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Margaret Way

Sombras ao Entardecer
Lord of the high valley

Ele não gostava nem confiava nela.

Depois de seu noivo, Robin, foi morto em um acidente,


Rosanne só queria algum tempo sozinha antes de retomar sua
carreira de bailarina. Mas Ross McAdam, irmão de Robin a
obrigou visitar sua família, em Queensland. Uma vez lá, ela
sentiu que Ross não tinha nada além de desprezo por ela.
Rosanne desejava saber por que ele tinha uma visão tão
negativa dela e porque de repente se importava tanto com isso!
Capitulo 1
Quando Rosanne abriu os olhos, havia um homem debruçado na janela do seu quarto, apreciando a paisagem dos jardins
do hospital de Queensland, na Austrália. Mesmo estando de costas para ela, sabia instintivamente que não se tratava de um
médico. Os médicos geralmente têm uma aura de confiança e compaixão, não de desconfiança.
Era um homem alto, com uma postura imponente, bonito, e isso inexplicavelmente lhe despertou medo. Quem poderia
ser?
Ela deve ter feito algum ruído, pois ele imediatamente se virou em sua direção.
— Então você está acordada...
— Sim — disse ela, cobrindo com o lençol a parte superior do corpo. — Você não é médico, é?
— Não, não sou.
Puxou uma cadeira para perto da cama e apoiou-se no encosto com os braços musculosos.
— Meu nome é McAdam, srta. Grey, Ross McAdam.
— Oh! — exclamou, surpresa, arregalando os olhos azuis. — O irmão de criação de Robin. Ele me falou sobre você.
— Falou? Bem, para sua informação, ele também me falou sobre você.
— Por que está falando comigo assim? Por quê, para minha informação?
— Você não suporta me ouvir, não é? — perguntou Ross num tom irônico e agressivo.
— Eu não sei do que você está falando. Sei é que nunca vou me esquecer da tragédia que nos atingiu. Nunca!
— Remorso, Rosanne? — provocou-a.
— Foi um acidente, você sabe. — Ela fez um esforço enorme para conter as lágrimas.
— Só que eu não vim aqui para discutir isso.
— Então, veio para quê?
Naquele momento ela queria poder ficar de pé para sair correndo dali. Aquele homem não tinha a menor compaixão por
ela, não se importava com o que ela tinha passado.
— Gomo poderia deixar de vir, se você não tem ninguém?
— Eu tenho amigos.
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— Claro que tem, mas são todos de sua idade e certamente nenhum deles é capaz de tomar conta de você durante sua
convalescença...
— Não me diga que está se oferecendo... — Escondeu as mãos sob o lençol para disfarçar a tremedeira.
— A mãe de Robin quer conhecê-la. Dá para imaginar que ela queira, não dá? — Seu olhar era gelado.
Ela olhou para ele, viu as linhas duras que marcavam seu rosto e tentou se explicar.
— Sinto muito, sinto muito...
— Por que não pode agir de uma forma correta e natural?
— Eu não tenho esperança de que venha a entender isso, mas logo que eu e Robin ficamos noivos, eu implorei a ele que
contasse para sua mãe, para a família.
— Só que eu tenho uma carta dele que desmente isso.
— Mas é impossível!
— Eu poderia mostrá-la a você, só que este não é o momento adequado. Iria deixá-la ainda mais magoada.
— E o que você pensa que está fazendo agora, senão deixar-me magoada? É óbvio que você não foi com a minha cara.
— Você acha? — Seus olhos se encontraram.
— Por que você não acredita em mim? Foi Robin quem insistiu em manter tudo em segredo, foi ele. Ficou inclusive
muito zangado comigo quando propus que escrevesse.
— E você não o fez.
— Não. Pelo menos ele estava certo sobre alguma coisa: disse que vocês não aprovariam, que não iriam gostar e era
importante que aprovassem.
— O quê? A ligação de uma bailarina com um jovem milionário?
Por um momento Rosanne ficou em silêncio, parecendo triste.
— Como você é cruel!
— E você, não é? — Olhava para ela de uma forma estranha, como se estivesse tentando descobrir o que se passava em
sua cabeça.
— Não! Não mesmo! — Rosanne colocou as mãos trêmulas na boca.
— De qualquer forma, minha mãe de criação quer conhecê-la, tomar conta de você. Está desesperada com o que acon-
teceu e não pára de chorar.

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— É mesmo? — De repente, ela parou para pensar na dor que a pobre mulher devia estar sentindo.
— Agora você já sabe — disse ele, levantando-se da cadeira e encarando-a.
— E o que você quer que eu faça?
— Quero que venha comigo para High Valley.
— Não, eu não posso. Muito obrigada, mas eu não posso.
Rosanne não conseguia aceitar a ideia de fazer qualquer coisa com aquele homem, que mais parecia um inimigo.
— Mas vai ter de vir. Você deve isso a Marta.
— Robin escreveu para a mãe também?
— Não, só para mim. Ele a chamou de feiticeira, e eu posso confirmar isso pelos seus olhos azuis.
— Mesmo assim, ele me amava.
— A mim pareceu mais um certo fascínio.
— Seja o que for que Robin tenha lhe escrito, ele deve ter tido suas razões. Eu entendo por que ele disse essas coisas
sobre mim. Quis a sua aprovação a vida toda e nunca teve.
— Continue. O que mais ele lhe contou?
— Qual a razão de estarmos discutindo isso? Robin está morto agora, e eu queria ter morrido com ele.
— Você o amava? — Seus olhos mostravam dúvida.
— Por que você acha que eu me tornei sua noiva?
— Você é órfã, não é?
— Não tenho família. Mas não há nenhum mistério com minha família, sr. McAdam. Com certeza, você já deve ter feito
uma investigação.
— Digamos que eu sei tudo que preciso saber sobre você.
— Como você é inflexível! Está aí me censurando por tudo, mesmo sabendo que foi um acidente. O outro carro simples-
mente surgiu na nossa frente...
— E Robin não parou no sinal vermelho. Você estava sentada ao lado dele, srta. Grey, e vocês deviam estar muito
distraídos. Com o quê? Discutindo?
— Sabia que pensaria isso. Mas era muito tarde e Robin costumava ser meio desatento na direção.
— Então o que é que você tem na cabeça para ter ido com ele?
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— Por favor! — Rosanne levou as mãos ao rosto e chorou compulsivamente.
— Perdão. Mas foi chocante para nós. Minha mãe nunca irá se recobrar do choque. Ela adorava o filho, embora ele
levasse aquele tipo de vida...
— Como você adorava?
— A minha atitude não desculpa a dele, srta. Grey.
Rosanne percebeu que ele estava jogando sobre seus ombros todo o peso da responsabilidade pelo que acontecera.
— Você é tão insensível!
— Posso parecer, mas a verdade é geralmente muito difícil de ser suportada. Mas, o que quer que você pense sobre a
minha pessoa, não importa. O que conta agora é a minha mãe.
— Ela não deve gostar nem um pouco de mim.
— Ela vai gostar da sua aparência, e eu estou certo de que você saberá dar um jeitinho no resto. Representar deve ser
fácil para uma bailarina.
— Eu não vou, não quero ser usada.
— Eu conversei com o seu médico. Ele disse que vai levar de seis a oito semanas até que você esteja boa para voltar ao
seu trabalho exaustivo. Nesse meio tempo, você vai dar conforto a quem precisa.
— E só isso que você quer de mim?
— E é também por você, pois parece estar muito fraca: qualquer vento mais forte leva você.
— Tenho que pensar nisso.
— Diga logo sim e poupe tempo. Francamente, eu não sei que outra opção você teria.
— Você ainda soa como um inimigo. Não sei por quê, mas você está decidido a me odiar.
— Minha cara criança, ódio é uma palavra muito pesada, você não acha?
— Mas você me odeia!
— Por Deus do céu, você era a noiva de Robin! É evidente que você agora precisa de cuidados, e nem eu nem minha mãe
podemos fechar os olhos diante desse fato. Se Robin estivesse vivo, você iria se tornar um membro da família. E, na situação
atual, tenho que lhe informar que Robin não lhe deixou nada em testamento. O dinheiro dele será revertido para o High
Valley.
— Para você!

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— Pelo jeito, você e Robin conversaram bastante.
— Ele me falou muito pouco sobre a sua casa.
— Mas, como ele nunca trabalhou na vida, tenho certeza de que você logo descobriu que ele era rico.
— E daí? Por que você está falando em dinheiro? Eu nunca pedi nada a ele.
— Tenho certeza de que seu anel de noivado é grande e brilhante como seus olhos. Não chore, por favor...
— Por que deveria? — Mas logo em seguida seus olhos estavam rasos d'água. — Eu nunca fiz nada que pudesse me
desmerecer. Robin me deu algo muito mais importante que presentes caros. Ele me deu segurança e confiança. Era tão terno
e amigo, e tão divertido! Nunca tinha me divertido em minha vida, antes. A tia que me criou depois que meus pais morreram
não era muito tolerante.
— Mesmo assim ela encorajou seus talentos?
— No começo era só um jeito de se livrar de mim nas manhãs de sábado. Depois ela foi ficando um pouco orgulhosa de
mim. Era interessante ter uma sobrinha com um certo nome e que podia pagar suas próprias mensalidades. — Ela não
mencionou as aulas que sua maravilhosa professora lhe dava de graça.
— E Robin, adorava sua dança?
— Ele achava perfeito. — Seu olhar tornou-se sonhador, como se estivesse se lembrando de coisas.
— Interessante. Com certeza ele não era o único.
— Que gostava da minha dança?
— Não, que gostava de você.
— Está certo, ele deve ter lhe falado de André. Mas foi um mal-entendido. Eu tinha me machucado e André estava ten-
tando me consolar.
— Eu não acho que você acredite mesmo nisso, como Robin também não acreditou.
— Eu nunca pensei que ele fosse ciumento.
— Senão teria sido mais discreta?
— Pense o que quiser sobre mim, mas você está muito enganado. Meus talentos são só para a dança.
— Esqueça, garota, eu sei tudo sobre você.
— Foi Robin quem lhe contou? O quê, por exemplo?
— Muitas coisas. E você é exatamente como eu pensava.

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— Não estou entendendo.
— Quantos anos você tem, afinal? Dezoito, dezenove? Ou você só funciona num mundo de faz-de-conta?
— Talvez você esteja certo. E como você sabe tanta coisa a meu respeito, deve saber também que eu fiquei órfã muito
pequena, sem um tostão, sem lar e sem amor. Na verdade, eu nunca soube o que era segurança.
— A não ser no palco.
— É o meu mundo, eu pertenço a ele.
— E então você lutou para conseguir um bom marido...
— Não. Foi Robin quem lutou por mim — Rosanne disse a pura verdade.
— E você não fez nada para conquistá-lo, é claro. No entanto, sua melhor amiga me contou que você tinha um certo
plano para seduzi-lo.
— As pessoas dizem o que querem...
— Mas, embora eu não acredite em tudo o que dizem, pelo menos meia dúzia de pessoas da sua companhia falaram da
sua capacidade de conquista, tanto dançando como em outras circunstâncias.
— Você está me magoando. E parece gostar disso.
— Eu não estou querendo magoá-la, mas há um preço que se paga por tudo o que se faz.
Ross olhou para ela demoradamente, examinando-a da cabeça aos pés. Rosanne sentiu-se muito mal.
— Você não o amava, não é?
— Como pode dizer isso?
Claro que ela não amava Robin, não com aquela paixão que se costuma ler nos livros, pois não acreditava que isso
pudesse acontecer com ela. O mais importante era se sentir amada e querida. Robin dava-lhe segurança, pois ela era muito
jovem e sozinha no mundo.
— Eu posso afirmar isso. Robin me confidenciou.
— Ele não lhe confidenciou coisa alguma...
Rosanne lembrou-se do temperamento instável e divertido de Robin. Era isso o que mais a tinha atraído. E também seus
olhos negros e profundos. Era tão diferente do irmão adotivo, ali à sua frente.
— Parece que você está se lembrando...

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— Você não acredita em mim porque não quer. Eu não sei bem o que Robin lhe contou, mas eu nunca o traí. Ele
pensava...
— Como todo mundo...
— Não! Robin sempre foi muito doce comigo, mas ele era um pouco perseguido pela idéia de estar sendo traído às es-
condidas. Eu nunca tinha percebido isso até...
— André?
— André é apenas um amigo.
— E você achou que poderia manobrar tudo. Uma garota como você, habituada a jogar...
— Então por que quer que eu o acompanhe, se é esse o juízo que faz de mim?
— Já lhe disse. Você é a única pessoa que pode ajudar minha mãe a se reerguer. E eu não disse nada a ela que pudesse pôr
em dúvida o seu caráter.
— O que eu tenho certeza que fará, tão logo ela fique boa novamente.
— Claro.
— Você me choca!
— Eu sei muito bem como você se sente.
— Ah, sabe? — Rosanne deu uma risada cínica. — Intrigas acontecem em todos os lugares e sempre, com os mais
diferentes propósitos. Obviamente, alguém está tentando fazer com que você não acredite em mim, e você não se importa
em verificar se é verdade ou não.
— A grande tragédia é que eu não posso checar isso com Robin. Por que então ele mentia para todo mundo, se amava
você?
— Não sei. Talvez eu não o conhecesse realmente bem. Eu tenho apenas dezenove anos e nunca aprendi nada além de
como me exprimir num palco. Balé tem sido tudo para mim, uma vez que não tinha mais nada a que me dedicar.
— Pelo que eu soube, você sempre teve muitos admiradores...
— Isso sempre acontece quando uma pessoa dança bem.
Ele fez uma pausa, foi até a janela e voltou-se para ela.
— Você está cansada.
— Estou, mas vou me sentir muito melhor quando você for embora.

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— É melhor fazermos um pacto agora. Na frente de Marta, seremos amigos e viveremos bem, certo?
— Por quanto tempo?
— Alguns meses.
— Não suporto pensar nisso.
— Se você fizer bem a sua parte e ajudar Marta, eu a mandarei de volta a esse seu pequeno mundo com uma boa margem
de lucro.
— Seu monstro! — Atirou o travesseiro nele. — Nunca pensei que pudesse existir alguém tão desprezível!
Ele pegou o travesseiro calmamente e ajeitou-o nas suas costas.
— Eu me preocupo muito com minha mãe, e você, querendo ou não, vai ter que vir comigo e sem causar problemas.
— E se eu não for?
— Você acha mesmo que pode pagar todas as contas do hospital? Este é um apartamento de luxo e você teve o melhor
atendimento.
— Oh, meu Deus! — Rosanne deitou-se de novo, parecendo frágil e cansada. Que estúpida tinha sido em não perceber
que estava num quarto particular e não numa enfermaria! Mas não o percebera porque a tinham mantido dopada a maior
parte do tempo, para aliviar o choque do acidente. Agora o que doía não era o seu corpo, mas o fato de ter que encarar uma
terrível realidade. Como iria sobreviver, já que não poderia trabalhar nos próximos meses? Tentou manter o seu orgulho
inabalável:
— Darei um jeito para lhe pagar.
— Mas não agora.
A insolência dele a tinha tirado de seu estado normal; seus olhos espelhavam rancor e decepção.
— É que eu não acho que as bailarinas ganhem o suficiente, a não ser que sejam realmente famosas.
Rosanne não disse nada, odiando a forma prepotente com que ele a olhava. Melhor era deixar que ele pensasse o que
quisesse a seu respeito. Para Ross, ela não passava de uma mulher sem escrúpulos, que levava os homens à destruição. Ele
pareceu-lhe, mais do que nunca, estranho, frio e ameaçador. Rosanne estava abalada demais com aquelas acusações: Robin
tinha sido a pessoa mais importante de sua vida até então, mesmo que nos últimos tempos a viesse traindo. Estava magoada
também com Robin pois, mesmo que ele tivesse acreditado que ela o havia traído realmente com André, não havia
justificativa para o fato de ter escrito ao irmão contando tudo.

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Agora teria que reconsiderar os últimos acontecimentos e analisar Robin, "Pobre Robin, deve ter escrito para desabafar",
pensou.
— No que está pensando? — Ross McAdam aproximou-se da cabeceira da cama, encarando-a com seriedade.
— Em como é terrível alguém procurar vingar-se.
— Você é muito fantasista.
— É que essa imagem de vingança se encaixa perfeitamente em você.
— Não importa. A única coisa que realmente interessa é você ajudar Marta, que a espera de braços abertos.
Rosanne virou-se lentamente na cama, procurando se acomodar melhor.
— Bem, acho que é tudo o que tinha a dizer. Volto para High Valley no final da semana, quando você já deverá ter
recebido alta do hospital.
— E minhas roupas? Eu tenho que ir até minha casa para fazer as malas.
— Acho que posso arrumar tudo o que precisa.
— Perdoe-me, mas você não pode. Minhas roupas talvez sejam um tanto inadequadas para os seus padrões, mas é com
elas que eu vou.
— Como queira. Então, até sábado, srta. Grey.
— Deve ser fácil, para um homem com certo poder, subjugar as pessoas.
— Mas, apesar de toda essa fragilidade, parece que você tem algo dentro de si. Nunca me interessei muito por balé, mas
fui informado de que você é uma ótima profissional.
— Talvez você me veja dançar um dia.
— Acho que será difícil. Sou um homem bastante ocupado e com pouca sensibilidade.
— Isso eu sei.
Rosanne sentiu um nó na garganta, um misto de excitação e ódio. Tinha ímpetos de gritar e dizer muitas verdades
àquele homem. Mas um rapaz jovem e de aparência irreverente entrou no quarto e olhou para os dois interrogativamente.
— Desculpem-me, não estou interrompendo?
— Eu já estou de saída.

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— Como é que você está, garota? — André aproximou-se de Rosanne carinhosamente. Sua voz era tão delicada quanto o
sorriso que esboçava. Rosanne sempre fora sua bailarina favorita. Sempre faziam um par, mas nunca tinha havido nada além
disso entre eles.
— Não vai nos apresentar?
André virou-se na direção do outro homem com um sorriso muito gentil.
— André Lestrange, senhor...
— Ross McAdam, prazer.
— O irmão de Robin?
— Irmão adotivo. Se não me engano, você não gostava muito dele, verdade?
— Não, sinceramente, não. Mas lamentei muito sua morte tão trágica. Mesmo por Rosanne, que também poderia estar
morta a essa altura.
— Mas por sorte não está...
O tom de voz de Ross deixou André nervoso.
— Estamos todos muito empenhados em cuidar de Rosanne. Nós todos a amamos.
— Como a uma irmã...
— No balé temos muitos deveres um para com o outro. E Rosanne faz parte desse mundo.
— Sem dúvida, ela vai lhe contar que irá comigo para High Valley. Minha mãe insiste em que ela se convalesça em nossa
companhia.
— Sim, claro — respondeu André para encerrar o assunto, pois achou melhor evitar uma discussão.
Depois que Ross saiu, André aproximou-se de Rosanne.
— Como é que você aceitou, querida?
— Eu devo isso à mãe dele, nós nunca nos conhecemos.
— Senti medo daquele homem. Estranho! Por que é que eu fui sentir esse medo?
— Acho que ele provoca isso em todo mundo.
— Ah, então você também sentiu. Ele parece um senhor feudal.
— É isso mesmo — concordou Rosanne. — Mas que estranho você ter chegado exatamente naquele momento...
— Por quê? Isso tem importância?
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— Acho que Robin citou seu nome numa carta para Ross.
— Meu Deus! Então foi por isso que ele estava me olhando daquele jeito estranho. Deve ser um homem que exige fideli-
dade total à memória de Robin...
— E é.
— Ninguém diria que eram irmãos, nem mesmo adotivos. Não há nada em comum entre eles.
Uma enfermeira entrou no quarto, interrompendo a conversa dos dois.
— Hora do remédio, minha querida.
— Devo me retirar? — perguntou André à enfermeira simpática de rosto rosado, que parecia encabulada.
— De forma alguma.
A enfermeira estava perturbada por estar em frente ao seu bailarino favorito, mas ele nem notou isso.
— São só dois comprimidos — disse ela, colocando a medicação ao lado da cabeceira da cama.
André estava esperando que a enfermeira se retirasse.
— Se precisar de alguma coisa é só apertar a campainha, está bem?
Assim que a enfermeira se retirou, a conversa entre os dois foi retomada.
— Como você acha que vai ser tratada na casa da mãe de Robin? Estava pensando agora e relacionando certos fatos. Na
semana passada Ross McAdam quis conversar com alguns elementos da companhia. Por que você acha que estaria fazendo
isso?
— Para conhecer de perto os meus amigos.
— Isso não é bom. Caso ele tenha conversado com Danielle, deve ter ouvido muitas coisas. Você conhece a língua dela.
Danielle é cruel e odeia você pela sua beleza e pela magia que você consegue emprestar a seus movimentos. Jamais perderia
uma chance de desmoralizá-la.
— O que você acha que ela pode ter dito?
Rosanne se sentia mais insegura, agora. Danielle era uma bailarina talentosa, com um bom preparo físico, mas nenhum
elemento da companhia gostava dela, por causa de sua indiscrição.
— Ela poderia dizer, por exemplo, que eu e você tínhamos um caso, escondido de seu noivo. Ou que você gasta todo o
seu tempo fazendo charme para deixar os homens apaixonados. Eu já a ouvi dizer isso.
— Mas por que ela iria querer me prejudicar?

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— Inveja, meu bem, e inveja é como um ácido.
As palavras de André a preocuparam. Lembrou-se de quanto Danielle já havia prejudicado as pessoas, de todas as fofocas
que havia feito para separar seus amigos, Lisa e Ray. E agora André confirmara que Ross McAdam tinha conversado com
alguns elementos da companhia. E ele tinha mencionado uma amiga que tinha lhe dado informações.
Não tinha sido à toa que ele a chamara de vulgar e convencida. Danielle devia ter lhe contado muitas mentiras; as duas
tinham disputado uma promoção e fora Rosanne quem a conseguira. Danielle jamais se conformara com isso.
— Por quanto tempo você vai ficar longe de nós? Uma bailarina não pode se dar ao luxo de parar, não pode perder
tempo.
— Mas eu preciso de um tempo, André. Robin acaba de morrer e eu também quase fui nessa.
— Você não pode ficar se torturando tanto pela morte de Robin. Ele pode ter significado muito para você, em termos de
amor e segurança, mas não há dúvida de que era uma pessoa estranha. Por exemplo, ele nunca trabalhou, e mesmo os ho-
mens mais ricos do mundo trabalham. E ele não ia dividir você com o balé; com certeza você teria de interromper sua
carreira. Você se lembra daquela vez em que ele nos surpreendeu juntos, exatamente como agora, simples amigos, e teve
aquela reação ridícula? Que Deus cuide bem de sua alma, mas você tem que encarar Robin como ele realmente era, Rosanne,
e concluir de uma vez que ele não tinha condições de fazê-la feliz. Era uma pessoa muito problemática.
André sabia por que Rosanne tinha ficado noiva de Robin. Ela nunca tinha conhecido o amor na vida e precisava muito
de carinho. Robin soube supri-lo. Soube, pelo menos, aliviar sua carência por certo tempo, mas eles tinham pouco em
comum.
Rosanne permanecia em silêncio, mas as lágrimas lhe escorriam pelo rosto. Seus pensamentos estavam tão distantes que
não percebeu que André olhava excitado para ela, sem esconder quanto a desejava.
— Com licença...
— Ah, então você resolveu voltar — disse André a Ross McAdam, que estava parado na porta.
— Sim, estou de volta.
— Para quê? Para me pegar em flagrante?
— Não acho que deva me preocupar com você de forma alguma. Agora, por favor, saia.
— André, por favor, fique — Rosanne pediu, como uma criança desolada, medrosa.
Mas André sabia que, se resolvesse brigar com Ross McAdam, ele poderia lhe quebrar os ossos. No entanto, disse:

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— É extremamente necessário que Rosanne não seja perturbada. E você deveria saber que tudo o que ela precisa é
conforto, numa hora dessas. Que tal você cair fora, e não eu?
Ross partiu furioso na direção dele, agarrando-o pela gola da camisa, mas hesitou e parou de repente.
— Está certo, deixe para lá. Eu sei o que essa garota costuma provocar nos homens.
— Oh, André! — Rosanne percebeu que ele não poderia ficar mais tempo ali, depois de uma cena daquelas. André estava
morrendo de medo, via-se nos seus olhos. Rosanne odiou Ross McAdam por essa atitude.
André foi saindo em direção à porta e acenou para ela.
— Sinto muito, querida, mas eu não sou o que você pode chamar de um homem extremamente valente. Sr. McAdam... —
acenou de longe e saiu.
— Você é realmente um quebra-cabeça, sabia? Não se nota nenhum sintoma de paixão em você. Parece que nunca sentiu
nada na vida, e mesmo assim tem a fama de provocar os homens.
— Quem lhe disse isso? Danielle?
— Vi com meus próprios olhos.
— Você deve se orgulhar de estar atuando como um espião. Que atitude mais nobre...
— Admito que sim, mas o que há de errado em informar-me a seu respeito? Você mesma me sugeriu que o fizesse.
Rosanne percebeu que não ia adiantar tentar se defender; Ross já tinha formado um conceito sobre ela e seria inútil
argumentar.
— Sr. McAdam, eu gostaria de ficar só. Será que dá para o senhor ir embora?
— Eu só vim para lhe dizer que conversei com o médico e ele me informou que você vai receber alta um dia antes do
previsto. O dr. Haarman vai providenciar para que entremos em contato.
Rosanne não disse nada, mas ao se ver novamente sozinha, começou a pensar sobre aquele homem difícil, prepotente,
que chegava a assustá-la. Sua única esperança era que a mãe dele fosse diferente. Devia ser muito compreensiva por estar
querendo ajudar uma moça que nem sequer se dera ao trabalho de lhe escrever, só para não desobedecer a Robin.
Rosanne passou o resto do dia num terrível mau humor. As tentativas do dr. Haarman para animá-la, brincando e fa-
zendo piadas, foram inúteis. A única realidade que conseguia ver pela frente era o fato de ter que ir para High Valley.

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Capitulo 2
Rosanne estava nervosa no avião, sentindo um pouco de mal-estar. Nunca tinha feito um vôo tão longo, e tudo o que
queria era sair dali. Além do mais, Ross fazia com que sua claustrofobia aumentasse.
— Você não está com enjoo, está? — perguntou ele.
— Um pouco.
Essas tinham sido as primeiras palavras que trocaram durante a viagem.
— Acho que vou piorar — disse ela, ao sentir uma ânsia mais forte.
— Por que não fecha os olhos ao invés de ficar aí, tremendo como uma criança?
— Você consegue ter amigos?
— Por quê?
— Por que se você trata a todos como me trata, não deve ter nenhum.
— Verdade? Pois eu pensei que a estivesse tratando muito bem. Achei até estranho que você nem tivesse me agradecido.
— Eu já lhe disse que vou encontrar um meio de reembolsá-lo.
— Onde está a esmeralda?
— Meu anel?
— Sim. Percebi que você não o usa.
— Está pendurado nesta corrente, no meu pescoço — disse ela, mostrando-o.
— Aposto que você não sabe de onde vem esse anel.
— De um ótimo joalheiro.
O anel tinha uma pedra enorme de esmeralda e vários brilhantes em volta.
— Dê-me esse anel.
— Agora?
— Sim. Você não pode usá-lo, esse anel pertenceu à minha mãe.
— Mas Robin me deu.

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— Sim, ele deu, mas sem o conhecimento de ninguém.
— Não posso acreditar! — Entregou então o anel para ele, que o colocou no bolso do paletó.
— Minha querida, acho que você sabia muito pouco sobre Robin.
Rosanne olhou para ele, indignada, e corou. Seu rosto ficou ainda mais bonito.
— Tudo o que eu lembro é que ele era muito gentil comigo, atencioso, sempre me mandava flores...
— Nenhum desentendimento? Nunca?
— Nunca.
— Você não quer admitir.
— Não para você, pelo menos.
O céu estava lindo, com vários tons de vermelho e amarelo. Rosanne olhou pela janela e viu vários rebanhos,
branquinhos e extremamente pequenos vistos daquela altura.
— É tudo tão grandioso...
— Maior que um palco. — Ele a provocava novamente..
— Por que não posso usar o meu anel de noivado?
— Não se preocupe, já providenciei um de diamante, maravilhoso, para substituí-lo.
— Por favor, não faça isso!
— Não gosta de diamantes?
— Prefiro flores...
— Seria meio ridículo se tivesse uma flor enrolada no dedo. Eu gostaria que você se esquecesse de que um dia Robin lhe
deu esse anel, como se nunca o tivesse visto.
— Por acaso você está tentando me dizer que Robin roubou o anel? Não posso acreditar!
— Provavelmente ele estava fascinado pelos seus olhos azuis.
Eles estavam passando sobre alguns prédios altos agora, e Rosanne não conseguia encontrar conforto nem na paisagem.
— Por favor, ajude-me...
Ela não sabia se chorava ou se gritava, pois estava realmente desesperada.

16
— Você vai mesmo precisar de ajuda. Já estamos chegando e as pessoas que você vai encontrar são os Grant-Taylor. Eu
os conheço desde que nasci. Clive era um grande amigo de meu pai, e sua mulher, Sarina, foi dama de honra no casamento
de minha mãe. O filho deles, Philip, morreu numa corrida de carros há três anos. Agora eles só têm Francine.
— E todos conheciam Robin?
— Claro que sim.
— Então vou precisar de muita coragem.
— Tanto quanto você vai precisar para encarar High Valley.
Preocupado com a aterrissagem, Ross não tomou mais conhecimento da presença de Rosanne. Ela se sentia muito mal; o
cinto de segurança lhe apertava a cintura e ela estava à beira de uma vertigem. Mas, assim que aterrissaram, conseguiu
relaxar um pouco.
— Você vai ter que se acostumar a voar bastante, se for ficar algum tempo conosco.
Assim que o avião parou de fazer as manobras na pista, Rosanne olhou pela janela.
— Não virá ninguém nos esperar?
— Francine deve estar tentando localizar o avião.
Rosanne parecia tão desprotegida, sem saber o que fazer, que nem mesmo tomou a iniciativa de tirar o cinto de segu-
rança. Ross resolveu lhe dar uma mão.
— Vamos tirar isso, não precisa mais.
Ele começou a andar em direcão à porta do avião e ela o seguiu, sentindo as pernas tremerem. Ross deu alguns passos e
parou. Virou-se para Rosanne, segurou sua mão direita e nela colocou um anel de brilhantes.
— Sinto muito que não seja como da outra vez...
— Eu odeio você.
— Depois de tudo o que fiz por você? — perguntou com ironia.
— Não tenho certeza de que vou conseguir sair deste avião. Você mexe com os meus nervos.
— Que conversa é essa? Você parece tão vulnerável... Mas deixe que eu desça primeiro — disse ele.
Ross foi descendo a escada e Rosanne o seguiu.
— O que você costumava dizer para si mesma quando era pequena? "Eu consigo fazer tudo o que quiser", não?

17
Do lado de fora do avião estava muito frio, apesar do sol forte que iluminava seus rostos. Rosanne percebeu que ele lhe
dirigia a palavra, mas não conseguia ouvi-lo. De repente, não enxergou mais nada: desmaiou, caindo nos braços fortes de
Ross McAdam.
Quando voltou a si, estava deitada sob a sombra de uma árvore. Ross a segurava nos braços e um rapaz a abanava com
um pedaço de papelão.
— Fique calma, moça, foi só um desmaio.
Rosanne ficou extremamente encabulada.
— Por que não a levamos para casa? — propôs uma jovem ao lado de Ross. Era Francine.
— Ela não está em condições de viajar.
— Eu estou bem.
— Ah, está? Pois eu não acho muito normal as pessoas irem desmaiando sem mais nem menos.
— Algumas pessoas não se sentem bem voando, só isso.
— Mas você acabou de sair do hospital e eu não deveria tê-la trazido num vôo comercial — observou Ross.
— Do que você está se censurando? — perguntou Francine, olhando fixamente para ele. — Não seja tolo!
— Olhe só para ela...
— Só me parece um pouco desamparada.
Francine sentou-se ao lado de Rosanne novamente, dispensando a ajuda do rapaz que a abanava. Francine era o próprio
retrato da pessoa saudável: alta, queimada de sol...
— Assim que você estiver em condições de andar, querida, iremos para casa. Mas não se apresse, fique tranquila.
— Você deve ser Francine...
— Sinto muito, nessa confusão nem fomos apresentadas.
— Desculpem, a falha foi minha — disse Ross.
— De qualquer forma, você está aqui e me parece uma garota adorável.
— Assim que estiver pronta, Rosanne, eu a ajudo a se levantar — disse Ross.
— Eu posso andar — respondeu ela.
— É óbvio que não — argumentou Ross, pegando-a no colo. Ele era tão forte e másculo que ela realmente se sentia como
uma criança desprotegida em seus braços.
18
— Você se sentirá melhor depois que descansar.
— Parece que ela já está melhor — disse Francine, que só agora parecia prestar atenção na beleza de Rosanne, com os
cabelos loiros caindo pelos ombros e emoldurando seus enormes olhos azuis.
— Bem, agora vamos. Ligaremos para High Valley dizendo para que os esperem amanhã.
— Se vocês me derem uma hora, mais ou menos, tenho certeza de que estarei ótima para prosseguir.
— Melhor, não. Coitadinha, olhe como está fraca. — Francine foi indo na frente. Seu andar era elegante e imponente.
Eles a colocaram no banco de trás do carro e, em vez de ir dirigindo, Francine acomodou-se no banco da frente, ao lado
do lugar do motorista.
— Eu jamais pensaria que a noiva de Robin fosse delicada e frágil como uma peça de porcelana.
Ross McAdam parecia estar longe, não prestava atenção em nenhuma das duas, preocupando-se só em dirigir e olhando
para o infinito.
— Como foi tudo, Ross? — perguntou Francine, baixando um pouco o tom de voz, como se a conversa fosse
confidencial.
— Melhor do que eu esperava. Comprei um novo helicóptero. — Seus olhos brilhantes se encontraram no espelho
retrovisor. — Como se sente agora, Rosanne?
— Muito melhor.
Rosanne tentou ajeitar os cabelos com as mãos, mas percebeu que tinha perdido a fivela.
— Deve ser horrível estar doente — comentou Francine. Rosanne percebeu que ela prestava uma atenção anormal em
sua pessoa. Parecia intrigada com o fato de Robin ter escolhido aquela garota para se casar. Não era segredo para ninguém a
vida de playboy que Robin levava, acostumado a lugares e mulheres sofisticadas, e Rosanne não correspondia a essa ima-
gem, de jeito nenhum.
Como se adivinhasse seus pensamentos, Ross falou:
— Eu conversei com o médico dela. Rosanne é muito mais forte do que parece.
— Suponho que bailarinas têm que ser — concordou Francine, indulgente. — Acredite-me, querida, estávamos todos
muito preocupados com você. Deve ter passado momentos terríveis!
Rosanne mordeu os lábios. Será que era isso que ela queria, que ficassem tomando conta dela?
— Se você olhar para cima agora, Rosanne, poderá avistar a minha casa. Não é nenhuma High Valley, mas muitas
pessoas ficam impressionadas.
19
Rosanne colocou a cabeça para fora da janela. Estava um dia quente e seco, e ela avistou uma casa enorme, branca,
cercada de varandas e rodeada de jardins imensos.
— É linda!
— Nós também achamos. — O sorriso de Francine disse mais do que qualquer outra coisa. — É claro que não tem
história, como High Valley, mas é um bom exemplar da época das mansões coloniais. Esta propriedade originalmente
pertenceu ao coronel Macpherson, um dos primeiros colonizadores. Temos um quadro do filho dele lá em casa.
— Ah, interessante... — Rosanne falou baixinho. Apesar da beleza do lugar, o que ela queria mesmo era estar no
pequeno apartamento que dividia com duas outras garotas. Francine, embora amável, era o próprio retrato da mulher
elegante e sofisticada, e sua própria aparência a preocupava. Rosanne sabia que aparentava ter uns dezesseis anos e isso a
incomodava.
— Como é bom ter você aqui conosco, Ross! — disse Francine, com um olhar insinuante. Rosanne tinha notado que
quando ela olhava para trás, para falar com ela, sua expressão era uma, e quando se dirigia a Ross, era outra. — Você não
gostaria de montar comigo esta tarde, para me fazer feliz?
— Você está esquecendo que eu tenho que voltar a High Valley.
— Droga de High Valley! Você não pensa em outra coisa nunca, a não ser em trabalho?
— Bem, o que eu posso fazer é ir nadar com você, para refrescar — disse ele, lançando um rápido sorriso para Francine.
Rosanne mal pôde acreditar na transformação do seu rosto quando ele riu. Ross estava relaxado e extremamente atraente.
— Eu adoro você — disse Francine, parecendo se esquecer de que não estavam a sós.
— Por que o suspiro, garota? — perguntou Ross subitamente a Rosanne.
— Eu estava suspirando?
— Estava.
— Calma, Ross. Ela não pode entender tudo de uma hora para a outra.
Tudo? A veneração de Francine por ele, provavelmente, pensou Rosanne. Agora eles estavam estacionando em frente às
escadarias da casa. Um casal acenou e veio recebê-los.
O homem era grisalho, já de idade, e a mulher, muito parecida com Francine, tanto nos traços como na forma de se vestir
e andar.
— Ross, querido! — A mulher aproximou-se do carro, deu um rápido sorriso para Rosanne e apressou-se a beijar o rosto
bronzeado de Ross.
20
— Olá, Sarina! — Ele colocou o braço em volta dos ombros dela e deu a mão ao pai de Francine, como dois bons amigos
que eram.
— Que bom ver você, meu garoto. E esta deve ser Rosanne.
— A pobrezinha acaba de se recuperar de um desmaio — adiantou Francine.
— Deus do céu, mas ela está muito pálida, mesmo! — exclamou Sarina. — Seja bem-vinda a Malawarra, minha querida.
Só gostaria que pudéssemos ter nos conhecido em melhores circunstâncias. A morte de Robin foi um choque para todos
nós.
— Que tal sairmos desse sol? — propôs seu marido. — Tenho certeza de que Rosanne se sentirá bem melhor depois de
uma xícara de chá.
— Certamente, você não vai continuar a viagem para High Valley hoje, não é, Ross? — perguntou Sarina.
— É que eu estive fora um bocado de tempo.
— Mas, meu querido, não é fácil termos a chance de desfrutar de sua companhia. Por favor, fique só esta noite. Tenho
certeza de que Rosanne estará em melhores condições de prosseguir depois de uma boa noite de sono.
— Então, você é uma bailarina? — perguntou Clive, o pai de Francine, muito gentilmente, e guiou Rosanne para dentro
da casa. — Aposto que é das boas.
— Obrigada. — Rosanne sorriu para ele. — O senhor tem uma linda propriedade, sr. Grant-Taylor. Adoraria dar umas
caminhadas por aqui.
— Você terá oportunidade. Se não for hoje, num outro dia qualquer. Não vou insistir para que fique mais, pois sei
quanto Marta está ansiosa para vê-la. E ela precisa de algum alívio para aquele pobre coração.
— Eu tenho medo de desapontá-la.
— Imagine, claro que não. Antes de mais nada, Robin a amava e, se me permite dizer, você é encantadora.
— Obrigada. Eu preciso muito me sentir mais segura. O senhor conhecia bem Robin?
— Desde o dia em que nasceu. Nossas famílias são muito íntimas. Eu também tinha um filho, sabe?
— Lamento profundamente o que aconteceu...
— Então, Ross já lhe contou? — Pararam na varanda, relaxados na companhia um do outro.
— Sim. — Rosanne colocou a mão em seu braço num gesto de compaixão. — Deve ter sido necessária uma boa dose de
coragem para ir em frente...

21
— Você sabe quanto. — Ficaram em silêncio um minuto, observando aquela paisagem maravilhosa. — Philip prometia
muito, era um filho maravilhoso.
— Tenho certeza que sim...
— Por favor, não fique assim tão triste, querida. Eu não queria que você ficasse ainda mais infeliz. Mas você é jovem,
muito jovem. Vai conseguir se reerguer logo.
— Se o senhor acha que sim, é melhor eu acreditar.
As outras pessoas estavam a uma certa distância, Francine, de braço dado com Ross, acompanhada de sua mãe. Rosanne
já sabia o que aquilo significava. Estavam tentando atrasá-lo em sua viagem.
— E o que você acha de Ross McAdam? — perguntou Clive.
— Bem, não estou certa ainda, acho que tenho um pouco de medo dele.
— Verdade? — Ele deu uma gargalhada. — Então, nunca tinham se visto antes?
— Nunca.
— Ele deve estar ainda muito afetado pela morte de Robin. Foi um grande choque, e ainda bem que você escapou. Todos
nós sabíamos que Robin gostava de viver perigosamente, imagino que você estivesse ciente disso também. A mãe dele,
Marta, vivia muito preocupada com o modo de vida dele. Mas certamente você já sabe disso.
— Ele não gostava de estar longe dela... da família.
— Ele lhe disse isso?
— Sim, por quê? Está surpreso?
Na verdade, o que Robin dissera a Rosanne era que seu irmão adotivo tinha feito todo o possível para tornar a vida em
High Valley insuportável.
— Não, hoje em dia dificilmente alguma coisa me surpreende. A não ser você, confesso.
— Como assim? Por favor, diga.
— Bem, você não é exatamente como esperávamos que fosse. — Nesse momento foram interrompidos por Sarina, que
subia as escadas com um sorriso triunfante no rosto.
— Por favor, nos perdoe, Rosanne, mas tivemos que obrigar Ross a não continuar a viagem hoje.
— Então, vamos ficar?

22
— Sem dúvida nenhuma, pelo menos até amanhã. Todos nós gostamos tanto da companhia de Ross, e não podemos
perder esta oportunidade de conhecer você também.
— Mas, e Marta? — perguntou Clive. — Pode ser que ela já tenha tudo planejado.
— Honestamente, querido, você acha que Rosanne está em condições de viajar hoje?
— É que eu pensei... Bem, você sabe que Marta vai ficar lá sentada, esperando.
— Mas eu ligo para ela, Clive. — Nesse momento, Ross se aproximou. — Ela vai ficar um pouco desapontada, mas não
questionará minha decisão. Como está se sentindo, Rosanne?
— Muito melhor agora, com os pés no chão.
— Bem, então vamos entrando — sugeriu Sarina — Venha, querida, com certeza você vai querer tomar um banho, e
depois iremos almoçar. Eu confesso que estou muito surpresa com a sua pessoa, a pequena bailarina. Que cabelos lindos
você tem! Confesso que nunca vi um cabelo com essa cor antes.
— Você não acha que é natural, não? — perguntou Francine, interrompendo os elogios da mãe.
— Pois eu acho que devem ser dessa cor desde que ela era um bebê — disse Ross, com aquele seu jeito agressivo.
Eles entraram na casa e Rosanne percebeu que estavam tomando conta dela como se fosse uma criança. Mas era muito
sensível e educada para oferecer qualquer resistência.
Ao final da tarde, Rosanne saiu para uma caminhada pelos jardins da casa. Os outros estavam passeando a cavalo e
Sarina fazia as honras da casa.
— Sua aparência está ótima, agora que você descansou. Sabe, sinto muito por tudo o que você passou, deve ter sido
horrível.
— Foi um pesadelo.
— Que grande perda! Robin tinha um grande potencial. E era tão bonito! Mas não é muito deprimente para você me
ouvir falar sobre ele?
— Vou ter que me acostumar com isso. Tenho tanto medo de desapontar a mãe de Robin! Que ela me odeie por ter sido
eu quem sobreviveu, e não ele...
— Minha querida! Marta nunca odiou ninguém na sua vida, seria incapaz de nutrir esses sentimentos. Posso lhe garantir
que não há o que temer. Marta é uma pessoa ótima, bondosa. Vai recebê-la de coração aberto.
— Imagino que seu coração esteja partido...
— Ainda bem que ela tem Ross. Marta adora Ross, acho que você sabe disso, Robin deve ter lhe contado.
23
— Robin não me falou quase nada sobre sua família.
— Difícil de acreditar. Um McAdam não falar sobre sua família, sua herança... Com certeza ele estava totalmente de-
sinteressado, diante da paixão por você.
— Será que a senhora não poderia me contar alguma coisa? Sabe, eu não conhecia Robin há muito tempo, com certeza
ele teria me contado, mas...
— Ah, claro. Por onde devo começar... Eu conheço os McAdam desde que nasci. Minha própria família já morou lá,
alguns ainda moram. Tenho dois irmãos que administram alguns rebanhos naquela área. Nós fomos uma das famílias
pioneiras, mas os McAdam foram os primeiros. High Valley era uma floresta, e ainda seria, se não fosse todo o trabalho que
fizeram por lá. Há muita literatura sobre a família. Duke McAdam, o bisavô de Ross, é conhecido como um dos
desbravadores do norte.
— Ele veio da Inglaterra?
— Da Escócia. Duke McAdam não era um homem comum, e Ross é o retrato dele.
— E havia só dois rapazes?
— Quatro. Mas Robin nunca lhe falou sobre nenhum deles?
— Ele só me falou sobre Ross, e sobre sua mãe, é claro.
— E nunca mencionou suas irmãs?
— Eu nunca pensei que tivesse... — Rosanne não sabia por que Robin nunca tinha lhe contado nada disso.
— Não fique chateada, minha filha, você sabe que Robin tinha alguns problemas. Nunca ninguém soube quando come-
çaram nem por quê. Marta era totalmente indulgente com seus filhos. Robin tinha duas irmãs e havia a influência de Lyall,
seu pai e, claro, a de Ross, seu irmão mais velho. Havia uma diferença de idade entre eles de seis anos. Ross tentava ensinar
as coisas para ele, ser seu amigo, mas infelizmente Robin já era problemático e tinha grandes crises de depressão. Talvez ele
tenha lhe falado sobre isso.
— Pelas conversas que tivemos, eu percebi que ele se sentia muito inferiorizado em relação ao irmão.
Sarina ficou em silêncio por alguns minutos, em seguida retomou a conversa.
— Mas, honestamente falando, querida, quem poderia competir com Ross? Foi ele quem construiu High Valley, quem
transformou aquilo no que é hoje. Mas Robin nunca sofreu nenhum dano com isso, pelo menos material, tinha todo o di-
nheiro que pedia.
— Poderia me falar sobre a mãe de Ross?
24
Rosanne sentia-se insegura. Ia para High Valley sem saber absolutamente nada sobre a família. Na verdade, não passava
de uma estranha!
— Ela viveu muito pouco. Era muito jovem e bela. Gostávamos muito dela.
— E o que aconteceu?
— Foi atingida por um raio durante uma tempestade, ela e um indiozinho que tentava salvar. Lyall quase ficou louco e o
pai dela teve um derrame. Jennifer era uma criatura muito querida por todos nós. Foi Ross quem fez com que Lyall não
sucumbisse. Marta tomou conta dele, até que ele foi mandado para o colégio. Era a única pessoa em quem Lyall confiava
para cuidar de seu filho, uma mulher doce e meiga, e apaixonada por ele, claro. Depois, então, eles se casaram e vieram
Robin, Julie e Sharyn.
— E elas ainda estão em High Valley? — Era horrível para Rosanne ficar perguntando coisas que ela já deveria saber.
— Julie está casada, mas Sharyn ainda está lá, e devo avisá-la de que se trata de uma pessoa difícil. Marta deveria ter sido
um pouco mais severa com a filha, mas ela não tem temperamento para isso.
— E como morreu o sr. McAdam? Por favor, perdoe-me por estar fazendo tantas perguntas.
— Mas você tem que fazer! — disse Sarina, segurando seu ombro. — Lyall morreu de uma forma violenta, tentando
domar um cavalo. O animal era muito selvagem e acabou jogando-o longe. Ross correu para socorrê-lo, mas não deu tempo.
Robin estava lá, assistindo à cena, mas ficou paralisado, sem conseguir fazer nada. Em momentos de pânico isso acontece
com todo mundo.
— Menos com Ross...
— Eu lhe disse, querida, Ross não é uma pessoa comum. Você vai ter oportunidade de observar isso.
Quando elas voltaram para casa o sol estava se pondo e Rosanne parou na varanda.
— Fique aqui e aprecie este momento. Daqui a alguns minutos você vai ver bandos de pássaros voando ao redor da casa.
— E a senhora, não quer ficar?
— Tenho que pensar no jantar. Não é sempre que temos Ross McAdam jantando conosco.
Ali, sozinha, Rosanne começou a observar as mudanças de tonalidade da paisagem. Exatamente como Sarina havia dito,
bandos de pássaros de todas as cores rodeavam a casa e partiam em revoada. "Onde será que eles pousam?", pensou. Mas era
difícil dizer numa propriedade daquele tamanho. O dia fora tenso e era muito agradável para Rosanne se desligar um pouco
agora dos problemas e viver intensamente aquele pôr-do-sol.

25
Não conseguia se conformar com o fato de Robin ter-lhe omitido tanta coisa. As pessoas que se amam costumam trocar
confidências e ele havia dito que a amava. Sarina tinha dito alguma coisa sobre os problemas de Robin, e agora, mais do que
nunca, ela tinha certeza de que ele os tinha. Ele havia dito que não se podia confiar nem em sua mãe nem em seu irmão, e
para Rosanne, que acabava de sair de uma infância solitária, parecia muito estranho o fato de ele não ter mencionado as
duas irmãs. Ela o conhecia havia seis meses, e ele jamais falara delas.
O sol se pôs e a lua surgiu, prateando a paisagem com sua luz. Era bom olhar para tanto espaço, principalmente quando
se fazia um paralelo entre aquele espaço aberto e as próprias perspectivas de vida. Rosanne pensava que a morte de Robin
não a tinha derrubado por ser ainda muito imatura para encará-la. Mas agora sentia que não era imatura, e conseguia
enxergar o que Robin realmente tinha significado para ela: ele lhe dava a sensação de ser amada. Tinha havido muito pouco
amor em sua vida, daí a importância dele para Rosanne. Pobre Robin! Ele estava determinado a não apresentar a noiva ao
seu irmão, sempre dizia isso. Estranho como ele chamava Ross: de irmão, não de irmão adotivo.
Nesse momento Rosanne avistou dois cavaleiros voltando para o pátio em frente à casa. Com certeza, Francine sonhava
em se casar com aquele homem todo-poderoso. Ela estava muito atraente em sua roupa de montaria, e a expressão de Ross
descendo do cavalo e sorrindo para Francine não lhe saiu da cabeça até a hora do jantar.
Estava divagando, quando alguém bateu à porta do quarto.
— Entre!
— Como você está diferente — comentou Francine.
— É mesmo? Acho que é porque estou com um pouquinho de maquiagem.
— Pois então deveria usá-la sempre — disse ela, andando pelo quarto e parecendo inconformada com a beleza de
Rosanne, cujos belos olhos ainda se realçavam mais por causa do rímel. Mesmo a boca parecia diferente, nem um pouco
infantil, mas bastante sedutora. Ross tinha contado a história de Rosanne para ela, que tinha sentido pena da garota. Mas
agora Rosanne não parecia nem um pouco uma criança indefesa, naquele vestido azul combinando com o tom dos olhos...
— Gosto do seu vestido, fica bem em você.
Como Rosanne estava acostumada com as rivalidades na companhia de balé, reconheceu imediatamente a expressão do
rosto de Francine: acabava de encará-la como uma possível rival.
— E você está lindíssima.
Francine tinha tomado sol durante a tarde e estava com o rosto corado. Vestia uma roupa elegante, um pouco casual,
mas que mostrava claramente que tinha custado muito dinheiro.

26
— Nós sempre nos arrumamos para o jantar — disse ela, caminhando até o espelho com um ar de satisfação. — Por
quanto tempo pretende ficar com Marta?
— Por pouco tempo — respondeu, sem ter certeza de nada, uma vez que era Ross quem ditava as regras.
— Imagino que, sendo uma bailarina, não possa passar muito tempo sem dançar.
— É verdade, preciso de treino diário.
— Imagino também que Robin a conheceu no teatro.
Rosanne não percebeu se se tratava de um insulto ou não.
— Sim, eu estava dançando "Copélia".
— E você é mesmo boa nisso?
Francine decididamente tinha mudado a forma de tratar Rosanne. Estava agora quase agressiva.
— Bem, até agora o balé sempre foi tudo na minha vida.
— Eu pensei que bailarinas só se casassem com pessoas ligadas à sua profissão. Casar-se com Robin significava desistir?
— Nós nunca tínhamos discutido isso.
— Não? Há quanto tempo vocês estavam noivos, afinal? Parece que nós sabemos muito pouco sobre você.
— Não foi culpa minha.
Embora não houvesse sinal de ressentimento na voz de Rosanne, ela não tinha gostado da pergunta.
— Robin preferiu que fosse assim por algum tempo; ele achava que era uma coisa muito íntima.
— Você sabia que ele morria de inveja de Ross?
— Isso não é muito surpreendente, é?
— Foi engraçado. A mãe dele queria que ele ficasse, implorou mesmo. Marta é uma ótima pessoa mas um pouco
simplória. Ninguém diria que é a patroa lá em High Valley.
— Mas ela é.
— Pelo menos por mais algum tempo. Ross tem que tomar conta de muitas coisas para poder cuidar também da área
doméstica.
— Por que ele não se casa? — perguntou Rosanne, quase com indiferença.
— Ele vai se casar. Eu conheço Ross desde que nasci, nossas famílias são muito amigas.
— Eu sei, sua mãe me disse.
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— Então você deve saber quanto nós somos íntimos — continuou Francine, arrumando a gargantilha no pescoço. —
Bem, se você está pronta, podemos ir. Papai estava preparando uns drinques para antes do jantar.
Estavam todos reunidos no lindo jardim de inverno da casa, onde ficava o bar, quando as duas se aproximaram. A boa
aparência de Rosanne foi confirmada pelo olhar de espanto de Ross McAdam.
— Venha cá, garota, estávamos esperando por você. O que prefere beber? — Clive sorria para ela.
— Eu dificilmente bebo.
— Um só drinque não lhe fará mal. Ou está preocupada com o corpo? — perguntou Francine.
— Com o corpo? Se existe alguém que nunca deve se preocupar com o corpo é essa garota. Um vento mais forte pode
carregá-la — comentou o pai.
— Que tal um cherry? — perguntou Ross.
— Está bem. — Seus olhos se encontraram e, embora estivesse se sentindo um pouco constrangida naquele ambiente,
Rosanne caminhou até o bar onde estava Ross.
— Você ligou para High Valley?
— Liguei, e Marta está esperando você de braços abertos.
Ficaram a sós um momento, enquanto Clive servia a mulher e a filha.
— Fico feliz em saber que alguém me quer.
— Não se subestime, pequena, você é altamente desejável.
— Não era isso que...
— Eu sei.
Foram interrompidos por Sarina.
— Como foi o passeio a cavalo? — perguntou ela.
— Esplêndido — respondeu Francine, encarando Ross sensualmente.
Agora que via em Rosanne uma rival, caprichava ainda mais em seus trejeitos. Sarina parecia perceber tudo.
— Que bom que decidiram ficar, Rosanne, você está com uma aparência bem melhor.
— Eu estou mesmo me sentindo melhor. Só lamento não ter conhecido mais coisas por aqui.
— Você tem muito tempo para isso — interveio Clive, sentando-se ao lado da mulher no sofá. — Ross irá trazê-la para
nos visitar, quem sabe mesmo para passar uns dias.
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— Seria ótimo — Francine forçou um sorriso. — Mas Rosanne acaba de me dizer que quanto mais cedo ela voltar a
trabalhar, melhor.
— Mas certamente... — Clive parou a frase na metade, percebendo agora a situação.
— Nós entendemos, querida — emendou Sarina. — Ser uma bailarina não deve ser fácil, exige dedicação total...
— Você é assim, Rosanne? — perguntou Ross McAdam. — Totalmente dedicada à dança?
— Às vezes eu acho que a única coisa que importa na vida é dançar com perfeição.
— Mas, e quando você tiver seus quarenta anos e não tiver mais essa facilidade para se mexer? — perguntou Francine.
— Pretendo lecionar.
— Que dedicada! — Francine deu uma risada para esconder o quanto estava chateada com aquela situação. — Eu tive
aulas de balé na escola, não foi, mamãe?
— Sim, mas como cultura geral, é claro. Não tinha sentido ter seguido carreira.
De qualquer forma ela seria alta demais, pensou Rosanne, mas não disse. A conversa foi se generalizando, e em poucos
minutos estavam se dirigindo à sala de jantar.
Pela elegância com que a mesa tinha sido preparada, e pelo entendimento sem palavras entre Francine e sua mãe,
Rosanne foi percebendo melhor as coisas. Era certo que as duas estavam empenhadas em segurar Ross, embora não
tivessem a menor segurança para tanto. Durante o jantar, Ross não dirigiu a palavra a Rosanne uma só vez. A única pessoa
que permanecia numa atitude extremamente gentil e carinhosa com ela era Clive, fazendo-a dizer algumas palavras e rir de
vez em quando.
Mas Rosanne aprendera a relaxar e conseguia manter as aparências em situações como aquela, parecendo estar
interessada na conversa e até dando apartes.
Depois do jantar, foram tomar café no terraço. Como era óbvio que Francine queria ficar a sós com Ross, Rosanne con-
vidou o sr. Grant-Taylor para um passeio pelo jardim, e depois pediu licença para se retirar. Afinal, ela tinha acabado de sair
do hospital e, pelo sorriso de Francine, percebeu que tinha feito a coisa mais acertada da noite.
Rosanne estava totalmente sem sono, por ter dormido à tarde. A casa estava silenciosa e as luzes apagadas. Naquele
silêncio, os pensamentos vinham e iam sem que pudesse controlá-los.
Ross tinha lhe tirado a esmeralda, seu anel de noivado. Isso fez com que se sentisse inferiorizada. Tinha quase certeza de
que tudo o que haviam dito sobre Robin era verdade, mas seu coração não queria acreditar em nada daquilo. Pobre Robin!
Ele tinha falado sobre sua infância solitária e triste, o que foi inclusive um ponto de identificação entre eles. Agora ela tinha
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que se habituar à idéia de que Robin tinha duas irmãs mais novas. Ainda não estava em condições de tentar compreender
tudo aquilo.
A luz do luar entrou pela janela e Rosanne não resistiu, foi até a varanda apreciar mais de perto. Sentiu então o perfume
acentuado das flores dos jardins. Os cômodos principais da casa davam para um pátio cheio de varandas. De dia, era tudo
mais colorido, mas naquela hora da noite as plantas pareciam vultos.
Começou a sentir que precisava dançar urgentemente. Será que poderia? O dr. Haarman tinha dito para ser paciente,
mas o que os médicos entendiam de bailarinas? A força de vontade as tornava donas de seu próprio corpo. Ela tinha que
acreditar no próprio instinto, e este lhe dizia alguma coisa agora. Se ela não começasse a se mexer levaria uma eternidade
para chegar ao nível em que estava antes do acidente. Saiu do quarto e segurou no parapeito da varanda. Era um pouco
baixo para ser usado como barra, mas ela foi em frente. Tinha passado semanas no hospital com machucados internos mas,
por um milagre, nenhum de seus ossos foi afetado. Pensar que sua vida fora poupada lhe trouxe de novo uma imensa
saudade de Robin, mas agora ele não existia mais, nem mesmo em seus sonhos.
Não muito longe, um pássaro começou a cantar. Isso a acalmou e reanimou. "Estou viva", pensou, "e vou continuar a ser
uma bailarina". Essa era a sua única certeza.
Seus braços assumiram a postura correta e ela começou a fazer exercícios. Nenhuma dor. Continuou e de repente se sen-
tiu vivendo, interpretando aquele momento de sua vida. Estava sozinha, seu grande amor tinha partido, e isso era muito
triste. Os bailarinos costumam ser como os atores, isso faz parte do seu mundo de fantasia. Como num passe de mágica,
Rosanne sentiu-se num palco, ouvindo o burburinho da platéia e os instrumentos da orquestra sendo afinados.
Tinha sido solista por um ano, por isso Danielle passou a odiá-la. Danielle era muito mais bonita, estudava há mais
tempo, mas inexplicavelmente o diretor tinha preferido Rosanne. Ela não entendia por quê, mas também nunca tinha visto
a si mesma dançando para ser crítica o suficiente.
Continuava a executar os passos que mais sentia, iluminada pela luz do luar. A platéia era invisível, mas era como se es-
tivesse ali.
O fundo da varanda estava totalmente escuro, coberto pela sombra de uma árvore. Rosanne conseguiu executar os
passos com a maior perfeição; ouvia música vinda de todos os cantos, e se elevava e cala no chão com graça e leveza. Fez
uma coreografia imaginando que estava ali o grande amor de sua vida e que ela tentava trazê-lo para perto. Ele não vinha, e
seu corpo suplicava a cada passo.
De repente, ela perdeu a respiração e quase soltou um grito, ao esbarrar num homem que saía das sombras. Ele a
carregou no colo, como se isso fizesse parte da coreografia. Seu coração batia forte. Rosanne tremia.
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— Você já ouviu falar em precaução?
— Oh, não! — Em poucos minutos seu mundo imaginário se desfazia: era invadido por Ross.
— Você saiu do hospital há dois dias, não pode se exceder dessa forma — disse ele, colocando-a de volta no chão.
Como preferia que ele não tivesse aparecido! Mas estava muito cansada para tomar qualquer atitude, a não ser ir para
seu quarto.
— Você não consegue falar?
— Por que você demorou tanto tempo para me fazer parar?
— Loucura. Estávamos ambos loucos, essa é a verdade. — Ross pegou Rosanne no colo novamente e levou-a para o
quarto. Ela não conseguia esconder seu nervosismo. — Você está tremendo! Está com medo de quê? De você mesma?
— O que você está tentando fazer comigo?
— Aqui, garota? Seria um escândalo.
Ao mesmo tempo em que tentava se livrar dele, sentia um prazer enorme ao se segurar em seus ombros. Sem saber por
que estava fazendo aquilo, deixou que sua mão subisse até a nuca dele e a afagasse.
— Você não é muito sutil, meu bem.
— Deixe-me ir, por favor.
— Não até que resolvamos isso. Você foi extremamente sedutora a troco de nada, e nesse momento está completamente
sem controle.
— Você não deveria estar aqui no meu quarto.
— Por que não?
Rosanne percebeu que não adiantava resistir. Ross era muito forte e já estava muito próximo.
— Está bem, se quer brincar comigo...
— Eu pensei que você fosse uma profissional. Você sabe, divertimento para passar o tempo.
— Sim, é uma delícia... — respondeu, agressiva. Ross empurrou-a então para a cama. — Quem é que está perdendo o
controle? Eu nunca pensei que um homem como você fosse tentar fazer amor comigo.
— E por que não? Você tem um corpo adorável.
Ela sentiu que ele a abraçava com fúria. Ross estava sendo violento. Fora loucura provocá-lo daquela forma.
— Por favor, você é quem vai sair perdendo! O que você acha que Francine iria achar disso?
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— Era assim que costumava fazer com Robin? Dançava à luz do luar, suplicando-lhe amor com o corpo?
— Robin e eu nunca fizemos amor. Dá para você entender isso?
— Não, não dá. Você está muito empenhada em desempenhar seu papel de inocente, mas eu vi o que você é, realmente.
— Eu não sabia que você estava me olhando.
— Mas você não estava chamando por um homem?
— Meus pensamentos estavam todos voltados para a dança.
— Ah sim, uma magia forte, e depois...
— Já lhe disse, não sabia que estava ali.
— Então a lua a cegou.
Ross foi fazendo carinhos cada vez mais audaciosos em seu corpo.
— Pare imediatamente!
— Você tem uma pele muito macia, sabia? — Ross continuava, indiferente aos seus protestos.
— Se você não parar, eu vou começar a gritar.
— Você não se atreveria. Mas não importa o que você esteja dizendo, Rosanne, a verdade é que você gostaria de fazer
amor comigo.
— Não, não assim... — Virou a cabeça para o lado, sentindo que seu corpo não lhe pertencia mais, e sim a ele. — Na
verdade você quer é me punir, não é?
— Se quer saber mesmo, é isso. Pena que sua colega Danielle não esteja aqui amanhã de manhã para você fazer seus co-
mentários sobre a noitada.
— Você não conhece Danielle. Ela só fala mentiras.
— Ah, são mentiras, mesmo? Pois eu acho que poderia possuí-la muito facilmente.
— Não seja cruel! Por favor, Ross, isso é loucura.
— Eu sei que é! Foi um convite muito aberto o que você fez, dançando, mas eu não sou inescrupuloso para aceitá-lo.
Depois que ele saiu, Rosanne agarrou o travesseiro e gemeu. Seu corpo ainda conservava o cheiro do dele e seu sangue
fervia nos lugares onde ele a havia tocado. O que estaria acontecendo? Era como um sonho e, como num sonho, ela não tinha
conseguido ser dona da situação. Fossem quais fossem os seus conflitos, e era certo que ela os tinha, a verdade é que existia
uma atração recíproca entre ela e Ross.

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Capitulo 3
Na manhã seguinte, todos tomaram café cedo. Quando Ross olhou para ela, Rosanne disfarçou, mesmo porque Francine
não tirava os olhos de cima deles.
— Você dormiu bem? — perguntou Francine.
— Sim, obrigada.
Na verdade, Rosanne tinha passado a noite toda acordada, pensando em Ross McAdam.
— Pois não parece. Quem me dera estar indo com você, eu adoro High Valley.
— Você é bem-vinda a qualquer momento — disse Ross.
— Que ótimo. Então diga quando...
— Pode me passar o chá por favor? — interrompeu Clive. — Acho que deve esperar um pouco, minha filha. Com certeza
Marta vai querer ficar a sós com Rosanne por algum tempo.
— Eu tenho certeza de que Marta não vai querer monopolizar Rosanne — disse Sarina. — Ela gosta muito de Francine e
acho que sua presença lá iria até contribuir para que Marta ficasse ainda mais feliz.
— Que tal esperar uma semana... — propôs Ross. Francine olhou para Rosanne com um ar de triunfo.
— Acho que você não sabe montar, sabe, Rosanne? — perguntou ela.
— Não, nunca tive oportunidade. Mas adoro cavalos.
Rosanne colocou os talheres sobre o prato. Não estava acostumada a comer nada no café da manhã, só um suco de
laranja.
— É muito para você, garota? — perguntou Clive, gentilmente.
— Desculpem-me, está uma delícia, mas eu não consigo comer muito de manhã.
— Então não coma. O que quer tomar? — perguntou Sarina.
— Adoraria um pouco de café.
O sorriso de Sarina escondia uma certa frieza, e Rosanne se sentiu muito mal.
Clive e a filha foram levá-los ao aeroporto. As duas foram no banco de trás, Francine esboçou um sorriso.
— Vamos torcer para que você não desmaie novamente...
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— Eu já estou me sentindo muito bem.
O vento forte desmanchou o penteado de Rosanne.
— Droga!
— Por que você não corta esse cabelo?
Francine olhava para ela como se não gostasse de seu cabelo comprido.
— Eu sou uma bailarina, não se esqueça.
Rosanne tentava segurar o cabelo com as mãos, para que não lhe caísse nos olhos.
— Acho que eu não conseguiria aguentar um cabelo desse tamanho.
Clive a ajudou a descer do jipe. Era um homem tão sensível que pareceu adivinhar que ela estava se sentindo oprimida.
Os dois homens apertaram as mãos e se despediram. Mas Francine parecia muito disposta a perturbar Rosanne.
— Você parece nervosa!
— Eu não estou muito acostumada a voar.
— Você está olhando para um quarto de um milhão de dólares.
— E, tem jeito mesmo de ser caro. Mas tanto dinheiro por um avião...
— No nosso meio, um avião particular não é considerado um luxo tão grande. Nós também temos um Cessna para
quatro passageiros, está lá no hangar.
— Você costuma voar bastante?
— Claro. Ross, parece que você tem uma passageira muito nervosa.
— Ora, isso não é boa psicologia — interrompeu Clive. — Ross é um piloto competente, não há o que temer.
— Obrigada, Clive. E agora, adeus!
Rosanne tinha gostado tanto de Clive que espontaneamente foi até ele e lhe deu um beijo no rosto.
— Adorei conhecer você, querida, e ainda vamos nos ver outras vezes...
— O senhor tem sido tão bondoso comigo...
— E por que não seria? Mas não vou mais prender vocês, Ross precisa ir.
Só em pensar que iria ficar sozinha com Ross, Rosanne tremeu. Mas não lhe restava outra opção a não ser caminhar até o
avião. Achou que talvez pudesse viajar numa daquelas confortáveis poltronas da cabine. Aliás, tudo era muito confortável,

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lá dentro: havia um aparelho de som com fones de ouvido, ar condicionado e um bar. Enquanto decidia onde sentar, Ross foi
logo dizendo que era para ela se acomodar no banco da frente.
O painel do avião parecia muito complicado, cheio de botões e indicadores, e instintivamente ela prestou atenção nas
mãos de Ross, que pareciam manejar tudo com muita familiaridade. Não conseguia acreditar que aquelas mesmas mãos na
noite anterior a tinham acariciado.
Enquanto se preparavam para decolar, Francine e o pai acenavam. Rosanne também acenou para eles. Aquela parada em
Malawarra não tinha sido exatamente bem-sucedida e Rosanne não sabia como passar por cima de tudo o que havia
acontecido.
O avião agora levantava vôo.
— Relaxe!
— Não me resta outra opção, não é?
— Aprecie a paisagem.
— Acho que Francine não gostou muito de mim.
— Você não a importunou?
— Eu não fiz nada.
— Mas ofereceu um risco...
Ele olhou para ela de uma forma maliciosa, como se a estivesse provocando, lembrando a noite anterior. Rosanne pensou
em que tipo de conversa poderiam ter sem entrar nesse terreno.
— Eu não sabia que um avião desses custava tanto dinheiro.
— Você quer dizer que não sabia que eu era um milionário?
— Pode ter certeza de que não dou a mínima importância a isso.
— Como não dava importância à fortuna de Robin...
— Você não acha que já me condenou o suficiente?
— Com tantas provas...
— Você é que tinha muita predisposição para acreditar nelas. Agora, se não precisa de mim aqui, vou me sentar lá atrás.
— Não senhora, vai ficar aqui mesmo. Fique e conte-me sobre sua vida. Comece pela infância.
— Não.

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— Por favor, Rosanne.
— É que eu sei que você não está absolutamente interessado em saber como eu vejo as coisas.
— Estou sim, acredite.
— Bem, eu ainda me lembro dos meus pais...
— Você tinha, então, sete anos...
Rosanne olhou fixamente para ele, mostrando seu desagrado por ele saber tanta coisa a seu respeito.
— Por favor, continue.
— Minha tia não queria ficar comigo e deixou isso muito evidente. Ela era bem mais velha que meu pai, irmão dela, e
parecia não gostar de crianças.
— Mas mesmo assim ela ficou com você.
— Ela não era má pessoa. Era seu jeito. Ela sempre falava sobre cumprir os deveres, e era para cumprir um dever que ela
me aceitara. Mas não havia aquele afeto natural. Mesmo quando tentava ser agradável, era uma pessoa fria.
— E as coisas começaram a melhorar quando você começou com o balé?
— Oh, sim, desde o primeiro dia de aula eu me apaixonei pela dança.
— E mostrou logo que era boa nisso...
— Segundo minha professora, eu era natural. Por sinal, eu amo essa professora.
— Ela ainda é viva?
— Oh, sim! Ela dirige uma escola.
Para continuar contando sua história Rosanne teve que ignorar os apartes de Ross. Mesmo porque o que mais a afligia
no momento era essa mudança repentina que estava acontecendo em sua vida agora e não o que já tinha passado. Mesmo
assim, continuou falando. Contou sobre os ensaios cansativos, sobre a disciplina rígida imposta pela professora, as
rivalidades, as dores musculares, enfim, tudo aquilo que fazia parte da vida de uma bailarina.
— E então, você conheceu Robin?
— Sim. Ele veio até os bastidores um dia... Acho que nunca vou me esquecer desse dia!
— E conhecendo você, Robin arruinou sua própria vida! — exclamou Ross, com uma expressão dura, como se estivesse
se lembrando de tudo, novamente.
— Meu Deus, como eu sou idiota! Contei tudo isso à toa! Você nunca irá acreditar em mim, não importa o que eu diga.

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Rosanne sentiu uma brusca mudança de humor em Ross. Ele parecia uma fera. Sentindo-se agredida, mudou-se para as
poltronas de trás, tentando encontrar uma posição confortável, uma vez que o vôo seria longo.
Duas horas mais tarde, chegaram a High Valley. Rosanne suava e tremia. Era uma grande emoção chegar àquele lugar.
Tinha ficado impressionada com Malawarra vista de cima, mas aquele lugar era infinitamente mais bonito. Parecia uma
floresta tropical. A casa era uma coisa do outro mundo. Situava-se no topo de uma montanha e era tão grande que lembrava
um castelo.
Ross não tinha trocado nem mais uma palavra com ela, a não ser para lhe pedir para apertar o cinto de segurança quando
estavam para aterrissar. Rosanne olhou então para ele, pois havia muitas pessoas esperando por eles e ela precisava de
instruções.
— Eu só quero lembrá-la de que você amava Robin, ainda o ama, e que vocês iam se casar, está certo?
— Mas nós íamos...
— Esqueça o que Robin me escreveu. Você é a única pessoa que pode aliviar o sofrimento de Marta, e se não se esforçar
para fazer isso, vai ver comigo...
— Você está me magoando.
— Sejam quais forem as perguntas que Marta lhe faça, responda como uma mulher que perdeu o homem que amava.
— Mas é a pura verdade...
— Tanto que você se ofereceu para mim?
Rosanne ficou fora de si por alguns minutos. Como aquele homem podia ser tão cruel, tão arrogante e insensível?
— Você foi testada, garota, e falhou.
Depois disso, tudo foi acontecendo como numa alucinação. Rosanne estava perturbada, magoada, mas tinha que agir
como se nada tivesse acontecido. Todos os McAdam estavam lá para esperá-la: Marta, sua filha mais velha Julie, seu marido
Jake, e Sharyn. Atrás deles a criadagem: um mordomo, uma governanta, e vários outros, inclusive alguns garotos negros.
A mãe de Robin estava usando um vestido de seda. Era uma mulher baixa e delicada como Rosanne; pegou-a pelo braço
e dirigiram-se para o carro. As duas tinham lágrimas nos olhos. Os outros, porém, tinham cumprimentado a recém-chegada
secamente.
Rosanne pôde ouvir quando Sharyn comentou:
— Droga! Ela não é nada do que esperávamos.

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À noite eles jantaram na sala de jantar mais luxuosa que Rosanne tinha visto na vida. A iluminação vinha de um castiçal
de ouro que deixava mais ou menos na penumbra todos os quadros e espelhos pendurados na parede branca com desenhos
dourados. Tudo na casa era extremamente luxuoso, e Rosanne se sentia pouco à vontade.
Todos pareciam muito chocados com a morte de Robin, e não era fácil conversar naturalmente. Uma vez mais Rosanne
usou seu vestido. Era o melhor que tinha, mas mesmo assim achou que era muito simples para a ocasião.
Por ser um assunto que parecia não oferecer perigo, Julie começou a lhe perguntar sobre o mundo do balé. Na verdade,
Julie gostava realmente de dança e estava de fato interessada. Ela era bonita, alta e morena, com os olhos dos McAdam. Era a
que mais se parecia com Ross. Sharyn parecia-se com Marta, mas era um pouco gorda.
Todos lhe faziam perguntas, exceto Ross. Ele observava Rosanne como quem observa um aluno para ver se ele está
fazendo tudo certo. Rosanne estava fazendo muito sucesso com Marta, que aprovava tudo o que ela falava. De certo modo
Marta parecia muito jovem, desprotegida, e isso explicava a atitude superprotetora de Ross para com ela.
Julie se mostrava um pouco impaciente com o jeito humilde de Marta e Sharyn era extremamente indelicada. Como
Francine tinha lhe avisado, Marta era uma pessoa muito simples, em nada lembrava uma grande proprietária de terras.
Vestia-se bem porque sabia que era assim que tinha que ser, mas parecia não ter a menor personalidade. A casa era
administrada por uma eficiente governanta, que Ross havia contratado muito tempo atrás.
Uma jovem copeira, usando um impecável uniforme amarelo, retirava agora os pratos. Ao pegar o prato de Rosanne, deu-
lhe um sorriso tímido.
— Pronto, Nara — interrompeu Julie. — Por favor, avise o sr. Curtis que vamos tomar o café na sala de visitas.
— Sim, senhora — respondeu Nara humildemente, mas ao sair lançou um último olhar a Rosanne. Nara era uma pessoa
estranha, provavelmente mestiça. Tinha olhos enormes e era frágil e delicada.
— Que tipo exótico o dessa garota! — comentou Rosanne.
— Nara? — perguntou Julie.
— Também acho — concordou Ross. — E ela poderia conseguir algo melhor do que a profissão de copeira, se não
tivesse escolhido o homem errado para se casar.
— Por que você não o despede? — perguntou Sharyn.
— Porque ele é um bom funcionário. E também porque Nara iria com ele para onde quer que ele fosse.

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Rosanne evitava encarar Ross; ela já sabia que ele era muito autoritário e dominador, mas ali, naquele lugar, parecia ser o
senhor todo-poderoso. Quando se dirigiram para a outra sala, Rosanne parou para apreciar um arranjo de orquídeas num
vaso de porcelana.
— Você gosta? — perguntou Marta.
— Lindíssimo; tanto as orquídeas quanto o vaso.
— Eu gosto de lidar com flores. Gostaria de lhe mostrar o lugar onde as cultivo; elas crescem naturalmente por aqui, mas
gosto de plantá-las em vasos e cestas.
— Ora, mamãe, ela pode deixar para ver suas flores amanhã — interrompeu Sharyn.
— Eu adoraria — disse Rosanne, sorrindo para Marta, visivelmente desapontada com o tratamento da filha.
Num clima razoavelmente tenso a noite foi passando; Rosanne estava gostando da idéia de Julie e seu marido partirem
no dia seguinte, pois era incômodo o olhar curioso e crítico de ambos, deixando bem claro que ela não era o que esperavam.
Começou a ficar curiosa para saber que tipo de garota Robin costumava trazer em casa.
— Se houver alguma coisa que você queira modificar em seu quarto, por favor, é só me avisar — disse-lhe Marta,
gentilmente.
— Não, está perfeito, obrigada — respondeu Rosanne, enquanto se dirigia para lá.
— Eu escolhi um com vista para as montanhas. Achei que gostaria de apreciar essa paisagem, que muda conforme a hora
do dia.
— A senhora está sendo muito gentil comigo, sra. McAdam, por me hospedar e tudo...
— Marta, por favor, nada de sra. McAdam. Aliás, sempre me senti mais Marta do que sra. McAdam, não sei se entende...
Marta olhou bem nos olhos de Rosanne, como se a estivesse estudando:
— Robin deve tê-la amado muito!
— Pelo menos ele me dizia que sim.
— Você não imagina o que eu passei...
— Sim, imagino.
— Desculpe-me. Claro que você também sofreu, foi terrível para nós duas. E agora que eu a conheci, vi como você é, eu
me sinto melhor.

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— Que bom! — Rosanne deu um beijo no rosto de Marta. Havia alguma coisa patética naquela mulher, um certo jeito
infantil que despertava o instinto de proteção nas pessoas.
— Robin me falava muito da senhora. — Era mentira, mas ela tinha que dizer isso. — Ele a amava demais.
— Eu sentia isso, sempre senti, mas Robin nunca acreditou que eu o amasse de verdade. Oh, Robin! Robin!
Para desespero de Rosanne, Marta se deixou cair numa cadeira e começou a chorar convulsivamente.
— Por favor, sra. McA... Marta. Eu estou aqui para ajudá-la, por favor, deixe-me...
— Mãe, é a senhora que está aí? — Julie apareceu na porta. Parecia furiosa. — Eu bem que lhe avisei que isso iria
acontecer!
Marta ainda estava na cadeira, soluçando, e Rosanne sentiu uma enorme necessidade de protegê-la, como a uma criança.
— Por favor, não fale com ela agora.
— Eu não gosto e não permito que você, Rosanne, venha me dizer quando nem como eu devo falar com minha mãe.
— Desculpe-me.
— Ela vai acabar se esgotando!
— Mas acho que agora ela não vai conseguir se controlar.
— Pare com isso, mamãe. A senhora ouviu o que o médico disse.
— Rosanne, você está aí? — indagou Marta.
— Sim, estou. A senhora quer alguma coisa?
— Vá chamar Ross — disse Julie rapidamente.
— Onde ele está? — perguntou Rosanne.
— Está com Jake, no escritório.
Marta levantou a cabeça e estendeu os braços:
— Por favor, não saia daqui, Rosanne.
— Ela volta, não se preocupe. Mas por favor, mamãe, pare com isso, faça isso, pelo menos por nós. A senhora sabe o
quanto Sharyn precisa de ajuda.
Rosanne não ouviu mais nada, desceu correndo as escadas e quase esbarrou em Sharyn, que vinha subindo.
— Onde é o incêndio?
— Parece que sua mãe não está bem.
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— Oh, não, de novo!
— Onde está Ross?
— Acho que está no escritório.
A porta do escritório estava fechada, mas Rosanne podia ouvir vozes. Parou por um instante para se recompor e bateu na
porta.
— Entre.
— Sua mãe. Ela não está bem, e Julie me pediu que o chamasse.
— Alguma coisa em que eu possa ajudar? — perguntou Jake.
— Não. Eu já esperava por isso.
Jake percebeu que Rosanne estava muito embaraçada.
— Não se preocupe, Rosanne. Ross irá cuidar dela. Marta não está bem e esse tipo de emoção muito forte deve ser
evitado.
— Mas então, por que me trazer aqui?
— Por quê? Simplesmente porque Marta já ama você. É verdade, sua vinda lhe deu um novo ânimo para viver.
— Você não vem junto? — perguntou Ross.
Sua vontade era mandá-lo para o inferno, mas lembrou-se do sofrimento de Marta.
No caminho para o quarto, Rosanne não resistiu à oportunidade de fazer um comentário.
— Você é um selvagem, sabia?
— Eu sei, minha querida, agora venha e fique quieta.
Marta estava deitada na cama de Rosanne, e Julie estava ao lado dela, arrumando seu cabelo.
— Marta! — Ross foi até ela. — Eu lhe disse antes de trazer Rosanne aqui que você teria que se controlar.
— Eu sei, querido. Rosanne é adorável, não é? Que bom Robin ter escolhido uma mulher como ela.
— Isso diminui a sua dor?
Ross estava falando de uma forma tão terna e carinhosa que Rosanne mal podia acreditar que era o mesmo homem que a
magoara.
— Você é sempre tão bom para mim! Juro que não queria desapontá-lo, mas não pude me controlar.

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— Eu sei, mas a senhora não pode deixar que isso aconteça, para não ficar doente. A senhora tem que viver muito ainda,
por todos nós. E por muito tempo.
— Por muito tempo...
— Agora deixe-me levá-la para o seu quarto.
— Onde está Rosanne?
— Está aqui.
— Oh, querida, eu já comecei a perturbá-la em sua primeira noite conosco.
— Não se preocupe comigo.
— Claro que me preocupo. Não fosse essa fatalidade, você seria minha nora, mais uma filha aqui nesta casa.
— Acho melhor levá-la para a cama — sugeriu Julie.
— Venham comigo, vocês duas — disse Marta, enquanto Ross a levava no colo.
Trinta minutos mais tarde, Marta já estava bem, e dormindo. Rosanne, porém, estava pálida e abatida.
— Venha beber alguma coisa — disse Ross.
— Eu estou bem. Você acha que vamos ter uma tempestade? Lá fora ventava muito e viam-se clarões no céu.
— Não fique assustada com isso.
— Como está ela? — perguntou Sharyn.
— Acho que você mesma poderia ir verificar.
— Por quê? Quero dizer, como? Talvez não devesse falar isso na frente da nossa convidada, mas mamãe nunca permitiu
que ninguém se aproximasse dela desde que Robin morreu, a não ser você. E agora ela!
— Dê-lhe um tempo.
— Não sei de quanto tempo mais ela precisa. Droga de tempestade, só faltava essa! — Sharyn virou-se e foi ver a mãe.
— Acho melhor você ir dormir agora, Rosanne, parece exausta.
— Não tenho sono.
— Algo a atormenta? Devo lhe avisar que, enquanto continuar agindo como a grande inocente, está tudo bem.
— Acontece que eu sou inocente.
— Tente me convencer disso.

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Rosanne corou. Experimentava sensações contraditórias. Sentia a hostilidade e o desprezo de Ross e, ao mesmo tempo,
uma perturbadora atração por ele.
Felizmente, Jake se aproximou dos dois, afastando assim esses pensamentos.
— Que tal um drinque? — perguntou Ross.
— Acho que vou aceitar — respondeu Jake.
— Ótimo. Julie deverá descer num minuto. Está conversando com Sharyn.
— Por que Sharyn parece tão triste? — indagou Rosanne. Ross respondeu cinicamente, enquanto servia os drinques:
— Ela se preocupa demais consigo mesma.

Capitulo 4
Rosanne acordou cedo, vestiu um robe e foi até o terraço. Tinha chovido durante a noite, mas agora o sol brilhava forte
no céu. A mata estava molhada, o que deixava no ar um perfume especial. Ao levantar os olhos, Rosanne notou que havia um
pouco de neblina no cimo das montanhas. Que privilégio ter uma vista dessas!, pensou. Então aquilo era High Valley!
Aquele sol forte na pele lhe deu vontade de se estender sob ele e ficar bronzeada como quando era garota. Sua pele era
delicada, mas sempre que tomava sol ficava com um tom dourado muito bonito; mas isso jamais seria permitido na
companhia de balé, as bailarinas não podiam ser bronzeadas.
No jardim havia uma grande variedade de flores: jasmins, rosas, cravos, margaridas, que atraíam borboletas de todas as
cores.
A casa sofisticada em meio àquela paisagem exótica era um cenário perfeito para Ross, pensou Rosanne.
Avistou um pavão sob a sombra de uma árvore, e ficou maravilhada. Ninguém tinha dito que havia pavões naquele lugar.
Agora podia ver vários deles andando pelo jardim, abrindo suas caudas coloridas que brilhavam à luz do sol.
Rosanne caminhou lentamente até o jardim, para apreciá-los mais de perto. Queria ir tomar banho, mas temia que,
enquanto isso, os pavões fossem embora. O vento soprava suavemente, levantando seus cabelos; eram sete horas da manhã.

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Em seguida voltou para o quarto, tomou um banho demorado e se vestiu. Olhava para o espelho com satisfação. Estava
mais animada, mais cheia de vida. A morte de Robin a tinha atingido violentamente, e fazia muito tempo que não se sentia
animada como naquela manhã.
Começou a se observar mais detalhadamente no espelho: era pequena e delicada, magra, mas nas devidas proporções.
Sabia como usar seu corpo e, embora desde pequena sua tia lhe dissesse que precisava engordar, sentia-se muito bem
daquele jeito. Dizia-lhe também que não se devia confiar em pessoas de olhos azuis. Lembrou-se então de que sempre
quisera ter olhos verdes. Outra coisa que a tia repetia com frequência era que seus cílios e sobrancelhas escuras lhe davam
um ar muito teatral, já que seus cabelos eram claros como a pele. Mas Rosanne gostava de ter cílios escuros, achava que
davam um certo brilho a seus olhos. Enquanto se observava no espelho, passou a mão pelo pescoço e lembrou dos dedos de
Ross tocando sua nuca. Sentiu as pernas tremerem e o coração disparar. Os toques de Robin nunca a haviam excitado a tal
ponto. Mesmo porque ele era muito delicado e cauteloso, respeitando o fato de ela ser virgem.
Não havia ninguém lá embaixo quando ela desceu, mas podia ouvir um barulho de vozes vindo da cozinha, que era
separada do resto da casa por um jardim interno. Tinha conhecido a empregada, sra. Curtis, muito rapidamente, mas o
bastante para perceber que era mulher de muito expediente. Além de saber cozinhar muito bem, lidava com os empregados
e os problemas da casa com muita habilidade. Marta obviamente não tinha talento para esse tipo de coisa. Na verdade,
parecia que a dona de High Valley tinha menos importância naquele contexto do que sua própria empregada.
Caminhando pelo jardim, ainda maravilhada com as diferentes qualidades de pássaros que rondavam a casa, Rosanne
mal podia acreditar no que estava vendo. Parecia o paraíso! Olhando a casa de uma certa distância é que ela se dava conta de
suas reais proporções. No dia anterior estava tão nervosa, tão insegura, que não tinha realmente apreciado tudo nos seus
detalhes; agora seus olhos mal podiam crer na imensidão da paisagem que tinha à sua frente, e no tamanho daquela casa. As
varandas e os arcos davam-lhe um ar romântico e, por trás, a floresta e as montanhas completavam o quadro.
A montanha era chamada de Rocha da Águia e nela havia uma mina e muitas orquídeas.
Os pavões não estavam mais à vista, mas a vegetação era tão exuberante que eles bem podiam estar escondidos por ali
mesmo. De repente, Rosanne avistou uma cobra saindo de uma das moitas. Ela sempre tivera medo de cobras, e começou a
gritar por socorro como uma menina assustada. Mas parecia não haver ninguém ali por perto para vir ajudá-la. Já estava
entrando em pânico quando ouviu a voz de Ross.
— Rosanne? O que está acontecendo?
— Há uma cobra ali e eu morro de medo de cobras.
— Onde?
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— Bem ali — disse ela, apontando para a moita. Quando viu a cobra, Ross deu uma gargalhada.
— Pelo jeito eu vou ter que gastar algum tempo explicando de que cobras você terá de ter medo. Dessa, por exemplo,
não...
— Ainda estou paralisada, não consigo me mover.
Sem consultá-la, Ross a pegou no colo.
— Acho que vou ter que levá-la para dentro para tomar seu café.
— O que você está fazendo?
— Parece que nossos corpos foram moldados um para o outro.
— Coloque-me no chão, imediatamente!
— Ah, entendo, a brincadeira acabou. — Ele a pós no chão.
— Como você pode pensar que eu esteja fazendo brincadeiras com cobras?
— Você dormiu bem?
— Sim, obrigada. Nunca tinha dormido num lugar assim.
— Você insiste nessa sua história, não?
— Não entendi.
— Isso de que Robin nunca lhe contou nada, nem uma palavra.
— Não contou mesmo.
— Ele ia casar com você e, mesmo assim, você não sabia de nada.
— Ele me falou sobre você; e tudo o que falou estava mais do que certo.
— Falou o quê?
— Você sabe que não vai nos levar a nada ficar falando sobre isso. Aquilo que eu vi no jardim eram pavões, não eram?
— Ah, mudando de assunto... Sim, eram pavões, eles geralmente se escondem no caminho do riacho, mas às vezes vêm
passear por aqui.
Ross foi caminhando ao seu lado; vestia jeans justos e camiseta, mas continuava muito elegante.
— Eles são lindos...
— Não vai achar tanto assim quando ouvi-los cantar. Mas espere até que eu esteja por perto, assim você poderá se jogar
nos meus braços novamente.
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— Para começar, eu nunca me joguei...
Foram interrompidos por Sharyn, que estava parada na varanda.
— Bom dia. Por onde estiveram?
— Estava uma manhã muito bonita para ficar na cama.
— Oh, eu sei. Ross gosta de dar um tratamento especial a seus convidados — disse maliciosamente.
— Não se queixe, Sharyn, você é mimada demais — respondeu Ross. — Para falar a verdade, eu também estive andando
por aí.
Era fácil notar que Sharyn morria de ciúme do irmão. Ross não podia demonstrar o menor interesse por alguém, que ela
já se tornava agressiva.
— Tudo bem, agora vamos tomar café. Mais tarde eu vou ter que sair, e provavelmente Marta já deve ter feito todos os
planos para o dia de hoje.

Julie e o marido partiram logo após o café. Nessa manhã, Marta parecia um pouco mais frágil, mas havia um brilho em
seus olhos que refletia uma certa esperança. Provavelmente, buscava na presença de Rosanne a motivação que tanto pre-
cisava para viver. Robin tinha sido o seu único filho e Rosanne era um meio de trazê-lo de volta, mesmo que só na memória.
Quando, mais tarde, Marta sugeriu um passeio por suas plantações e canteiros, Rosanne ficou embaraçada ao perceber
que Sharyn não tinha sido incluída no programa. Quando ficaram a sós por um momento, ficou na dúvida sobre se devia ou
não dizer o que estava pensando. Sharyn estava sentada numa cadeira da varanda, com um olhar estranho. Parecia estar com
raiva.
— Por favor, não fique chateada comigo, Sharyn.
— Por que deveria estar chateada com você, se é minha mãe que não me quer por perto?
— É que ela está passando por um momento difícil.
— Temo que tudo seja difícil para ela. Mamãe e Robin passaram anos brigando, e agora ela está agindo como alguém que
daria o mundo para tê-lo de volta.
— Tenho certeza de que daria mesmo. Robin era seu único filho.
— Então, graças a Deus que ela não teve outros.
— Como assim?

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— Bem, vamos parar de falar sobre Robin, eu nunca estive muito interessada na pessoa dele, mesmo.
— Não posso acreditar. Eu daria qualquer coisa para ter tido um irmão.
— Não um irmão como Robin. Pelo jeito, parece que você não o conhecia muito bem — disse ela, dando uma longa tra-
gada no cigarro. Marta apareceu na varanda com um sorriso nos lábios, que desapareceu quando olhou para a filha.
— Você continua com esse péssimo hábito de fumar!
— Eu preciso...
— Você sabe que eu desaprovo totalmente, e Ross também.
— Ross também gosta de um cigarro, e além disso eu preciso fazer alguma coisa para perder peso.
— Não acho que fumar seja uma solução para isso.
— Talvez você possa me acompanhar nos exercícios de barra — interrompeu Rosanne.
— Acho que não, detesto fazer exercícios — respondeu Sharyn rapidamente. — Mas não quero prendê-las num dia
lindo como este.
— Oh, Sharyn... — Marta deu um sorriso amargo.
— Por acaso a senhora não estaria pensando em me convidar para ir junto, não é, mamãe?
— Não fique assim, querida, é só hoje que eu quero ficar a sós com Rosanne.
— Espero que você consiga suportar, Rosanne.
Marta aproximou-se de Rosanne e as duas foram caminhando juntas.
— Sharyn precisa de algum interesse na vida.
— A senhora acha? Pois a mim parece que a vida aqui em High Valley deve ser maravilhosa.
— É a única coisa que interessa aos McAdam. Mas eu nunca fui uma McAdam, nem meus filhos, a não ser Julie. Ela é
uma McAdam verdadeira: forte, inteligente, confiante...
— Mas a senhora é feliz aqui, não é?
— Eu... eu não sei. Eu não sei mais nada.
Ela pareceu tão triste de uma hora para outra que Rosanne começou a tentar adivinhar o motivo de tanta angústia. A
morte de Robin não podia ser o único motivo.
— A vida vai lhe parecer boa novamente, sra. McAdam, a senhora precisa acreditar nisso.

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— Chame-me de Marta, por favor. Durante toda a minha vida em High Valley eu nunca me senti como uma sra.
McAdam. Houve só uma sra. McAdam, a mãe de Ross. Essa é a grande verdade. Acho que posso lhe dizer tudo o que me
vem à cabeça, sem temores. Bem, eu era muito jovem, e inexperiente; adorava meu marido, mas nunca tive dúvidas sobre os
motivos que o levaram a se casar comigo. E quem iria me aceitar depois de Jennifer? Eu detestava o fato de as pessoas
viverem nos comparando. Eles pensavam que eu não percebia, mas como percebia!
— Imagino, a senhora é tão sensível...
— Lyall costumava passar muitos dias fora, estava sempre só, fazia questão de estar só. Mais tarde ele passou a levar
Ross, passou a viver em função de Ross.
— Mas ele tinha dois filhos.
— O problema é que Robin era muito nervoso, e além disso alérgico a cavalos,
— Robin era alérgico? Mas ele me disse que adorava cavalos, que tinha ganhado muitos prêmios, inclusive...
— Pobre Robin! Foi Ross quem aprendeu a andar a cavalo desde muito cedo. Mas Robin tinha essa alergia, na verdade
ele morria de medo de cavalos. Lyall nunca conseguiu esconder quanto isso o desapontava, infelizmente.
— Que terrível!
— Não, Lyall não era um homem cruel. Ele era simplesmente um McAdam, e não se conformava com as deficiências do
filho. Ross e Julie sempre corresponderam às suas expectativas, mas os outros dois...
— Mas ninguém podia ajudar Robin? Ele não podia ter tomado anti-alérgicos, essas coisas?
— Era uma alergia emocional, segundo os médicos. Ele não podia competir com o irmão e tinha muito medo de tentar.
— E o que Ross fez a esse respeito? — perguntou Rosanne, com raiva.
— Ele fez tudo o que foi possível para ajudar o irmão. Ele tentou de todas as formas, acredite. E Robin o idolatrava... ido-
latrava e odiava ao mesmo tempo. Ross era tão superior a ele em todos os sentidos, que o pobrezinho não podia sentir nada
diferente.
— A senhora deve ter tido muitos aborrecimentos.
— Tive, sim. Eu sofri muito com o fato de Robin ficar longe de nós, eu sentia tanta falta dele...
Ficaram num silêncio constrangedor por alguns minutos.
— Estou ansiosa para ver suas orquídeas.
— Ah, eu planto outros tipos de flores também; esse, aliás, é o meu único dom.

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— E é preciso muito talento para essas coisas. Eu gostaria de ver os pavões novamente.
— Ah, eu odeio aqueles pavões, principalmente quando começam a emitir aqueles sons...
— Mas são tão lindos!
— Um deles me machucou, uma vez.
Chegaram aos canteiros e ali, naquele mundo fantástico das plantas, Marta, que era tão humilde, parecia uma rainha.
— Que maravilha!
— Está vendo essas aqui, querida? Como você deve saber, as orquídeas vêm das florestas. Essas vieram da Malásia e
ainda não estão bem adaptadas. Tive outras espécies mais raras, mas que morreram por terem vindo de regiões muito frias.
— Ah, entendo... — Rosanne demonstrou muito interesse, o que incentivou Marta a ir lhe mostrando cada tipo de
planta e lhe explicando os diferentes tipos de tratamento que recebiam. Passaram mais de uma hora indo de canteiro a
canteiro. Marta parecia mais feliz agora do que quando saíram de casa, mas bastou que ficassem mais relaxadas para que
Robin voltasse a ser o assunto.
— Por que vocês não me contaram, querida? Sobre o noivado, eu quero dizer.
— Foi Robin quem quis assim.
— Mas a atitude mais natural do mundo seria me contar. Não sou uma pessoa incompreensiva. Você não vê como
estamos nos dando bem?
— Mas, por favor, acredite em mim, sra. McAdam, quero dizer, Marta, eu queria lhe contar de uma vez, mas Robin
alegava ter seus motivos para não contar.
— Mas todos esses meses? Robin e eu éramos tão chegados quando ele era criança! Mas nos últimos anos a única coisa
que ele parecia sentir por mim era irritação. Você conhecia o seu temperamento, seu jeito agressivo, não é mesmo?
— Comigo ele nunca foi agressivo, pelo contrário, era muito delicado. — A não ser, é claro, naquela vez em que brigaram
por causa de André, mas Rosanne preferiu deixar isso de lado.
— Ainda bem, pois você é uma pessoa tão delicada... Você o amava muito?
— Sim. — Rosanne sentiu-se estranha ao dizer isso. Tinha descoberto que não amava Robin, pelo menos não da forma
que pensava. Bastou o toque de um outro homem para que percebesse isso. E tudo parecia uma infidelidade tão grande à
memória de Robin que não pôde evitar que lhe viessem lágrimas aos olhos.
— Ora, vamos lá, eu não queria provocar isso em você.
— É que foi um grande choque...
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— Eu sei. E não pude acreditar quando soube que a noiva de Robin não tinha ninguém no mundo. E verdade, não?
— Sim, pelo menos já há alguns anos que não tenho ninguém.
— Por quanto tempo você pode ficar comigo? Sinto-me tão confortada por tê-la aqui.
— Até que a senhora se sinta melhor.
— Eu vou pedir a Ross que organize alguma coisa para você conhecer melhor as pessoas aqui. Se não fosse por essa
fatalidade, você teria sido minha nora e eu me sinto muito mais em paz ao saber que Robin tinha escolhido você. É um
grande alívio saber que você é uma criatura adorável.
— Eu?
— Ora, claro que devem ter lhe dito inúmeras vezes que você é encantadora. Esses cabelos, essa pele, esses olhos ma-
ravilhosos... Bem que Ross tinha me dito!
— A senhora é muito gentil. De qualquer modo, para não perder a forma, vou ter que fazer muitos exercícios enquanto
estiver aqui.
— Vamos providenciar as condições ideais para isso. Certamente, Sharyn não irá fazer os exercícios com você, mas eu
adoraria que ela fizesse. Seu peso está desproporcional em relação à altura, mas ultimamente não tenho podido discutir com
ela. Ela não costumava ser tão mal-educada e agressiva, mas parece estar passando por um período difícil. Julie sempre foi
muito bonita, e Sharyn acabou assumindo o papel do patinho feio, entende? O que não me surpreende, pois eu sempre fui o
patinho feio.
— Imagine, isso não faz sentido.
— Muito diferente de Jennifer... Há um retrato dela na galeria.
— Aquela mulher de cabelos escuros?
— Sim, ela mesma. Jennifer era tão extraordinariamente bela e cheia de vida, que às vezes eu pensava que ela ainda
estava viva. Tentei colocar o retrato dela num local de mais destaque na casa, mas Lyall não permitiu. Dias antes de morrer,
ele me disse que a tinha visto colhendo flores no jardim.
— Que estranho...
— Ele disse que ela sorria para ele.
Rosanne não respondeu, não conseguia responder. O vento soprava em seus cabelos, mas o encantamento já não era o
mesmo. Havia tantos tipos de tensão naquele paraíso tropical, e nesse exato momento Rosanne se sentia incomodada por
eles. Ross não veio almoçar, mas apareceu no meio da tarde.
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Marta, que já mostrava sinais de melhora, estava repousando um pouco em seu quarto, e Rosanne estava com Sharyn ao
lado da piscina, conversando.
— Olá!
Rosanne não esperava por Ross e automaticamente foi até a sombra do guarda-sol e pegou um roupão para se cobrir;
estava com os cabelos molhados.
— De onde você surgiu? — perguntou Sharyn.
— Pensei em levar Rosanne para dar um passeio. Quer vir também?
Sharyn fez que não com a cabeça.
— Assim você vai ficar cada dia mais apática. Mas quem vai se importar? Paul é que não.
— Quer fazer o favor de não dizer asneiras? Eu não tenho o menor interesse por Paul Parker.
— Diga isso a ele quando voltar, Sharyn, você sempre tenta esconder a cabeça na areia...
— Você não disse que ia dar uma volta? O que está esperando?
— Que tipo de passeio você gostaria de fazer, Rosanne?
— Gostaria de ver os cavalos.
— Tem certeza?
— Bem, você perguntou o que eu preferia...
Rosanne já estava se sentindo agitada, inquieta. Ross estava usando uma malha esportiva branca, o que o deixava extre-
mamente atraente, quase irresistível,
— Está bem. Quanto tempo acha que demora para se vestir?
— Um minuto. — Ela estava muito perturbada com o olhar de Ross; afinal, seu biquini era muito revelador.
— Vá então, garota. Coloque jeans que eu vou jogá-la nas costas do velho Iluminado.
— Quer dizer que ela não sabe montar? — perguntou Sharyn.
— Nunca se tem certeza se uma pessoa sabe fazer alguma coisa antes de tentar...

Rosanne estava se saindo muito melhor na montaria do que esperava, e o próprio Ross teve que reconhecer isso.
— Tem certeza de que nunca esteve sobre um cavalo antes?
— Para ser sincera, nunca estive nem perto de um.
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— Então devo reconhecer que, se você praticar um mês mais ou menos, vai se tornar uma boa amazona.
— Você é muito gentil.
Rosanne estava muito excitada com o fato de estar montando pela primeira vez na vida; estava gostando muito.
— Acho que posso dar umas voltas sozinha por aí.
— Esqueça isso. Onde quer que vá, eu irei junto para tomar conta.
Curly, um rapazinho nativo, estava rindo da situação, e riu mais ainda com a resposta de Rosanne.
— Pois eu tenho tomado conta de mim mesma muito bem!
— Só que, aqui, vai ter que se acostumar com as minhas regras.
— É verdade, dona — interveio Curly. — Hoje em dia, eu já posso andar de olhos fechados por aí. O meu povo é o único
que conhece bem o campo, a não ser o chefe aqui, é claro. Ele ama o campo de verdade, como nós.
— Escute, você não tem nada para fazer?
— Claro, patrão!
Curly foi saindo, ainda rindo para eles.
— Bem, você teve um bom começo. Tudo o que precisa agora é montar um pouquinho todos os dias.
— Ei, olhe os pavões de novo!
— Não precisa ter medo.
— Quem disse que eu estou com medo? E que eu acho que eles são lindos.
— Ainda bem, pois eles costumam assustar nossos convidados.
— Por quê?
— Bem, às vezes eles dão suas bicadas, e acabam machucando.
— Se vierem me bicar, eu aceno para eles.
— Você vive me surpreendendo!
— Você preferiria me entender de uma só vez?
— Geralmente é assim.
— Seria bom se fosse, não é? Mas você não me conhece nem um pouco.
— E tenho uma profunda desconfiança desses seus olhos azuis.
— Não diga isso.
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— Por que não? Olhos azuis sempre têm segredos, muitos segredos...
— Eu não acho que tenha idade suficiente para tantos segredos. Por que será que você fica tão diferente, às vezes? Há
alguns minutos, por exemplo, você estava quase amigável.
— Era para não assustar a Lady.
— Lady? Você não disse que eu ia montar o Iluminado?
— Minha querida, o Iluminado teria jogado você longe. Ele já fez isso com inúmeras pessoas. Você estava montando
Lady.
— Pelo menos ela gostou de mim.
— Você não pesa demais. Quer dar uma olhada no resto da propriedade?
— Sim. — Não sabia para onde iam, mas aceitou.
— Então, eu vou pegar o jipe. Gostaria que você relaxasse, pois Marta vai querer conversar muito com você.
— Ela já conversou comigo.
— Você acha, é? Pois ouça o que eu estou dizendo, o assunto Robin ainda vai render muito.

Capitulo 5
A semana passou tão depressa que Rosanne nem percebeu. Para ela, acostumada ao mundo restrito do balé, era uma
experiência maravilhosa viver no campo, num lugar mágico como High Valley.
Costumava montar pelas manhãs e à tarde; tinha melhorado bastante, mas ainda não podia ser chamada de uma
cavaleira. Às vezes Sharyn ia com ela, dependendo das suas variações de humor: ora era amigável e descontraída, ora
agressiva até para responder às mínimas coisas. Quando Sharyn não ia, era Curly quem a acompanhava. Curly era um
verdadeiro cão de guarda.
High Valley era um mundo encantado para ela; passeavam pela mata, pelos lagos, onde se viam refletidos na água, o que
dava a Rosanne um prazer enorme. Quando Curly percebeu que Rosanne estava muito interessada em saber coisas sobre
sua tribo, seu povo, começou a lhe contar muitas histórias. Segundo ele, havia espíritos da selva em todos os lugares; ele
faiava com tal realismo que Rosanne parecia sentir de fato a presença deles. A alguns quilômetros dali estavam os mangues,

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a floresta densa e os rochedos perto do mar, cobertos de corais. Rosanne adoraria ir até esse lugar, mas a única pessoa que
podia levá-la até lá era Ross. Embora estivesse em High Valley há uma semana apenas, Rosanne sabia quanto ele era uma
pessoa ocupada, trabalhando de manhã à noite. A mulher que se casasse com ele teria que viver essa vida, e isso a fazia
lembrar de Francine. Ela era perfeita, não era isso que Ross tinha dito? Ela sabia montar, atirar e pilotar; sabia tudo sobre a
terra e com certeza não tinha nem medo de cobras.
As pessoas que trabalhavam na fazenda pareciam ter gostado de Rosanne, que ia se adaptando a seus hábitos e costu-
mes. Quando voltava para casa, todos se despediam dela acenando com os chapéus. Rosanne parecia fascinada com os ani-
mais, pois além dos de criação, aliás milhares, ainda havia os macacos que Curly tinha lhe mostrado, as aves raras, os la-
gartos. Qualquer pessoa que tivesse um pouco de juízo não se atreveria a mexer com os crocodilos, e Curly tinha lhe
mostrado os lagos dos quais não deveria se aproximar.
Finalmente, numa manhã, Sharyn foi até a sala vazia onde Ross tinha mandado construir barras e colocar espelhos para
que Rosanne pudesse praticar. A barra era perfeita e Rosanne já readquirira sua velha forma.
Distraída com seus exercícios, demorou um pouco para se dar conta da presença de Sharyn. Assim que a viu, deu-lhe um
sorriso amigo.
— Não é tão fácil quanto parece.
— Você acha que poderia fazer alguma coisa por mim? — Sharyn perguntou.
— Como assim?
— Livrar-me dessa flacidez. Olhe para mim, estou horrível... — disse ela, olhando-se no espelho.
Rosanne permaneceu onde estava, não se aproximou para evitar comparações.
— Bem, não sumiria assim de um dia para o outro.
— O que eu teria que fazer?
— Em primeiro lugar um regime; depois, todos os exercícios que eu vou lhe dar.
— Você faria comigo? Eu não tenho a menor disciplina.
— Bem, não é fácil.
— A natureza foi muito generosa com Julie, ela é tão bonita, não é?
— É verdade, mas você também é. As mulheres loiras e pequenas costumam ser atraentes.
— Como você. O problema é que não importa o que eu faça, estou sempre engordando...
— Mas eu já notei que você tem uma queda por doces, e açúcar é péssimo. Se você quiser que eu a ajude, estou disposta.
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— Julie nunca fez um regime na vida!
— Então ela deve ter uma vida agitada, ou um metabolismo diferente. Mas eu sugiro que você use Paul como motivação
para seu regime.
— Aquele bobo!
— Então você não gosta mesmo dele? — Rosanne não sabia nada sobre esse Paul, a não ser que Ross o tinha mencionado
uma vez.
— Gosto. Gosto e pretendo conquistá-lo!
— É assim que se fala! — Rosanne percebeu que Sharyn estava conseguindo algum progresso. — Mas lembre-se de que é
preciso persistência; você não vai conseguir chegar ao peso ideal em uma sessão. Outra coisa: você vai ter que usar uma
malha. Eu lhe empresto uma.
Sharyn deu uma gargalhada, e nesse momento parecia uma outra pessoa.
— Você não está falando a sério, está? Não pensa mesmo que eu caberia numa malha sua...
Depois disso, os exercícios passaram a ser diários. Rosanne percebeu que Sharyn era muito preguiçosa e que precisava
de muito estímulo para não desistir. Mas tanto ela quanto Marta estavam felizes, pois já fazia uma semana que Sharyn
estava de regime e não tinha desistido. Marta tinha até pedido à sra. Curtis para preparar refeições especiais. Mas ela
sempre respondia da mesma forma:
— A senhora pode deixar que eu sei o que providenciar... Mas alguma coisa tinha que acontecer para quebrar a paz
daqueles dias! Francine chegou no fim de semana seguinte. Rosanne só a viu à tarde, pois tinha passado o dia andando a
cavalo com Curly e Nara.
Estava uma linda tarde e Rosanne se sentia muito bem ao lado daqueles dois nativos que pareciam entendê-la melhor do
que qualquer homem branco. Nara apontou para o céu.
— A senhorita sabe o que são aquelas nuvens ali?
— Não.
— São um sinal, uma mensagem de que vem chuva por aí — disse Curly.
Foram interrompidos pelo ronco do motor de um avião.
— Srta. Francine! — exclamou Nara, parecendo bastante perturbada.
— Qual é o problema?

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— Nara fica quase histérica quando a srta. Francine vem visitar High Valley — explicou Curly. — Ela não gosta de
pessoas de cor, para ela somos como leprosos.
— Ah, tenho certeza de que ela não pensa assim.
— Pois eu tenho certeza que sim — afirmou Curly.
— Pare com essa fofoca — interrompeu Nara. — Ela é uma pessoa arrogante e prepotente, e com certeza é assim
também com as pessoas de sua própria raça.
— Então fique longe dela — sugeriu Curly.
Logo depois, Rosanne subia as escadas da varanda para cumprimentar Francine, sentada ao lado de Marta. Sharyn
estava preparando uns refrescos.
— Olá, querida, estávamos falando sobre você — disse Marta, sorridente.
— Olá. — Francine forçou um sorriso. — Marta me disse que você tem montado bastante. Como foi o passeio, hoje?
— Prazer em vê-la — disse Rosanne, aceitando o copo de refresco que Sharyn lhe oferecia. — Estava ótimo o passeio.
Vimos o seu avião chegando.
— Vimos?
— Ah, eu tenho um guarda-costas que é uma ótima companhia. — Rosanne não quis citar Nara.
— Ela está falando de Curly. Ele é um ótimo rapaz e Ross não quer que Rosanne fique andando por aí sozinha.
— Eu não pensei mesmo que ela quisesse sair sozinha.
— Você não sabe nada sobre Rosanne, ela é cheia de surpresas. Por mais que se pense que já sabemos tudo sobre ela,
sempre há surpresas — observou Sharyn. — E boas surpresas, diga-se de passagem...
— Oh, obrigada. — Rosanne sentiu um enorme prazer ao ouvir isso. Tinha que admitir que Sharyn tinha mudado bas-
tante depois que começou a perder peso.
— Você não tem medo de levar um tombo?
— Montando Lady? — Sharyn deu uma gargalhada. — A velha e adorável Lady? Por que você acha que Ross a escolheu?
Porque não oferece perigo algum...
— Eu tomaria muito cuidado comigo mesma se fosse uma bailarina.
— Bem, eu vou subir para tomar um banho. Obrigada pela limonada, Sharyn. Era exatamente do que estava precisando.
— Você está bem queimada, Rosanne, acha que isso é bom? — insistiu Francine.

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— Ah, meu Deus! — exclamou Sharyn, bem alto. — Por que tantos palpites, Fran? Rosanne tem a melhor pele que eu já
vi, não há problema.
— Mas aposto que Rosanne vai concordar comigo que não fica bem para uma bailarina.
— Mas esse bronzeado logo some — interveio Marta, preocupada com a atitude agressiva de Francine. — Ross deverá
estar aqui logo; espero que você faça com que ele relaxe, Francine.
— Oh, Marta, você é incrível. Há certos homens que se divertem trabalhando, e Ross é um deles. Mas farei o possível.
— Vejo vocês mais tarde — disse Rosanne, saindo da varanda. No caminho para seu quarto encontrou Ross. Ele se
aproximou dela e seu coração começou a disparar. Disfarçou o mais que pôde.
— Estive tentando adivinhar quando iria ver você de novo.
— Verdade? Pois é... Sabe, Curly tem me contado muito sobre suas aventuras, sua gente.
— Ele é um ótimo guia.
— É, sim. Nara veio conosco, hoje.
— Eu sei.
— Francine está aqui.
— Ah, é?
Ela tentou mudar de assunto rapidamente.
— Por que estava me procurando?
— É que Cleópatra deu cria.
— Que ótimo!
— Venha comigo que eu lhe mostro. — Cleópatra era a gata. — Você não se preocupa em deixar Francine esperando?
— O meu lema é deixar sempre as mulheres esperando.
— Ah, então é por isso que nunca se casou.
— Você anda com o humor à flor da pele, sabia?
Rosanne seguiu aquele homem que lhe provocava tantas reações estranhas. Naquele momento, era uma sensação de paz
e serenidade. Perto de Ross, ela parecia nunca ter conhecido um homem de verdade.
— Aqui estão...
— Não estou vendo nada.
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— Como? Não vê os seis gatinhos?
— Se você acender a luz, talvez...
— Mas Cleo poderá resistir. Deixe que eu lhe mostro, me dê sua mão.
Rosanne tremia; aquele contato realmente a perturbava. Aos poucos foi percebendo, pelo tato, a presença dos gatinhos.
— Amigos, Cleo, somos amigos — disse ela, suavemente.
— Pelo visto, você não é do tipo que odeia gatos.
— E por que seria? Eles são tão bonitinhos e limpos, tomam bem conta de si mesmos...
— O problema é que Cleo tem muitos amantes.
— Você poderia ter-lhe dado um outro nome, não?
— Bem, agora vamos indo. Você deixou de viver muita coisa na vida do jeito como foi criada, não é verdade?
— Não sinta pena de mim, por favor,
— Por que não, se estou sentindo realmente?
— Porque você muda muito...
— E você, também. Amanhã eu vou levar você para passear.
— Será... marav... interessante. Mas você se esqueceu que...
— Para falar a verdade, esqueci. Mas eu levo as duas.
— E faça as coisas direito.
— É um aviso?
— Desculpe-me, eu não pretendia provocá-lo. Se existe alguém que merece críticas aqui, sou eu. Está ficando escuro,
aqui.
— Nervosa?
Rosanne quase saiu correndo, alegando que tinha que lavar os cabelos. Minutos mais tarde, uma empregada bateu na
porta de seu quarto trazendo água da chuva numa bacia de prata; disse que era para lavar os cabelos.
Quando se sentou à mesa para jantar, Rosanne notou que Ross não tirava os olhos de seus cabelos brilhantes e sedosos.
— Você mudou um bocado. É bom vê-la com essa boa aparência — disse Francine.
— Ah, realmente ela mudou. Por mim ela fica aqui para sempre — afirmou Marta.

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— Ora, Marta, você sabe que ela não pode ficar aqui para sempre. Não, se quiser continuar sua carreira — observou
Francine.
— Não quero nem ouvir falar sobre isso. Tudo mudou por aqui desde que ela chegou.
— É verdade — acrescentou Sharyn. — Até eu estou muito mais bonita do que já sou normalmente.
— Muito mais magra, eu notei — disse Francine.
— Rosanne tem me dado uma série de exercícios, e eu estou gostando, me sentindo bem.
— Ah, então é assim que tem passado suas manhãs... — Ross estava calado, até então.
— São uns exercícios ótimos.
— Bem, o resultado é visível.
Depois dessa conversa, Sharyn não precisou de muito esforço para resistir à torta que foi servida como sobremesa. Já que
Rosanne raramente comia doces, ela também não comeria.
Na manhã seguinte, Marta não estava se sentindo bem, e Rosanne decidiu ficar em casa com ela. Mais por brincadeira do
que por qualquer outro motivo, Sharyn vestiu sua roupa de montaria e anunciou que iria cavalgar junto com Francine e
Ross.
— Nós sabemos que você detesta montar, querida — disse Francine.
— Pelo contrário, mal posso esperar para estar sobre uma sela.
— E você, Rosanne, tem certeza de que não quer vir conosco?
— Não, obrigada, vou ficar aqui com Marta.
— Parece que ela conquistou mesmo você... Você tem idéia de quando deverá partir?
— Por que a preocupação? — perguntou Sharyn.
— Bem, Rosanne deve começar a pensar nisso. Afinal, querida, ela não é uma garota rica como você.
— Acho melhor nos juntarmos a Ross.
— Oh, sim, vai ser maravilhoso. Creio que estaremos fora o dia todo.
— Tem certeza de que não quer vir, Rosanne? — insistiu Sharyn. — Você gosta tanto de montar.
— Claro que não. Marta e eu ficaremos bem aqui.
— Você vem ou não vem, Sharyn? Será que mudou de idéia?
— Vá e divirta-se, Sharyn, mesmo porque quanto mais você fizer exercícios, mais emagrecerá.
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— É isso mesmo, preciso emagrecer mais... — disse Sharyn sorrindo, muito mais atraente agora com suas novas medidas.
O dia passou calmamente. Marta e Rosanne ficaram um bom tempo conversando à sombra de uma árvore. Quando mais
tarde Marta foi deitar um pouco, Rosanne se sentiu livre para fazer o que tivesse vontade. E ela sabia exatamente o que
queria: pegar Lady e sair para um passeio. Se saísse por ali mesmo, não precisaria de Curly. Não que ele não fosse boa
companhia, mas sentia uma grande necessidade de ficar sozinha. A presença de Francine em High Valley tinha deixado
Rosanne perturbada, com ciúme.
Ela não tinha por que sentir ciúme. Que absurdo! Seria um desastre se apaixonar por um homem com Ross McAdam,
mesmo sabendo que no fundo era isso mesmo que ele queria, como uma punição. Ela sabia muito bem como a mente dele
trabalhava. Se ela se apaixonasse por ele, Ross acabaria convencido de que ela era realmente ambiciosa e oportunista, como
achava desde que a conhecera. E tinha sido Robin quem tinha dado essa imagem dela. No entanto, Rosanne não sentia raiva
de Robin, sobretudo quando soube mais coisas sobre ele, principalmente sua fixação pelo irmão.
Havia um outro menino negro deitado na grama perto do estábulo, quando ela chegou. Assim que viu Rosanne, ele se
levantou e tirou o boné em sinal de cumprimento.
— Boa tarde, senhora.
Rosanne respondeu com um sorriso e perguntou por Curly.
— Ele voltará dentro de quinze minutos. Por quê? A senhora quer pegar um dos cavalos?
— Lady?
— Eu vou pegá-la para a senhora, aguarde um minuto.
— Obrigada.
Tinha sido bem mais fácil do que esperava. Se Curly estivesse ali, provavelmente iria argumentar que ela estava igno-
rando as ordens de Ross, e ninguém costumava fazer isso em High Valley.
Alguns minutos mais tarde, o garoto trouxe Lady.
— A senhora pretende ir a algum lugar em especial?
— Eu pensei em ir até as encostas da montanha.
— A senhora está brincando...
— Não, eu só vou até um pedaço.
— Talvez fosse melhor a senhora esperar por Curly.
— Não será necessário, eu e Lady nos damos muito bem.
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Aproveitando-se de um momento de hesitação do garoto, montou e saiu depressa. Havia tanta paz naquele campo
aberto e tanta coisa em que ela tinha que pensar...
Até o momento em que disse ao garoto que ia tomar o caminho da montanha, não tinha pensado em nenhum lugar em
especial. Tinha conversado uma vez com Sharyn sobre a velha mina abandonada, mas sabia que a floresta iria bloquear seu
caminho.
Meia hora mais tarde ela parou para olhar para trás e ver o caminho que já tinha percorrido. Na verdade, não tinha ido
muito longe, e estava adorando o passeio. Pareceu-lhe uma aventura. Talvez Ross permitisse que ela dormisse ao ar livre,
sob as estrelas. Lembrou-se do dia em que Curly lhe falou sobre os deuses do céu no campo. A crença daqueles nativos não
era apenas imaginação, tinha um sentido espiritual mais profundo. Tanto Curly quanto Nara traziam isso dentro deles e era
incrível a forma com que amavam e respeitavam aquela natureza exuberante à sua volta.
Na verdade, Curly ficaria muito magoado se soubesse que havia saído sem ele, mas não havia motivo para isso; ela sabia
muito bem o que estava fazendo. Se fosse um pouquinho mais experiente, iria perceber que estava sendo confiante demais,
mas Lady era tão dócil que o impulso para ir mais longe se tornou irresistível.
Chegou perto da montanha e sentiu vontade de subir. Lembrou-se que Sharyn tinha lhe dito que ali havia muito
estanho.
Tinha ficado tanto tempo parada que Lady virou a cabeça para ela com aquele seu jeito calmo.
— Está certo, garota, vamos em frente.
Havia flores por todos os lados e algumas caíam das árvores quando passava. Rosanne começou então a cantar. A mata
era cheia de magia; olhou à sua direita e viu um pequeno riacho que contornava a montanha, onde sobrevoavam borboletas.
Era um espetáculo maravilhoso!
Rosanne puxou a rédea para a direita e Lady obedeceu. Montada naquele animal, Rosanne experimentava uma sensação
de poder que nunca tinha tido antes em sua vida. Ela e Lady moviam-se num ritmo marcado e isso fazia com que se sentisse
forte, quase inatingível. Sua vida até então tinha sido muito vazia, e agora via o quanto podia ter feito para preenchê-la.
— Ora, o que está havendo, Lady? — gritou, quando percebeu que a égua estava tropeçando. Logo em seguida se viu no
chão e levou um certo tempo para voltar a respirar normalmente.
— Lady! — chamou.
A égua estava a uma certa distância, parada e imóvel, com uma das patas levantada.
— Oh, Lady, o que eu fiz para você?
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A égua estava fazendo um grande esforço para recolocar a pata no chão.
— O que será que houve? Se ao menos eu soubesse alguma coisa sobre cavalos!
Rosanne percebeu que o sol estava se pondo e entrou em pânico; sabia que tinha que voltar imediatamente se quisesse
chegar a tempo no estábulo, pois logo mais a escuridão seria total. A única luz seria a da lua e a das estrelas.
Ver Lady ali em pé, com medo de colocar a pata no chão, fez com que se sentisse cruel. Os cavalos, embora fortes, são na
verdade animais muito delicados. Se tivesse machucado Lady seriamente, nunca iria se perdoar.
— Temos que voltar, Lady. — Mas a égua não se movia, mal podendo se manter em pé com as outras três patas. Rosanne
tirou-lhe então a sela, enquanto estava claro. Ela não podia montar e nem deixar Lady sozinha naquela lugar. Provavelmente
quando dessem por sua falta, Ross organizaria um grupo para procurá-la. Mas será que conseguiriam encontrá-la ainda
naquela noite? Pensou em Curly, que teria problemas com Ross por não estar no estábulo quando ela saiu.
Tudo em nome da aventura! Mas, teria valido a pena? Rosanne não tinha medo de escuro. Poderia acampar às margens
do riacho e, se não se mexesse, provavelmente as cobras não a importunariam. Olhou nervosa para todos os lados; ouvia
todo tipo de sons, inclusive de animais selvagens, mas não os via. Estava feliz por ter a companhia de Lady. Sentou-se a seu
lado e murmurou:
— Ele vai nos encontrar, tenho certeza.
Estava perdida em seus pensamentos quando ouviu um grito alto e agudo. Era o sinal do guarda florestal. Nasceu uma
esperança no coração de Rosanne, que se levantou e repetiu o sinal o mais alto que pôde.
Ouviu a resposta novamente, mas não sabia de que direção vinha. Já estava escuro.
— Oh, meu Deus, faça com que ele me encontre! — Estava olhando esperançosa para a direção errada, quando surgiu um
homem montado num cavalo atrás dela. Estava escuro e não pôde identificá-lo. Ouviu-o então gritar:
— Nunca mais faça isso!
Era Ross, furioso, parado ali à sua frente.
— Sinto muito... — Ela não conseguia se mexer.
— Sinto muito! Que tipo de idiota você é?
— Do seu tipo! — gritou Rosanne, surpresa com sua própria coragem. — O que eu fiz, afinal? Não estou perdida.
— Então você ia passar a noite aqui?
— O problema é com Lady, não está vendo?
— Sim, estou. O que você fez para ela?
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— Não sei.
— Então, vamos ver — ele puxou a perna de Lady num golpe só, e ela quase caiu.
— Seu bruto!
— Dispenso seus palpites. O que houve?
— Escorregamos... — Rosanne aproximou-se para ver de perto Ross examinar a égua.
— Eu disse que você poderia vir a montar bem, mas não em alguns dias apenas.
— Eu estava indo muito bem, só lamento ter machucado Lady. Ela está bem? — Rosanne começou a chorar. —
Coitadinha de Lady, pobrezinha...
— Você não vai começar a chorar agora, vai?
— Sim, vou.
— Esqueça isso, ela torceu um tendão, mas não é grave.
— Graças a Deus! E agora, o que nós vamos fazer? Ela não consegue colocar a pata no chão.
— E você conseguiria, se estivesse machucada assim?
— Você é um monstro! — exclamou ela, afastando-se dele.
— Saiu a tempo, meu bem, pois eu já ia lhe dar umas palmadas. Você imagina a preocupação que me causou?
— Você? Preocupado comigo? Por favor, não me faça rir.
— Vou fazer você parar de rir já.
— Calma aí!
— Para onde você vai correr?
— Você não se atreveria. Não sabe que eu o odeio?
— Sei muito bem que não. — Ross examinou seu corpo da cabeça aos pés e, de um momento para o outro, pareceu
relaxar.
— Vamos nos entender muito bem, pois aqui não há ninguém além de nós dois.
— Oh, pare com isso! — Ross acariciava-lhe o rosto e o pescoço. — Ou você pensa que esses joguinhos vão me deixar
excitada?
— Eu seria o amante número... que número seria?
— Número zero.
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— Está bem, você não precisa me dizer. Bem, parece que vamos ter que ficar aqui até amanhecer...
— Você está brincando!
— Não há nada engraçado nisso. Lady não pode se mover e eu não vou deixá-la aqui abandonada. Nós vamos acampar ao
lado do riacho e amanhã a levamos de volta. No momento, tudo o que ela precisa é de uma compressa.
— Sinto muito, eu não pensei...
— Vamos, apresse-se, vamos tomar logo todas as providências.
Ela deu-lhe a mão para sair do lugar onde estava e, num segundo, os dois estavam caídos um sobre o outro.
— Droga! — exclamou ela.
— Por que a pressa? — A boca de Ross estava bem próxima à dela. Rosanne virou o rosto para evitar fazer o que tinha
vontade, isto é, beijá-lo. Sabia que, se o beijasse, iria se magoar depois.
— Só espero que não tenha me derrubado de propósito, garota!
Ross deu uma sonora gargalhada e ela lhe lançou um olhar furioso. Não disse nada enquanto ele a ajudava a se levantar e
a se acomodar no banco de areia.
— O gato comeu sua língua?
— O silêncio é de ouro para certas pessoas.
— Não neste caso. Se você quiser ser útil, junte alguns gravetos, há uma porção por aqui.
— Mais alguns minutos e vai estar completamente escuro — disse ela.
— Então o que está esperando? Eu vou tentar trazer Lady para mais perto. Talvez eu precise de sua blusa para fazer a
compressa.
— O quê?
— Concorda que ela vai precisar?
— Meu Deus, como você é abusado...
— Você acha mesmo?
Enquanto Ross foi pegar Lady, Rosanne começou a empilhar gravetos e pedaços de troncos de árvore. Como pudera
acontecer tudo aquilo? Ficar presa num lugar como aquele, sozinha com Ross. Francine devia estar furiosa e, àquela altura,
procurando por eles.
Ross voltou, juntou todos os gravetos com algumas folhas secas e, em um minuto, a fogueira estava acesa.

64
— Você nem sonhava em dormir à luz do luar, não é?
— Não com alguém como você.
— Por que não? Eu não lhe inspiro confiança?
— Você fica fazendo esses joguinhos...
— Então fique atenta: tome cuidado comigo.
Ross tirou a camisa e começou a providenciar a compressa. Rosanne estava muda atrás dele, impressionada com aquele
corpo musculoso à sua frente. Estava acostumada a ver homens seminus no balé, mas Ross era diferente. Sentiu vontade de
fechar os olhos e dar asas à sua fantasia, mas resistiu. Ele não estava prestando atenção nela, muito concentrado em sua
tarefa de preparar uma compressa.
— Estarei de volta em alguns minutos, a pobre Lady precisa de atenção.
Pelo menos ele se preocupava com alguém! Pensando assim, Rosanne teve um ataque de riso quase histérico. Sentia um
misto de desejo e de medo por estar tão próxima daquele homem que tinha tanto poder sobre ela. Era a primeira vez que
Rosanne experimentava a sensação física do desejo, e estava visivelmente perturbada.
Ross voltou e fez com que ela comesse alguma coisa que tinha trazido. Toda vez que suas mãos se tocavam, Rosanne
sentia a pele queimar. Estava agindo como uma tola, uma garota imbecil e inexperiente, e não como uma jovem dona de seu
nariz há muito tempo. Finalmente disse com determinação:
— Estou cansada. Você vai me mostrar onde devo dormir?
— Acho que já devia ter avisado; comigo.
— Você está louco!
— Talvez. Mas a verdade é que eu só trouxe um cobertor e usei minha camisa para fazer a compressa.
— Então, eu vou dormir sobre a sela.
— Nós dois iremos. Escute, garota, antes que você comece a falar, saiba que não pretendo seduzi-la.
— Quem disse que você pretendia?
— É que você está acostumada a um outro tipo de pessoa, as do seu meio, como André, por exemplo.
— Ora, Ross...
— Ouça, nós podemos ter visitas durante a noite.
— E daí?

65
— Daí, você deve pôr seu medo de lado e ser mais prática. Eu sou um homem orgulhoso, que não gosta de ganhar as
coisas à força. Além disso, estou totalmente sob controle.
— Com certeza, pensar em Francine já acalma você.
— Francine mora no meu coração.
— Você gosta então de mulheres altas e magras?
— Você acha que eu iria me importar com uma garotinha como você? — disse ele, tirando as botas.
— Boa noite.
— Durma bem e não se preocupe.
Parecia que Lady não saía da cabeça de Ross; Rosanne viu quando ele se levantou e voltou a fazer uma nova compressa.
Pobre Lady! A única coisa que podiam fazer por ela eram as compressas.
O fogo crepitava e havia um forte perfume de plantas silvestres no ar. Rosanne acomodou-se de tal forma que pudesse
ver a lua e as estrelas. Pareciam tão próximas que se sentia capaz de tocá-las. Aos poucos, Rosanne foi perdendo a
consciência e logo estava dormindo profundamente. Começou de novo a ter um pesadelo: estava presa nas ferragens do
carro e não conseguia ver Robin. Pensou que ele estava bem até que viu o sangue. Gritou seu nome bem alto e começou a
gritar por socorro.
Demorou um pouco para que Ross conseguisse acordá-la.
— Você está salva, Rosanne — disse com calma.
— Estava sonhando...
— Agora você está acordada. Você me assustou um bocado, isso para não falar dos cavalos.
— Gostaria de um pouco de água.
— Vou buscar. Você costuma ter pesadelos?
— Que horas são?
— Quase meia-noite.
Ele voltou, trazendo uma cuia com água fria.
— Obrigada. — Ia pegando a cuia da mão dele, mas suas mãos tremiam tanto que ele teve que colocá-la direto na sua
boca. A água estava quase gelada e Rosanne bebeu como uma criança sedenta.
— Você costuma ter esses pesadelos sempre?

66
— Só quando vou dormir muito cansada.
— Como se sente agora? — Havia algo mais do que uma preocupação em suas palavras, parecia que queria saber mais
coisas.
— Não sei; duvido que consiga dormir novamente.
— Então vai ser uma longa noite.
— Por que você não volta para casa? Eu posso muito bem tomar conta de Lady.
— Não diga bobagens!
Ross virou-se de costas para ela. Sua nudez, mesmo parcial, perturbava Rosanne.
— Procure dormir...
— Está bem, mas não venha dormir do meu lado sem nada nas costas.
— Que engraçado! Pensei que você estivesse acostumada. E não ponha seus olhos em cima de mim, esses olhos tão gran-
des e inocentes.
— Você está querendo me tirar do sério.
— E você se preocupa porque acha que sou capaz disso! O que está tentando provar, mocinha?
— Que você é cínico e insensível.
Ela não pôde dizer mais nada. Ross deu-lhe um beijo prolongado e puxou seu corpo para mais perto. Rosanne não sabia
e não se importava em saber o que estava acontecendo com ela. Era apenas uma sensação nova e ela fez o que seu corpo
pedia. Não conseguiu oferecer mais resistência.
— Sem luta?
Ele segurou-lhe o queixo e a encarou nos olhos.
— E por que não? Você não vai dizer não aos seus desejos; além disso, você sabe que eu também desejo você.
Ross beijou-lhe o rosto e o pescoço.
— Eu odeio você! — exclamou Rosanne.
— Não odeia, não — retrucou ele e continuou acariciando o corpo dela e falando baixinho em seu ouvido. Beijava sua
boca novamente, agora não tão delicadamente, mas com fúria e paixão.
Rosanne nunca pensou que fosse possível alguém beijar daquela forma. Ross enfiou a mão por baixo da blusa e acariciou
os seus seios. Ela ficou chocada, e ao mesmo tempo muito excitada.

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— Por favor, não!
Ele parecia não ouvir o que ela dizia e sua boca desceu até os seios dela. Para Rosanne, era a revelação de sua própria
sensualidade.
Quando as mãos de Ross começaram a acariciar suas pernas, Rosanne não pode se conter e começou a chorar.
— Por favor, não chore! — disse Ross, limpando seu rosto molhado. — Você é uma mulher estranha! Você sempre chora?
— Eu nunca menti para você. — Sua voz estava embargada.
— Não comece de novo. Você não pode provocar o desejo de um homem a seu lado e depois começar a chorar.
— Não há dignidade no desejo que você sente por mim.
— Eu pensei que você fosse uma garota que necessitasse de satisfação física.
— Eu já lhe disse que sou virgem.
— Bem que eu queria acreditar em você. Mas para ter certeza eu teria que violentá-la, e não posso, pois agora meu papel
é de protetor.
— Eu sei o que você é...
— É perigoso pensar assim, garota. Eu sou homem, e posso ser seu inimigo, você entende?
— Entendo. — Ela fechou os olhos e sentiu seu sangue ferver. Como podia amar aquele homem que a fazia se sentir tão
infeliz? Começou a chorar novamente.
— Droga, que confusão!
Ross afastou-se dela e colocou-a ao seu lado, como uma criança. Permaneceu, porém, com o braço em volta dela.
— Eu lhe avisei, não avisei? Procure dormir, não há do que ter medo.
— Não tire seu braço daí — pediu-lhe, emocionada.
— Meu Deus... Durma, Rosanne, que eu estou aqui ao seu lado, não tenho mais nada para fazer.
— Não fique zangado. — Ele deu uma risada.
— Encoste-se em mim, menina, e relaxe.

Capitulo 6
68
Na manhã seguinte, quando Rosanne abriu os olhos, viu que Ross dormia profundamente, a seu lado. Ela se apoiou nos
cotovelos e ficou um tempo olhando para o rosto dele.
"Eu amo você", pensou. "Amo você! E agora vai acordar, voltar àquela sua atitude fria e me dizer coisas que vão partir
meu coração em pedaços." Sentiu vontade de acariciar-lhe a pele morena e beijar-lhe os lábios macios e carnudos. Como
podia olhar para ele quanto quisesse, assim o fez. Seus braços eram fortes, bem marcados, a pele bronzeada combinava com
os cabelos. Ele tinha uma cicatriz no ombro, que mais tarde ela viria a saber que tinha sido causada pela chifrada de um
touro. Sentiu mais uma vez vontade de beijá-lo, mas sabia que se o fizesse iria acordá-lo e, acordado, ele a inibiria. Não sabia
que Ross só conseguira dormir pouco antes, daí estar mergulhado num sono tão profundo.
Soprava uma brisa muito suave e a água do riacho brilhava sob a luz ainda fraca do sol. Como era bonito tudo aquilo, ao
som do canto dos pássaros. Era um verdadeiro paraíso! Lembrou-se então de Lady e sentiu-se ansiosa. Quando fez menção
de levantar, Ross acordou.
— Olá!
— Olá! Como está Lady?
— Não sei, eu dormi como uma pedra.
— Sei disso. Vou vê-la — disse ele e levantou-se.
— Ross, todos devem estar nos procurando.
— Com certeza, você adorou sua noite sob as estrelas...
— Peço a Deus que não haja outra.
Para surpresa de Rosanne, ele lhe deu um beijo suave na boca.
— Assim já é querer ir longe demais. Eu poderia ser envenenado por você, Rosanne.
— Eu sou venenosa?
— E com dois enormes olhos azuis... Você poderia me levar à desgraça.
Mas você nunca viria comigo, pensou ela, sentindo uma dor profunda. Ela caminhou até a beira do riacho e lavou o rosto,
deixando que algumas gotas de água lhe caíssem na cabeça. Enquanto olhava para ele, Rosanne pensou em quanto tinha
aprendido sobre si mesma naquela noite! Ross tinha acendido uma chama dentro dela que iria permanecer acesa por toda a
vida. Era lindo ver Ross lavando o rosto no rio, mas quando se virou para ela tudo o que disse foi:
— Espero que tenham a idéia de trazer um barco.

69
Por volta de meio-dia estavam todos de volta à casa, inclusive Lady, e Rosanne tinha certeza, pela maneira controlada de
agir de Francine, que ela não demoraria muito para começar um interrogatório sobre como tinha sido a noite com Ross. Ao
ver que Rosanne não tinha nenhum ferimento, a não ser picadas de insetos, Marta respirou aliviada e Sharyn lhe lançou uma
piscada, o que confirmou a Rosanne a certeza de que Francine estava muito perturbada com os acontecimentos.
Ross tinha tomado banho e saído novamente e Rosanne o tinha visto no jardim com Francine; ela segurava em seus
braços de um modo que pareciam estar discutindo. O que ela estaria falando? Rosanne só podia fazer suposições. Francine
já tinha quase trinta anos e Rosanne tinha visto a agonia do ciúme em seus olhos. Por que Ross ainda não tinha se casado
com ela? Uma súbita tristeza tomou conta de Rosanne; sentia-se triste por Francine e por ela mesma. Que terrível era amar
um homem que só vivia em busca do prazer!
Rosanne estava arrumando suas gavetas quando Francine entrou no quarto, sem bater. Parecia furiosa.
— Acho que você e eu temos que ter uma conversinha...
— Sobre o quê?
— Sobre o porquê de você estar aqui. A grande verdade é que você está apaixonada por Ross.
— Não!
— Não? Pois eu digo que está.
— E o que você tem a ver com isso? — disse Rosanne em voz alta. — Acho melhor fechar a porta para poupar Marta de
ouvir essas coisas.
— Ah, sua preocupação com Marta é só uma desculpa. Na verdade, você precisa de uma desculpa para ficar em High
Valley, onde você tem de tudo, comparado à vida miserável que levava.
— Até onde você pretende chegar com todas essas acusações?
— Até onde quiser. Minha mãe e eu percebemos logo quais eram os seus planos. Qualquer homem seria um bom
investimento no seu caso, ainda mais Ross, o homem mais atraente que você já conheceu, um belo salto depois de ter tido o
coitado do Robin.
— Você deve estar pensando que fui eu quem arquitetou o acidente com Lady.
— Aposto que sim.
— Pois não foi assim.
— Se você tirar Ross de mim, eu mato você.
— Eu não poderia tirá-lo de você, se ele a amasse...
70
— Não seja vulgar! — Francine atravessou o quarto em direção a Rosanne e lhe deu um tapa no rosto com tal força que
Rosanne quase caiu. — Você pensa que eu vou arruinar a minha vida por causa de uma qualquer como você?
— Saia daqui...
— Eu vou destruí-la, pode estar certa disso. Ross é meu, sempre foi, e ele é o único homem que eu desejo na vida.
— Você sempre ataca as pessoas quando elas atravessam o seu caminho?
— Desde o começo, alguma coisa me dizia que você não prestava. Como pode ser tão imoral?
— Você acredita mesmo nisso, ou está se forçando a acreditar?
— Então me diga que você não o quer.
— Não vejo nenhum motivo para lhe dizer isso. Você não usa nenhum anel no dedo, não importa quanto deseje isso. Até
que use esse anel, você não tem o direito de ficar fazendo perguntas às outras mulheres.
Francine se levantou, fez um gesto como se fosse lhe dar outro tapa, mas Rosanne a encarou duramente.
— Garotas! O que está havendo aqui? — Marta chegou nesse momento.
— Tem certeza de que quer mesmo saber? — perguntou Francine com um sorriso irônico.
— Não a perturbe, por favor...
— Você se importa? Marta tem o direito de saber.
— Por favor, ela não está bem.
— Essa sujeitinha vulgar está fazendo todos nós de bobos.
— Oh, não! — protestou Marta.
— Você está terrivelmente enganada sobre ela, Marta, e precisa saber.
— Do que ela está falando, Rosanne?
— Ela está tendo um ataque de ciúme, só isso, mas acho que você não deve se preocupar.
— Ela nunca amou Robin! Como poderia, se está louca por Ross? — acusou Francine.
— Não seja tola, ela me disse quanto amava Robin.
— Ela mentiu, e eu lhe garanto que ela agora está atrás de Ross.
— Francine, Francine... — disse Marta calmamente. — Para mim basta, já tive mais do que o suficiente...
Rosanne colocou o braço em volta dos ombros de Marta.
— Agora, cale-se! Se você está morrendo de medo de perder Ross o azar é seu, mas não envolva Marta nisso.
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— Que descaramento! Espere até que eu conte para minha mãe...
— E o que ela vai fazer?
Nesse momento, Sharyn entrou no quarto e correu para o lado de sua mãe.
— O que está acontecendo aqui?
— Que cena mais comovente! — Francine gritou, histérica. — Você realmente conseguiu se infiltrar aqui!
— Do que ela está falando? — gritou Sharyn mais alto que ela.
— Vamos levar sua mãe para o quarto dela — sugeriu Rosanne.
— Desculpe-me, Marta, a última coisa que eu pretendia era magoá-la, mas você precisava saber, essa garota irá nos ar-
ruinar a todos.
— Meu Deus! Esse é um caso sério de ciúme, muito sério, pelo visto — ironizou Sharyn.
— Você, não interfira! Todos vocês sabem o que eu sinto por Ross, os nossos planos, o grande sonho dos meus pais. E eu
não vou ter tudo isso destruído por essa oportunista inescrupulosa. Ela conheceu aqui um novo mundo e resolveu possuí-lo,
por isso quer Ross.
— Mas ela amava Robin! — disse Marta, frágil como uma criança. — Ela amava meu filho...
— Alguma vez ele mencionou esse amor que ela sentia por ele? Nunca! Tudo o que sabíamos era que iam se casar; ele
nem mesmo teve coragem de trazê-la aqui, porque sabia que ela não era boa coisa.
— Por favor, Marta, vamos sair daqui. — Rosanne estava tremendo.
— Diga-me que ela está mentindo...
— Sim, ela está. — Rosanne estava desolada; desejou que nunca tivesse vindo àquele lugar. Parte do que Francine estava
dizendo era verdade, infelizmente ela estava apaixonada por Ross.
— Eu vou dar uma volta — anunciou Francine. — Sempre foi maravilhoso estar em High Valley... até agora.
— Por que você não vai embora de uma vez? De qualquer forma, não é para ver a gente que você vem aqui...
— Sharyn! Como você pode falar assim com nossa convidada?
— Como ela estava tumultuando tanto o ambiente, eu achei que poderia dizer alguma coisa.
— Eu vou ver Ross! E deixe-me avisá-las de que, quando eu for a patroa aqui, não vou ser tão tolerante como ele é.

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Foi um dia longo e difícil, mas quando Ross e Francine entraram na casa, ele assoviando e rindo, ninguém diria que
Francine tinha protagonizado uma cena violenta naquele dia, tal o sorriso que tinha estampado no rosto.
— Pensar que ele poderia se casar com ela... — disse Sharyn. — Talvez até tenha pedido Francine em casamento, pelo
jeito como ela está feliz.
Rosanne estava até esperando que anunciassem o casamento durante o jantar, mas nenhuma palavra foi dita. Mais tarde,
Rosanne foi até o quarto de Marta.
— Tem certeza de que está se sentindo melhor?
— Sim, querida. Agora, seja boazinha e chame Sharyn para mim, por favor. Você me fez ver que eu a estava
negligenciando, e agora sei por quê. Estava obcecada pela morte de meu filho e me esqueci de minhas filhas. Julie se vira, ela
é auto-suficiente, e ainda tem Jake, mas Sharyn tem sofrido muito, estou vendo isso agora.
— Ela ama você, e eu também.
— Minha criança! Se Robin tivesse trazido você a High Valley logo no começo... Você o amava, não amava?
— Eu ia me casar com ele.
— Perdoe-me, querida, eu sei que é difícil ficar se lembrando, mas é que a lembrança de Robin é tão doce.
— Que Deus o tenha! Vou chamar Sharyn — disse Rosanne.
— Eu percebi que vocês estão se dando muito bem. Ela está conseguindo chegar nas suas medidas de novo. Eu também
era muito pequena, quando jovem. Você fez um milagre com ela. Quando passar a época das vendas de gado nós vamos
reunir umas pessoas para conhecer você. Não uma multidão, mas algumas pessoas.
— Não se preocupe, Marta.
— Não é nenhuma preocupação. Vocês vão me ajudar, Julie é ótima para preparar festas, e há um rapaz, Paul Parker, que
está para voltar para casa. Ele esteve algum tempo nos Estados Unidos, fazendo um curso, e tenho certeza de que Sharyn vai
se sentir feliz por ter um pretexto para recebê-lo.
— Você é tão bondosa, Marta.
— Bondosa? Não, eu só estou saindo de um túnel escuro e quero dividir minha alegria com você. Você é uma boa menina,
Rosanne, e não quero que vá embora nunca.
Reinava profundo silêncio no andar de baixo e Rosanne encontrou Sharyn na varanda.
— Sua mãe quer ver você — disse ela.
— Que bom! Na verdade ela nunca se esqueceu de mim, sabia?
73
— Claro que não. Ela acaba de me dizer que vai dar uma festa para você poder convidar um certo Paul.
— Que ótimo! Eu vou ter que comprar um vestido novo, graças a Deus nenhum dos que eu tenho me serve mais. Você
também vai ter que comprar um! Eu sei que tudo que você veste lhe fica bem, mas precisa ser algo diferente. Estou tão feliz!
— Sharyn saiu, correndo como uma adolescente, deixando Rosanne só, olhando para o jardim. Ela não conseguia suportar a
idéia de ter que encarar Francine novamente. Resolveu então refugiar-se em seu quarto.
Sharyn costumava vir conversar um pouco antes de dormir, e até que viesse ela poderia ficar lendo ou escrevendo
algumas cartas.
Francine parecia ter se esquecido da cena violenta daquela manhã. Com certeza Ross tinha feito amor com ela. Afinal,
ele não era nenhum garoto, mas um homem atraente e poderoso, na casa dos trinta.
Na escuridão do quarto, Rosanne lembrava-se do toque dos seus dedos, do cheiro do seu corpo, daqueles beijos cheios
de paixão. Nesse momento ela viu quando um casal se dirigiu para os chalés existentes na parte de trás da casa. Sentiu seu
peito apertar, cheio de suspeitas.
Na manhã seguinte, Ross viu quando Rosanne se sentou numa pedra para ver os pavões.
— Rosanne, você está tentando me evitar?
— Tudo o que estou tentando fazer é sentar aqui e ver os pavões.
— Mas que agressividade!
— Desculpe-me! Bom dia, sr. McAdam.
— Quer ir comigo ao rodeio?
— Com você? E não vai levar sua noiva?
— E o que me impede de levar você também?
— Esqueça, Ross, sua Francine não gosta nem um pouco de mim.
— Bem, você não pode conquistar a todos. Pensei que você gostaria de ver o rodeio. Pretendo comprar alguns animais e,
além disso, há várias outras coisas para entretê-la.
— Acho melhor ficar aqui com Marta.
— Tenho certeza de que ela não se importaria. Além disso, você poderia aproveitar para comprar algumas roupas na ci-
dade, estou cansado de vê-la com as mesmas roupas de sempre.
— Eu nunca disse que esperava que você me admirasse.

74
— Bem, você vem? Pretendo sair às dez.
Nesse momento, Francine apareceu na varanda.
— Acho melhor você sair de perto de mim.
— Logo você se acostumará com isso. Aliás, você não estava acostumada com cenas de ciúme na companhia de balé? Sua
amiga Danielle me disse que as coisas costumavam ficar um tanto tensas por lá.
— Danielle sempre foi e sempre será uma mentirosa.
— É claro que você tem que dizer isso. Não a incomodava o fato de tirar os namorados de suas amigas?
— Pare com isso! Tudo o que fiz em minha vida toda foi trabalhar.
— Então você não deve se intimidar. Venha comigo.
— Eu não quero ir, Ross. Por favor, entenda.
— Então, eu mesmo vou comprar suas roupas. Se Marta está pretendendo dar uma festa para você conhecer as pessoas, é
melhor que não se vista como uma pequena órfã abandonada.
— Vá para o inferno!
— Estava brincando. Mas comporte-se direitinho enquanto eu estiver fora. Curly vai ficar grudado em você, garanto. En-
quanto Lady estiver fora de ação, você pode montar Idle.
— Que bom! Deve ser um cavalo mais bravo.
— Bem, vamos tomar café. Se você continuar empenhada, qualquer dia desses vai ganhar o seu próprio cavalo.
Nos dias que se seguiram, Rosanne e Marta não se separavam para quase nada. Sharyn estava planejando fazer umas
compras com Rosanne. Agora que ela tinha estabelecido uma rotina diária de beleza, nenhum pensamento a agradava mais
do que comprar roupas e maquiagem. Estava pretendendo também mudar o corte de cabelo. Na manhã em que decidiram ir,
ela estava excitadíssima, e Rosanne também, pois era a primeira vez que saía para fazer compras sem ter que ficar contando
o dinheiro.
Dois dias se passaram, muito tranquilos. Marta gostava de ficar falando sobre quando era mais moça e estava noiva. Ela
nunca tinha se sentido segura na vida e Rosanne achava que nunca iria se sentir. Devia ter sido uma tortura saber que o
marido que amava tanto nunca tinha deixado de amar a primeira mulher. Mesmo assim, Marta falou sobre o assunto
naturalmente, não se importando com o fato de estar dando a Rosanne uma visão mais íntima de sua vida. Na verdade, ter
Rosanne como confidente estava lhe dando uma certa paz. Rosanne era uma ouvinte com muita sensibilidade, e Marta sabia,
por intuição, que seus segredos seriam guardados, bem guardados.
75
Rosanne continuava com seus exercícios diários; era vital que mantivesse o corpo em forma. Logo chegaria o dia em que
teria que voltar ao balé. Ela amava dançar, embora ultimamente esse pensamento a deprimisse um pouco. Num de seus
exercícios, com Debussy ao fundo, tanto repetiu que chegou a sentir dores. Não havia mais nada para ela, tinha que se con-
centrar naquilo que possuía de mais precioso, o talento para dançar, que tantas bailarinas invejavam.
Usava uma malha preta que fazia um bonito contraste com seus cabelos claros e sua pele levemente bronzeada. Estava
tão concentrada em seus exercícios que não notou a presença de um rapaz que entrou na sala, sentou-se e ficou assistindo.
— Incrível!
— De onde você surgiu?
— De uma distância de pelo menos cem quilômetros. Sou o filho prodígio da governanta, Mark Curtis.
— Como vai você? — disse ela, vestindo o robe. — Eu sou Rosanne... Rosanne Grey.
— Não me lembro de ter visto Robin nem mesmo paquerando uma garota assim como você.
Suas palavras eram perturbadoras; aliás, não só as palavras como a espressão de seus olhos,
— Você veio visitar sua mãe? — Enquanto falava com ele, Rosanne desamarrou o elástico que prendia seus cabelos.
— Nem sempre eu consigo dar um jeito de vir, e nem sempre coincide com a ausência do chefão.
— Ele estará de volta amanhã.
Havia alguma coisa naquele rapaz de que Rosanne não gostava, mesmo tendo de admitir que ele era atraente. Usava
jeans bem justo e camiseta. Os cabelos negros caíam-lhe na testa.
— E o que você acha dele, do todo-poderoso McAdam?
— Parece que você se esquece de que ele é o meu anfitrião.
Ele deu uma risada, mas corou.
— Está certo, boneca, coloque-me em meu lugar.
— Não era minha intenção — respondeu ela, friamente.
— Se não for um sacrilégio falar sobre os mortos, o seu Robin o odiava.
— Não é verdade, ele amava Ross.
— Não, garota, eu vi com meus próprios olhos. Você precisava ver, o pobre Robin fez seu próprio inferno. Ele não cor-
respondia aos padrões McAdam e isso o aniquilou, até ficar louco. Ross tinha coragem e inteligência, enquanto Robin nem
mesmo gostava de cavalos.

76
— Então você deve ter visto como ele estava sofrendo. Eu não sei nada sobre Robin antes de conhecê-lo. Só sei que me
deu o melhor dele. Era delicado, atencioso e muito divertido.
— E você ia se casar com ele? Nunca se casariam se ele tivesse trazido você aqui.
— Não entendi...
— Esqueça. Vamos ser amigos!
Mark Curtis lhe estendeu a mão e Rosanne instintivamente percebeu que havia alguma coisa nele. Algo nela parecia ex-
citá-lo e, quando ele se aproximou, Rosanne disfarçou e foi desligar o som.
— Você já viu a sra. McAdam?
— Não, ela está dormindo; aliás, ela passa grande parte da sua vida dormindo. Não sei se você sabe, mas depois que
Sharyn nasceu, o marido dela nunca mais veio até seu quarto.
— Como você é atrevido!
— Sou mesmo, não consigo evitar. Aliás, estava pensando em como foi que Robin teve o bom senso de escolher uma
garota como você.
— Se você pensa tudo isso, acho que não deveria ter vindo.
— Eu estou duro, garota, sem nenhum tostão.
— E sua mãe lhe dá uma ajuda, nessas horas?
— Eu detesto essas loirinhas que ficam me olhando dos pés à cabeça, me avaliando, me julgando.
— Desculpe-me, não quis ser rude.
Ela não tinha outra alternativa a não ser passar por ele, se quisesse sair dali.
— Você é uma dinamite, quando dança! Seu corpo é bonito e seu rosto nada mau, com esses olhos azuis e misteriosos.
Ele estava parado, em pé, bloqueando a porta.
— Saía da frente.
— Diga "por favor".
— Está bem. Por favor!
— Aposto que Ross McAdam lhe agrada.
— Já que você sabe de tudo o que acontece por aqui, deve saber quem na verdade agrada o sr. McAdam.

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— Sua tola! Se está falando sobre a insuportável e ridícula Francine Grant-Taylor, eu lhe garanto que definitivamente ele
nunca irá se casar com ela. Eu o conheço bem.
— Se o conhece, deve saber que ele não gostaria de vê-lo bloqueando minha passagem.
— Estava só me divertindo um pouco. — A expressão de seus olhos mudou.
Quando conseguiu sair, passando por Mark rapidamente, Rosanne encontrou com a sra. Curtis, que passava pelo
corredor.
— Boa tarde, senhorita.
— Boa tarde.
— Mamãe, acabo de conhecer a srta. Grey.
— Está tudo bem, senhorita? — Rosanne notou certa ansiedade nos olhos daquela mulher, que agora parecia mais velha.
— Claro que sim. Agora, se me dão licença...

Felizmente, Mark não foi convidado para se sentar à mesa do jantar, mas nas duas vezes em que a sra. Curtis apareceu,
Rosanne percebeu a tensão que havia por trás de sua aparência controlada. Mais tarde, Rosanne pensou tê-lo visto no
jardim, olhando para a janela do seu quarto, e rezou para que Ross voltasse logo. Havia vários homens de confiança por lá,
mas Mark Curtis a deixava preocupada. Além do mais, odiava seu sorriso.
No dia seguinte, Rosanne decidiu não sair, mesmo com Curly. No fim da tarde Ross chegou e, com ele em casa, Rosanne
não precisava ter medo daquele novo visitante. Agora ela poderia montar à vontade.
Quando chegou aos estábulos, Rosanne viu que Curly não estava lá, mas mesmo assim decidiu sair. Vinte minutos mais
tarde, estava de volta ao estábulo, aliviada com a higiene mental que o passeio lhe proporcionara. Nesse momento, surgiu
Mark.
— Olá!
— Eu pensei que tinha visto o avião chegando — disse ela.
— E daí?
— Acho melhor eu ir para casa.
— Não vai acontecer nada, se você ficar.
— Acontece que eu não quero ficar.

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— Tem certeza de que não quer ficar, garotinha?
— Qual é o seu real interesse em mim?
Nesse momento ele foi se aproximando e subitamente a agarrou pela cintura; foi tudo tão depressa que Rosanne nem
pôde gritar.
— Sabe de uma coisa? Eu não paro de pensar em você.
Rosanne estava em pânico, nunca tinha se encontrado numa situação como aquela com um estranho.
— As loiras têm uma magia especial, principalmente com grandes olhos azuis.
— Deixe de ser pretensioso, Mark.
Ele começou a rir, o que a deixou mais nervosa ainda.
— Por que você não me conta o que foi que viu em Robin? Eu não o via há muito tempo, mas sempre soube que ele tinha
muitos problemas.
Ela não sabia o que fazer. Talvez o melhor fosse entretê-lo e, quando surgisse uma oportunidade, sair correndo.
— Você deve atrair muitos homens, não é?
Nem mesmo um, pensou ela, mas não podia falar isso. Aquilo parecia um pesadelo! Mark estava cada vez mais
insinuante e ela precisava fazer alguma coisa. Rosanne aproveitou um momento em que ele estava de costas para ela e saiu
correndo, desesperada; não sabia para que direção estava indo, mas tinha certeza de que conseguiria ajuda, fosse qual fosse a
direção em que se dirigisse.
Aquele campo nunca tinha lhe parecido tão grande. Estava já sem folego e quase desmaiando, quando esbarrou em
alguém.
— O que está acontecendo?
Ela reconheceu a voz de Ross, mas não conseguia falar.
— Rosanne? Por que você está correndo?
Ela estava tremendo, e o alívio de ter encontrado Ross fazia com que tremesse ainda mais.
— Foi Curtis?
— Não, não... — Ela achou melhor negar, com pena do que ele poderia fazer com Mark.
— Fique aqui. — Ele saiu apressado na direção de onde Rosanne tinha vindo correndo.

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Ela deixou seu corpo cair sobre a grama, respirando aliviada. Minutos depois ouviu um barulho, como um grito, e depois
um silêncio total. Tentou respirar fundo, para ver se se acalmava, quando percebeu que um botão da sua blusa estava
desabotoado, deixando aparecer parte do seu seio. Quando foi abotoá-lo, percebeu que tinha perdido o botão.
— Droga! — exclamou, quando viu Ross se aproximando. Pelo jeito, ele ainda estava furioso.
— Vai demorar um tempo até que você veja Mark Curtis novamente.
— Espero sinceramente que sim.
— Eu lhe pedi para não sair por aí sozinha.
— Eu sei.
— Curtis me disse que você queria a companhia dele.
— E você acreditou?
— Não sei, ainda. Mas acho que uma mulher tem que estar fora de si para encorajar um homem como aquele.
— E você acha que eu seria tão estúpida?
— Bem, você tem uma certa prática.
— Seu... Eu como uma boba rezando para você aparecer, e agora é isso que tem a me dizer?
— O que aconteceu?
— Perdi um botão, não está vendo?
— Ele tocou em você?
— Não. Por favor, Ross, vamos esquecer isso.
— Minha querida, eu preciso saber tudo o que aconteceu por aqui.
— Mas não aconteceu nada! Além disso, eu sei correr, é sempre mais seguro.
— Então, quer dizer que foi ele quem teve a idéia primeiro...
— Ross, por que você me faz falar sobre uma coisa que eu não quero? — Rosanne sentiu vontade de chorar. Não
suportava mais ser tratada com tanta desconfiança. — Eu quero voltar para casa, voltar a ter a minha própria vida e nunca
mais incomodar você.
— Você deveria se assumir e tirar algum proveito do que já fez de errado.
— Eu nunca fiz nada errado na minha vida. — As acusações sempre vinham, mais cedo ou mais tarde. Ross sempre
encontrava um jeito de provocá-la. — Mas por que eu estou perdendo tempo em lhe explicar?
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— Você é tão certinha! — disse Ross e, aproximando-se dela, deu-lhe um beijo na boca. Rosanne sentiu todo o seu corpo
relaxar, e experimentou novamente aquela perturbadora Sensação de prazer. Entregou-se completamente àquele abraço,
sentindo os braços musculosos de Ross apertando seu corpo. Já tinha admitido para si mesma que o amava, mas confessar-
lhe isso era muito difícil, principalmente sabendo o que ele pensava dela.
Ross soltou-a e balançou a cabeça.
— Por Deus do céu...
Rosanne estava de novo deitada na grama ao lado dele, só que dessa vez sentia o mundo girar à sua volta. Como podia ir
se entregando daquela forma a ele?
— Posso ir, agora?
— Garota, você é única! — disse ele, continuando a acariciá-la.
— Pare com isso! — Rosanne já estava chorando, como sempre. — Pare com isso, já disse, eu quero que me deixe em
paz!
— Como queira.

Capitulo 7
Sharyn apareceu na sala com uma porção de pacotes de presentes e, para decepção de Francine, a maioria era para
Rosanne. Foram para o quarto e quando Rosanne começou a desembrulhar os pacotes, viu que eram vestidos.
— Mas, Sharyn!
— São todos para você. Afinal, o que mais se pode fazer com dinheiro a não ser gastá-lo?
— Mas eu não posso aceitar tudo isso.
Rosanne olhava ao redor sem poder acreditar. Havia todo tipo de roupa: vestidos de noite, vestidos de seda para o verão,
jeans, blusas, botas, sapatos, camisolas, até mesmo maquila-gem e perfume francês.
— Claro que pode aceitar! Você é mulher, e não é uma exceção à regra, pois todas nós gostamos de coisas bonitas. —
Sharyn ria excitada ao ver a reação de Rosanne.
— Mas poucas mulheres podem ter tudo isso.

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— Foi Ross quem quis assim. Descobri o seu manequim e peguei um par de sapatos seus para medida.
— Oh, querida... — Rosanne estava segurando um vestido de noite. — Eu não estou acostumada com isso. Meu Deus!
— Você merece. Rosanne, você ainda não fez nenhum comentário sobre meu novo corte de cabelo.
— Está perfeito.
— Há muito tempo que eu não me sentia tão bem.
— Quero só ver a reação de Paul Parker...
— Eu também. Já está na hora de eu arrumar um namorado, dizem que isso faz com que as mulheres renasçam.
Sharyn abriu uma caixinha onde havia um dos perfumes de Rosanne e colocou umas gotas no pulso.
— Ah, mamãe quer ver as nossas roupas novas. Eu disse a ela que vamos fazer um desfile.
— Desde que ninguém mais assista, tudo bem — disse ela, lembrando-se de Francine.
— Escolha o que quiser para vestir agora, mas não deixe que ninguém veja o vestido que vai usar na festa, vai ser um
segredo.
Para decepção de Rosanne, Ross estava na sala de estar com Marta e Francine.
— Você é uma garota de sorte, Rosanne — comentou Francine, vendo-a de vestido novo.
— E por que não? Acho que é um direito dela — disse Marta.
— O que você acha, Ross? — perguntou Francine.
— Muito bonitos... — Referia-se aos vestidos de verão que as duas usavam.
— Eu me refiro a toda essa despesa.
— Não há dinheiro que pague isso que estou vendo. Mas quanto foi tudo?
— Garanto que foi bem menos do que a quantia que você gastou no rodeio, comprando gado — disse Sharyn.
— Bem, se o desfile terminou, com licença. Vou ver Bob, tenho que lhe falar sobre o mercado.
— Você se importa se eu for junto? — perguntou Francine, aproximando-se dele. — Com certeza, papai vai querer saber
algumas coisas.
— Francine está forçando mesmo a barra, não? — disse Sharyn, assim que eles saíram.
— Eu sinto pena dela — observou Rosanne.
— Por quê?
— Porque Ross é um tipo inatingível.
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— Eu sei o que você quer dizer — concordou Marta com certa melancolia.
Rosanne já ia entrar debaixo das cobertas quando seu sexto sentido fez com que virasse a cabeça para o outro lado.
Começou a gritar quando viu uma cobra a poucos metros de sua cama. Era uma cobra preta, não muito comprida e
provavelmente venenosa. Estava tão apavorada que não ouviu o barulho de vozes que vinham do corredor, nem quando a
porta do quarto se abriu e Ross entrou.
— O que foi? Um outro pesadelo?
A luz fazia com que sua camisola ficasse completamente transparente, mas Rosanne nem se deu conta disso, pois estava
prestes a desmaiar.
— Uma cobra... — conseguiu murmurar.
— Onde?
— No terraço. — Seu corpo caiu na cama como uma pedra.
— O que aconteceu? — perguntou Sharyn, entrando no quarto.
— Afaste-se! — disse Ross, com sua costumeira autoridade. Finalmente Sharyn percebeu do que se tratava.
— Tome cuidado, Ross.
Rosanne queria olhar, mas estava tão tensa que não podia se mover. Quando Sharyn se aproximou e tocou em seu braço
ela quase deu um pulo na cama.
— Desculpe, Rosanne, mas agora já está tudo bem. Pode ter certeza.
— Eu morro de medo de cobras.
— Eu também, mas a maioria delas tem medo da aproximação de pessoas.
— Onde está Ross?
— Acho que foi buscar alguma coisa para você beber. Espero que se lembre de trazer algo para mim também.
— E a cobra?
— Ross a matou.
— Como?
— Com um golpe na cabeça.
— Oh...

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— Foi você quem quis saber. Mas há uma coisa ainda pior: esse tipo de cobra não costuma ser encontrado por aqui, e
raramente uma cobra entra na casa.
— Você está insinuando que alguém a colocou aqui?
— Sim, e alguém muito corajoso ou que entende muito de cobras.
— Não posso acreditar.
— A tela contra insetos não estava fechada?
— Eu pensei que estivesse, mas de repente alguma coisa me chamou a atenção...
Nesse momento, Ross entrou no quarto.
— Beba isso. — Ele lhe passou um copo com conhaque dentro.
— Acho melhor não...
— Beba!
— Sim, senhor. — Sharyn encarou o irmão.
— Como essa cobra veio parar no terraço?
— Não sei, mas esqueça isso por enquanto, Sharyn.
— Acha mesmo que eu tenho que beber isso? — Rosanne não estava gostando do sabor da bebida.
— Pronto, isso vai acalmá-la num instante — disse ele, tirando-lhe o copo da mão. — Marta ouviu seus gritos, mas eu
disse que estava tendo um pesadelo.
— Acho melhor ir vê-la — disse Sharyn, levantando-se da cama. — Tem certeza de que está bem?
— Eu tomo conta de Rosanne. Não conte nada a Marta sobre a cobra, isso só irá preocupá-la — pediu Ross.
— E o que devo dizer, então?
— O que eu acabei de dizer: Rosanne teve um pesadelo, mas está perfeitamente bem, agora.
— Está certo. Mas há alguma coisa suspeita nessa história.
— Boa noite, Sharyn! — disse Ross.
— Está bem, boa noite, Rosanne, tente não pensar muito, isso não vai acontecer de novo.
— Não vou conseguir dormir aqui.
— Tente enquanto estou aqui.
— Estou com medo, não percebe? Aquela cobra...
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— O que você quer que eu faça? — disse ele, olhando fixamente para o corpo de Rosanne. — Sua camisola é muito
bonita.
— Como é que eu vou conseguir dormir e ter bons sonhos com você me olhando desse jeito?
— De que jeito? Dá para explicar melhor?
— Será que eu posso interromper essa linda cena? — perguntou Francine, parada na porta do quarto com as mãos na
cintura.
— Oi, Fran. — Ross levantou-se rapidamente, embora sua voz permanecesse calma. — Onde você estava até agora?
— Eu? Por quê? Aconteceu alguma coisa errada?
Rosanne vestiu o robe e se levantou.
— Se não houver problema, acho que vou até a cozinha tomar um chá.
— Por favor, será que alguém poderia me dizer o que está acontecendo?
Francine estava usando um quimono azul sobre a camisola e Rosanne notou que ela não tinha tirado a maquiagem para
dormir.
— Apareceu uma cobra venenosa em meu quarto.
— Que absurdo!
— Não é nada absurdo, Francine, pode estar certa — disse Ross.
— Eu não acredito! — Seu rosto estava vermelho. — Você chegou a ver a tal cobra, Ross?
— Eu matei a cobra, Francine.
— Bem, eu vou descer e tomar o meu chá.
— Você está bem?
— Sim.
— Ela adora chamar a atenção.
Ross parecia não ouvir os comentários de Francine. Aproximou-se de Rosanne e pegou-a no colo.
— Eu vou carregar você até lá embaixo.
— Ross, pare com isso, ela pode muito bem ir andando, será possível?
— Eu não acho que possa.
— Vocês estão mimando demais essa moça.
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— Você está sendo injusta. Os McAdam têm a fama de serem cordiais e hospitaleiros.
— Eu estou bem, Ross, pode me colocar no chão,
— Acho bom mesmo, ela só está fingindo que não está bem. Você me surpreende, Ross.
— Há muitas coisas em você que também me surpreendem. Francine.
— Escute aqui, você não está me censurando pelo que aconteceu aqui essa noite, está?
— Claro que não — respondeu Rosanne, saltando dos braços de Ross num passo de balé.
— Você vai ter que me ensinar esse truque, Rosanne. Sinto-me desmoralizado por ver uma mulher se livrar tão facil-
mente de mim.
— Eu lhe disse que ela era perigosa! — Francine estava com o rosto vermelho e os lábios tremendo. — Você se esqueceu
do quanto ela fez o pobre Robin sofrer?
— É por isso que você a odeia? — perguntou ele, calmamente.
— Você é horrível, Ross, não sei por que vim aqui...
Francine saiu depressa em direção a seu quarto.
— Você a magoou... — disse Rosanne quando estavam a sós.
— Acho que sim.
— Coitada da mulher que se casar com você. Você não pensa muito para magoar as pessoas.
— Você tem certeza de que não quer dormir aqui?
— Você acha que uma cobra poderia entrar novamente aqui no quarto?
— Claro que não. Você não vai ter mais problemas. — Fechou as portas que davam para o terraço e as janelas, e virou-se
lentamente para ela,
— Bem, o que você acha?
— Eu acho que alguém quis me assustar de propósito.
— Então deixe isso comigo. — A expressão de Ross tornou-se dura. Parecia um pouco assustado.
— Você não está pensando que foi Francine, está? — perguntou Rosanne. — Nenhuma mulher em seu estado normal
iria pegar uma cobra e colocá-la aí, principalmente sendo venenosa.
— Não, não foi Francine — disse, comprimindo os lábios. — Você disse que queria uma xícara de chá?
— Quero, sim, — Rosanne ainda sentia calafrios ao se lembrar do que acabara de acontecer.
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— Mas, pelo amor de Deus, vista um robe. Essa camisola é muito bonita, mas consegue tirar um homem do sério.

Na manhã seguinte, quando desceu para tomar o café da manhã, Rosanne soube que Francine fora embora. Marta con-
tou-lhe que Ross a tinha levado de avião para Malawarra. A sra. Curtis serviu, então, o café. Depois que ela voltou para a
cozinha, Rosanne comentou:
— Parece que a sra. Curtis andou chorando.
— Coitada! Ela deve estar desiludida com aquele filho. Ross o expulsou daqui, você sabia?
— Mas por quê? — Rosanne se sentiu mal, afinal tinha sido por culpa sua.
— Isso não nos interessa. Além de mau caráter, não move um dedo para ganhar dinheiro.
— Ele me disse que estava desesperado. — Rosanne empurrou o prato para o lado, tinha perdido o apetite.
— Imagino que sua mãe deva ter-lhe dado o que queria. Mark já lhe causou muitos problemas, mas não vai voltar aqui
nunca mais. A sra. Curtis sabe disso e entende perfeitamente. Ela é extremamente eficiente e nós não queremos perdê-la.
— Então estamos sem Francine e sem Mark...
— Acertou! — confirmou Sharyn. — E não pensem que eu vou dizer que lamento muito. Assim que vocês terminarem,
podemos começar a endereçar os convites.
Rosanne teve que desistir por enquanto de partir, mesmo porque ninguém iria ouvi-la. E agora que ela via tanto prazer e
excitação em Marta e Sharyn para dar essa festa, resolveu deixar de lado seus planos. Depois da festa, quem sabe, Ross
permitiria que ela partisse. Teria que falar com ele sobre isso, pois cumprira a sua parte do trato. Marta estava se sentindo
muito melhor, livre da desolação que a tinha abatido tanto.

Uma semana depois Rosanne se encheu de coragem para ir falar com Ross. Era uma luta falar com ele. Toda vez que
surgia uma oportunidade, alguém ou alguma coisa a impediam.
Naquela noite ela até tomou um copo de vinho a mais durante o jantar para criar coragem. Por mais que adorasse aquela
vida, aquela liberdade, era antes de mais nada honesta e não podia continuar ali.
Parada na porta de seu escritório ela ensaiou de novo o que iria falar. Na verdade tinha muito medo dele, embora no
fundo achasse isso ridículo. Tudo o que tinha a fazer era manter-se calma. Cumprira o que prometera e agora tinha chegado
a hora de partir. Como bailarina não podia ficar inativa por mais tempo.
Bateu à porta e, quando ele respondeu, Rosanne tremeu. O fato de amá-lo tanto a deixava extremamente nervosa.
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— Posso falar com você, Ross?
— Claro, deve...
— Posso me sentar?
— Claro, sente-se aqui, assim eu posso vê-la.
Rosanne ficou meio constrangida pela expressão de seus olhos, mas sentou-se na enorme poltrona de couro que ele
apontou.
— Gosto do seu vestido.
— Acho que você me deu coisas demais. — Estava usando um vestido de seda pérola que nunca teria condições de
comprar se fosse depender de seu próprio dinheiro.
— Não se sinta culpada só por ter aceito alguns vestidos de presente.
— Ross, eu queria lhe dizer que... bem... você vai ter que me deixar ir...
— Ir para onde?
— Para o meu próprio mundo; já fiz tudo o que tínhamos combinado.
— Sim, já fez. E eu estava aqui pensando no motivo para lhe dizer não.
— Dizer não? Eu não entendo.
— Eu tenho que ter certeza, você entende?
— Eu sei que Marta vai sentir a minha falta, mas ela tem você e Sharyn.
— Só que ela quer que você fique um pouco mais.
— Eu não posso, Ross. — O desespero fez com que ela falasse um pouco alto.
— Por que não? — Ele a segurou pela cintura.
— Eu já fiquei muito tempo longe da companhia.
— Longe de André...
A expressão de seu rosto mudou, ficou sério e contraído, mas mais atraente que nunca.
— Quantas vezes eu vou ter que lhe dizer que André não significa nada para mim? — Rosanne teve que fazer muita
força para resistir àquela onda de desejo que a invadia.
— Bem, mas ele se considera seu... amigo! — Sentia o calor de suas mãos, mas mesmo assim ela se manteve firme.
— De qualquer modo tenho que ir, não posso simplesmente ficar aqui.
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— Eu pensei que você estivesse gostando daqui — disse ele, aproximando-se mais.
— Eu sei o que sente por mim, Ross. Você não passa de um sádico!
— Um o quê? — perguntou ele e beijou-a inesperadamente.
— Por favor, Ross. — Novamente aquela chama ardia em seu corpo. Em um minuto eles estavam abraçados. As mãos de
Ross passeavam pelas suas costas, enquanto a beijava com paixão. Rosanne sentiu que não poderia lutar mais contra ele.
Como poderia, se na verdade era o que mais desejava?
— O que eu vou fazer com você, Rosanne? — perguntou Ross, beijando-lhe o pescoço.
Ele parecia quase zangado, o que fez com que ela se afastasse um pouco. Sabia que Ross a desejava, não adiantava ele
fingir o contrário.
— Eu não posso suportar o que você está fazendo comigo, é muito cruel.
— Eu sei que é — disse ele, voltando a puxá-la contra seu corpo e começando de novo a acariciá-la. — Quanto tempo
você acha que eu vou aguentar? Até quando você acha que vou me satisfazer só com isso?
— Você não pode... — Não pôde completar a frase, pois ele começou a beijá-la com fúria apaixonada.
Era sempre assim, ambos perdiam o controle. Num momento em que virava a cabeça para o lado, Ross a encarou e disse:
— Fale-me sobre Robin.
Rosanne não conseguia falar, e Ross a segurou pelo cabelo, porém sem machucá-la.
— Eu quero saber, menina, e sem mentiras.
— Eu gostava dele de verdade, não dessa forma, é claro.
— Você lhe disse que o amava? — interrompeu-a, impaciente.
— Acho que sim.
— E nunca dormiu com ele...
— Não, nunca. Ainda existem homens que sabem esperar.
— Só que esse não era o comportamento típico de Robin.
— Bem, então talvez eu nunca lhe tenha dado uma chance. — Rosanne estava perturbada com a idéia de que Ross conti-
nuava não acreditando nela.

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— Droga! Vou ter que lhe apresentar provas. — Ele se levantou tão rapidamente que Rosanne ficou desnorteada. Foi até
a estante e pegou um livro de couro. Quando viu que não era o que queria, simplesmente o jogou no chão; pegou um outro
livro e veio em sua direção.
— O que é isso?
— A carta que Robin me escreveu alguns dias antes de sua morte.
— Mostre-me. Eu tenho o direito de saber. — Estava tão perturbada que Ross pensou que ela fosse desmaiar.
— Você não tem medo?
— Não. Eu não tenho motivo para ter medo — respondeu, estendendo a mão para ele; seus nervos estavam à flor da pele.
— Eu já tentei apagar isso da minha mente, mas não foi fácil.
— Por favor, dê-me a carta.
— Acho melhor você ir ler no seu quarto, provavelmente vai querer destrui-la em seguida.
— Por que você não a destruiu?
— Porque nada aconteceu como planejei, nada!
Rosanne subiu para o seu quarto com a carta dentro do livro. Será que Robin tinha ficado louco? O que ele poderia ter
escrito sobre ela a ponto de causar ódio e desprezo em seu irmão? Lembrou-se de Mark Curtis dizendo que Robin sempre
odiara Ross. Será que ele estaria se vingando de Ross através dela? Mas como, e por quê?
A carta lhe daria a resposta. Quando chegou a seu quarto Rosanne acendeu as luzes e certificou-se de que a porta que
dava para o terraço estava fechada. A carta estava dentro do livro Crime e Castigo de Dostoiévski, e ela pensou se Ross teria
escolhido esse livro de propósito. Começou a ler a carta de três páginas e, quando terminou, estava pálida. Não podia ter
sido Robin quem escrevera aquela carta! Só se ele estivesse doente; ela conhecia Robin e sabia que ele não poderia ter
escrito aquelas terríveis mentiras. Releu a carta algumas vezes e continuou sem entender.
— Estou calma — disse em voz alta. — Vou esquecer Robin, esquecer o homem que eu amo, esquecer que um dia eu
estive em High Valley.
Robin a descrevia como uma pessoa sem sentimentos, inescrupulosa, e mesmo assim Ross quis trazê-la para High
Valley. De repente lhe veio a imagem de Robin naquela noite; ele estava carinhoso e já tinha esquecido o seu caso imaginário
com André: Lembrou-se também que ele estava dirigindo em alta velocidade, o que a deixou assustada. Mas ele parou de
repente e deu uma gargalhada.
— Quase matei você, hein, querida?
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Rosanne lembrava-se perfeitamente de que tinham sido essas as suas palavras.
Será que ele estava realmente tentando matá-la? Nada disso lhe importava agora, estava destruída, e por Robin. Num
gesto rápido começou a rasgar a carta. Como ele pudera confessar-lhe amor? E como ela poderia provar que tudo o que ele
escrevera eram mentiras? Rosanne começou a se sentir mal; dor de estômago e ameaça de vertigem. Não importava quanto
isso iria magoar Marta, mas ela tinha que ir embora.
Dormiu muito mal, teve pesadelos, e na manhã seguinte sabia que teria que encarar Ross novamente. Sem a sua ajuda
seria impossível sair de High Valley. Embora alguns aviões de carga costumassem pousar lá, ela teria que explicar sua
partida a Marta. Não poderia simplesmente desaparecer. Como não tinha condições de mandar um telegrama para ela
mesma simulando urgência, a única coisa que lhe restava fazer era dizer que o balé era a grande motivação de sua vida e que
estava sentindo muita falta de seu trabalho com a companhia de dança. Marta ficaria triste e desapontada, mas não tinha
outra opção. Sua permanência em High Valley não podia se prolongar.
Sharyn comentou sobre sua péssima aparência no café da manhã e ela deu como desculpa uma leve dor de cabeça.
— Julie nos escreveu. Vem passar o fim de semana conosco.
Uma hora mais tarde Rosanne estava no estábulo e, embora quisesse ficar sozinha, Curly se recusou a perdê-la de vista.
— O patrão me mata — disse ele.
— Está bem, então venha.
— Desculpe, srta. Rosanne, mas a senhorita está tão pálida!
— Está tudo bem, Curly, não se preocupe.
— Aonde nós vamos? Acio que a senhorita não se importa de me dizer.
— Eu quero ver o sr. McAdam.
— Bem... — Curly demonstrou dúvida. — Ele está meio ocupado hoje, não sei não.
— Mas eu vou falar com ele assim mesmo.
— Está bem, então.
Rosanne estava completamente ausente, guiando Lady automaticamente. Curly a seguia em outro cavalo.
Procuraram Ross por toda parte, mas em todos os lugares em que iam as pessoas lhes diziam que ele tinha acabado de
sair.
— Acho que é melhor desistirmos, srta. Rosanne, vem chuva por aí.

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— Não. Vamos ver do outro lado do lago.
— A senhora tem certeza de que o assunto é assim tão importante?
— Nós temos que encontrá-lo! — Seu rosto estava pálido e com visíveis sinais de cansaço.
Andaram até o próximo acampamento e avistaram um grupo de homens a cavalo.
— Por ali. O sr. Ross deve estar com aqueles homens. Quando chegaram mais perto, Ross veio em sua direção.
— Curly, o que há com você ultimamente, por que a trouxe aqui?
— Não me culpe, patrão.
— Eu tinha que ver você, Ross. — Rosanne ficou confusa ao vê-lo nervoso.
— Junte-se aos outros homens, Curly. Você tinha que escolher justamente hoje para vir me procurar?
— Qual é o problema? Só porque vai haver uma tempestade? Não acho que seja tão perigoso.
— Eu não tenho tempo para lhe explicar agora.
Ross deu várias voltas com seu cavalo, dando ordens para os garotos e para os homens da fazenda. Voltou para o lado de
Rosanne.
— Suba depressa naquela árvore. — O que está havendo? O barulho dos cavalos assustados era infernal, e todos corriam
de um lado para o outro.
— Droga! Suba, já disse... — Ele a levantou pela cintura com tanta força que quase a machucou. — Vá mais para cima!
Havia tanta urgência nas ordens de Ross que Rosanne não ousou desobedecê-lo. Subiu no galho mais alto da árvore até
poder ver o pasto. Ross corria de um lado para o outro, montado em seu lindo cavalo negro, tentando controlar uma égua
assustada. Nesse exato momento fez-se um clarão no céu e Rosanne tapou os ouvidos para não ouvir o barulho do trovão.
Todos os homens montados em seus cavalos seguiam as ordens do patrão, e em poucos minutos uma manada enfurecida
tomava conta do pasto. Vinham numa tal velocidade que Rosanne não podia acreditar que aqueles homens no meio do
pasto, desviando dos chifres, fossem sair ilesos. Seus movimentos tinham que ser precisos, mas mesmo assim ela temeu pela
sorte deles. Era uma cena que ela jamais iria esquecer, todos aqueles touros no meio do pasto, uma chuva torrencial, os raios
riscando o céu e os gritos dos homens...
O chão parecia tremer tão violentamente que ela tinha a impressão de que a qualquer momento a árvore sob a qual
estava abrigada iria cair.
Tinha visto Ross só uma vez, e agora podia vê-lo bem longe, galopando. Rezou desesperadamente para que ele se
salvasse. A qualquer momento poderia ser atingido por um daqueles chifres, depois pisoteado pela manada... a morte
92
parecia tão próxima e um homem num cavalo era algo frágil demais naquele momento; um segundo que calculasse errado
seria fatal. Rosanne estava quase paralisada de medo, não por ela, que o perigo já tinha passado, mas por Ross e pelos outros
homens. Não saberia dizer quanto tempo demorou para que o tumulto e o barulho cessassem. Continuava rezando,
torturada pelo pensamento de que um daqueles homens poderia ter morrido. De um momento para outro a chuva parou, e o
sol brilhou novamente. Ela desceu cuidadosamente da árvore, ainda tremendo. E se tivesse acontecido alguma coisa a Ross?
Teve que pular no chão e sujou toda a sua roupa de barro. Seus olhos estavam fixos no pasto, mal podia acreditar que em
tão pouco tempo tudo aquilo tinha acontecido. Curly tinha lhe contado muitas coisas sobre tempestades e o efeito delas
sobre os animais, mas Rosanne só tinha acreditado em parte, pois achava que eram fantasias do rapaz. Mas agora tinha
presenciado algo que a fez meditar sobre os perigos da vida de um homem do campo.
Não sabia bem o que deveria fazer, mas de repente viu Ross vindo em sua direção.
— Graças a Deus que você está salvo — disse baixinho, sem que ele ouvisse.
— Pronto, já terminou.
— Ninguém se machucou?
— Robie feriu a perna.
Rosanne parecia que ia desmaiar, estava pálida e tremia sem parar.
— Venha comigo, eu vou levá-la para casa.
— E Lady?
— Ela sabe como evitar complicações; pena não poder dizer o mesmo sobre você.
— Eu tinha que falar com você.
— Pois escolheu uma hora imprópria.
— Você tem razão, sinto muito.
— Acredito que sinta muito; seu rosto é muito expressivo.
Cansada, tanto física como mentalmente, Rosanne teve que se encostar em seus ombros, e ele a segurou pela cintura.
— Para onde vamos, saindo daqui, garota?
— Cada qual para o seu próprio mundo — disse ela, embora soubesse que a melhor parte dela iria ficar ali com ele.
— Tire esse chapéu ridículo — disse ele, jogando longe o boné que ela usava. — Eu duvido que você saiba o bastante
sobre seu próprio destino.

93
Rosanne não deu nenhuma resposta, limitando-se a montar na garupa do cavalo de Ross. O belo animal saiu galopando,
e o vento soprava tão forte que Rosanne se surpreendeu gozando aquilo tudo, sem pensar em seus problemas.
— Por favor, deixe-me montá-lo.
— Nunca! Você iria quebrar seu lindo pescoço.
— Não seria uma forma de pagar por meus pecados?
— Oh, sim, mas pense numa outra forma.
Depois de andarem alguns quilômetros o animal parou para beber água num riacho, e eles viram Nara vindo em sua
direção.
— Estava procurando o senhor! — exclamou, quase sem respiração.
— O que houve, Nara?
— A sra. McAdam, senhor.

Capitulo 8
Rosanne chegou ao ensaio meia hora mais cedo que os outros. Barakat, o professor de balé, estava lá, e imediatamente
começou com ela os exercícios de barra. Era uma manhã de sexta-feira, e à noite iria haver a noite de gala com a
apresentação de Giselle. Aquilo era tudo o que ela tinha: o seu trabalho.
— Perfeição, querida! — Barakat beijou-lhe a mão e virou-se imediatamente para os poucos alunos que estavam no salão.
— Imbecis! — exclamou e riu logo em seguida. Rosanne mal conseguia ouvi-lo, preocupada que estava em fazer os
movimentos certos. Ela nunca tinha trabalhado tanto em toda a sua vida, e nunca tinha estado tão magra.
— Querida, guarde um pouco para a sua performance de hoje à noite — recomendou Barakat.
Ela diminuiu seu tempo, e Damien, ao piano, parou com sua marcação e começou a tocar uma parte mais lenta da peça.
Ela olhou para ele do outro lado do salão, sorriu e deu um salto, como num passe de mágica.
Parecia tão perfeito, tão fácil, embora tivesse se empenhado durante vários anos de sua vida para conseguir flutuar como
uma folha ao vento. Seu parceiro em Giselle seria André. Dançavam tão bem juntos, a coreografia lhes era tão familiar, que
poderiam praticamente esquecer as marcações e jogar-se de corpo e alma no palco.
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O ensaio tinha começado. André se juntou a ela e fizeram o pas de deux do primeiro ato. Os sentimentos de André por
Rosanne eram tão patentes que davam a impressão de uma dor profunda do primeiro amor condenado da juventude.
Rosanne, por sua vez, estava representando, mas com tamanha paixão e tal intensidade que não podia haver melhor
parceira. Ela sabia tudo sobre amores condenados e impossíveis, pois havia muitos meses sentia uma pontada no peito
todos os dias. Portanto, na apresentação dessa noite, quando ela pegasse a espada do amante para matar-se, muito da sua
angústia seria real.
Em seguida ela e André fizeram uma pausa, e ficaram de pé junto aos espelhos, assistindo ao ensaio de Willis; eles es-
tavam bem agasalhados para evitar o resfriamento dos músculos. Sandra, que fazia o papel da rainha, fez um leve e rápido
movimento no chão, mas ainda assim não agradou a Barakat, que ficou zangado com ela e lhe chamou a atenção. Ela não
levou a mal, acenou para ele, e tentou novamente. Mesmo sem o seu traje, lembrava um fantasma.
Brett Hansen, um novo componente da companhia, estava dançando sua parte e, embora fosse um papel pequeno, con-
seguiu arrancar um comentário de André.
— Ele dança bem.
— Não tão bem quanto você — disse Rosanne. Era um cumprimento de rotina, mas André parecia estar precisando dele.
Logo Rosanne entraria em cena novamente, para o grande solo do segundo ato, e haveria a grande transformação: de uma
jovem inocente e pura para a terrível e assustadora Willis, o fantasma da garota que tinha sido traída.
Mas ele não me traiu! Seus pensamentos íntimos se misturavam com os da personagem. Desejo não era amor, e Ross
nunca tinha mencionado tal palavra. Tudo tinha terminado da mesma forma que tinha começado, e fazia muitos meses que
ela vinha sofrendo por esse amor, um sofrimento visível, provocando-lhe as emoções mais desencontradas. Cada gesto seu
no balé que tivesse relação com amor ou sofrimento era vivido com tal realismo que ninguém na companhia ficava in-
diferente. O diretor tinha afirmado que ela seria uma grande bailarina, mas isso agora não significava mais nada para ela. Ter
se apaixonado por Ross tinha sido o grande desastre de sua vida, e sofria amargamente as consequências disso. Em
conclusão, o balé não lhe bastava mais.
— Querida, você não está chorando, está? — perguntou André, levantando o seu rosto pequeno e pálido.
— Acho que é o rímel.
— Ah, sim, o rímel. — André colocou a mão no seu ombro. — Eu gostaria de matar esse homem que lhe causa tanto
sofrimento.
— Eu adoraria se vocês dois prestassem atenção — exclamou Barakat, baixinho.

95
— É melhor eu ir agora, mas prometo que depois do espetáculo vou levá-la para jantar em um lugar especial.
— Droga, André! — Barakat estava perdendo a calma. — Você poderia por favor sair de perto de Rosanne e vir aqui? Se
não for incomodá-lo, é claro.
— Estou indo, meu amor! — André deu um sorriso cínico e gozador. Ele sempre dava esse tipo de resposta a Barakat,
que agora sacudia os punhos. Era extremamente difícil decidir que atitude tomar com André.
— Sua garotinha estúpida! — disse Barakat, repreendendo injustamente uma das bailarinas que tinha se saído bem a
manhã toda. — Afinal, nós temos ou não temos uma apresentação marcada para hoje à noite?
A receptividade da primeira noite tinha sido melhor do que podiam esperar. Desde o diretor, até o mais anônimo
membro da companhia, todos tinham gostado. Tinha sido um sucesso, com a casa lotada. O principal crítico, Gregory
Nixon, não poupou elogios para toda a companhia. A encantadora Rosanne Grey tinha tido um desempenho perfeito, num
papel que parecia ter sido escrito para ela, e embora André merecesse os melhores elogios, Brett Hansen tinha sido um show
à parte.
Para Rosanne e André, que estavam sozinhos no palco depois da quinta vez em que foram chamados, os aplausos
vinham como ondas... As pessoas da platéia estavam aplaudindo de pé e, ao olhar mais uma vez para aquela platéia vestida a
rigor, o coração de Rosanne quase parou.
Havia um homem, numa das primeiras fileiras, um homem de cabelos negros e olhos azuis. Ela deixou escapar um grito e
continuou olhando em sua direção, até que ele levantou a mão e a cumprimentou de longe.
A platéia parecia não querer mais sair dali, gritando seus nomes. André ergueu a mão de Rosanne e beijou-a. Como de
costume, ela escolheu uma rosa das várias corbelhas que tinha recebido e deu para ele, com muita graça.
— Eles adoram você, querida.... a nós!
Se ela não saísse do palco, ia desmaiar. A cortina subiu várias vezes, até cessarem os aplausos. Rosanne mal pôde acre-
ditar quando baixou de vez.
O diretor entrou no palco de repente e beijou Rosanne. Havia inúmeros admiradores ao seu redor. Muito esperançosa,
Rosanne procurou no meio daquela multidão de bailarinos e repórteres aquele moreno alto que tinha visto na platéia, mas
não havia nem sinal dele. Com todas aquelas luzes, ela imaginara ter visto Ross. Ross... oh, céus! Ela não suportava mais essa
dor, quase física. Naquela noite ela tinha atingido o ponto mais alto de sua carreira, mas em vez de se sentir muito feliz,
tinha vontade de sumir do mundo. E a essa altura já estava conformada de que jamais veria Ross novamente.

96
Finalmente conseguiu ficar sozinha no seu camarim, e pôde se encarar no espelho. Tirou a maquiagem e decidiu, fosse o
que fosse que estivesse sentindo, não iria chorar. Já tinha chorado demais quando Marta morrera. Rosanne sentira sua
morte profundamente, mesmo com Sharyn e Julie dizendo que ela tinha trazido paz e felicidade à vida da mãe. Tinha acon-
tecido tudo tão de repente! Enquanto Marta cuidava das orquídeas que amava tanto, tivera um colapso e morrera. Tinham
sido dias negros, o fim de um sonho.
Depois de tirar a maquiagem, Rosanne tirou as sapatilhas, o tradicional costume branco, colocou o seu robe verde e se
preparou para voltar a ser Rosanne Grey novamente. Fez tudo metodicamente, tendo o cuidado de guardar tudo nas caixas,
pois sabia que aqueles trajes eram muito caros. Ia haver uma festa para comemorarem o sucesso. Uma festa! Seria o último
lugar a que gostaria de ir. Enquanto passava um creme no rosto, Rosanne decidiu que iria arranjar uma desculpa qualquer,
um mal-estar, e não iria à festa. André ia ficar muito desapontado, mas não tinha importância. Se ia se tornar famosa,
haveria muitas outras festas pela frente.
Alguém bateu na porta, e ela já se preparava para fazer cara de quem estava passando mal, certa de que era André, Era
um grande amigo, apaixonado por ela, é claro, e embora gostasse muito dele, jamais pensaria na hipótese de vir a ser sua
namorada. Rosanne já tinha encontrado o grande amor de sua vida, e ele não a queria.
— Entre — disse ela. A porta se abriu e Rosanne, incrédula. exclamou: — Ross! — Não conseguiu se mexer, olhando
fixamente para a imagem dele refletida no espelho, atrás dela.
— Eu gostaria de encontrar palavras para lhe descrever o grande prazer que você me proporcionou.
— Então era você...
— Por que você não se vira para se certificar? Crime e Castigo de DostoiévskiEla sacudiu a cabeça e disse:
— Por que não me deixa em paz? Não foi nada gentil de sua parte ter vindo aqui. Provavelmente veio a serviço, para ficar
só uns dias...
Ela tremia dos pés à cabeça, vendo refletida no espelho a imagem do homem que amava. Tentou se controlar e falar
normalmente.
— Como vão Sharyn e Julie?
— Elas estão bem e mandaram-lhe lembranças.
— Imagino que foram elas que sugeriram que você me procurasse...

97
— Não. — Ele colocou a mão em seus ombros, tentando acalmá-la. — Você esteve maravilhosa esta noite. Foi uma
revelação para mim. Eu entendo muito pouco de balé, mas me parece que você tem tudo o que é preciso para ser uma grande
bailarina.
— Claro, é o que sempre quis ser na vida.
Era inacreditável, mas ela estava conseguindo parecer fria, de repente; se fizesse um pouco mais de esforço poderia con-
tinuar a representar o seu papel.
— Você é feliz? — perguntou Ross, acariciando-lhe o rosto.
— Ora Ross, quem é feliz? — disfarçou Rosanne, tentando a todo custo não reagir ao toque de suas mãos.
— Minhas irmãs, por exemplo, são felizes. E por falar nisso, elas andam preocupadas por você não responder às suas
cartas.
— Tenho estado muito ocupada.
— Tenho certeza que sim.
Ela tentou ficar ainda mais longe dele, mas o camarim era muito pequeno.
— Tenho medo de lhe perguntar quanto está pesando atualmente.
— Estou muito bem de saúde, disso você pode ter certeza. — Rosanne não conseguia encará-lo.
— Você foi a coisa mais bonita que eu já vi na minha vida.
— Mais bonita que as paisagens de High Valley?
— Eu magoei muito você, não é verdade?
— Bem... — Apesar da calma aparente, havia um certo rancor na sua voz. — Nós nunca fomos exatamente amigos...
Mas, afinal, o que é que tínhamos para oferecer um ao outro?
Rosanne estava suando, as emoções daquela noite estavam sendo muito fortes para ela.
— Bem, eu presumo que foi curiosidade que trouxe você aqui...
— Pelo menos serviu para me provar alguma coisa: que você vai acabar sendo muito famosa.
Bateram na porta nesse momento, e André colocou o rosto para o lado de dentro, com um sorriso nos lábios.
— Ah, você tem visita. — O sorriso sumiu de seu rosto imediatamente e ele pareceu tão deprimido quanto Rosanne.
— Como vai você, LeStrange? — Ross lhe estendeu a mão e André foi obrigado a cumprimentá-lo.
— Bem, obrigado. — Seus olhos iam de um lado para o outro, tentando disfarçar sua mágoa.
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— Não sabia que você gostava de balé...
— No entanto, eu aplaudi vocês de pé e gritei "bravo" várias vezes.
— Gentileza sua... — O humor de André melhorou um pouco. Um elogio, quando é sincero, é sempre bem-vindo. —
Você vai ficar por aqui?
— Pelo menos, mais um dia. — Ross se encostou na penteadeira, agora mais relaxado. — Eu estava aqui tentando
persuadir Rosanne para ir jantar comigo.
— Que pena, mas é que ela tem uma festa...
— Ah... — Ross parecia extremamente desapontado.
— Mas como é uma grande festa, você pode vir junto. Eu imagino que vá demorar bastante até que você se encontre com
Rosanne novamente.
— Eu sinto muito, realmente. Perdoem-me vocês dois, mas estou com uma terrível dor de cabeça e não vou à festa...
— Ora, por que você não me disse? — André parecia realmente preocupado com ela.
— Eu detesto desapontá-lo, sinceramente, mas parece que vem aí uma enxaqueca.
— Então eu levo você para casa... — ofereceu-se André, galante como sempre.
— Por favor, permita que eu o faça. Tenho muito pouco tempo e há muitas coisas que preciso falar com Rosanne. Minha
irmã vai ficar noiva no final do mês, e claro que vai querer a presença de Rosanne...
— Bem, nesse caso...
— Aceite novamente os meus cumprimentos por seu brilhante desempenho.
— Não fui tão mal. É claro que o fato de ter Rosanne como parceira facilitou as coisas. Pobrezinha! Você tem tido essas
dores de cabeça muito frequentemente, não acha?
— Eu percebi que ela está bem mais magra, e também perdeu a cor.
— É nisso que dá trabalhar tanto. Tem certeza de que eu não posso ajudá-la, buscar um comprimido, por exemplo?
— Não, obrigada. A única coisa que eu quero é que você peça desculpas a todos por mim.
— Todos vão ficar muito desapontados.
— Haverá outras noites — disse Ross, para encerrar o assunto. — Acho que o melhor a fazer é levá-la para casa.
— Tem razão — concordou André meio incerto, encarando um de cada vez. Ele sabia muito bem que Ross McAdam era
o responsável direto pela infelicidade de Rosanne. Entretanto, Ross também parecia não estar feliz.

99
Depois que André saiu, Rosanne ficou calada. Tentou se concentrar, e concluiu que se tivesse um mínimo de bom senso,
deveria recusar o convite de Ross para levá-la para casa.
— Você não vai se vestir?
— Bem, eu não estou com muita pressa.
Ross era tão seguro de si que não era nada fácil ficar olhando para ele.
— Pois eu estou! — respondeu ele ao aparente pouco caso de Rosanne. — Vamos sair daqui e conversar em algum lugar,
no seu apartamento, por exemplo.
— Honestamente, eu não sei sobre o que poderíamos conversar, Ross.
— Você pode me contar o que tem feito nesses últimos meses.
— Deus me livre... — disse ela, pegando seu vestido e indo para trás do biombo. — Nunca se sabe o que se pode esperar
de um homem como você.

Ross tinha conseguido estacionar seu carro esporte, último tipo, quase em frente ao teatro, mesmo com o trânsito
congestionado da hora em que o teatro abria as portas.
— Para onde?
Rosanne falou o nome do bairro automaticamente, e não ficou nem um pouco surpresa quando ele disse que sabia o
caminho. Ross podia encontrar qualquer coisa a qualquer hora. Ele a tinha encontrado, não tinha?
Ele estacionou o carro e eles caminharam para a entrada do prédio.
— Você mora aqui?
— Sinto muito se não está dentro dos seus padrões. Até que é um lugar muito bom para uma bailarina principiante
morar.
— Meu Deus, essa é a terceira vez que você tenta enfiar essa chave na fechadura. Deixe-me tentar.
Era verdade. Rosanne estava tremendo demais. Era o impacto do encontro.
Lá dentro o apartamento era modesto, mas muito individualizado. Rosanne o tinha alugado sem móveis, transformando-
o num retrato fascinante de sua personalidade. A decoração era extremamente pessoal, feminina sem ser afetada, e mostrava
em seu estilo que tinha sido feita com um orçamento limitado.
— Posso lhe servir alguma coisa? Um drinque?

100
— O que eu posso lhe servir?
— Eu estou exausta. Se você me dá licença, vou tirar esse creme do rosto. Há uísque naquele armário, e cubos de gelo no
congelador. Se você quiser se servir, esteja a vontade.
Ela saiu sem mais uma palavra e desapareceu em seu quarto. O que Ross estaria fazendo ali? Ela devia estar louca ao
deixá-lo entrar. Estava imóvel ao lado da cama, tomada por uma crise de angústia. O que ele esperava que ela fizesse, que
caísse em seus braços?
Rosanne prendeu os cabelos com um elástico e se despiu. Em vez de só lavar o rosto, decidiu tomar um banho rápido. A
água fez com que ela recobrasse a coragem. Na última enxaguada ligou a água fria, o que a acordou daquele pesadelo de uma
vez. Iria mostrar a Ross a bobinha romântica que ele pensava que ela era.
Quando saiu do chuveiro, uma batida na porta fez com que se sentisse perturbada de novo.
— O que você está fazendo? — perguntou Ross com impaciência.
— Estou... estou... — Não havia nada de novo no fato de Ross falar com ela daquele jeito. Mas ele que esperasse!
Quando abriu a porta, ele estava parado bem em frente, com uma certa ansiedade no rosto.
— Você me dá licença?
A parte mais difícil tinha sido se cobrir rapidamente, mas por sorte a toalha era grande.
— Você não disse que pretendia tomar um banho...
— Muito bem. Eu tomei um banho, e agora estou tentando me vestir.
— Está bem, eu saio — disse Ross, olhando-a da cabeça aos pés. — Não demore...
Ross saiu e Rosanne correu até o armário e vestiu rapidamente um robe branco, fechado por um zíper até o pescoço.
Amarrou um cordão dourado na cintura e calçou um par de chinelos. Como Ross se atrevia a ir entrando no seu quarto
daquela forma? E como tinha tido coragem de olhar para ela tão descaradamente? Enquanto se olhava no espelho da pen-
teadeira, escovando o cabelo com força, o coração de Rosanne era tomado de assalto pelas mais diferentes emoções.
Quando entrou na sala, viu que ele estava olhando para uma pintura abstraía pendurada na parede. Ross já tinha tirado o
paletó, e quando se virou deu-se conta de que ele já se pusera à vontade, tirando a gravata borboleta e desabotoando os
primeiros botões da camisa.
Estava mais belo do que nunca e ela se sentiu incapaz de abrir a boca.
— Como se sente agora? — perguntou Ross.
— Bem melhor.
101
— E a dor de cabeça?
— Em primeiro lugar, eu não estava com dor de cabeça, foi só uma desculpa porque eu não estava com disposição para ir
à festa. Queria vir para casa.
— Você nem parece uma prima ballerina, pensei que todas gostassem de badalação.
— Acho que há algo errado em mim, não tenho culpa. Mas me diga, Ross, por que você está aqui?
— Por que toda essa afetação? Venha aqui...
— Não, fique longe de mim.
— Eu já fiquei muito tempo longe; aliás, tempo demais. — Ross ficou em silêncio, caminhou pela sala, colocou o copo
sobre a mesa e acrescentou: — Eu pensava em você todos os dias.
— Ah, sim, e eu chorava todas as noites... — disse Rosanne, com cinismo.
— De que jeito? Copiosamente ou algumas poucas lágrimas?
— Prefiro não ficar aqui discutindo sobre isso.
— Então venha até aqui e sente-se.
— Você voltará para High Valley amanhã?
— Não sei, acho que virei ver você novamente.
— Eu não vou dançar amanhã à noite.
— Então eu venho jantar com você.
Sua voz insinuante e suas palavras decididas a perturbavam profundamente; para disfarçar, Rosanne foi até a vitrola e
colocou um disco.
— Sinto muito, Ross, mas não sou lá essas coisas na cozinha. — Não era verdade! Rosanne era uma ótima cozinheira.
— Então nós vamos jantar fora, isto é, se você não parou de comer de uma vez.
— Eu emagreci, sim, e daí?
— Não dá para você se sentar aqui para conversarmos sobre isso?
— Mas me diga, o que há de novo? — Ela ignorou o convite e sentou-se no sofá de veludo vermelho. — Como está
Francine?
— Um pouco melhor. Já sabe que surgiu uma nova possibilidade romântica em minha vida: amor à primeira vista. Não
pude evitar.
102
— E eu imagino que mesmo assim você não deve ter assumido nada; continua jogando esse amor pela janela.
— É uma reação normal do homem...
— E eu vou poder saber quem é a sua escolhida?
— Vai. O problema é que eu ainda não sei se tenho o direito de roubá-la de seu mundo.
— Quer dizer que ela não ama você? — perguntou Rosanne fingindo desinteresse, embora por dentro se sentisse
desesperadamente infeliz, como nunca tinha se sentido em toda a sua vida.
— Vamos descobrir...
Ela teve poucos segundos para perceber que ele vinha em sua direção, e em seguida a abraçava e puxava-a para junto do
seu corpo.
— Não, Ross, isso é loucura!
— Eu sei e machuca. — Seus dedos passavam pelo contorno do rosto de Rosanne, terminando em seus lábios. — Meu
Deus, eu vou ficar louco se você não me beijar.
— Beijar você, quando acaba de me dizer que vai se casar com outra mulher?
— Eu prefiro levar você. — Ele enfiou os dedos no meio dos seus cabelos.
Rosanne estava chocada, não entendendo nada, e começou a se debater; ele a imobilizou, prendendo-a em seus braços.
— Rosanne...
Ela não podia mais controlar sua paixão. Tremia e seu sangue corria mais depressa.
— Você não acha que já me magoou bastante?
— Fique quieta! Não há outra mulher a não ser você; isso aconteceu desde o primeiro momento em que a vi.
Ela não respondeu. Não conseguia! Seu coração estava disparado e sua respiração alterada.
— Faz muito tempo, Rosanne...
Dessa vez ela não tentou conter o desejo de seu corpo, até então tenso, deixou-se levar naquela onda de sensualidade.
Ross a amava. Ela não conseguia entender muito bem isso, mas ele não lhe dava nenhum motivo para que acreditasse no
contrário. O tremor de seu corpo passou para ele e, ainda abraçados, Ross puxou o zíper do robe dela até a cintura. Rosanne
estava nua por baixo e suas mãos fortes começaram a acariciá-la.
— Eu amo você.

103
Rosanne fechou os olhos, deixando que ele a abraçasse e que passeasse a boca pelo seu corpo. Era uma sensação deliciosa
permitir que ele fizesse aqueles carinhos audaciosos; lágrimas de felicidade caíam de seus olhos. Sofrera tanto nesses
últimos meses que tinha medo de não poder conter aquele desejo tão profundo que sentia agora.
— Diga que me ama, Rosanne.
— Eu pensei que já tivesse deixado isso óbvio, desde o começo.
— Mas diga... — pediu-lhe, mordendo-lhe o pescoço.
— Eu amo você. Você confia em mim?
— Sim...
— Você não confiava — disse Rosanne, olhando fixamente para ele.
— Eu não queria confiar. O fato de estar apaixonado por você me perturbava. Deixar que uma mulher tomasse conta do
meu coração, do meu pensamento, era demais para mim, que sempre fui um homem independente e auto-suficiente.
— E agora?
— Agora eu acho que não suportaria acordar de manhã e não encontrar você do meu lado. Como naquela manhã em que
acordamos à beira do riacho. Eu quase possuí você ali mesmo.
— Mas você não acreditava que ia ser a minha primeira vez, não é?
— Tenho que admitir que sou extremamente ciumento, e via fantasmas em toda parte, principalmente no seu passado.
— Mas você precisa saber que eu nunca menti para você.
— Eu sabia disso o tempo todo, mas era muito difícil aceitar. E também havia Robin, eu estava muito abalado com a
morte dele. Mas quando eu a conheci, vi que uma pessoa tão terna e meiga não podia ser aquilo que ele descreveu na carta.
Aquela garota, Danielle, eu sabia o que ela era, mesmo que representasse tão bem.
— Você não sabe, mas ela foi demitida da companhia; era muito cruel e vivia causando problemas às pessoas.
— Desde o primeiro dia em que levei você para High Valley, senti um impulso de protegê-la pela vida toda. Eu a amo
muito, Rosanne, amo tudo o que faz parte de você. Inclusive a sua dança.
— Eu também amo você, Ross, você é a pessoa por quem eu esperei toda a minha vida.
— Bem, então temos que fazer alguma coisa a respeito. Você já teve tempo suficiente, meses para pensar nisso.
— Então quer dizer que todos esses meses... Você fez isso de propósito?
— Entenda de uma vez, querida, eu nunca a deixaria escapar de mim.

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— Eu nem penso nisso. Eu o amo mais do que a qualquer coisa na vida, saiba disso. E eu adoro High Valley. Desde o
primeiro dia em que cheguei lá, tive a impressão de estar chegando em casa.
— Bem, a verdade é que eu não posso continuar vivendo sem você.
Rosanne sentiu vontade de rir e chorar ao mesmo tempo, de sair gritando pelas ruas que era a mulher mais feliz do
mundo, que Ross a amava...
— E quando nós podemos nos casar? — perguntou ela, sem qualquer inibição.
— Quanto mais cedo, melhor. Quando eu fizer amor com você, da forma mais linda possível, você já será a sra. McAdam.
— Oh, por favor, eu quero que você faça amor comigo agora.
— Não. Agora vou levar você para jantar.
— Como você sabia que eu estava com fome?
Rosanne estava se sentindo bonita, amada e querida. Eles estavam estendidos no sofá e ela o abraçou com força, deitando
a cabeça era seu peito.
— Agora as coisas vão acontecer bem depressa, não vão?
— Claro. E eu vou cuidar de você a vida toda.
Seus olhos se encontraram. Havia entre eles um entendimento total. Depois de todo aquele sofrimento, uma nova fase
maravilhosa começava em suas vidas.
Ela se levantou, deu-lhe mais um beijo na ponta do nariz e caminhou em direção ao seu quarto.

Fim

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