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Do Autor (pela Bertrand Brasil: O Mito da Desterritorializagao: Do “Fim dos Territ6rios” & Multiterritorialidade Regional-Global: Dilemas da Regido e da Regionalizagao na Geografia Contemporanea Vidal, Vidais: Textos de Geografia Humana, Regional e Politica (com Guilherme Ribeiro e Sergio Nunes Pereira) ROGERIO HAESBAERT VIVER NO LIMITE Territério e multi/transterritorialidade em tempos de in-seguranga e conteng3o Copyright © Rogério Haesbaert da Costa, 2014 Capa: Oporto design, com fotos do autor Editoragio: FA Studio Texto revisado segundo 0 novo Acordo Ortogrifico da Lingua Portuguesa 2014 Impresso no Brasil Printed in Brazil Cip-Brasil.Catalogagio na publicagao. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, R) HIS? 14-15635 Haesbaert, Rogério VViver no limite: teritério e multi/transterrtorialidade em tempos de in-seguranca ¢ contencao / Rogério Haesbaert. — 1. ed, — Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014, ISBN 978-85-286-1577-7 1. Territorialidade humana. 2. Geografia humana. I, Titulo, cDD: 3042 (CU: 316,74:502.2 ‘Todos os direitos reservados pela EDITORA Rua Arge 20921-380 BERTRAND BRASIL LTDA. 171 — 2eandar — Sio Cristévao — Rio de Janeiro — R} ‘Tel: (Oxx21) 2585-2070 — Fax: (Oxx21) 2585-2087 io é permitida a reprodugio al ou parcial desta obra, por ‘quaisquer meios, sem a prévia autorizagao por escrito da Editora, ‘Atendimento e venda direta ao leitor: mdi cord,.com.br ou (Oxx21) 2585-2002 Para Carlos Walter e Valter: pela inteligénc inspiradora, o comprometimento politico e a carinhosa amizade ROGERIO HAESBAERT € da luta por uma outra multiterrito: ide que nao seja uma simples composi¢ao multifuncional a servigo dos interesses hegeménicos, mas que represente, efetivamente, a construgéo de uma maior igualdade no convivio plural de miiltiplas identidades, Isso implica a destruigio dos muros que, concreta ou simbolicamente, demarcam a extrema desigualdade do nosso tempo. Como na miisica de Lulu Santos adaptada por Herbert Viana, “Tempos Modernos’, e para nio sermos tio pessimistas, resta sempre a esperanca de “ver a vida pra fora do muro”: Eu vejo a vida ‘melhor no futuro Eu vejo a vida pra fora do muro A difusao de antigas técnicas ou dispositivos de controle, como os muros, € de técnicas disciplinares de reclusio, disseminadas justamente Pelo aumento da demanda no interior de sua propria crise, ocorre junto com aemergencia crescente de novos dispositivos biopoliticos de ue incluem todo um aparato tecnolégico informacional globalmente difundido. Assim, como veremos através do exemplo do Rio de Janeiro no Préximo capitulo, o préprio controle da circulacio alia a0 mesmo tempo aparatos informacionais, constrangimentos fisicos e dispositivos nocampo simbélico, 9 CIDADE VIGIADA, CIDADE I-MOBILIZADA: RIO DE JANEIRO DO BIG BROTHER AOS NOVOS MUROS" Seguranga ja temos, pois nado temos pra onde fugir'® Falar de seguranga é mole, quero ver a seguranga te proteger'"? '™ Agradeco aos bolsistas de iniciagéo cientifica Livia Vargas, Pablo Leal, Caroline Martins, Maya Garcia e Felippe Silva pelo trabalho de levantamento de dados e dis- cussio de textos, indispensivel para a consecugao desta pesquisa. O CNP, direta- mente ou através da PROPPI (UFF), e a FAPERJ foram responsiveis pela concessio das bolsas. " Declaragio de morador em favela carioca do Complexo do Alemio, no docu- mentirio “Complexo: universo paralelo” (Portugal, 2010), filmado por dois jovens ortugueses que conviveram durante trés anos no complexo de favelas, antes de sua ‘upacio pela policia, em novembro de 2010. Declaragio de um trabalhador na favela Morro Santa Marta, em 2012, a primeira favela do Rio de Janeiro a receber uma Unidade de Policia Pacificadora (UPP) (fonte: hutp://noticias.uol.com. br/cotidiano/ult icias/2013/02/1 acoes-violentas-pms-falham-em-upps-e-programa-evolui sado em 14/2/2013), as-né ata Ao longo dos tiltimos anos, varias transformagées tornaram mais co1 Plexo o debate sobre as terrtorialidades da in-seguranca. Isso ocorreu tan em fermos genéricos do que jé trabalhamos aqui, inspirados em Foucault, Como “Sociedade biopolitica” ou “de seguranca” — com a difusio gene Jizada, por exemplo, da vigiléncia eletrOnica ou informacional — quant ‘pum sentido mais especifico em relacao a realidade latino-americana e, em, Particular, brasileiro-carioca, com as iniciativas —“retomada de territério” em relacai obviamente, aos poderes “legais”), pela inseguranga nas cidades, es Ss novas tecnologias de vigilancia af inseridas, em fungio das quais propde defini-ta como “sociedade de controle” Nesse sentido, ele afirma. Estamos entrando nas sociedades de controle, que funcionam nao mais por confinamento [ou reclusio), mas por controle continuo e comunicagao i {anténea. (~~) Certamente, nao se deixou de falar da prisdo, da escola, do hospital: essasinstituigdes estdo em crise. Mas se estdo em crise, é precisa, mente em combates de retaguarda. O que esté sendo implantado, ds cegas, s#0 novos tipos de sangdes, de educasa, de tratamento. Os hospitais abertos, oatendimento a domicilio, et. j& surgiram ha muito tempo. Pode-se prever ‘que a educacado serdé cada vez menos um meio fechado, distinto do mei Profssional — um outro meio fechado —, mas que os dois desaparecerao. em favor de uma terrivel formagio permanente, de um controle continuo 5 exercendo sobre 0 operirio-aluno ou o executive-universitirio. Tentam nos fazer acreditar numa reforma da escola, quando se trata de uma liqui- dasdo. Num regime de controle nunca se termina nada, (..) A cada tipo de soviedade, evidentemente, pode-se fazer corresponder um tipo de maquina: @s maquinas simples ow dindmicas para as sociedades de soberania, as imdgquinas energétcas para as de disciplina, as cibernétcas e os computa. dores para as sociedades de controle. Mas as méquinas nado explicam nada ¢ preciso analisar os agenciamentos coletivos dos quais elas sao apenas uma Parte. Face ds formas préximas de um controle incessante em meio aberto, é posivel que as confinamentes mais duros nos parecam pertencer a um pas- sado delicioso e benevolente (Deleuze, 1992:216), =a = Para Deleuze, estarfamos enfrentando a crise das instituigées que mar- carama sociedade dit ar ou de confinamento, como aquelas vinculadas aos sistemas educacional, hospitalar, prisional e militar, para 0 ingresso numa sociedade de controle (ou de vigilancia) continuo indiscriminado “em meio aberto’” Essa crise também ocorre, como vimos no capitulo ante- rior, no bojo do fortalecimento daquilo que, numa perspectiva centrada na dimensao econémica, convencionou-se denominar neol erallzmo. O tema da in-seguranga se transformou assim em uma questo funda- mental no discurso dos politicos, nio s6 brasieiros, mas também norte- americanos e, hoje, mesmo asiaticos ¢ europeus. Dependendo da amplitude que o termo seguranga adquire, temos desde a seguranga em seu sentido mais restrito, polical-miltar, até seus sentidos mais amplos, como aqueles gue dizem respeito a “seguranca ambiental” e até mesmo a “seguranga ali mentar’: De certa forma, como ja reiteramos, todos se referem, hoje, direta ou indiretamente, & biosseguranga, no sentido foucaultiano, que altera 0 foco do “fazer morrer, deixar viver” do poder soberano classico para 0 “fazer viver, deixar morrer” biopolitico (Foucault, 1985). Asociedade global como um todo, em diferentes formas ¢ intensidades deacordo com o contexto (da periferia de Bagda as favelas do Rio, da banliew de Paris as slums de Bombaim), propagou nos iiltimos tempos pol seguranga que, além de alimentarem fortes setores da economia, foram ali- seguranga’. Nesse sentido, a cidade do Rio de Janeiro pode ser tomada como um caso emblemitico, pois 0 espago carioca constituiu nas se nesse “laboratério” para elaborar seu livro Fobépole: 0 medo generalizado ¢ a militarizagao da questdo urbana, oe ROGERIO HAESBAERT Processo de vigilincia ¢i-mobilizagao da vida urbana. A escolha da cidade ara sediar os megaeventos da Copa do Mundo (2014) e das ipiadas (2016) reforgaram essa “necessidade” de controle, intensificando exponen-_ cialmente os discursos da seguranca e da vi cia, com a instalacdo de aparatos informacionais sofisticados que ocorre paralelamente a milita- iferacio de titicas mento. Medidas de excegao, também nesse caso, @ ponto de pesquisadores, como Carlos vem 0 termo “cidade de excecio” para definir a urbe ca em preparagio para 0s megaeventos. Uma densa dinamica social-hist6rica — e geogrifica — articulou-se no Rio de Janeiro de modo a fortalecer espacos de producao crescente de Por grupos ilegais — com ou sem a conivéncia ea participagéo do aparelho de Estado —, especialmente o narcotréfico (sobretudo a partir des anos 1270) elou das milicias (a partir dos anos 1990 — em especial na Zona Oeste da cidade). Tudo isso articulado a um aparato policial egal” tantas eres despreparado, corrupto e truculento, resultou numa série de eventos de violéncia urbana, muitos deles implicados ao direcionamento da ch. culacdo ou a i-mobilidade da populacio no espaco da cidade, seja como decorréncia dos atos de violéncia em si mesmos, seja como um de sexe elementos desencadeadores. s de disciplinari- a serem incorporados da rede at ais eficiente ao sistema produtivo), o biopoder concentra sua asio no controle dos fluxos, principalmente aqueles desencadeados pela Fennuttte da populacio. E nesse sentido que falar hoje em seguranca signi fca, sobretudo, regular o “meio” ou as redes em que circulaa populacio — enquanto massa humana que nasce, se reproduz, contamina(-se), adoece, a e/ou morre. Regulagio e tentativas de controle que passam ta Pela sofisticagao dos dispositivos de controle em termos de tecn ais (Como veremos em relagao ao Centro de Opera 255 VIVERNO LIMITE i nal que per significa focalizar tanto a base informacional s eras telematicamente, isto é, a distancia, quanto recorrendo material ac ai Explicita-se, a tod da construgao de barreiras fisicas ou muros. Explicita-se {geografia que, em nome da seguranga da populagao, desdobra um conjunto, de estratégias de des-controle territori rente contradigao com_ a cidade ah idida e murada’, surge, igualmente, todo um aparato tecno- légico de vigilancia dentro de um sofisticado sistema de levantamento tratamento de dados naquilo que propomos denominar de monitoramento de geografia bruta, a ser analisado no préximo item, Big Brother carioca: centros de controle e monitoramento de geografia bruta 24 ROGERIO HAESBAERT Visitar um hub de controle como 0 Centro de Operagdes Ri (COR), da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, edeparar-se comasofisticagao tecno- logica e a enorme quantidade de dados trabalhados através de informagdes georreferenciadas é como realizar uma viagem no futuro, em gritante con- traste com a precarizacao do espaco (e dos servicos) que se estende pela maior parte da cidade. Assim, a pergunta que logo se impde é: em fungdo de que presente é que esse “futuro” toma forma? Faremos aqui algumas sita ao COR, realizada’ & “reflexes gerais inspirados pelo impacto de nossa em junho de 2012. Logo no folder de apresentagio que encontramos na entrada (Figura 2), © COR (novo core da cidade) é apresentado como uma “espécie de quartel- general da prefeitura’, “projeto pioneiro na América Latina” e “primeiro centro do mundo a integrar todas as etapas de gerenciamento de crise’ Construido com esse objetivo biopolitico explicito de “gerenciar crises” — ‘ou, em outras palavras, de “regular a desordem’, como disse Agamben —, ‘© COR também lembra, em escala menos dramatica, 0 “capitalismo (pro- . dutor e gerenciador) de crises” — ou de desastres, como prefere Naomi “Klein (2008), #)) _Essaautora, pautada na criticaao projeto neoliberal de Milton Friedman, _utiliza 0 termo “capitalismo de desastre” para caracterizar um capitalismo atastréficos, trata os desastres como “estimulantes oportunidades de mer- cado” (p. 15). Segundo ela: (...) a ideia de explorar crises e desastres foi 0 modus operandi do movi- ‘mento de Milton Fridman desde o inicio — essa forma fundamentalista de capitalismo sempre precisou do desastre para prosseguir. (..) Algumas das violagdes mais infames dos direitos humanos de nossa era (...) foram come-_ tidas com a intengao clara de aterrorizar o piiblico, ou ativamente empre- gadas a fim de preparar o terreno para a introdugdo de “reformas” radicais de livre mercado (p. 19). No raciocinio teérico com que trabalhamos aqui, devemos afirmar que esse capitalismo de desastre ou da administragio de tragédias vem acompanhado da implantacao (e legitimagao, especialmente pelo discurso_ do medo) de regimes de emergéncia ou de excecio, tanto em nome combate a crises mais explicitamente biopoliticas (como aquelas ligadas VIVER NO LIMITE oo a catdstrofes ambientais) quanto no combate a crises econd1 afirma, ocorrero a partir de agora em intervalos menores ¢ frequéncia), Pedro Almeida, diretor de Smarter Cities (Cidades Inteligen tansnacional IBM, parceira no projeto do COR, em entrevista & racdes” — como numa estratégia bélica) mais avangado do mundo.'"® Na face mais ilustrada do folheto de divulgagéo, como pode ser verificado na Foto 2, duas imagens e identificagdes merecem destaque: “Sala de Controle” a transigéo de um para outro. Nem mesmo os governantes precisam mais escondé-la, pois seu discurso tantas vezes é construido e legitimado por ela. Como afirmava Milton Friedman: (.) somente uma crise — real ou pressentida — produz mudanga verda- deira. Quando a crise acontece, as agées que so tomadas dependem das ideias que esto a disposicdo. Esta, eu acredito, é a fungao primordial de desenvolver alternativas as politicas existentes, manté a acesstveis até que o politicamente impossivel se torne o politicamente inevi- tavel (Friedman, apud Klein, 2008:16). ‘A fundagio do COR, no uma grande catdstrofe, a das chuvas no municipio (e no estado) do Rio de Entrevista disponivel em sado em 16/6/2012. to disponivel na internet (http://wwv.youtube.com/watch?v=hapwjby € parte da estratégia mundial da IBM que tem como objetivo desenvolver tecnologias que ajudem as cidades a funcionar de forma mais inteligente. Projetos similares jé foram implementados em Nova York e Gauteng/Africa do Sul, porém esse & 0 primeiro centro do mundo que ira integrar todas as etapas de um serenciamento de crise: desde a previsao, mitigagao e preparagio, até a resposta ime- diata aos eventos e realimentagio do sistema com novas informagées que podem ser ros parceiros envolvidos na construgio e operacio Di e Samsung’ /Jwww.youtube.com/watch?v=GiMaZXZI6Fs, aces- , considerada a pior tragédia climstica da historia do pais (com mais de 900 mortos). Uma de suas principais fungdes, como veremos adiante, € a prevencio de tragédias como as que frequentemente afetam o Rio de Janeiro através das inundagées. Mas o grande desastre de janeiro de 2011, Obviamente, nao estava previsto quando da construcio do centro. O que _estava amplamente previsto, isto sim, era a situagio “critica” ou “anormal” da cidade a partir da sua transformacao em cidade de megaeventos — a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olimpicos de 2016 — justamente em meio a espagos reconhecidamente marcados por altos indices de crimina- Jidade e a violéncia, Nossa visita ao Centro ocorreu dep de diversas tentativas malogradas ido foi a “sala de crise’, conectada dire- tamente, através de um “sistema de telepresenca de tiltima geracao” com a residéncia do prefeito (ou onde ele estiver pelo mundo), com a sede da ipio € mesmo com o palicio de governo estadual, ; “com respostas imediatas em situagdes de emergéncia” © poder do Centro é tamanho, entretanto, que o proprio prefeito afirmou, em entrevista a0 canal Globo News,!'5 que, em uma emergéncia, caso nao Possa ser contatado (se estiver num vo de longo percurso, por exemplo), 0 chefe de operagdes do Centro poder tomar a decisio que julgar mais conveniente, “Sociedade de espeticulo’ “de controle’, “de [producao de] emergén ismo de desastre” — como ja vimos, sio varios os termos que vem Amente e que parecem se refazer diante de um espago como esse. A sofis- ticagdo tecnolégica envolve 0 monitoramento da cidade através de mais de 600 cimeras (eram 150 no inicio de 2011 e, com instalagao ja iniciada, haverd uma em frente a cada um dos 10 mil coletivos urbanos) posicio- nadas estrategicamente junto as vias de circulagao mais intensa, nas mais "9A visita foi realizada em 15 de junho de 2012, juntamente com a gedgrafa e entio bol a Livia Vargas, a quem agradeco, especialmente pela per- sistencia nos contatos para o agendamento. Apesar de confirmada, a0 chegar ol ‘vemos a informacio de q a de iniciagio cient nossa visita ndo estava agendada, Mas, depois de nossa ragao do interesse, foi providenciado um acompanhante. ¢ pela_visualizagio_proposta: ‘Sem divida, ao ocultar uma parte expressiva da vida metropolitana, 4 representagao cartografica da agao policial de combate ao narcotrafico midia hegemOnica acaba por estimular uma visio do urbano segmentada, pelo jornal popular © Dia (Mapa 4) nao sé é mais detalhada, abrangendo privilegiando certos espagos ¢ negligenciando outros, como se fosse pro- um niimero maior de espacos favelados, como se estende prioritariamente movida uma contengao que invisibiliza simbolicamente ¢ contribui para para as areas habitadas pela maior parcela da populacio pobre da ci depreciar ainda mais as dreas mais pobres da cidade, Mas, como qualquer esse nunca aparece nas zonas Norte e Oeste. espago concebido (para utilizar o termo lefebvreano) “ dissociado do ambito das agdes concretas, materialmente construidas. Nesse sentido, nao resta diivida de que O Globo, ao invisibilizar ou ¥ ‘minimizar_as_ocorréncias em boa parte do espaco urbano, pode trazer jas implicagdes no direcionamento das politicas piblicas. SY Enquanto principal jornal diario formador de ‘opinido no Rio de Janeiro — especialmente em relagao as classes mais favorecidas e influentes —, ele de alguma forma direciona o olhar do Estado para aquilo que, midiatica-Y" mente, € produzido ¢ veiculado como sendo a informacio, o problema e/ou_)\ © espaco mais relevantes da cidade. Se a representacao das questdes basicas privilegia ou aparece vinculada apenas a algumas areas, é para elas, “natu- ralmente’, que se di Nio ria, aagiodo Estado, 4 toa também que o principal projeto de politica de seguranca mos anos no Rio de Janeiro, envolvendo a criagio das ia Pacificadora (UI ~~ — = ree re dos principais pontos de visitagao e/ou de realizacao dos jogos (da Copa do “Mundo e das Olimpiadas). (O narcotrafico, por seu lado, pode-se dizer, também efetiva suas taticas mposta pelo Estado através, de contornamento dessa contengio territo das UPPs, Frente aquilo que 0 proprio discurso oficial considera um cir- cuito ou “cordao” de seguranga concentrado na metade sul da malha urbana, os narcotraficantes se realocam na periferia da cidade, especial- ‘mente em éreas da regiio metropolitana, como a Baixada Fluminense, Sio_ Gongalo e Niteréi, que tém manifestado consideravel au de violéncia."* Consideragées finais ‘Nao ha diivida de que o Rio de Janeiro, como varias outras cidades brasi- leiras com historico semelhante de segregacio (diretamente associada 0_ poder do capital imobilidrio) e violencia (direta ou indiretamente vincu- ia ao Estado), manifesta de forma flagrante miiltiplas tentati “trole, contengio ou simples monitoramento de seus pri conceito ampliado que vai desde a inseguranca c¢ ditas naturais, Algumas dessas iniciativas, como 0 monitoramento estrito ‘de grande parte da cidade pelo COR (Centro de Operagdes Rio), parecem “fora do lugar’, um imenso big brother ou “pés-pandptico” (para utilizar uma expressio de Bauman, 2001), que, aliando cameras fixas e méveis, tenta realizar a utopia de uma vigilancia indiscriminada e permanente. ~~"Numa aparente contradigio com a paraferndlia tecnoldgica de centros de controle informacional como 0 COR, discutimos também as politicas de contengao territorial pela construgio de muros. Nesse set zando, podemos afirmar que a alegada “protecao” ou “seguran cionada pelos muros — ou, na nossa abordagem, a contengio territorial propor- Processo semelhante parece acontecer, em outra escala, em nivel internacional, com 0 fortale das redes do crime e do trfico de drogas em paises da América ante das polticas de repressdo (principalmente com 0 apoio dos Estados Unidos) levadas a efeito na Colombia, cal das populagdes subalternas — envolve, em sentido geral, dois grandes _discursos biopoliticos legitimadores, ambos vinculados 4 questao da segu- ranga e dos rise« ar + | A biosseguranga dos “ecolimites’, na medida em que os muros (ou caminhos, planos inclinados e parques) aparecem associados a0 controle da expansao horizontal das favelas, em nome tanto da preservagao ambiental das areas circunvizinhas quanto da “pro- tecio” dos favelados frente aos deslizamentos de terra por ocasiéo de grandes tempestades." + A seguranga em sentido mais estrito, ligada 8 violéncia urbana (localizada pelo poder e pela opiniao piblicos preferencialmente nas favelas, vistas como “espagos do crime” e/ou “espacos peri 0505), discurso que aparece acoplado ao da nogio de “isco” velmente ampliada em relagio a suas conotagies técnicas.. Assim, tanto 0 ecolimite dos muros-barragem quanto a barreira actis- tica ou “contra a violéncia” e 0 “risco de acidentes, assaltos ¢ balas perdidas” dos muros-dutos envolvem uma ampliacdo da nogao de risco que, par- tindo de uma base técnica, se projeta para o social em sentido mais amplo. Naturalizado e tomado de forma nao relacional e politica, o risco “serve de carapuga para questdes sociais serem tratadas de maneira mecdnica, ou uurbanistica, como diria Lefebvre” (Ribeiro, 2006:74), Nossas “sociedades de risco’, nos termos de Ulrich Beck, envolvem, assim, uma espécie de ideo- logia ampliada do risco. Risco que pode ser redefinido principalmente a partir da valorizagao ou desvalorizacao simbélica de “espacos perigosos” pela midia, como vimos para o caso das representagdes das intervengdes policiais nas favelas, feitas pelos jornais O Dia e O Globo. Transformado numa questio meramente técnica, o isco e, com ele, a inseguranga, impdem tanto muros visiveis * Bsse discurso ecolégico encont diversas esferas da vida social, de (Leite Lopes, 2006; Acselrad, 201 Tavelas ecoldgicas’, como no caso das fav Sul do Rio de Jancio -se hoje tao difundido, “ambientalizando” as mais. icativas empresariais a movimentos e lutas sociais = {quanto invisiveis na trama constituidora da cidade. Envolvem-se ai tanto \dos a0 Estado e as empresas formalmente constituidas quanto grupos como os dos narcotraficantes ¢ das milicias. Muitas taticas e estra~ tégias de controle hegemdnicas se mesclam com aquilo que denominamos processos de contornamento, espécie de contraface indissociavel dos pro- cessos de contengao territorial, ¢ que serio analisados no iltimo capitulo deste livro. Esse exemplo de proceso que denominamos “contengao simbdli envolve, como vimos, 0 paj -cisivo da midia na formagao da opiniao piiblica (especialmente dos pablicos — e espagos — especificos a que se dirige) ea forga politica de sua aco. Lazzarato (2006) chega mesmo a nhecer, ao lado da biopolitica, a “noopolitica’, env ‘amente vinculadas a gestao e potencializagao da vida, em suas miltiplas dimensOes. Assim como a biopol ‘acio, a noop itica visa o controle da popu- ica teria como objetivo o controle do “publico”: _ O que diferencia 0 prilico da populagdo é que sua constituigao mada tem a +” “ver com a gestao de processos bioldgicos, mas com a modulagao (através do marketing) dos desejos, afetos, volicao e crengas compartilhadas por uma comunidade de consumidores interconectados a distancia. 1 de controle da opiniao (Lazaratto, 2006:75, destaque do autor ioe populagio, ja dé indicagoes para a consideragdo da populacao para além de uma enti- ygica quando considera que “piblico” corresponde 4 populacio “quando esta é tomada a partir de suas opinides. “Opinides” que, obvia- mente, sio pautadas em grande parte pelo poder dos meios de comuni- cacao hegeménicos. De alguma forma, a midia também “modula” os espacos através de sua leitura altamente s ‘letiva, privilegiando algumas areas e deixando outras_ \@Jconvém lembrar que, no caso da populaio favelada, seu fortalecimento como “comunidade de consumidores” fica evidente a partir da instalagao das UPPs, quando até mesmo antes dos servigos pblicoso que ingressa em seus trrtdros io empresas vendedoras de servigos (como tlefonia mével televisio a cabo) 1 grandes redes comerciais (comecando pelas de venda em domi completamente invisibilizadas. Isso significa, sem divida, que a contengio territorial nio ocorre apenas no ambito das priticas materiais, mas se estende também pelo campo ambivalente da (re)invengio de simbolos _espaciais que re-apresentam e re-configuram a cidade. ‘A verdade € que essa cidade, mével ¢ imével, vigiada ¢ subvertida, murada e fluida, dividida e costurada, € uma cidade que, como bem demonstrou Telles (2010), corroborada por Lucca (2011), apresenta-se a0 mesmo tempo bloqueada e fissurada: (..)0 foco nas mobilidades e nos 1s de circulagao, com seus bloqueios, desvios e formas de acesso contrapoe e desloca a imagem da cidade par- “tida ou da cidade de muros,"® para outra que reside nas tramas da cidade e que preenche justamente o “entre” dos espagos fronteiricos. Contudo, longe de nogar a existéncia de dispositivos de controle, barragem ou mesmo con- tengao na cidade, a anélise buscou atentar para o fato de que as fortificagdes € 0s cercos da vida urbana sao, todas eles, muito mais prenhes de fissuras € pporosidades do que se imagina (Lucca, 2011:182). Eépor esses poros e fissuras que podem ser empreendidas, de formas as, diversas e em meio a opressdes que também provém de varias fontes,.»

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