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PERSPECTIVAS SOCIAIS E DOMINAGAO SIMBOLICA No capitulo anterior, as cotas eleitorais para mulheres serviram de veiculo para o debate sobre mecanismos alternativos de repre- sentagio, que compensariam alguns das problemas das democracias concorrenciais. Agora, aprofundo a discussio, apontando alguns limites da aposta na inclusdo de diferentes perspectivas sociais nos espagos de tomada de decisio — isto é, a aposta central da “politica de presenga' tal como encampada por parte significativa do pensa- ‘mento feminista (mas nao s6 por ele). Continuando como principal caso discutido anteriormente, nas \ltimas décadas, afraca presenga de mulheres nos espagos de tomada de decisio afirmou-se como um problema politico de primeira srandeza. A experiéncia das democracias eleitorais demonstrou que ‘ mera conquista do voto feminino era insuficiente para eliminar a assimetria entre homens e mulheres nos cargos pablicos. Da mesma forma que outros grupos sociais dominados, como trabalhadores e ‘minorias étnicas, as mulheres enfrentam obstaculos para transfor- ‘mar votos em representantes, E possivel, ainda hoje, encontrar quem leia tal situagio como demonstracio de um desinteresse “natural” das mulheres pela politica. Uma percepyto minimamente sofisticada, porém, entende que o acesso 4 franquia eleitoral é uma condigdo necesséria, mas 204 is FEUPE wiGuE. nem de longe suficiente, para se chegar as esferas de exercicio do poder politico, A participagao politica das mulheres € limitada por fatores materiais e simbélicos que prejudicam sta capacidade de postular candidaturas, reduzem a competitividade daquelas que se candidatam e atrapalham 0 avango na carreira que se elegem. Principais responsiveis pela gestio das unidades domésticas e pelos cuidados com as eriangas, as mulheres dispéem de menos tempo livre, recurso crucial para a agao politica. Tam- bém tendem a receber salirios menores ¢ a controlar uma parcela inferior de recursos esondmicos. Ao mesmo tempo, o universo da politica € construido socialmente como algo masculino, que inibe o surgimento, entre elas, da “ambicdo politica”, ou seja, da vontade de disputar cargos." Hé, aqui, uma excelente ilustracao daquilo que Pierre Bourdieu chamava de efeito de doxa, isto é, nossa visio do ‘mundo social constrange nosso comportamento, comprovando (e naturalizando) aquilo que pensamos. Ascotascleitorais sio uma tentativa de enfrentar esse problemae implicam, em primeiro lugar, no reconhecimento de que aresultante das escolhas dos individuos pode ser perniciosa do ponto de vista coletivo, iso é, que uma assembleia formada pelo voto dos cidadios to, frustrar expectativas socialmente validas, comoa proporcional de determinados grupos nos ‘espagos de poder. Implicam também no rompimento com a sepa- ragio, da qual o liberalismo sempre foi tio cioso, entre a igualdade politica formal eas desigualdades sociais, assumindo aexisténcia de fatores inibidores da agao politica das mulheres que nao se resolvem com a mera extensio de direitos iguais a elas. E implicam, por firm, na admissio de que politicas voltadas a proteger os direitos desse grupo ~as mulheres ~ sio legitimas, ainda que signifiquem limita es ou cerceamento do exercicio de direitos individuais 1 a0s Estados Unidos evelam gue, ene individuos com status homens apresentam uma Pi igo a concorrer a smente superior &das mulheres Fox ¢ Lawless, 2004), DEMOCRACIAEREFRESENTAGHO — 205 A expressao “politica de presenga” ~ mencionada no capi anterior ~ ganhou curso a partir da obra de Anne Phillips (1995) « sintetiza a reabilitagio da representacao descritiva por parte do mento de mulheres e de outros grupos minoritarios. Ela a ontrasta com a “politica de ideias” subjacente ao modelo forma- sta dominante. A politica de ideias vé os representantes como vetores descarnados de plataformas politicas, entre os quais os cleitores escolhem. Uma vez.que, como cidadao, alguém se identi. fica com as propostas, os valores ou as politicas sugeridas por um candidato e sua identidade sao irrelevantes. Os mecanismos de accountability permitiriam que o individuo supervisionasse a acdo de seu representante, garantindo que ele se mantivesse fiel aquilo que expressou durante a campanha. Assim, 0 que interessa no € se mulheres sao escolhidas representantes, mas se as reivindicagdes ¢ interesses femininos so expressos, ainda que por homens, nos locais de deliberacao. ‘A adogio de mecanismos descritivos sugere que a auséncia de accountability efetiva seria como que compensada por uma maior similaridade entre os tomadores de decisio e seus cons conforme visto no capitulo “A accountability eleitoral e seus limi-— tes”, Se eu ndo tenho como avaliar adequadamente a ago do meu representante, 20 menos posso esperar que, sendo parecido comigo, ele seja sensivel as minhas preferéncias, Mas nio € essa a linha de argumentagio preferida por Phillips. A como ela a apresenta, € uma exigéncia da igualdade representante, afinal, ndo € um canal neutro pelo qual passam as preferéncias ou 0s interesses de seus constituintes. Ele exerce poder. ‘A auséncia de mulheres ou de outros grupos em posigéo de subal- ternidade politica ~ entre candidatos e eleitos pode ser atribut a um menor interesse pela politica, mas esse interesse menor ja é, em si, uma marca da desigualdade. Como diz a propria autora, natural que nem todos gostem de politica, mas se “participagio e ido tio de perto com diferengas de classe, stamos diante de uma forte evidéncia lips, 1995, p.32). envolvimento tém: agénero ou etnicidad de desigualdade politica (P 206 wis FELIPE MIGUEL A auséncia de mulheres no corpo de representantes contribui para perpetuar as condigées de seu proprio afastamento, reafirmando a esfera piblica~ea em particular ~ como terri lino. Ha aqui uma questdo de grande significado que desenvolve plenamente. A politica de ideias, tal como ela a define, tende aaceitara visio liberal de que os interesses slo constituidos de forma prévia a sua representagZo, Sem isso, néo é possivel sustentar a nogio de que a identidade do representante € irrelevante, Quando tentendemos, ao contrario, que os interesses ndo sio dados, mas cons- trugdes sociais fica mais facil perceber que a exclusdo das mulheres dda arena politica tem impacto na forma como elas vao entender sua posigo no mundo sociale, portanto, seus préprios interesses ‘Anne Phillips aponta, ela mesma, alguns dos problemas asso: ciados as politicas de cotas, txés dos quais merecem ser destacados. Cotas em geral guardam um potencial conservador pois tendem a perpetuar a relevincia social das diferengas que deveriam ajudar a abolir;ecotas também nio se adaptam a uma realidade em que cada individuo po ies jf obser- vadas noc ites"). E cotas, agora es fazer com que 0s elitos por meio delas sejam vistos com preconceito, como representantes de segunda linha que ndo representam o povo, mas apenas as mino- rias as quais esto ligados (Phillips, 1991, p.153-6). Fiel ao legado burkeano, que ent representa ndo seus constituintes em particular, mas © povo em geral, Phillips investe contra este iltimo ponto. Observa que reptesentagio de grupo, tal como ela a entende, no é uma forma de corporativismo, em que 0s representantes falam pelo grupo e @ cle respondem. Ea busca de uma distribuicio mais igualitiria das posigies de representagio entre diferentes grupos sociais, propor cionando um conjunto maisamplo de perspectivas sociais 8 1999, p.40), Ascotasreservam vagas.naslistas partidarias ou mesmo cadeiras no parlamento para integrantes de grupos minoritérios, -mas eles vao buscar 0 voto de todos os eleitores, indistintamente, , tal como quaisquer outros representantes, aderem a ficgao de que iza que o representante DEMOCRACIAEREPRESENTAGKO 207 Buscam, no exercicio de sas responsabilidades, o “bem comum', © “interesse geral” ou a “vontade do povo", no de um segmento cial em particular. Por todos esses problemas associados a introdugio das cotas, Phillips ¢ cuidadosa ao insistir que ndo prega a troca da pol de ideias pela de presenga. Ela propde a corre¢io de vieses atus tepresentacdo politica por meio da adogao de mecanismos descritivos. A necessidade de supervisio dos representantes pelos representados 'no é abandonada, Justamente por isso, ndo sio levadas em conta as Dropostas de substituigdo das eleicBes por sorteios—que escapam aos Problemas das cotas deseritos acima, mas, ao contrério delas, sio infensos accountability resenga é parte de um deslocamento que vai do “pl Vencional”, preecupado com grupos de interesse, 40 stento-aos gruposde identidade (Phillips, 1993, p. teressesc identidades, que © crucial ao debate. Se meu interesse € representével por qualquer .essoa, que pode verbalizé-lo em meu lugat e agir para pro- minha identidade s6 se torna visivel por meio de um igual ia Rousseau em sua defesa a participacio direta, nio se transmite a outro (Rousseau, 19644 [1762], p.368). A identidade tampouco. Eu posso nao estar pre- sente no grupo de governantes, mas minha identidade estaré li ndo por meio de um representante e sim corporificada em alguém que a possui em comum, Em sua obra posterior, porém, Phillips vai cada vez mais falar de perspectiva sociale nntidade, Menos fechado e com cariter mais relacional, o conceito de perspectiva social & capaz de cumprir a mesma fungao da identidade —o nao representavel que ‘exigea presenga politica escapando as suas dificuldades, sobretudo ‘um essencialismo em potencial. Ele vai ser mobilizado para justi- ficar de forma mais sofisticada as demandas por presenga, fugindo tanto da concepsio de que as mulheres possuem uma sensibilidade 208 Luss FEUPE wiGueL diferenciada que as credenciaria & posigio de vetores de uma poli- tica mais altrufsta e humana quanto da visio de que elas precisam ‘ecupar espagos de poder para defender seus interesses especificos, que levaria a questo espinhosa: quem define quais sio 0s interesses das mulheres? O conceito de perspectiva social vai ganhar curso a partir, sobretudo, da obra de Iris Marion Young. A discussio adqi centralidade em Inclusion and Democracy (Incluséo e democracia] (2000), em queela sededica areunire sistematizar sua reflexao sobre ‘0s problemas da representacio politica. Mas se liga estreitamente a polémica sobre o ideal da imparcialidade, que estrutura Justice and the Politics of Difference [Justiga ea politica da diferena] (19902), € também seus textos dos anos 1970¢ 1980 sobre corpo eexper vivida, que foram reunidos na [Langando como uma menina] (1990b) e depois republicados, ao lado de trabalhos posteriores com enfoque similar, em On Female Body Experience [Sobre a experiéncia femninina do corpo] (2005), Na formulasio mais sintética e operacionalizvel, perspectiva social é definida como “o ponto de vista que membros de um grupo tiém sobre processos sociais por causa de sua posigao neles” (Young, ‘No entendimento da prépria autora, a principal van- tagem de recorrer aesse conceito é que ele captatia asensibilidade da experiéncia gerada pela posigao de grupo, sem postular um contetido unificado ~ é um ponto de partida, nao de chegada. ‘A representacao politica, entao, englobatia trés facetas:interesse, opinidoe perspectiva (Young, 2000, p.134-6). Naose tratadenegar allegitimidade da busca da satisfagdo de interesses entendidos como instrumentos para a realizacao de fins individuais ou coletivos, por respondendoem linhas gerais dduas facetas, porém, estatiam bem incorporadas nas compreensbes correntes sobre a representaciio politica. O esforgo seria acrescentar a terceira faceta, a das perspectivas, que engendra a exigéncia de resenga, DEMOCRACIAEREPRESENTAGAO 209 Creio quea producio doconceitode perspectiva social atravessatrés conjuntos de problemas, Primeiro,entendimentodoqueconstitui um ‘grupo social; em seguida, o valor ou auséncia de valor da imparcia- lidade como eritério de justica; por fim, a relagao entre experiéncia vivida e pensamento, As respostas que Young apresenta aos dois primeiros problemas sio mais slidas que aquelas dadas ao terceiro, Fonte de parte das dificuldades surgidas na utilizagao do conceito, Young assinala que a filosofia politica em geral no éapta a lidar ‘com a nogio de grupo social, incapacidade que ela atribui a visio individualista dominante. Quando um “grupo” aparece na sofia politica, ou bem é sob a forma de um conjunto de individuos que compartilham de uma caracteristica comum identificada pelo observador externo (o grupo dos maiores de 65 anos, 0 grupo dos que vivem com menos de um délar por dia, o grupo dos que tém olhos castanhos), ou bem é como uma reunigo de individuos que decidem agir em defesa de um interesse comum. Nos termos da autora, sio agregados ou associagdes (Young, 19902, p.43). Ambos ‘8 entendimentos sao insensiveis ao cardter constitutivo do grupo, que 60 aspecto relevante para Young, Um grupo social, diz ela, édefinido em primeiro lugar “no por ‘um conjunto de atributos compartilhados, mas por um sentido de identidade” (Young, 1990a, p.44)# Nao é um agregado formado iduos reunidos por alguma classificagéio menos ou mais rem uma associagio cujos integrantes possuem selves & interesses constituidos de forma independente de seu pertencimento a cla: as pessoas formam associagées, mas os grupos constituem os individuos (Young, 1990a, p.#4-5). A pluralidade de grupos sociais é formadora, assim, da pluralidade de visbes de mundo, de valores, de ‘concepgGes do bem que caractetiza as sociedades contemporineas, asidentidades pessoas gear wm sentimento de bem comuum que transcende ‘oindividualisma (Rousseau, 1964a [1762], 359). 210 wis FEUPe MIGUEL Young vé essa pluralidadeea diferenciagio de grupos da qual ei desejével. Numa démarche comum a0 eneizante ¢ substituido pela valorizacao das miiltiplas diferengas identitarias, E bem verdade que, a esse respeito, cabe consid. atencioa ressalvafeita por Nancy Fraser sobreo que chama sii indiferenciada e acritica da politica da difereng 190) —que nao distingue entre diferencas nefastas, que devem ser abolidas (como a diferenca de classe), e diferencas que expressam ‘a diversidade humana e devem ser afirmadas. Porém, apesar dessa ponderacio, odeslocamento de uma visdo niveladora para uma visio complexa da igualdade é bem sustentado, Tal movimento se liga, no pensamento de Young, a uma fundamentada critica ao ideal de imparcialidade, cujo pano de fundo é a discussio gerada pela te da justia de John Rawls (analisada com maior cuidado no capitulo “"Representacao e justica Em Rawls, a imparcialidade, que nasce da auséncia de posigdo social, é uma condicio necessiria (e, a0 lado da razéo, suficiente) para a construcio de uma compreensio vélida e universalizivel da iuitos debates que Uma teoria da justica provoca is importantes questionam a nogio de tivas, subjacente a ideia de posigao original.’ Em Justice and the Politics of Difference, Young comega por ressituar o debate, passando da abstragio dos principios gerais para uma constatacao situada hhistoricamente: “justiga social significa a eliminagdo da dominagio e opressio institucionalizadas” (Young, 19908, p.15). Longe de ser um deslocamento banal, ele indica que, da mesma forma como 08) agentes sao socialmente situados, o debate sobre justiga é 90 historicamente situado, Sao esses os desafios que a filosofia politica deve enfrentar—e aos quais a obra de Rawls ndo consegueresponder, de outra forma, dos chamados “comunitarstas” (vet DEMOCRACIAEREPRESENTAGAO 211 ideal da imparcialidade é enganoso, na medida em que nio cescapar de nossas nada perspectiva ganhar curso como sendo no situada: “lo da imparcialidade 6 imposigao de um ponto de vistadominante, we aparece diante dos outros como sendo neutro, desvinculado de “nteresses e valores (Young, 1990a, p.97). Ha, aqui, um poderoso sanismo de reprodugao das relacées de dominacio, que, a0 negar fariter situado dos discursos dominantes, faz deles porta-vozes interesse universal, em contraposicio aos interesses necessaria- inte parciais dos outros. E assim que s6 as mulheres tém sexo, 36 eros tém cor, s6 0s trabalhadores pertencem a uma classe social, ‘08 homossexuais tém orientagao sexual. Ou, para usar exemplos is concretos, na politica de classes os partidos operatios se viam \gidos a apresentar seu compromisso.com um segmento espe- asso que os partidos burgueses nao se anunciavam como is como defensores do interesse nacional, isto é, geral (ver 1989 [1985)}. E os opositores das ages afirm: smanifestam como defensores da manutengao do acesso privilegiado determinados grupos a determinados espagos (a universidade para ‘politica para os homens), ¢simem nomeda meritocracia ‘da opgao “autnoma” individual. Tgnorar os pertencimentos de grupo, como o ideal da imparciali- lca aqueles que possuem experiéncias diferentes -giadlos e estigmatiza os que se desviam do padrio ‘a0 mesmo tempo que permite que os privilegia- ignorem ou nao tematizem sua prépria especificidade (Young, 1164-5). Por outro lado, “a ideia do tomador de deciséo inciona, em nossa sociedade, para legitimar uma esteu- lecisdria antidemocraticae autoritar , porque no se observa que eles a, 212 Luis UP MIGUEL De fato, o debate pressupde uma multiplicidade de interesses, valores, de vivéncias— tudo aquilo que Rawls julga necessério a para alcangar a imparciali A critica a imparcialidade, tal como apresentada em Justice the Politics of Difference, & o momento de maior radicalidade no pensamento de Young. Deslocando-se para o terreno da represen: tacdo politica, ela afirma que a especificidade de cada grupo exige que cada um adquira um determinado conjunto de direitos ~e que ‘uma democracia reconhecedora dos grupos deve promover ativas ‘mente formas de auto-organizagdo dos membros do grupo para que reflitam sobre suas experiénciase interesses, e para dar aeles formas (Young, 1990a, p.183-4), Sao propostas das quais ela recua posteriormente, sobretudo em Inclusion and Democracy, obra marcada por stia maior aproximagiio com o deliberacionismo habermasiano — que, se nao adere a ilustio déncia das parcialidades. Assim, Young fundamenta a relagio entre grupo social e iden tidade, além de justificar sua oposicéo a imparcialidade. Mas 0 conceito de perspectiva social pressupde também uma relacio entre experiéncia e pensamento que, embora Young esteja longe de explicitar, pode ser rastreada em seus textos mais tributaérios do feminismo de Simone de Beauvoir e, tal como ele, da fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty, O recurso a nogio de perspectiva sé faz. sentido se julgamos que a experiéncia vivida engendra uma visio de mundo, wma premissa tazodivel, mas geradora de uma questo: como isso ooorre? Nao € uma relagio mecnica, nem toma a forma de uma determinacio simples} ‘0 contririo, existem mediagdes a serem levadas em conta, Nao se trata de dizer que os interesses nascem das condigies sociais objetivas, ja que Young recusa expressamente tal leitura (e perspectiva aparece precisamente como alternativa, ou de interesse). Tampouco é possivel dizer que é 0 “ser social que (1) determina a consciéneia” (Marx, 1983 [1859], p.24), pois as perspec ‘tivas aparecem como uma forma aberta de ver o mundo, marcada pela DEMOCRACAEREPRESENTAGAO 213 ibilidade especial para certos fenémenos ou aspectos de fendme- 9, escapando ao discurso estruturado e fechado que é ideologia. Ignorar os pertencimentos de grupo, como o ideal da imparciali- 1pbe, prejudica aqueles que possuem experiéncias diferentes jados e estigmatiza os que se desviam do padrio lerado geral, ao mesmo tempo em que permite que os privile- 9s ignorem ou nao tematizem sua propria especificidade (Young, 0a, p.164-S). No decepcionante capitulo sobre a hexis corporal nina, Young afirma quea mobilidade eespacialidade das mulhe- }é moldada pela tensio entre transcendéncia c imanén un experiéncia numa sociedade patriarcal, em quea mul gm Beauvoir (2009 [1949]), € forte o suficiente para nocautear seu Iversério ostensivo, atese de que, sem ser frutoda fisiologianem da a" de carater metafisico, Derrotado 0 opo- ids nao muito notavel,o raciocinio se revela de pouca valia Primeiro, porqueatensioentreimanénciae transcendéncia pode Jhador numa sociedede nem por isso a hexis corporal de um operétio homem lar & ferninina ~ a0 contrétio, é Young quem ressalva que stgumentago sobre as mulheres nao vale, por exemplo, para as que desempenham trabalho bragal pesado. Depois, porque favanga muito pouco no passo seguinte (ou reverso da moeda) ‘que maneira essa hexis corporal especifica, estruturada social- Me, estrutura ela propria, por sua vez, as vivéncias das mulheres mundo, © mesmo vale para as discussées em que ela incorpora ma da “heterossextilidade normativa”, em que 0 foco esta na percepgao de que as regras de comportamento mitam as experiéncias permitidas do que na relagao as € a producéo de uma dada sensibilidade e um a, 24-5). liferente naqueles textos em que trabalha momentos especi idade da mulher, como gravidez,aleitamento e menstruayio 214 us FELIPE wicueL Se ficarmos por aqui, a perspectiva é a incompletude; € som fruto das relages de dominagao e do cerceamento da interacio ‘omundo, sem guardar nada daquele cardter de pluralidade feeu a ser festejada e estimulada. O ideal de Rawls seria 0 nosso i apenas lamentariamos o fato de ele ser inalcangavel. perspectiva permanece dentro de uma caixa preta. Ha uma série} experiéncias, de vivéncias, associadas a posigdes sociais e inacessts veis enquanto tais aos outros, por mais empatia e solidariedade que sintam,’ Mas como isso gera uma visio distinta do mundo social @ Young nio dedica mais do que dois paragrafos ao problema, nao sem_ antes alertar que nao teria espago para desenvolver uma respostal satisfatéria, Apés afirmar que as estruturas de género co precedem a agio e a consciéncia das pessoas e que cada i possibilidades que encontra (Young, 1990b, p.25) — uma afirmagio. ‘que, imagino, valeria para outras clivagens sociais ~, ela descarta 0 rano de habitus. Considera-o excessivamente rigido jue expressam em suasideias, er» seu olhar sobre oamt postura corporal eque remetem a experiéncias pedprias de uma mul Cane oes mena texgatieanhe ica OE DEMOCRACIAEREPRESENTACA 215 ‘nos corpos vividos de Merleau-Ponty, mas quea conectasse ito mais flexivel e sensivel as dindmicas sociais do que a feno- ia preferida por Young. O ponto central, porém, no é € perspectiva fomo conceitos concorrentes, Felagiio aos quais ha que se optar (ou, no méximo, que precisam, Alindidos) nao é um ganho. Melhor ¢ manté-los como conceitos lelos, capazes de vincular as formas de conhecimento do mundo {Ses para ago tanto aos efeitos estruturantes dos campos ara entender, por exemplo, as mulheres na 8 dois substantivos da expressio, Estao -ampo social que exige a adequacio a um. ingressam, mas so mulheres, portadoras social minoritéria naquele campo e especifica lacuna, relativa a relagdo entre experiéncia e «ue traz implicagdes na forma de sua apropriagio para tica, ele permanece como uma ferramenta ‘wapaz de contribuir para a andlise quer no plano descritivo, quer Mas hé dois pontos adicionais que devem ser levados 9, oquejulgo ser uma insuficiéncia na visio bre representagao. Em seguida, sua adesio, por vezes ‘a umideal - a deliberagdo habermasiana— que compro- ides emancipatérias de seu empreendimento tesrico de que as experiéncias vividas estruturam pers- se deve fazer ouvidas nos espagos de poder les que partem de sua reflexio — a desconsiderar 216 Luis Feure wicue. Young nao é insensi a esse problema (Young, 2000, p.130), mas, quando o aborda, coloca-o & parte, dissociando-o por completo de sua discussdo sobre representacio de grupos sociais. Sua utiliza- representa¢ao"),écontraditria com sua obra anterior. Deacordo com, esse entendimento, as mulheres formariam uma “série”, uma colegio de individuos com posigoes heterogéneas, em vez de um grupo. Com isso, orisco do “essencialismo” fica afastado, mas o prego que Young page €adotar uma concepgo de grupo muito mais restritiva do que no restante de sua obra. Para as mulheres formarem uma série, mas no um grupo, estes tiltimos devem ser definidos como “coletivos autoconscientes que se reconhecem mutuamente como tendo pro- pésitos comuns ou experiéncias compartilhadas” (Young, 1997, p.34), A estimulante compreensio do grupo como algo que produz 08 individuos encontra pouco espago nessa formulagao. A ideia de serialidade em Sartre nao contempla qualquer identi- dade compattilhada—o que éimportanteno casode género, segundo a propria Young afirma em outros momentos. Creio que parte do problema advém da compreensdo subjacente de que a identidade de grupo simplesmente brotaria da experiéncia comum, queé oreverso da negacao do caréter constitutivo da representacao. © ponto final que desejo enfocar nesse sobrevoo pelo conceito de perspectiva 60 ideal parao qual ele parece apontar em muitas de suas utilizagées, incluidas ai as da propria Young. A tarefa do momento seria abrir as portas do debate piiblico para as miltiplas vozes, dar presenga as perspectivas hoje ausentes dos espacos decisorios. Feito isso, 0 resultado seria uma espécie de polifonia para a qual todos os idade grupos contribuiriam. A inclusdo, por si s6, geraria a le das decisdes €a justia ‘Trata-se de uma versio multiculturalista do ideal da esfera nos da vertenté democritica deliberativa, que discuti no capitulo “Os limites da deliberagio”. A relagao de Young com o modelo habermasiano nao DEMOCRACIAE REPRESENTACAO 217 éisenta de oscilagdes. Em Justice and the afirma expressamente seu endiosso criti eral de justiga derivada de uma concepsao ‘Young, 1990a, p.34), como adjetivo “critica” corresponcendo & sua oposi- 40 ao universalismo kantiano que contamina a obra de Habermas (Young, 1990a, p.118). Em Inclusion and Democracy, a critica esta bem atenuada e ela se situa firmemente no campo da democracia deliberativa, com seus critérios normativos sobre o tipo de discurso aceitivel para o debate ~ apenas aquele em que hé a transformacio de preferéncias privadas em apelos publicos por justica (Young, 2000, p.51), embora ela se mostre generosa ao ponto de permitir «que, secundariamente ao argumento racional, sejam incluidas @ saudago, a retdrica e 0 testemunho (Young, 2000, p.79). Mas em artigo pouco posterior ela apresenta uma critica aprofundada das clas da deliberacio, observando como ¢ distotcida pela existén- de um discurso hegeménico e, em muitos casos, conservadora (Young, 2001) ‘Alguns dos problemas associados a visio de democracia deli- berativa sio importantes para a discusséo sobre perspective, Num movimento similar ao do liberalismo, que estabelece a igualdade politica formal a despeito das desigualdades materiais, o espago piiblico discursivo ideal seria capaz de deixar as assimetrias sociais “entre parénteses”, relevando as diferencas de status, dinheiro e poder ao considerar apenas. forga dos argumentos racionais. Alem de, uma vez mais, desconectar a politicado restante do mundo social, essa posigo nao consegue tematizar as condigdes de emissio do discurso aceitivel ~0 que fazalguns grupos serem dotados da capa~ cidade de produzir “argumentos racionais” eoutros, nao. O discurso argumentativo racional nao é uma mera derivacao da racionalidade humana, mas um modelo especifico, com suas proprias regras, cons tituido historicamente. O consenso, que idealmente € oresultadodas trocas discursivas de raz6es, pode sinalizar apenas incapacidade de alguns grupos em formatar seus interesses em termos adequados. Exilados do debate efetivo, nao restariaa eles outra opgao que nio abragar preferéncias adaptativas, com 0 consenso recobrindo néo a of Difference, ela 218 wis reuPemcueL livre e igual aceitagio de todos, mas uma forma disfarcada de per» manéncia da dominagio, Sobretudo em Inclusion and Democracy, Young apresenta o pleito pela incorporagdo das perspectivas marginalizadas como um apri- ‘moramento da democracia deliberativa. Assim, ela véas diferentes ” associado a experiéncia vivida, que precisam ser incluidas no debate a fim lade da deliberacao (Young, 2000, p.136). Em. outro trecho, as restrigdes aplicadas aos discursos pelos democratas deliberativos, a fim de que sejam considerados dignos de ingressar za conversacdo publica, sao expressamente endossadas: A incluso nfo deve significar simplesmente a igualdade formal « abstrata entre todos os membros de um piblico de cidadios. Ela significa considerar explicitamente as divisées e diferenciagBes sociais e encorajar grupos diversamente situados a dar vor a suas necessidades,interesses e perspectivas sobre a sociedade, de maneira que cotrespondam a condigées de p (Young, 2000, p.119) cretas para obter tal validade e no incorrer na acusagio de favorecer algum grupo social em detrimento de outros devem neces partir de uma posigdo nao situada socialmente. Trata-se de um evi- dente retrocesso em relagio a Justice and the Politics of Difference, ‘Sem os conceitos de dominacdo e opressio — centrais naquela obra, ‘mas que empalidecem depois —a radicalidade da posigio de Young se tomainvertebrada, A urgéncia da incorporagio das vozes subalternas, €afirmada com conviegao hao reconhecimento, mais claro que em, ‘outros habermasianos, do carter conflitivo da politica (Young, 2000, p44), Mas tal conflito perde o sentido moral e torna-se, ao mes tempo, sanével pela forga do argumento racional, agora ladeado pi saudagio, ret6rica e testemunho, formas discursivas menores, que os grupos desprivilegiados talvez manejem melhor. DEMOCRACAEREPRESENTACAO 219 A enfase nas vantagens cognitivas das maltiplas perspectivas © problema dos conflitos de interesses. Surge aqui import inculagao entre as perspectivas e os ieresses. Young tende a isolar perspectivas de interesses, 0 que ne em parte devido a estratégia de exposigao de sua teoria, em por influéncia do ideal deliberativo, que julga que todos os icipantes do debate devem estar prontos a mudar de posigao te de argumentos Superiore o que limita o espago da defesa de ieresses (Young, 2000, p.139-40). Mas nao é possivel desvincu- interesses e perspectivas, exceto como artificio heuristico — ou jamos que descartara ideia de que ha um nexo entreas posigdesna ura socal ea produgio dos interesses (Williams, 1998, fim, a presenga de miltiplas perspectivassociaisno debate pablico ser vantajosa para ampliar sua qualidade epist idade de os clos se fazerem representa. sperfeita ou interrompida de Young a de sua empreitada teérica. A nogao 2a significa o enfrentamento dos padrées idos de opressio e dominacio recua diante visio procedimental, que faz a norma justa ser o fruto, qual do que éa boa sociedade, a justica e a igualdade. Be realmente uma oscilagio. Em “Activist challenges to deli- live democracy”, publicado apenas um ano apés Inclusion . vendo o proceso deliberative como nncialmente conservador, legitimador do status

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