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A morte

Ana saiu do hospital faz sete dias. Eu


ainda não passo de uma criança assustada sem
saber no que acreditar além do sentimento
sobrenatural que nutro por ela. Que alívio ter
ela sobrevivido. Dizem que foi um milagre.
Pouco ouço a respeito das razões que a teriam
levado àquele ato. Levantei. É quase de manhã
mas não há indício exceto talvez pelo eco do
copo na pia e dos indecisos passos no corredor.
Terá ela voltado às aulas, imagino.
Provavelmente já tenha algum trabalho de
tradução. Ouvi o meu nome. Saio e a escuridão
torna-se mais vívida e suportável embora não
menos densa, porque é aí que estamos, quando
a realidade se destaca do pavor. As flores
lentamente tornam-se visíveis, o aroma delas a
atmosfera respirada. São as flores que
ladeavam o caminho pelo qual passáramos
naquele primeiro dia. Ela pergunta e eu
respondo com um sorriso indulgente. Demorei?
A mão toca meu ombro, suave, fria e branca, a
não ser pelas veiazinhas azuis.

Imerso no mesmo silêncio com que com ela


sonhara, agora porém continua ali, filha de meu
sonho e a mais pulsante parte da vigília. Uma
fronteira sem o menor sentido. O saber de Ana
era o meu. O que adquirira ao longo da vida, me
passava. A divisão entre nossos apartamentos
perdera igualmente a razão de ser quando
voltamos da caminhada, quase ao meio-dia. Um
brilho inexorável dos corpos sob as camisas
finas.
Sua biografia está em seus lábios, a
suscetibilidade na ponta de sua língua e o
universo recluso no corpo de seus dedos, entre
palavras cuidadosamente inauditas. Como
esperar que a luz seja estável em seu
movimento, se você num momento vai ao
encontro dela e noutro retira-se no sentido
contrário? E todavia é o mesmo movimento e a
mesma luz. Porque a luz não depende dessa
sucção ou desse polimento.

Posso por isso decifrar o mistério


desse muro erguido do nada, sei o segredo, está
aqui, na magia de nosso contato, mas
justamente por isso estou inquieto com a forma
como o contorno de Ana se torna fosco e a aura
das flores imerge num denso nevoeiro. Ela se
evade e eu não consigo pensar o que devo nem
dizer a palavra. Ana, flor de luz pela qual reduzi
minha vida a uma escravidão, não pode partir
assim e me deixar órfão outra vez.
Mas caso o faça, pergunta-me em meio à
sua energia que me acelera, ainda assim
insistirei nesse pensamento que foi nosso? Ana,
Ana, ouvi minha alma lacerada na despedida. O
universo do espaço e tempo deformáveis se
expandia em busca ou talvez em fuga da noite,
que se transformaria em realidade no
apartamento vizinho.

De joelhos deveria estar eu, Ana, santa,


pura, inocente. Esses dedos deveriam ser os
meus, a retirar santidade do ícone. Essa boca
deveria ser a minha, a buscar as gotas entre os
bancos do templo espargida. E engolir o poder
eterno desse desvio para o azul.

Um olho mágico cruel. Seus pais estão


chegando agora. Continuam naturalmente
arrasados. Quem dera eu lhe pudesse dar algum
consolo, desse que ela própria me deu. Soube
que havia muitos amigos na igreja, mas nunca
onde foram jogadas as cinzas. Também, não
faria a menor diferença.

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