Вы находитесь на странице: 1из 7
NOS, OS BARBAROS Elle Chaves Wlores" © conhecido historiador freudiano Peter Gay abriu.as portas trancadas do nosso agressivo passado do. século XTX. A sofisticada pesquisa de 20 anos A Experiéneia Burguesa, da Reinha Vitéria a Freud passow pela Educaciio dos sentides, A puixdo terna e finaliza com © Cultive de Odie. (S80 Paulo, Cia. da Letras, 1995, 673p). Neste tltimo volume, o autor analisa o cardter ambivalente, destruider e construtive dos impulsos da agressio noderna. G mundo capitalista do século XIX acaricia as alrizes da humanidade porque, embora ela seja cristiantssima, “gananciosa, sensual, méntirosa, agressiva”, nostica, “ impenitente, morstmuosa, libidinesa, etcetera, era, Uma hipdtese. bisonha: “a proverbial subalierno ide que jamais eleva a voz para seus iguais (quanto mais Wa Seis Superiores) abusa da mulher on, com iitimo recurso, oda Q cachorro” (p. 12}. Com as experiéncias burguesas, a 4.s¢ instala, pois os humanos “animais beligerantes que los waltivam seus édios porque obtém prazer com. o exercicio poderes opressivos” (p. 17). Desde tempos distantes, og para o exercicio da violéncia s30 muitos ¢, no entanto, a hcdo parece ser sempre-a mesma. “Seja naco, provincia ou ie scja veligido, classe ou cultura —- quanto maior o amor i _Mesme, maior 0. direito de odiar 0 Outro” (p. 76). Ena da "dor, Somos patclogicamente barbaros ¢ aiie patolégicos, Com. efito, “como a natureza ada, como a virtade é desagradavel e a bondade ei da LAPD, Masts san Fistéia Thro Severicana ve RS, Dowiorande PHC. so Peto, . pBeMAIIE Soe SE apo criancas nada tenham feito de mal, um dia elas fario. Tem-se aqui o efeito dominéd. Os pobres um dia no roubarfo? Os agressivos uma hora nao matario? Os ficos sempre néo explorario? ‘Quem ries salvara se os. deuses foram embora, os reis culpam @ fisica social e 0 carrasco é alguém da suoitidéo? Corremos entZo desesperadamente para os demagogos ¢ democratas, para as tedefinicdes do longo parto da cultura politica, aplaudimos os césares modernos. ¢ ovacionamos a natureza humana da politiva. E possivel fazer duas analogias. entre o final do sécule passado e o final do século presente. Waquele, os pronunciamentos aprovatérios dos césares. modernos “e de seus seres publicistas” eneontraram eco: entre os historiadores -vitorianos. Nests, os profissionaig mais importantes para a nossa cultura, os jornalistas, alam para um amplo piblico instruido, pouco instruido e analfabeto, auma clara apologia ao cesarismo juridico. Na barbara cultura eleitoral vitoriana dos burgos podres, os politicos compravam os eleitores. Neste final de milénio, somos,.sem divida, todos democratas. No entanto, a corrupeo nfo desapareceu e “jamais” ‘desaparecera, muda apenas de direcfo, os cleitores abonados ¢ que compram os politicos. No Brasil, isto é uma realidade virtual, Agressio e violéncia no sio exclusividades do mundo masculine. O poderoso sexo fragil sai. da domesticidade e vai em busca de tetapo de tentativas. Surge uma multidao de mulheres escrevinhadoras com a firme e tenaz competéncia de redefinir os Addes ¢ Evas contemporineas. No resisto em zombar de Tennyson, “o homem para a espada e, para a aguiha, ela” {p. 296). Sim, o homem faz jorrar'o sangue-com a espada, a mulber macera as carnes rotas com agulhadas. Teria ainda atualidade a célebre frase do poeta vitoriano William Ross Wallece: “a mao que balanga o bergo, 6 a mo que governa o mundo”? Ne tempo de hoje, apesar da Histéria Nova, das descontinuidades e do terceiro sexo, o século XIX continua logo ali atras da porta, ¢ insiste em separar a saia da calea, para nfo 190 Saecalas, Jan /Det/1997 dizer o clitéris. do pénis: as mulheres escrevem diarios, os. homens narram memérias; as historiadoras fazem bisioria de vida, os historiadores continuam escrevendo biografias. - & possivel associar humor, riso ¢.0 aneddtico a crueldade eA agressio? Peter Gay trabalha um capitulo intitulade “humor mordaz”, em que faz isso brilhantemente. Enquanto material de uma cultura, o humor é.am exercicio eum controle da agressao. Como.a sociedade-treina seus filhos para a “harmonia sovial”, os chistes e as “piadas” fepresentam uma das sdidas “para os desejos reprimides”. Com certeza, o risa 86 existe na Terra, € ele provém das nossas piores dores ¢ desgragas. Hm 1897, Mark, Twain ja defendia esta mordaz hipotese de que “a fonte secreta do Humor ngo ¢ a alegria, mas a tristeza. Néo ba humor no Paraiso” (p: 375). Na vatiedade de risos dos modernos, os humoristas sdo os médicos facetérios da sociedade e, muitas vezes, se transformam. em seus: lacaios. No humor mordaz, a vitima #0 earrasco do corpo, entidade sempre vulneravel e: no poucas vezes violado. Na verdade, .o humor, ¢ 0 ‘iso que ele provoca, controla ansiedades, domina 0 medo, afasta ¢ diminui de tamauho as catastrofes. £ o chiste do cotidiano; “ele ri para nao chorar’”, Evocando a.cabega de Medusa. nao se iera apenas morte, crueldade-e voluptuosidade?. Ora; tudo na vida é sangue, carne, meristrual, vermelho: ¢ sanguc luminosc os raios da aurora, é saudade e melancolia o-vermelhor que vem do poente. Nada.é mais certo do que’ isse na. civilizada pos-modernidade: “a vida é cruel, e€ também o homem, cruel ¢ carnivoro, nove décimos selvagem e um décimo santo —~ se tanto” (p: 419). Mo dontinio incerto da vida dos vitorianos.e, também das nossas, de equivalentes morais ¢ outros, ha ainda que suportar “{mpério dos fatos”. Os traumatismos acontecimentais, que se processaram corn as revolugGes, ¢ que sacudiram a cuitura ovidental eram, na verdade, anseios agressivos cruzadisticos para “dominar o tempo, 9 espago e a escassez”. As duras-c reatistas observagdes de Maquiavel ainda soavam vibrantes naqueles ouvidos cheios de complacéncia e -ternur diplomatica de “nosses avés eulturais”, As nagdes falaval Sueewham, Jae/Dec/1997 paz e-do. cosmos € se preparavam para a guerra eo Império. Todos sabiar que “a guerra poderia ser wma baba sanguinaria, mas era também o romance da histéria” (. 430). Todos sabiam? Pelo-menos, nas altas esferas da politica e do Estado, og demagogos modernos massageavam.o ego das multidées de, por um instante de gloria, se imolarem nos panos-destraldados ¢ simbdlicos de suas aspiragSes coletivas. Mais do que a classe, a nagio ¢ o Eu.eo.Nés. Para civilizar as tendéncias turbulentas dos operdrios, trabafhadores, arruaceiros @ inddmitos bragais criou-se, enifio, o esporte das multides, da civilidade e da belicosidade consentida, No final do século, recomendava um refinado comité: parlamentar britanico: “se fornecermos bolas de futebol ¢ fizermos com que eles as chutem, nao terao tanta vontade de chutar policiais na rua” (p. 432). Ou seja, um pouco de circo. para. os brutamontes irredutiveis 4 ordem liberal. Na colossal era da. invergado das tradigdes modernas, assiste-se ao “fim” do homem da renascenga, do humanista, do enciclopedista, do pensadar, do fildsofo, esta came padecente da filosofia que se torna va. A partir de. entlio o que vale ¢ a matematica. das coisas, .o alho clinice, a. produgio industrial, estoques, caixeiros-viajantes, balcanizagio da vida, censos demograficos ¢, vival, eleitores, O eleitorado, substincia e arte da. democracia parlamentar _aristoeratico-burguesa. Na consonancia da nova cultura politica e do “engatinhamento” da Clio racionalista. j4 havia um certo desconforto de que os fatos cram manipulados, fabricados, inventados ou, amistosamente, domesticados, Disraeli, o estadista britanico, néo era ingénuo; pensou. apenas alto quando disse que ha apenas “trés tipos de mentira: mentira, mentira desiavada ¢ estatistica” (p. 454). EL sintomético.que uma afirmagao tao. contundente tenha saido da boca de um homem do poder. © jongo século XIX, que parece so findar em 1914, ¢ também conhecido como a Era de Vapor, Era do Nacionalisme, Era da Burguesia. Peter Gay sugeré ainda: “Era de Conselhos.¢ de Neuroses” (p. 492). “Aos idolos das Eras ¢ aos adoradores de fates juntaram-se os “sociélogos da ordem” ¢ os. “clinicadores 492 Saeculum, Fan /Dez/I997 dos discurses”. No entanto, para quem no se conténta’ com: aguela historia asséptica, 6 possivel colocar “alguma carnalidade esses ossos. sociolégicos”. Os apetites erdticos ¢ agressivas. foram-sendo refinados e sublimados, nfo apenas. entre as classes médias, mas também entre os “involuntarios” setores populares. Peter Gay descobre que nos tornames ~~ n6s, as vitorianos —~ tacionalmente. patolégicos, ou que a tazio faz exigéncias cada vez rigorosas sobre a paixto. Os hébites da pontualidade, ordem, diligéncia e determinagao setiam elementos descritivos-e marcantes do homem moderno ¢ desencantado, um feliz escravo da racionalidade. .A vida burguesa ¢ até possivel sem estradas de ferro. ou sem luz elétrica, mas € inadmissivel sem autocontrole. Ora, a mais paradoxal utopia vitoriana. era a “liberdade conquistada. através da submissao.a regra”(p. 506). ‘Todas as regras, um conjunto de regras, algumas regras, uma yegra, Aregra é a sorridente mascara da normalidade. E, por tras dela, espreita a horrorosa “besta da patclogia”, a deusa- humanidade, No entanto, para que ela seja “vegrada™ se produz as insondaveis “catastrofes pedagdgicas ¢ morais”. As-neuroses, as obsessGes, as ansiedades, as histerias, as parandias. sao. “doengas” de um tempo em-que os médicos. nfo sic médicos e os doutores nao sio. doutores. Resgata-se aqui, sofridamente, Krend - ama vida para nesse tempo, o iempo do diva e das patologias.. “Embora os pacientes. io diva de Freud fossem vitimas sobretudo de si mesmos ¢ de‘suas familias”, afirma Peter Gay, “seus sintomas tinham -pungentes. ressonancias com o tempo. —- ¢ com a classe —— a que pertenciam e que tornavam sna vida erdtica e agressiva dificeis de suportar” (p. 509), Onde se encontra.o Id, ali esta espreitando o Ego. A critica cultural de Freud traz em si, o anseio da historicidade porque, pata. ele,.o homem é um animal diuturramente assediado por desejos ¢. proibigdes, agressio ¢ sexualidade. E a psicoandlise, segundo Peter Gay — por que nao psicomentoria e psicohistoria? —é de. particular relevaincia, a0 apenas como metodo de investigacao, mas sobretudo como sinal dos tempos. burgueses, Com efeito, Saecsine:. Jan./Dez 1997 se “o capitalismo. é a -racionalidade em ago, ent&o pior para o capitalismo — e para.a racionalidade” (p. 513). Haum Epilogo e um Apéndice no livro de Peter Gay. O primeiro é€ 0 14 de agosto de 1914, quando as tropas-alemas invadiram a Bélgica, anularam 2 neutralidade e esbogou-se a guerra total, 1914 demonstrouw.algo mais que o cotidiano de burgueses ¢ operarios dos tempos modemos. A humanidade do homem comp6e-se de-mishiples papéis. Na verdade; “am homem é —.a0 mesmo tempo —trabalhador, catélica romano; francés, “bom’ maride ¢ pai, colecionader de selos, torcedor de futebol do. time local” (p. 519). Entretanto, na batalha das lealdades, o nacionalismo domina todas as outras porque carrega. consigo o grau de racionalidade histérica que se produz na “Spica seqiéncia dos acontecimentos” nacionais, Se agoste de 1914 6 epilogo do século XIX, também € o-epigrama do nosso apotedtico século XX que Hobsbawm. designoy muito bem como a Era des Extremos, Redescobrimos em nds mesmnos antigas verdades dilacerantes: as mesmas. pessoas que amam sio, também, as mesmas. pessoas que odeiam. O chauvinismo globalizado.. ¢. tanto alimentado pela furia quanto pela complascéncia exploratéria contra os novos barbaros. -Ou seja, odeia-se. os pobres. e os targinais, mas se tem profunda compaixdo pela pobreza. ¢ pela marginalidade. No apéndice, .o autor reconhece que 0 pensamente de Freud ajudou na escritura de O Cultive de Odie. Ambos sic tritutdrios da visio antropolégica do homem. como um animal. social, Eros. ¢ Tanates -—- os poetas j4 sabiamr disso —~ sio dvas forgas titanicas que se digladiam no emaranhado das forgas construtivas da vida e dos impulsos subversivos da morte. Nesta. percepofo, a agressio “€ a voz ptblica do impulso de morte, ele proprio remoto ¢ silenciose” (p. $32). Tanto pior para o capitalismo, um vez que o falice sobrepde-se ao falido e a Erética precede as forgas curativas do mercado. A necessidade do cultive do dio torna-se muito mais um esforgo cultural, social e politico de desteuir para poder construir. Talvez a nossa. época nao seja tio diferente daquela do romancista inglés que, em 1833, dizia que 194, Saeculass Janet /1997 sua época era de destruig&io: “por mais que queiramos distarga So é assim que ela deve. ser caracterizada; nosso. desiino seria, medonho se cla nZo fosse também uma époce, de preparacao para 2 reconsirugao” (p. 536). Portanto, os séculos que. hos ludibriaram, reduzindo a nossa dor e aumentando o nosso prazer, 560 fizeram na “nebulosa terra da fantasia”. Mas, sejamos sinceros para com o nosso tempo; sejamos.tolerantes para com © tempo dos vitorianos: quem suportaria por poucas horas apenas 6 “sdlido terreno da realidade”? Saecubem, Jan /Den i987

Вам также может понравиться