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Saudades de José Neves Formighieri


Alceu A. Sperança

Foi José Neves Formighieri quem


pagou minha primeira viagem a
Cascavel. Viagem aérea, o máximo de
conforto. Nasci um mês antes da
eleição dele para a Prefeitura de
Cascavel.
O primeiro prefeito, Neves teve que instalar o Município sem um
só centavo, por conta de uma traição do governador Bento Munhoz
da Rocha Neto. Neves imediatamente chamou meu pai para ajudar a
instalar o Município. Meu pai, primo dele, Celso Formighieri
Sperança, havia alguns meses antes reformulado a Prefeitura de
Guarapuava.
Neves deu ao meu pai algumas tarefas urgentes: criar escolas no
interior do Município, organizar as finanças e formular os primeiros
projetos de lei para enviar aos vereadores, coisas básicas assim. Com
o primeiro filho recém nascido, meu pai queria retornar
imediatamente a Curitiba, quando se deu a tramoia.
Padre Luiz Luíse e o primo Neves exigiram que eu fosse batizado
na Paróquia de Nossa Senhora Aparecida, que ele havia inaugurado
em 12 de outubro de 1952. Daí minha gloriosa primeira viagem
aérea a Cascavel, devidamente paga por José Neves, no colo da mãe
Nilce e enrolado nos cueiros.
Neste dia 5 de agosto de 2010, se estivesse entre nós, José Neves
Formighieri completaria 94 anos. Durante pesquisa para levantar a
história de Cascavel, ele contou várias coisas, mas pediu que não
publicasse: temia desagradar os filhos e netos de pessoas que ele
respeitava e queria bem, mas que haviam em certa época “pisado na
bola”, como se diz hoje. Achava que mexer em velhas coisas não
seria mais conveniente e que ele próprio também havia cometido
erros por não levar desaforos pra casa. Se outros o perdoaram,
também achava que devia perdoar.
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Mas eu queria remexer nas coisas velhas, arregaçar o baú. Como


me fez prometer silêncio por mais alguns anos, não contei
imediatamente que ele teve uma séria altercação com o fundador de
Cascavel, Tio Jeca, nos dias da luta pela emancipação do município.
Tio Jeca, uma raposa pessedista, era servidor da Prefeitura de Foz
do Iguaçu e temia que com a emancipação do distrito de Cascavel
pudesse perder seu cargo, embora oficialmente fizesse parte da
comissão pró-emancipação. Jogo duplo! Neves teve um arranca-rabo
com Tio Jeca, mas, com aquele generoso estilo dele, nomeou-o para
a Prefeitura e sempre o festejou como o fundador de Cascavel.

O primeiro trator, para abrir


ruas e estradas, foi pago pelo
prefeito, pois o governo do
Estado negou verbas para a
instalação do Município de
Cascavel
Neves contou também sobre como trouxe para Cascavel as
máquinas do Estado que estavam sem uso na fracassada Cidade
Munhoz da Rocha, como expulsou de Cascavel um delegado de
polícia nomeado pelo governador e outras coisas, como fartos e
curiosos detalhes sobre a criação do Município e da Comarca.
Se alguma mágoa trouxe da política, além da grande sacanagem
de ter sido impedido de concorrer novamente à Prefeitura de
Cascavel, em 1960, foi a grande presepada cometida pelo
governador Bento Munhoz, que assinou a lei 790, de 14 de
novembro de 1951, criando vários municípios e determinando a
destinação de cem mil cruzeiros a cada um, recursos que jamais
liberou.
Neves teve que pagar do bolso todas as primeiras despesas do
Município, desde obras a salários e o primeiro trator, até a
arrecadação começar a alimentar o mirrado cofrinho municipal.
Neves um dia comentou: “O Antonio Gabardo (que trocou a
criação da Comarca de Cascavel por uma janta, o que é outra
história) me apelidou de Tabacudo. Você sabe o que é tabacudo?”
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Tabacudo seria alguém do interior, algo como caipira, mas,


principalmente, um sujeito teimoso, insistente. Neves riu e disse:
“Pois é isso mesmo que eu sou: um caipira teimoso e persistente. O
Gabardo estava certo!”
Em 1985, obtida a legalização do velho Partidão, o PCB, fui
convidá-lo para a inauguração de nossa sede, exatamente defronte à
Catedral de Nossa Senhora Aparecida, onde fui batizado por conta
da trama dele com o padre Luiz. Neves, com seu costumeiro estilo
de se impor carinhosamente, voltou a exigir: “Só vou se eu puder
fazer um discurso, pois tenho algumas coisinhas a dizer sobre os
comunistas e seu saudoso pai”.

Espedito Rocha, líder


comunista paranaense e
artista plástico

Naquela noite, vários oradores fizeram a saudação ao retorno do


PCB à legalidade. Falaram o presidente estadual do PCB, o artista
plástico Espedito Rocha, e o prefeito da época, Fidelcino Tolentino,
de cuja eleição nós havíamos participado, em 1982. E Neves, como
havia exigido, falou. Lembrou as prisões e torturas que sofreu,
homenageou os comunistas, expressou sua solidariedade à nossa luta
contra o capitalismo e me emocionou também ao homenagear meu
pai por ter instalado as primeiras escolas municipais de Cascavel em
sua administração.
Lá pelas tantas, Espedito, com sua velha experiência de
combatente clandestino, apontou um sujeito estranho que
fotografava a inauguração. “Conhece aquele sujeito ali? É de algum
jornal?” Não era de nenhum jornal, nem nosso conhecido. Neves
matou a charada: “É tira disfarçado. Nem liguem!” E não ligamos. A
liberdade, finalmente, havia aberto as asas sobre nós.
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Alceu A. Sperança – escritor
alceusperanca@ig.com.br

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