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Jan Tschichold A Forma do Livro ENSAIOS SOBRE TIPOGRAFIA E ESTETICA DO LIVRO Introducgao ROBERT BRINGHURST A TIPOGRAFIA, na visao newtoniana, nao é nem muito interessante nem misteriosa; é simplesmente escrita mecani- zada. Agora que o chip de silicio se juntou a roda, a alavan- caeao plano inclinado, a tipografia é também escrita infor- matizada, digitalizada: mais complexa do que era, mas nao mais profunda; e, talvez, cada vez mais sujeita 4 moda. Vista com olhos mais candidos, ou de uma perspectiva mais cautelosa, a tipografia ainda evoca o pasmo e o temor com que assustou o mundo medieval. £ uma arte negra que confina com a inseminagao artificial e pode propor ques- tées morais igualmente dificeis. Tipografia é escrita que é editorada, moldada, emendada e destinada a reproduzir- se por meios artificiais; e a propria escrita € uma espécie de banco genético para idéias. Contida dentro das escolas, a tipografia é um meio de produzir frutos — de mentes e vidas selecionadas — em outras mentes e vidas. Solta no mundo, € um vetor incontrolavel, como o mosquito portador da malaria, capaz de espalhar idéias tao indiscriminadamente como se fossem virus ou germes. As possibilidades de seu uso e abuso sao potentes e inumeraveis. Como outras artes, da medicina 4 misica, a tipografia também requer estreita proximidade e distancia. Isso nao é © que parece, um senso esquizofrénico de escala, mas uma espécie de tensa completude. A tipografia é, afinal, um pro- cesso em que grandes objetos - epopéias, enciclopédias e Tz A FORMA DO Livro biblias, por exemplo = se constroem a partir de mintsculos componentes, como os tragos e contornos de letras. E, por- tanto, trabalho em que convergem constantemente pers- pectivas macroscépicas e microscépicas. Como se isso nao bastasse, ¢ também uma empresa em que a historia esta continuamente presente e deve, portanto, manter-se conti- nuamente viv: nam antimecan: Essas sao, entre outras, as coisas que a tor- ca e nutritiva. Jan Tschichold foi por toda a vida um estudante, pro- fessor e praticante da tipografia, apaixonadamente preo- cupado com os principios mais amplos e os detalhes mais infimos da arte e do officio de sua predilegao. Foi também um artista sobrenaturalmente cénscio da histéria de sua profissio e dos materiais que manuseava todos os dias. Para ele, o que era objeto de reflexdo e trabalho na vida co- tidiana nao era apenas metal, tinta e papel, mas a historia da literatura, das formas graficas e do livro como forga cul- tural em prol da conservacao e da mudanga. Tschichold nasceu em Leipzig em 1902. Na adolescén- cia estudou pintura e desenho naquela cidade repleta de lembrangas de Leibniz, Goethe, Lutero, Mendelssohn e Bach. Conta-se que, aos doze anos, o aspirante a artista fi- cou tao insatisfeito com 0 aspecto material de um romance que estava lendo que lhe redesenhou a folha de rosto e ten- tou em vao alterar o fluxo do texto. Seis anos depois, ainda em sua cidade natal, nao s6 estudava como ensinava design grafico e tipografia. Em 1925, mudou-se para Berlim, onde passou pouco tempo, e em 1926, para Munique. Em 1933, apds seis se- manas de prisao por praticar uma estética reprovada pelo Partido Nacional Socialista, fugiu com a mulher e o filho pequeno para a Suiga. Assim comecgou um exilio que nun- ra INTRODUGAO ca teve fim. Fez visitas ocasionais 4 Franga, Escandinavia, Gra-Bretanha e aos Estados Unidos, e passou dois anos na Penguin Books em Londres. Fora isso, Tschichold vi- veu e trabalhou na Suiga, de 1933 até falecer em Locar- no, em 1974. Como todo artista consciente, examinava e analisava com toda a atengo tudo o que admirava. Media livros e manuscritos antigos, registrava dimensdes, esbocava for- mas de pdginas e de letras. O resultado mais importante desse habito da vida inteira, além de seu préprio cresci- mento como designer, foi o longo ensaio “Correlacao Coe- rente entre Pagina de Livro e Mancha Tipogrdafica”, que alcancou enorme repercussao e esta incluido neste volume. Tschichold tinha sessenta anos quando o publicou, 4 sua custa, em Basiléia em 1962. Esse estudo decisivo foi reim- presso muitas vezes na Alemanha, e em 1963 saiu no (hoje extinto) periédico Print in Britain a traducao inglesa de Ruari McLean, “Non-arbitrary Proportions of Page and Type Area”. Até onde eu sei, esta é, nao obstante, a primei- ra vez que 0 ensaio aparece em forma de livro em inglés. (O Gnico outro dos ensaios deste livro a aparecer antes em inglés foi “Barro na Mao do Oleiro”, traduzido no Penrose Annual, Londres, 1949.) Aescrita de Tschichold, como sua mente, cobria imenso territ6rio, ainda que voltasse constantemente a pormenores enervantes e consideragdes elementares em torno de seu ofi- cio preferido. Seus ensaios profissionais exploram desde os principios gerais de cor e propor¢ao em tipografia até os re quintados detalhes de recuos de abertura de pardgrafos, re~ ticéncias e as formas do ampersand (8) ¢ do eszett (8), Tras duziu nao somente T. J. Cobden-Sanderson mas também Paul Valéry. Preparou edigées de antologias de arte caligra- 3 A FORMA DO LiIvRO fica e tipografica e também de poesia alema e de lirica persa em tradugio alema, Além de seus livros e ensaios tipogra- ficos, escreveu sobre blocos xilograficos chineses, arte po- pular vietnamita e os romances satiricos de Laurence Ster- ne. O homem expulso de seu posto de ensino em Munique pelos nazistas, porque seus designs gindstico-tipograficos “ameagavam a moral e a cultura alema”, estava atento para a sabedoria de Epicteto, 0 alforriado escravo grego que o imperador Domiciano havia banido de Roma, em 89 da nossa era, por ensinar filosofia. O romancista cémi- co favorito de Tschichold cita uma declaracao de Epicteto na folha de rosto do primeiro volume de Tristram Shandy: “Nao as coisas propriamente ditas, mas as opinides con- cernentes a elas, que perturbam os homens”. Como seu eminente contemporaneo Stanley Morison, Tschichold amava enunciados categéricos e regras absolu- tas, mas era vitalmente cénscio das limitagdes que os restrin- giam. Repetidamente, nos ensaios aqui reunidos, anuncia uma regra com forga e convicgao ditatorial, e logo na ora- gao seguinte comega a enumerar as excecées e contradi- g6es. Se, na ocasido, esquece-se de enumerd-las, devemos a ele a cortesia de podermos especificd-las nés mesmos. Nao era sua ambicao ser Deus. Mas era sua ambigao tornar visivel a musica das es- feras. Harmonie e Takt sao palavras que aparecem com freqiiéncia nesses ensaios. A ultima é amitde traduzida, corretamente, como tato. $6 que a palavra alema tem co- nota¢6es musicais que faltam a sua cognata inglesa [e por- tuguesa]. Takt significa medida, ritmo, tempo no sentido musical. Um Takistock é a batuta do regente. Quando Tschichold fala de “margens harmonicamente perfeitas” ou de “paginas em que h4 titulos de parte no mesmo tom 14 INTRODUGAO da pagina de texto” e quando diz que o verdadeiro de- sign de livro “é 6 uma questao de Takt”, convém lembrar que o autor destas frases nasceu e cresceu 4 sombra da Johanniskirche de Bach. O préprio Tschichold nao tocava instrumento algum, salvo a caixa de tipos e o lapis, mas es- sas analogias musicais nao séo amaveis fraseados ou cha- voes; mergulham fundo no oficio. Tschichold passou sua vida util devotado nao a uma ofi- cina de amadores mas ao mundo do comprometimento per- pétuo, também conhecido como atividade editorial. Sua tarefa principal na Penguin Books e em outras casas do ramo, como explicou em outro ensaio, era a produgdo massiva dos classicos. Ele queria, portanto, nao s6 desenhar a pagina per- feita mas também entender a gramatica interna de seu pré- prio design, a fim de ensinar os principios basicos a outros. A razao era simples: o que queria nao era encontrar refigio numa biblioteca melhor mas viver num mundo melhor. Esse desejo sustenta sua insisténcia em alcangar solu- Ges por meio do calculo em lugar da regra incontestada ou do instinto desbravador. O objetivo nao era rejeitar ou de- sacreditar 0 instinto, mas abrir os olhos do instinto. Como qualquer cozinheiro, Tschichold sabia que os componen- tes, as condigGes e ocasides diferem. Calcule a posigao exa- ta, diz ele, e depois faca ajustes, se necessdrios, usando seu olho treinado. Na linguagem da cozinha: tente a receita ou altere-a 0 suficiente para adequar-se a seus ingredientes e suas condig6es, mas em qualquer caso prove o resultado e corrija o tempero enquanto tem alguma chance. Seu primeiro livro, Die Neue Typographie [A Nova Ti- pografia| (Berlim, 1928), pregava a doutrina da economia, da simplicidade e do funcionalismo, e trataya de encontrar princfpios unificadores para associar todas as areas do design ts A FORMA DO LIVRO tipografico. Um livro subseqiiente, Typographische Gestal- tung |Configuracdo Tipogrdfica] (Basiléia, 935), que mode- rava e aprofundava esses principios, persistia, ainda assim, na mesma agenda. Outro tema do livro era a relagdo entre a moderna tipografia e a pintura nao-representacional. Typographische Gestaltung alterou a pratica de toda uma nova geracao de designers quando a tradugo inglesa de Ruari McLean foi finalmente publicada, em 1967, com 0 titulo de Asymmetric Typography. Até ali o mundo de lingua inglesa estava bastante feliz por flertar com a arqui- tetura funcional e o desenho industrial europeus. Harvard, Yale, Aspen e Chicago tinham arrumado um pequeno es- paco para Walter Gropius e outros refugiados da Bauhaus. Mas os norte-americanos nao tinham pressa em admitir que os livros podem ser tao importantes, ou merecer tanto respeito, ou ter tanta necessidade de design quanto os edi- ficios. Nossa relutancia coletiva em refletir sobre tipografia pode ser medida, neste caso, por dois fatos. Primeiro (em- bora bibliografias* de Tschichold nao digam isso), quem publicou Asymmetric Tyography nao foi nenhuma das grandes companhias de Nova York e Londres que mais tar- de se associaram como co-editoras; foi, em vez disso, uma pequena firma canadense de designers e tip6grafos, Cooper & Beatty, de Toronto. Segundo, quando afinal foi publica- da, ja existia aquela tradugao inglesa, como original a cata de editor, havia mais de vinte anos. Nesse interim, Tschichold, como qualquer artista que se preza, havia deixado para tras seus manifestos e manuais. * Jan Tschichold: Typograph and Schriftentwerfer, Ziirich, Kunstgewer- bemuseum, 1976, e Leben und Werk des Typographen Jan Tschichold, Dres- den, Verlag der Kunst, 1977. 16 INTRODUGAO Com efeito, o radical assimétrico, sem-serifa, comegou a fazer design simétrico, com serifa, j4 em 1935, mesmo ano em que sua posi¢ao em favor da assimetria se tornou co- nhecida. Como Stravinsky, apés ganhar fama de rebelde, iniciou uma longa e produtiva fase neoclassica. Foi este o tipo de design que o levou para a Penguin Books, quando ali se tornou Diretor de Tipografia em 1947. Durante os dois anos que passou IA, educou 0 gosto de leito- res da Gra-Bretanha e de além-mar, e revolucionou a prati- ca de uma geracao de impressores e tip6grafos que de outro modo teriam continuado inertes e felizes. $6 muito tempo depois da volta de Tschichold para a Sufca foi que a Penguin Books passou por uma conversao parcial ao design assimé- trico, sem-serifa, que ele tinha preconizado em Munique e Basiléia décadas antes. A feitira pomposa mas espartilhada da tipografia euro- péia no comego do século xx precisava de limpeza e exer- cicios vigorosos, e o modernismo funcional parecia ser 0 acicate e o cdustico exigidos. Isso explica bastante bem a motivacao por tras da Nova Tipografia dos anos 1920. Mas quais eram os motivos do modernismo neoclassico que se seguiu? Em 1946, num ensaio intitulado “Glaube und Wirk- lichkeit” [Fé e Fato”]*, Tschichold considerou o significa- do de suas mudangas de estilo: Entroncar principios tipograficos no que chamdévamos pintura “abstrata” ou “ndo-objetiva” ... nos deu uma tipo- grafia subitamente estranha e itil. Mas nao me parece coin- * Uma tradugdo inglesa completa est publicada como Apéndice 3 do proveitoso livro de Ruari McLean, Jan Tschichold: Typographer, London, Lund Humphries, 1975. 17 A FORMA DO LIVRO cidéncia que essa tipografia fosse quase totalmente uma criagao alema, pouco bem-vinda em outros paises. Sua ati- tude impaciente provém da preferéncia alema pelo absolu- to. ... Porém, vi isto s6 mais tarde, na democratica Suiga. Desde entao parei de promover a Nova Tipografia. ... O Terceiro Reich nao foi superado por ninguém na bus- ca de “progresso” técnico por meio de seus preparativos para a guerra, que eram hipocritamente escondidos atras da propaganda em favor de formas medievais de sociedade e expressao. A fraude localizava-se na propria raiz, e por isso nao podia ser aceita pelos modernistas sinceros que eram seus opositores politicos. No entanto, eles mesmos, sem o saber, situavam-se muito préximos da mania de “or- dem” que dominava o Terceiro Reich. ... A Nova Tipografia ou Tipografia Funcional é perfeita- mente adequada para anunciar os produtos da indiistria (sua origem é a mesma, afinal), e preenche aquela fungao agora como entao o fazia. Seus meios de expressao, ainda assim, sdo limitados, porque sua tinica meta é a “clareza” ou “pu- reza” extrema. ... Bodoni foi o antepassado da Nova Tipo- grafia, na medida em que se encarregou de purgar o tipo ro- mano de todos os tracos das formas escritas subjacentes e ... reconstrui-lo a partir de simples formas geométricas. Mas muitos problemas tipograficos nao podem ser so- lucionados segundo essas linhas regimentais sem que se co- meta violéncia contra o texto. * Nesta citacdo, para entender 0 uso das reticéncias, cf. “Reticéncias”, pp. 161-163, em que se explica como 0 autor nao faz distingao entre o 8 bentendido (ow reticéncias propriamente ditas) ¢ 0 corte proposital (por motivos que vao de falta de decoro a de importancia) de qualquer extensio de texto. O uso da Atelié Editorial, nao observado aqui por razdes 6bvias, 18 INTRODUGAO As quest6es praticas que decorrem desse entendimento sio abordadas por diversos ensaios deste livro: “Tipografia Simétrica ou Assimétrica?”, “A Importancia da Tradigio em Tipografia” e outros, escritos nos anos de 1950 e 1960. As questées histéricas da arte — as questées de ética, estéti- ca e interpretagao -, que também derivam da inteligente e corajosa investigacao de Tschichold sobre a significagao do estilo tipografico, so questées que todo tipégrafo, designer de tipo e leitor dos nossos dias desejaria continuar suscitan- do e tentando responder mais uma vez. A criagao de tipos, diferentemente da criacdo com tipos, € um assunto que nao é tratado neste livro de ensaios, mas o design de tipos foi também um aspecto essencial da car- reira de Tschichold. Infelizmente, sua estatura nesse cam- po é dificil de avaliar, porque grande parte da comprova- ao dessa atividade foi destruida. Suas primeiras titulares, projetadas para Lettergieterij Amsterdam e para a fundigao Schelter & Giesecke de Leipzig, nao tém interesse duradou- ro. Mas os oito ou dez tipos serifados e sem-serifa que ele projetou para o sistema de fotocomposicao de Uhertype, nos anos 1930, ndo foram produzidos antes da Segunda Guerra Mundial, e todos os desenhos e fotos do projeto pa- recem estar agora perdidos. Vi amostras do romano Uher- type sem-serifa que revelam a presenga de uma fonte leve e graciosa, possivelmente no mesmo nivel dos melhores sem- serifa da época: Futura, de Paul Renner, e Gill Sans, de Eric segue Tschichold na inexisténcia de espaco entre o final da palavra e as reti- céncias, mas marca 0 corte proposital colocando as reticéncias entre colche- tes ~ englobando qualquer sinal de pontuagao acaso existente no texto omi- tido =, com espago antes e depois. ~ N. da x. 19 A FORMA DO LIVRO Gill. Se as outras fontes eram do mesmo quilate, valeria a pena inspecionar as pegas e restaurar esses caracteres para uso nos nossos dias. A tinica familia sobrevivente de caracteres de texto de Tschichold, Sabon, foi desenhada no inicio da década de 1960. A incumbéncia de Tschichold, neste caso, era criar uma familia de tipos em metal para a composigdo tanto manual como mec4nica. Devia lembrar os tipos romanos de Claude Garamond, e seu tamanho e aspecto nao deviam variar, fosse qual fosse o método de composicao usado. Em outras palavras, tinha de atender as restrigdes técnicas simultaneas da Monotype e da Linotype e ainda parecer adequada 4 composicao manual. Isto estabeleceu limites complexos 4 largura dos caracteres, ao comprimento das ascendentes e descendentes das letras, as possibilidades de crenagem e a outros fatores. Mas Tschichold venceu tais desafios. Sabon atendeu as exigéncias originais e sobrevi- yeu 4 quase imediata traduc¢do para fototipo. Continua a ser hoje um tipo exemplar e util, no singular mundo novo das maquinas digitais. For Vic Marks quem primeiro insistiu em que se pro- movesse uma traducao inglesa de A Forma do Livro, e Hajo Hadeler foi quem fez a tradugao. Minha contribuicao, que foi minima, consistiu apenas em traduzir quatro versos de Heine, inserir algumas datas, alguns nomes e asteriscos, € defender a conservacao dos pés-de-ganso* de Tschichold para marcar titulos e citagdes. O design do livro baseia-se no do proprio Tschichold, embora a escala seja maior e a * Aspas angulares. Esta edicao substitui-as por aspas romanas. —N. da R. 20 | INTRODUGAO composi¢ao da pagina tenha mudado. (O original alemao foi composto em Monotype Van Dijck*.) Tschichold planejou langar a primeira edigao alema des- tes ensaios em 1967, mas a publicacdo foi adiada até 1975, ano seguinte ao de sua morte. Uma segunda edic¢ao — nos- so texto de trabalho para esta traducao — foi publicada em 1987. Dos vinte e cinco ensaios daquele volume, dois me Ppareceram com pouco potencial de uso ou interesse para 0 leitor de hoje. Um era dedicado ao tratamento grafico da lombada dos livros e 0 outro as marcas de assinatura dos impressores nos cadernos. Ambos eram curtos, e os omiti. Nos ensaios que permanecem, também suprimi um ou ou- tro paragrafo em que o contexto parecia limitado ao fené- meno quase extinto da impressdo tipografica comercial, ou a condig6es tipicamente alemas ou germano-suicas. (O pré- prio Tshichold adotou o mesmo critério quando consultado sobre a traducio inglesa de Typographische Gestaltung.) Tal como esta, o texto ainda se mostra intimamente enredado em consideragées praticas. Impressio tipogra- fica e ofsete diferem, como pintura a éleo e aquarela, e Tschichold era o tipo do artista que trabalha em estreita colaboragao com seu veiculo. Seu pronto descarte de no- tas marginais e de algarismos pendurados abaixo da linha composta, por exemplo, pode estar relacionado com as li- mitagGes da impressao comercial, tipografica. No mundo da paginagao digital, essas limitagdes especificas desapa- receram e outras vieram substitui-las. Mas permanecem a logica, a inteligéncia e 0 espirito que embasavam a abor- dagem tschicholdiana da tipografia. * Esta edi¢do foi composta em Sabon, publicada pela Adobe Systems e desenhada originalmente por Jan Tschichold. ~ N. do r. 20 A FORMA DO LIVRO Porque técnicas e idéias mudam, procurei determinar a data da primeira publicagao de cada ensaio e consignar aquela data no Sumario. Até onde posso afirmar, os cinco ensaios datados de 1975 ficaram inéditos até sua inclusao postuma na primeira edig&o alema deste livro. Creio que foram escritos 0 mais tardar até 1967. Barro na Mao do Oleiro* T1poGRaFta perfeita é mais uma ciéncia do que uma arte. O dominio do oficio é indispensavel, mas isto nao é tudo. O gosto certeiro, marca distintiva da perfeicdo, assenta numa clara compreensao das leis do design harmonioso. De modo geral, o gosto impecavel brota, em parte, da inata sensibili- dade: do sentimento. Mas os sentimentos sao um tanto im- produtivos, a menos que inspirem um julgamento seguro. Os sentimentos precisam amadurecer e converter-se em co- nhecimento das conseqiiéncias de decis6es formais. Por esta razdo nao ha mestres naturais de tipografia, mas 0 autodi- datismo pode, com o tempo, conduzir a proficiéncia. £ um erro dizer que nao cabe discutir sobre gosto quan- do esté em questao o bom gosto. Nao nascemos com bom gosto, nem entramos neste mundo equipados com um real entendimento da arte. Simplesmente reconhecer quem ou 0 que esta representado num quadro tem pouco a ver com um real entendimento da arte. Diga-se o mesmo de uma opiniao desinformada sobre as proporgdes das letras ro- manas. Em todo caso, discutir € insensato. Aquele que quer convencer tem de fazer um trabalho melhor do que outros. Bom gosto e tipografia perfeita séo suprapessoais. Hoje o bom gosto é quase sempre rejeitado como antiquado por- que o homem comum, buscando aprovacio para sua suposta * Escrito na Inglaterra em fins de 1948. — yr A FORMA DO LIVRO personalidade, prefere seguir os ditames de seu proprio estilo peculiar a se submeter a qualquer critério objetivo de gosto. Numa obra-prima tipogrdfica, a assinatura do artis- ta é eliminada. O que alguns podem elogiar como estilos pessoais sao, na realidade, pequenas e vazias peculiarida- des, freqiientemente danosas, que se disfargam de inova- ces. Exemplos séo 0 emprego de uma tnica familia de tipo — talvez uma fonte sem-serifa ou um bizarro cursi- vo do século x1x -, uma predilecdo por misturar fontes heterogéneas ou a aplicagao de limitagdes aparentemen- te corajosas, como utilizar um tinico corpo de tipo para uma obra inteira, ainda que bastante complexa. Tipogra- fia pessoal é tipografia deficiente. $6 iniciantes e bobos in- sistirao em usd-la. Tipografia perfeita depende de perfeita harmonia entre todos os seus elementos. Devemos aprender, e ensinar, 0 que isto significa. A harmonia é determinada por relagGes ou proporgdes. Proporgdes escondem-se em toda parte: na amplitude das margens, nas relag6es reciprocas de todas as quatro margens da pagina do livro, na relagao do entreli- nhamento da mancha com as dimens6es das margens, na colocagio do numero da pagina com respeito 4 mancha, na eventual diferenga entre o espacejamento das letras maitis- culas e 0 espacejamento do texto e, nado menos importante, no espacejamento das préprias palavras. Em suma, afinida- des escondem-se em qualquer parte e em todas elas. S6 gra- cas a pratica constante e a mais rigorosa autocritica pode- mos habilitar-nos a reconhecer uma obra de arte perfeita. Infelizmente a maioria parece contentar-se com um desem- penho mediocre. O cuidadoso espacejamento de palayras e 0 correto espacejamento de maitisculas parecem ser des» conhecidos ou nao ter importincia para alguns tipografos, BARRO NA MAO DO OLEIRO mas, para aquele que investiga, as regras corretas nao sao dificeis de descobrir. Uma vez que a tipografia diz respeito a cada um e a to- dos, nao sobra espaco para mudangas revolucionarias. Nao podemos alterar a forma essencial de uma tinica letra sem, ao mesmo tempo, destruir a conhecida face impressa de nossa linguagem e, assim, inutiliza-la. A cémoda legibilidade é o marco absoluto de toda tipo- grafia; no entanto, s6 um leitor consumado pode apropria- damente julgar a legibilidade. Ser capaz de ler uma cartilha, ou mesmo um jornal, nao faz de ninguém um juiz; em ge- ral, ambos sao faceis de ler, ainda que mal. Sao decifraveis. Decifrabilidade e legibilidade ideal se opdem. A boa legibi- lidade resulta da combinagao de um texto adequado e um método de composig&o apropriado. Para a tipografia per- feita é absolutamente necessdrio um conhecimento exaus- tivo do desenvolvimento histérico das letras usadas na im- pressao de livros. Ainda mais valioso é um conhecimento efetivo de caligrafia. A tipografia da maioria dos jornais esta decididamente em decadéncia. A auséncia de forma destréi até os primei- ros sinais de bom gosto e frustra seu desenvolvimento. Pre- guigosa demais para pensar, muita gente lé mais jornais do que livros. Nao surpreende, entao, que a tipografia como um todo nao evolua, e a tipografia do livro nao é excegio. Se um tipégrafo 1é mais jornais do que qualquer outra coisa, onde adquiriria um conhecimento do bom gosto em tipo- grafia? Assim como uma pessoa se acostuma a uma cozinha inferior quando nao dispée de nada melhor e faltam meios de comparagao, assim também muitos dos leitores de hoje se habituaram a uma tipografia inferior porque léem mais jornais do que livros e desse jeito matam o tempo, como di- A FORMA DO LIVRO zem de modo tio sucinto. Como nao estao familiarizados com uma tipografia melhor, nao podem deseja-la. E, sem sa~ ber como fazer melhor as coisas, falta voz para o resto. Principiantes e amadores superestimam a importancia da chamada onda cerebral, a sbita idéia brilhante. A tipografia perfeita é, em grande parte, uma questao de escolha entre possibilidades diversas e ja existentes: uma escolha baseada em vasta experiéncia. A escolha correta € uma questo de tato. A boa tipografia nunca pode ser extravagante. E pre- cisamente 0 oposto de uma aventura. A idéia brilhante tem pouca ou nenhuma valia. £ ainda menos valiosa se s6 se aplica a um tinico trabalho. E condicdo de um bom trabalho tipografico que cada parte seja formalmente dependente de todas as outras. Essas relagdes evoluem lentamente enquanto o trabalho est em andamento. Hoje, a arte da boa tipografia é eminentemente légica. Difere de todas as outras formas de arte no fato de que uma por¢ao substancial da légica intrin- seca é acessivel A verificagao por pessoas leigas. Circunstan- cias existem, contudo, em que uma graduagao perfeitamente légica mas demasiado complexa de corpos de tipos pode ser sactificada para se alcangar uma imagem mais simples. Quanto mais significativo é 0 contetido de um livro, mais tempo precisa ser preservado € mais equilibrada, de fato, mais perfeita, tem de ser sua tipografia. Entrelinha- mento, espacejamento entre letras € espacejamento entre palavras devem ser impecaveis. As relagdes das margens en- tre si, as relacdes de todos os corpos de tipo usados, a colo- cacao de titulos correntes: tudo deve exibir proporgdes no- bres e produzir um efeito inalteravel. ‘As decisoes tomadas em tipografia superior — sobre 0 design da folha de rosto de um livro, por exemplo — estao, como um gosto sumamente refinado, ligadas a arte criati- BARRO NA MAO DO OLEIRO va. Aqui é possivel inventar formas e formatos que em sua perfeigdo se igualem a qualquer coisa que a boa escultura e a boa pintura tém a oferecer. O especialista é compelido a admirar essas criagdes tanto mais porque o tipdgrafo, mais do que qualquer outro artista, esta acorrentado a palavra inalterdvel, e s6 um mestre pode despertar para sua verda- deira vida as letras rigidas e formais empregadas na impres- sao de livros. Tipografia sem macula é certamente a mais fragil de to- das as artes. Criar um todo a partir de muitas partes pe- trificadas, desconexas e determinadas, fazer com que esse todo parega vivo e consistente - s6 a escultura em pedra se aproxima da inflexivel rigidez da tipografia perfeita. Para a maioria das pessoas, mesmo a tipografia impecavel nao contém nenhum apelo estético particular. Em sua inacessi- bilidade, ela se assemelha 4 grande musica. Na melhor das circunstancias, é aceita com gratidao. Permanecer an6énimo e sem apreciacao explicita, nao obstante ter prestado um servigo a uma obra valiosa e ao pequeno grupo de leitores visualmente sensivel — esta, de modo geral, é a Gnica com- pensagio para a longa, e na verdade interminavel, servidao do tipégrafo. Artes Graficas e Design de Livro O TRABALHO de um designer de livro difere essencialmen- te do de um artista grafico. Este esta buscando constante- mente novos meios de expressio, levado ao extremo pelo desejo de ter um “estilo pessoal”. Um designer de livro deve ser um servidor leal e fiel da palavra impressa. £ sua tarefa criar um modo de apresentag4o cuja forma nao ofusque o contetido e nem seja indulgente com ele. O trabalho do ar- tista grafico deve corresponder as necessidades da época e, a ndo ser em coleg6es, raras vezes tem vida longa — ao contra- rio de um livro, que, presume-se, deve durar. O objetivo do artista grafico é a auto-expressdo, ao passo que o designer de livro responsavel, consciente de sua obrigagao, despoja- se desta ambigao. O design de livro nao é campo para aque- les que desejam “inventar o estilo de hoje” ou criar algo “novo”. No sentido estrito do vocdbulo, nao pode haver algo “novo” na tipografia de livros. Embora em grande par- te esquecidos hoje em dia, métodos e regras que so impos- siveis de superar foram desenvolvidos ao longo de séculos. Para produzir livros perfeitos, essas regras precisam ser rea- vivadas e aplicadas. O objetivo de todo design de livro deve ser a perfeigéo: encontrar a representagdo tipografica per- feita para o contetido do livro em elaboragao. Ser “novo” e surpreendente é a meta dos publicitarios. A tipografia de livros nada tem a ver com publicidade. Se adota elementos da grafica publicitaria, abusa da santi- A FORMA DO LIVRO dade da palavra escrita, obrigando-a a servir 4 vaidade de um artista grafico incapaz de cumprir seu dever como sim- ples lugar-tenente. Isso nao quer dizer que a obra do de- signer de livro deva ser incolor ou vazia de expressdo, nem que um livro criado anonimamente numa oficina grafica nao deva ser belo. Gragas ao trabalho de Stanley Morison, eminente artista da Monotype Corporation, de Londres, Inglaterra, o ntimero de magnificas publicagdes subiu ex- traordinariamente durante os tltimos vinte e cinco anos”. Escolher uma fonte bem ajustada ao texto; projetar uma pagina primorosa, idealmente legivel, com margens harmo- nicamente perfeitas, impecavel espacejamento de palavras e letras; escolher corpos de tipo ritmicamente corretos para folhas de rosto e titulos, e compor as paginas em que ha ti- tulos de segdo e de capitulos genuinamente belas e gracio- sas, no mesmo tom da pagina de texto — por esses meios um designer de livro pode contribuir muito para a fruicao de uma valiosa obra de literatura. Se, em vez disso, escolhe um tipo modernoso, talvez um sem-serifa ou um daqueles tipos criados por algum “designer” alemao, nem sempre horrendos mas em geral indiscretos demais para um li- vro, transforma entao o livro num item de moda. Isto sé é adequado quando se trata de produto de vida curta. E inadequado quando o livro tem importancia intrinseca. Quanto mais significativo é 0 livro, menor é 0 espago para 0 artista grafico se posicionar e documentar, por meio de seu “estilo”, que ele, e ninguém mais, projetou o livro. Nao ha divida de que obras sobre nova arquitetura ou pintura moderna podem extrair seu estilo tipografico da * Esta afirmagao foi feita em 1958. Morison era 0 consultor tipogrifico da Monotype Corporation e nao propriamente um artista ou designer, = Ri ARTES GRAFICAS E DESIGN DE LIVRO arte grafica existente; mas essas s4o as mais raras das ex- cegdes. Mesmo para um livro sobre Paul Klee, por exem- plo, nao parece correto utilizar um sem-serifa industrial co- mum. A pobreza de expressao de tal tipo aviltara a sutileza desse pintor. E compor um filésofo ou um poeta classico nessa fonte ostensivamente moderna est4 fora de cogita- cao. Artistas do livro precisam desfazer-se completamente da prépria personalidade. Acima de tudo, devem ter uma compreensdo amadurecida da literatura e ser capazes de avaliar a importancia de um texto em comparacgao com outro. Aqueles que pensam em termos puramente visuais sao imtiteis como designers de livros. Rotineiramente nao véem que suas criagGes artificiosas sao sinais de desrespeito a propria literatura a que devem servir. O perfeito design de livro, portanto, é uma questo de tato (andamento, ritmo, toque) somente. Provém de algo raramente valorizado hoje: bom gosto. O designer de li- vro esforga-se por alcancar a perfeigdo; no entanto, toda coisa perfeita ocupa um lugar na vizinhanga da insipidez e freqiientemente é confundida com esta pelos insensi- veis. Numa época que tem fome de novidades tangiveis, a perfeigdo fria nao tem valor publicitario algum. Um livro realmente bem projetado é reconhecivel como tal somen- 4 te por uma seleta minoria. A imensa maioria dos leitores 4 terd apenas uma vaga nocdo dessas qualidades excepcio- nais, Mesmo visto de fora, um livro verdadeiramente belo niio pode ser uma novidade. Pelo contrario, deve afirmar- se como simples perfeigao. 56 a sobrecapa do livro oferece a fantasia a oportunidade de reinar por algum tempo. Mas nao é nenhum equivoco __ lutar por uma aproximagio entre a tipografia da sobrecapa ¢ ado livro, A sobrecapa é antes de tudo um pequeno car- A FORMA DO LIVRO taz, um chamariz, onde cabe muita coisa que seria inconve- niente nas paginas do préprio livro. E uma pena que a capa, a verdadeira veste de um livro, seja tao freqiientemente ne- gligenciada em favor da multicolorida sobrecapa de hoje. Talvez por esta razio muita gente tenha incorrido no mau habito de guardar livros na estante ainda metidos nas res- pectivas sobrecapas. Eu poderia entender isto se a capa fos- se mal delineada ou mesmo repulsiva. Mas, geralmente, as sobrecapas de livros pertencem a cesta para paptis usados, como os magos vazios de cigarro. Quanto ao livro em si, é dever supremo dos designers responsdveis despojarem-se de todo anseio de auto-expres- sho. Eles nao s4o os mestres da palavra escrita, mas seus humildes servidores. Sobre Tipografia A TIPOGRAFIA, mesmo quando mal executada, nao pode nunca ser aceita sem maior exame; ademais, nunca é aci- dental. Na verdade, paginas esplendidamente compostas sao sempre o resultado de longa experiéncia. De vez em quando atingem a posicao de grande realizagao artistica. Mas a arte da composigao tipografica est4 distante da obra de arte expressiva, porque o apelo nao se limita a um pe- queno circulo. Esta aberto ao julgamento critico de todo o mundo, e em parte nenhuma esse julgamento tem mais peso. Tipografia que nao pode ser lida por todo o mundo é inutil. Até para alguém que constantemente reflete sobre questoes de facilidade de leitura e legibilidade, é dificil de- terminar se uma coisa pode ser lida com facilidade, mas o leitor mediano se rebela imediatamente quando 0 tipo é pe- queno demais ou entao irrita os olhos; ambos ja sao sinais de uma certa ilegibilidade. Toda tipografia consiste de letras. Estas aparecem ou na forma de uma frase desembaragada e corrente ou como um conjunto de linhas, que podem até ter formatos contrastan- tes. A boa tipografia comega, e esta nado € uma questao in- significante, pela composigdo de uma tinica linha de texto num livro ou jornal. Usando exatamente o mesmo tipo, é possivel criar uma linha agradavel, facilmente lida, ou uma incdmoda, O espacejamento, se for aberto ou fechado de- mais, estragard qualquer tipo. A FORMA DO LIVRO Antes de tudo, a forma das préprias letras contribui mui- to para a legibilidade ou seu oposto. Pouca gente perde um minuto pensando na forma de um tipo. Para o leigo € quase impossivel escolher, da congérie de tipos disponiveis, aquele especifico apropriado para o trabalho a realizar. A selecao nao é somente uma questao de gosto. A palavra impressa dirige-se a todos, a pessoas de to- das as idades, As instrufdas e também as menos instruidas. Quem sabe ler firma um contrato que € mais coesivo € mais dificil de anular do que qualquer outro. Nao podemos alte- rar as caracteristicas de uma tinica letra sem tornar, ao mes- mo tempo, todos os caracteres do mesmo género estranhos e, portanto, initeis. Quanto mais inusitado é 0 aspecto de uma palavra que lemos - isto é, reconhecemos — um mi- Ihdo de vezes em sua forma habitual, mais perturbados nos sentimos se a forma tiver sido alterada. Inconscientemen- te, exigimos a forma com que estamos acostumados. Qual- quer outra coisa nos indispée e dificulta a leitura. Podemos concluir que um tipo é tanto mais legivel quanto menos sua forma basica difere daquela usada ha muitas gera¢Ges. Pe- quenas modificagdes sao cogitaveis: forma e comprimento das serifas, por exemplo, ou a mudanga da relagao entre as partes pesadas e as mais leves da letra. Mas essas variagoes virtuais encontram seu limite no contrato estabelecido pela forma basica da letra. Cingiienta anos de experimentagdo com muitos textos novos, insdlitos produziram a percepgao de que os melho- res tipos sao ou os das préprias fontes classicas (desde que os pungées ou padroes tenham sobrevivido), ou reconstitui- goes delas, ou tipos novos nao drasticamente diferentes do modelo classico. Esta é uma li¢do tardia e dispendiosa, mas ainda valida. A mais nobre virtude de qualquer texto ¢ nao A SOBRE TIPOGRAFIA ser notado como tal. A tipografia realmente boa deve ser le- givel apés dez, cingiienta, mesmo cem anos e nao deve nun- ca repelir 0 leitor. Nao se pode dizer isso de todos os livros impressos no ultimo meio século. Muitas variagdes sé po- dem ser entendidas por quem tem conhecimento das afini- dades histéricas. Mas, na Ansia de reformar — e muita coisa precisava de reforma na virada do século -, 0 alvo muitas vezes nao foi atingido. Relembrando, parece que, acima de tudo, as pessoas queriam que as coisas fossem diferentes. Admitia-se que um novo texto se fizesse notar como tal, uma personalidade im- plorando respeito. Essas personalidades das fontes conspi- cuas vieram a calhar num momento em que a publicidade mal comegava a ser entendida. Hoje, 0 efeito da maioria des- ses textos aparecidos antes da Primeira Guerra Mundial de- sapareceu. S6 alguns podem ainda ser usados. O quadro da tipografia por volta de 1924 era o de uma paisagem talhada pelo desejo de criar um novo estilo, os Stilwillen de muitas e dessemelhantes personalidades. Pade- cia de um grande ntimero de textos dispares. As maquinas de composi¢ao — que hoje tém um efeito benéfico, ao ajudar a limitar o ntimero de fontes em uso* - eram raras. Quase tudo era composto a mao. As fontes disponiveis eram dife- rentes das existentes em 1880, mas nem sempre melhores, © seu ntimero era mais ou menos 0 mesmo. Mesclas im- prudentes de famflias germinavam como ervas daninhas. Na época, um dos pioneiros da tipografia limpa, rigorosa, era Carl Ernst Poeschel, que, antes de qualquer outro, lu- tou pela ordem tipografica. Embora utilizasse muitas fon- tes abomindveis, ainda assim fez excelente trabalho, Depois * Hist aflemagito foi feita em 1952, = 40 A FORMA DO LIVRO houve Jakob Hegner, que, empregando conscienciosamente uma selecao de tipos tradicionais, imprimiu um bom nime- ro de livros que ainda sao belos hoje em dia. A chamada Nova Tipografia apareceu em 1925. Exigia simplicidade radical e abandono da composigao simétrica. Assim, cometeu dois erros de raciocinio. Primeiro, atribuiu a culpa pela confusdo geral nessa 4rea exclusivamente a multidao de tipos e proclamou ter encontrado a cura, a fon- te para 0 nosso tempo, no tipo sem-serifa. Segundo, consi- derou 0 “eixo central” (que de fato deu margem a algumas criag6es ridiculas) como uma camisa-de-forga e viu na as- simetria uma safda. Entéo, como agora, uma reducao me- ticulosa do ntimero de fontes de romano e negrito usadas, conservando apenas o melhor das formas acessiveis, e um leiaute mais exigente teriam bastado para melhorar muito a imagem da tipografia. O sem-serifa s6 parece ser a escri- ta mais simples. E uma forma que foi violentamente redu- zida para criangas pequenas. Para adultos, é mais dificil de ler do que 0 tipo romano serifado, cujas serifas nunca pre- tenderam ser ornamentais. E de modo algum a assimetria é melhor do que a simetria; é s6 diferente. Ambos os arranjos podem ser bons. A Nova Tipografia deixou sua marca em muitos novos, e nem sempre melhores, tipos sem-serifa. $6 muito mais tarde chegou a Inglaterra, 4 Italia e aos Estados Unidos. Na Inglaterra foi raramente compreendida e nao teve maior importancia, muito embora a tipografia inglesa comum da época precisasse, e muito, de uma limpeza completa, como acontecera com a alema. Na Italia, e principalmente nos Estados Unidos, porém, a Nova Tipografia encontrou dis- cipulos inteligentes e imaginativos. Na Alemanha, onde, SOBRE TIPOGRAFIA alias, cedo teria morrido de morte natural, 0 movimento foi estrangulado em 1933. Na época, as fundigdes produziram um grande nime- ro de novas fontes sem-serifa e, durante algum tempo, ne- nhum outro tipo era visivel. A experimentagio tipografica continuou parcialmente fecunda. Raramente, no entanto, realizamos muita coisa num unico golpe de sorte, e mesmo uma pequena melhora da tipografia completa nao pode ser alcangada numa década. Diz um provérbio chinés: A cons- tancia no trabalho produz uma bela obra. Além dos muitos tipos sem-serifa, outros caracteres cria- dos na época nem sempre seguiram os ditames da moda, e alguns poderao sobreviver por algum tempo. Entre as fon- tes para composigao manual, as desenvolvidas por Emil Ru- dolf Weiss constituem provavelmente a contribuicao mais valiosa para a tipografia da terceira década do século xx. Entre as fontes elaboradas para os varios sistemas de com- posigao mecanica, aquelas que seguiram o padrio classico reterao seu mérito: por exemplo, o romano e o Fraktur de Walbaum. Ha muitos novos clichés de velhas escritas, que foram reproduzidos, com maior ou menor fidelidade, de antigos impressos. Hoje prevalece a percepgio de que as tinicas escritas realmente boas séo as que permaneceram préximas das principais encarnagées dos padrées classicos, tal como nos foram legados. E nossa tarefa selecionar dentre esses principais repre- sentantes da escrita classica e suas variagdes coetaneas um niimero razodvel e, de preferéncia, pequeno. Muitos tipos modernos nao passam de desvios desfigurados de velhas fontes, Para distinguir entre formas boas e defeituosas é im- preseindivel um olho muito bem treinado. $6 a interminé- A FORMA DO LIVRO vel contemplagao do mais excelente material impresso do passado nos capacita a julgar. Um bom exemplo de impresso deve ter um desenho no- bre e ser agradavel ao olho. Além disso, nao precisa atrair atengao especial. Elementos pesados e leves devem mostrar proporgées regulares. Letras com descendentes nao tém de ser encurtadas, e a distancia média entre duas letras nao precisa ser exorbitantemente comprimida. O espacejamen- to apertado das letras deformou muitos textos modernos e também numerosas reproducées de tipos mais antigos, cujo material origindrio esta agora perdido. Toda oficina deve contar com pelo menos um represen- tante do romano antigo, completo, com o grifo, em todos os tamanhos, do corpo 6 para cima, inclusive 0 corpo 9 € 0 14, e até o 72. Além disso, deve haver um bom Fraktur, tam- bém em todos os tamanhos, no minimo até 0 corpo 36. Pa- rece-me que um romano moderno (Bodoni, por exemplo) € um requisito menos urgente do que um dos estilos surgidos durante o periodo de transigdo (Baskerville, por exemplo) —mas nao ha oposic¢a4o ao romano de Walbaum, que consi- dero superior ao Bodoni, j4 que é mais comedido. Um bom caractere de serifa grossa, assim como um bom sem-serifa, € provavelmente necessdrio. Entretanto, quando se faz uma selecdo, convém ter em mente as fontes ja disponiveis a fim de evitar misturas intrinsecamente discordantes. A precondigao para um trabalho satisfatoriamente aca- bado e para uma agradavel legibilidade é a correta compo- sicdo de cada linha. Na maioria dos paises, quase sempre a composigao é demasiado aberta. Este defeito é heranga do século xix, cuja escrita leve, fina e pontuda quase exigia um espacejamento de palavras em meio-quadratim. Nossa pr6pria escrita, um pouco mais vigorosa, perde seu alinha- SOBRE TIPOGRAFIA mento quando se adota esse espacejamento largo. Espace- jamento de palavras de um terco de quadratim, ou até mais comprimido, deve ser adotado como norma, incondicional- mente, € nado somente em livros. A menos que o trabalho contenha oracées extraordinariamente longas, é também desnecessdrio aumentar 0 espaco depois de um ponto final. E preciso dar aos inicios de paragrafos um recuo, ou seja, um claro de abertura. Pardgrafos sem esse recuo (in- felizmente a regra na Alemanha, e s6 14) sao um mau ha- bito a ser eliminado. O claro — geralmente um quadratim — € 0 tinico meio seguro de indicar um pardgrafo. O olho, ao alcangar o final de uma linha, esta inerte demais para re- conhecer uma saida apertada — e em trabalhos sem esses recuos, mesmo isso tem freqiientemente de ser produzido como uma reflexao tardia, suscitada por uma “ultima” li- nha cheia. Em ordem de importancia, vem em primeiro lu- gar legibilidade e clareza; um contorno uniforme da pagina composta é de menor importancia. Portanto, composigao tipografica sem recuos de abertura nos inicios de paragra- fos tem de ser rejeitada como erro. No Fraktur, utiliza-se o interespacejamento para real- ar palavras em relac&o as suas vizinhas. Anteriormente, utilizava-se também um tipo diferente, Schwabacher, por exemplo, ou um corpo maior do Fraktur. Erroneamente le- vados pela composigéo em Fraktur, alguns compositores alemaes empregam, para efeito de énfase, o interespaceja- mento, mesmo em caixa-baixa, do romano, em vez de com- por a palavra em grifo. Nao é correto interespacejar na caixa-baixa do romano. O realce em texto composto em romano obtém-se com o grifo. Outra maneira de destacar palayras é recorrer a versaletes, algo que falta no Fraktur. Versaletes sio superiores As letras em meio-preto larga- A FORMA DO LIVRO mente usadas na drea de lingua alema, onde os versaletes sao quase desconhecidos. Quando se fazem necessarios, 0 jeito é apelar para o expediente de usar um corpo menor de maitisculas. £ bastante desejavel, portanto, que se estimule o emprego geral de versaletes. De mais a mais, as melho- res fontes para composi¢do mecAnica e as fontes mais im- portantes para composi¢ao manual devem ser enriquecidas com seus préprios versaletes. Deve-se ter como norma nunca, em nenhuma circuns- tAncia, interespacejar palavras em caixa-baixa. A tinica ex- cegado é no caso de composi¢4o uniforme em Fraktur. Todo interespacejamento degrada a legibilidade e a imagem har- moniosa da palavra. O fato de tantas vezes ocorrer interes- pacejamento em folhas de rosto, impressos publicitarios e tipos fantasia remonta 4 época dos autores classicos ale- mies, periodo que nao é exatamente famoso pela excelén- cia de sua tipografia. Embora 0 espacejamento em Fraktur seja tolerdvel quando ditado pela necessidade, em romano e em grifo se torna um repulsivo disparate. Além disso, a composigao espacejada é duas vezes mais dispendiosa. Por outro lado, as maitisculas romanas devem sempre e em todas as circunstancias ser interespacejadas, usando-se um minimo de um sexto de seu corpo. Este ntimero, porém, nao é mais do que um guia geral, pois os espagos entre elas precisam equilibrar-se entre si de acordo com seus valores Opticos. Deve ser 6bvio por si s6 que o espacejamento en- tre palavras compostas inteiramente em caixa-alta tem de ser maior do que aquele entre palavras compostas em cai- xa-baixa. Mas com freqiiéncia se vé espacejamento de pa- lavra que é igual, i. e., estreito demais ou largo demais. O interespacejamento deve ser evidente, mas nao desnecessa- riamente indiscreto. A SOBRE TIPOGRAFIA Aquilo que chamamos estilo tipografico é determinado, em primeiro lugar, por nossa maneira de viver e por nos- sas condig6es de trabalho. Por exemplo, nao estamos mais numa posig4o que nos permita produzir as ricas e multico- loridas margens e fundos, tao comuns no século x1x. Sai- riam caros demais. E é provavel que nao haja mais ninguém capaz de executd-los. Além disso, nosso tempo é curto e te- mos de encontrar um meio mais facil. Se é complicado de- mais, nao pode ser moderno. Hoje, mais ainda do que antes, a simplicidade é marca de nobreza em qualquer coisa que lembre uma obra-prima. Se ” tivéssemos oportunidade de observar um verdadeiro mestre { em acao, talvez tenhamos ficado maravilhados com a rapi- dez e a facilidade com que tudo é feito. Parecia que ele “ti- rava tudo da manga da camisa”. E coisa de aprendiz tentar primeiro isto, depois aquilo. Devo dizer a mesma coisa a respeito dos tipos que os tip6grafos utilizam porque sem tais tipos, ¢ sem saber por que e como s&o usados, nenhuma obra respeitavel pode ser produzida. O manuscio hesitante de toda sorte de tipos re- sulta em desperdicio de tempo e encarecimento do trabalho. Esta preocupagao é valida também quando 0 projeto e a exe- cugio do trabalho sao feitos por pessoas diferentes. E duvi- doso que um artista grafico que nao sabe também compor seja capaz de conceber um bom e Util projeto tipografico. Planejamento e execugao tém que andar de maos dadas. Se uma editora contrata um designer, ele tem de estar inteiramente familiarizado com as possibilidades especifi- cas intrinsecas dos caracteres disponfveis; e tem de saber 0 que é simples de fazer e o que é dificil. E somente se 0 es- bogo de leiaute do designer for impecavel, a composicao ‘nord exatamente o que ele teve em mente. Um desenhista

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