 162].

    Em seguida, a entrevistadora, Lourdes Stamato De Camillis, pergunta ao educador francês: Não há criação nesta interpretação pessoal? Embora seja extensa a resposta de Snyders, optamos por reproduzi-la na íntegra, para não deixar passar nenhum detalhe essencial e, assim, obter maior precisão acerca de seu pensamento sobre a questão da criação. Snyders responde:

    Acho que é uma questão conceitual. Se já chamamos isto de criação, que nome você daria para Shakespeare ou Van Gogh? Precisaria de um outro termo para designar este outro estágio. No Brasil, assim como em outros locais, há uma tendência na Educação que é tão admiradora da produção da criança que perde o sentido das diferenças. Há diferença entre o que eles fazem e o que Van Gogh fez, por exemplo, e o aluno precisa perceber esta diferença. Temo que exista o risco de eles não perceberem. E este é um otimismo que pode custar muito caro à Pedagogia. Entendo que o objetivo é levar o aluno, partindo de sua experiência e sensibilidade, a interpretar de maneira única e individual a cultura que nós lhe propomos. Ele não vai criar o novo sentido de um grande criador, não vai realizar uma grande obra, mas também não vai se limitar a uma repetição mecânica. O aluno tem uma personalidade única e o que me interessa é como esta personalidade única vai reter, amar, vibrar e, então, transformar esta cultura que a Escola lhe propõe. É necessário incitar o aluno a fazer poemas e desenhos e que ele o faça na medida de suas possibilidades e de seus desejos. Ele precisa, todavia, ter consciência de que o poema que faz não é o de um Victor Hugo, nem o seu desenho é o de um Van Gogh. Ele precisa amar o que faz e amar também o que fizeram Victor Hugo e Van Gogh. É isto que perdemos de vista na Educação: o aluno precisa ter consciência da distância que há entre os grandes artistas e nós todos. Para tanto, ele precisa conhecê-los cada vez melhor a fim de que suas próprias produções sejam cada vez mais originais, mais válidas e mais ricas. É este ir e vir entre sua produção e a obra dos grandes artistas que enriquece o trabalho do aluno. Eu tenho receio de que a Escola hesite em dizer-lhe que a produção de Van Gogh é mais importante. Entretanto, os grandes mestres têm um percurso que não é somente genialidade. Veja Mozart, por exemplo. Nem todos os trabalhos de Mozart são geniais. Várias obras são cópias do que existia na época, em música. Mas o gênio imita o que há em torno dele e através deste caminho, pouco a pouco, ele se torna si mesmo, genial. O estudante precisa saber que seu primeiro poema, seu primeiro desenho pode ser tão pouco original quanto algumas peças de Mozart, mas que quanto mais ele trabalhar, quanto mais apreciar os grandes mestres, mais desenvolverá sua originalidade. O progresso dos alunos em Artes e Literatura não é muito diferente do progresso nas Ciências. Assim, o professor precisa conhecer a história da Ciência: não se pode avançar em Física Atômica se não se dominar tudo que já foi feito em Física Atômica [idem, p.

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