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- ronea0 epp-0t Indices para eatlogo sistemstico: | Flew: Intredugfo 101 Cipriano C. Luckesi Elizete S. Passos INTRODUCAO a FILOSOFIA aprendendo a pensar T edigéo Sesion Capitulo | O conhecimento: significado, processo e apropriacao queira que nés nao nos perguntamos pelo que ele é, pelo seu processo, pela sua origem, pela sua forma de apropriagaol Aos poucos, aolongo de nossa infancia, adolescéncia, juventude, vamos adquirindo enten- 4 dimentos das coisas que compéem o mundo que nos cerca, das relagbes com as pessoas, das normas morais e sociais que regem as relagdes entre os seres humanos. N6s, por isso, nos acostumamos a esses enten- dimentos, a partir do momento em que fomos adquirindo-os esponta- neamente. Com eles e a partir d ,formulamos juizos. Contudo, quase nunca, in| s, conversamos, discutimos, temos certezase dti 6 feita aos espe seu significado, origem. Habituamo-nos a utilizar o entendimento, por! © problematizamos. Aqui, ao introduzirmo-nos no Ambito da filosofia como uma for- ma de conhecimento, bem cabem tais perguntas. Nao podemos, de iIguma, adentrar no seio da reflexao filoséfica, que é uma refle- |, sem nos questionarmos sobre esses elementos. Se a filoso- uma forma de conhecimento, como veremos a frente, cabe, em primeiro lugar, saber consciente e criticamente 0 que ele &. E este 0 objetivo deste texto. tas, nos perguntamos sobre o que é 0 conhecimento, LowHecinenr> * LUKE! PASs0 | Vamos tentar estabelecer uma forma de entendimento sobre o conhecimento que abranja os elementos acima indicados. Comecamos pelo seu conceito, passando, sucessivamente, por seu processo, sua ‘origem, até chegar & questo de sua apropriagio. |, Uma aproximacao conceitual do conhecimento A pergunta para a qual vamos tentar dar uma resposta €: 0 que é | oconhecimento? Toda vez que perguntamos a alguém o que ele entende por conhecimento, a primeira resposta que normalmente recebemos é a seguinte: “conhecimento € aquilo que aprendemos nos livros”; ou entao: “conhecimento é aquilo que aprendemos com nossos profes- sores, com nossos pais”. De fato, essa resposta nao esté de todo inadequada, pois que, cer- tamente, adquirimos conhecimentos com nossos professores e nos livros quelemos eestudamos. Contudo, ela é insatisfatéria na medida em que {nos dizde onde dquirimos: conhecimento, mas nao informa sobre o que ‘éconhecimento. Para encontrarmos uma resposta para a pergunta que colocamos, temos de dar atencdo ao segundo aspecto e nao ao primei- 10, ou seja, 0 que é e nao onde adquirimos o conhecimento. ‘Assim sendo, a questo formulada esta a merecer uma resposta. Hi que se buscar uma resposta que esclareca o sentido essencial do conhecimento |; Por vezes, ouvimos dizer que 0 conhecimento é a elucidagito da ealidade.’ Essa afirmacao parece ser correta, pois, ainda que de forma intética, expressa o sentido correto do conhecimento. Vamos fazer algumas explicitagdes. Em primeiro lugar, podemos nos ater ao sentido etimoldgico da palavra “elucidagéo”, que ¢ significativa para a compreensio da afir- mativa feita Sabres. Luck Cipriano Cet a: Fazer unersidade: uma proposta metodologics, So Paulo: Corte, 1984 p47 INTRODUGADAFLOSOFA » A palavra elucidar tem sua origem no latim. Ela € composta pelo | prefixo reforcativo “e”e pelo verbo “lucere”, que quer dizer “trazer 3 luz”. Entdo, elucidar, do ponto de vista de sua origem vocabular, sig nifica “trazer 4 luz muito fortemente”, “iluminar com intensidade’” Deste modo, conhecer, entendido como elucidar a realidade, quer dizer uma forma de “iluminar”, de “trazer a luz” a realidade. Mas, que luz € essa? Com certeza, nao éa luz fiscn, que ilumina e clareia 0s contomnos externos clos objetos. A luz do eucidar tem a ver com incidéncia da “Iuz da inteligencia” sobre a realidade; tem a ver com inteligbilidade, O conhecimento, como elucidagao da realidade, 6 2 forma de tornar a realidade inteligivel,transparente, clara, cristalina Eo meio pelo qual se descobre a esséncia das coisas que se manifesta por meio de suas aparéncias. Assim sendo, enquanto a realidad, por meio de suas manifestagSes aparentes, manifestar-se-ia como misteriosa, impenetravel, opaca, oferecendo resistencias ao seu desvendamento(desvendar/des-venda, = tirar a venda) por parte do ser humano, a elucidagio seria a sua ilu minacio, a sua compreensio, oseu desvelamento (desvelar/des-velar| rar 0 véu), Oato de conhecer, pois, como ato de elucidar, 60 esfor- Go de enfrentar 0 desafio da realidade, buscando-Ihe 0 sentido, a ver- dade jEssa realidade tanto pode ser um tinico objeto, como pode ser uma rede deles formando um todo, mesmo porque nenhum objeto se dla isolado. O que importa, parao conhecimento, é tornar essa realida- de compreendida, clara iluminada. 7 550°" _ grove conrece® No que se refere ao conheciménte; ha quatis elententos a serem, ddestacacios: umsujeito que conhece; um abjeto que & conhecido; um ato) de conhecer, e, finalmente, um resultado, que 6 a compreensao da reali- dade ou 0 conhecimento propriamente dito (a explicacao produzida e exposta,tornada disponivel as pessoas), O sujet, no caso que nos interessa aqui, é 0 ser humano que construiu a faculdade da inteligibilidade, construiu um interior capaz dle apropriar-se simbdlica e representativamente do exterior, conse- guindo, inclusive, operar de forma abstrata com seus simbolos e re- presentacées. O objeto €0 mundo exterior ao sujeito, que é representa \ ‘lJ adequada que ele faz do exterior |Deste modo, a iluminagao da reali g § 8 § » LWeKes- Passos oem seu pensamento a partir da manipulagdo que executa com eles, ‘conceitos no nascem de dentro do sujeito, mais sim da apropriagao dade nao 6 um ato exclusivo do sujeito, mas um ato que se processa dialeticamente com ea partir da realidade exterior. O sujeito ilumina a realidade com sua inteligéncia, mas a partir dos fragmentos de “luz”, dos sinais que a propria realidade Ihe oferece. O suieito, no nivel da teoria,explica um objeto, néo porque ele voluntariamente queira que a explicagao seja esta e nao outra, mas sim porque os fragmentos da realidade com os quais ele trabalha Ihe oferecem uma logica de com- preensio, Ihe permitem descobrir uma inteligibilidade entre eles, for- ‘mando, assim, um conceito que nada mais é do que a expressdo pen- sada de um objeto. Além do sujeito e do objeto, no conhecimento, hé o ato de conhe- cere resultado desse ato. O ato de conhecer & 0 processo de interagao que o sujeito efetua com o objeto, de tal forma que, por recursos va- riados, vai tentando captar do objeto a sua logica, a possibilidade de expressé-lo conceitualmente. Entéo, 0 sujeito interage com 0 objeto para descobrir-Ihe, teoricamente, a forma de ser. Por tltimo, 0 resul- ftado do ato de conhecer ¢ 0 conceito produzido, o conhecimento ropriamente dito, a explicagao ou a compreensao estabelecidas, que odem ser expostas e comunicadas. Enquanto 0 ato de conhecer cexige andlise dos elementos, dos fragmentos da realidade, enquanto ‘ato de conhecer é analitico, o conhecimento (a explicagao) é sintético. Acxposigdo da explicagao obtida nao necessita reproduzir, passo por asso, todos 0s fragmentos do processo de investigacao, basta apre- sentar a ldgica central dos dados da realidade que sustentam 0 con- cxito formulado? Em sintese, o conhecimento é a compreensao /explicagao sinté «a produzida pelo sujeito por meio de um esforgo metodolégico de ‘Métdo da economia pti”. In: Mars, Kar. Conribuigo arin da eonomi plic. Sho Paul: Marin Fonts 197.2182 INTRODUGAD AFLOSORIA ” analise dos elementos da realidade, desvendando a sua l6gica, tor nando-a inteligivel. Se retornarmos agora a resposta, mais ou menos ingénua, que as pessoas dao espontaneamente & pergunta “o que ¢ conhecimento?", veremos que ela nao é, de todo, despropositada. Quando se diz. que conhecimento € aquilo que adquirimos nos livros, significa que nos apropriamos das resultados do processo do conecer, nos apropriamos da explicagao pronta eelaborada. No livro, na exposigdo, esta elucidacao da realidade obtida por alguém e da qual nés também nos apropriam (Adquirir conhecimento é adquirir uma compreensio da propria rea} lidade. © que ocorre com a aquisigdo de conhecimentos a partir dos livros, especialmente na experiéncia escolar, é que ela tem sido nor- malmente um processo de decorar informagdes, sem tornd-las uma compreensio efetiva da realidade. Saber de cor uma determinada {[quantidade de informagdes nao significa que se tenha uma determi- nada compreensio do mundo objetivo. Por isso, aquela primeira resposta, em parte, é verdadeira e, em parte, nao. Verdadeira, na medida em que aquilo que esta exposto, em principio, é resultado de um ato de conhecer, um conceito formu- lado; falsa, na medida em que reter informagoes, pelo processo de memorizagio, no sigfca continent, pois que ext implioneg sencialmente:compreensio, 0 que-vai-além da pura memorizagai Além, evidentemente, de que o exposto pode conter uma informagao ‘enganosa sobre o real. Em sintese, 0 conhecimento, como elucidagio da realidade, de- corre de um esforgo de investigagio, de um esforgo para descobrir aquilo que esté oculto, que nao esta compreendido ainda. $6 depois, de compreendido em seu modo de ser & que um objeto pode ser con- siderado conhecido. 2.0 processo de producéo do conhecimento O conceito explicativo da realidade nunca esté pronto; ele é uma construgdo que o sujeito faz a partir da légica que encontra nos frag- n LUCK Passos ‘mentos da realidade. Para tanto, tiliza-se de recursos metodolégicos, de meios e processos de investigacao. Ele se constt ‘de lon- ga busca, por meio de esforgo de desvendamento. A elucidagio do mundo exterior exige imaginagio investida, busca disciplinada e me- todolégica, tendo em vista captar os meandros do real, Ao se deparar com um desafio, 0 sujeito do conhecimento passa | a0 esforgo de elucidé-lo. Ele trabalha para desvendar a trama de rela- «es que constitui a realidade, Para conseguir isso, comeca por produzir respostas (hipsteses) decorrentes dos esclarecimentos que jé possui, adquiridos pela ex- periéncia pessoal ou de estudos com outras pessoas ou com os livros. Caso essas respostas nao satisfacam, importa inventar outras expli- ‘cagbes, até que se encontra aquela que seja satisfatéria. S6 apés ve- rificar a veracidade de sua hipétese é que o cientista expoe suas certezas, Mas, como saber qual &a resposta satisfat6ria se a realidade nao se expressa? Somente parece que a realidade nao se expressa. Grifamos 0 “parece” porque somente parece que a realidade nao se expressa. De fato,ela sempre se manifesta; eto, torna-se necessério saber entender asua expressao. E preciso saber “Ié-la” para se entender o que ela diz. E preciso ser “alfabetizado” na aprendizagem do desvendamento da realidade para poder entendé-la. Dai a necessidade que o sujeito do conhecimento tem de se utilizar de recursos metodolégicos para fazer a realidade “dizer” o que ela &. O investigador necessita utilizar-se de “rodeios metodol6gicos”, por meio dos quais capta 0 possivel verda- deiro sentido da realidade. Diante do desafio, o sujeito do conhecimento formula respostas plausiveis e procura ver nas manifestagdes da realidade se a respos- ta que formulou é adequada ou nao. Por vezes, essa resposta é en- contrada e confirmada rapidamente e outras vezes exige anos de trabalho. Para iustrar esse processo, vamos lembrar dois casos de pesquisa, ‘um no ambito da investigagao das ciéncias da satide e outro no ambito INTRODUCAO AFLOSONIA a da investigagao das ciéncias sociais.O primeiro refere-se a descoberta da {ebre puerperal pelo médico suigo Iguaz Semelweiss,’e o outro exemplo refere-se A construgdo do conceito de governo bonapartista, produzida por Karl Marx, na sua obra O dezoito brumdrio de Luiz Bonaparte.t Em primeiro lugar, vamos ao exemplo de Semelweiss. Entre 1844 € 1848, ele se deparou com uma situacao desafiadora e, aps muito trabalho, encontrou sua explicagao, seu desvelamento. Para apresentar este exemplo, vamos nos utilizar do relato-sintese de sua descoberta, que se encontra no livro Filosofia da ciéncia natural, de Carl G. Hempel. A citagdo que se segue € um tanto longa, mas necessdria para se poder apreender o caminho de um processo de pesquisa no seu todo, da situagao problematica ao seu desvelamento. A situagio de investigagdo relatada deu-se no Hospital Geral de ‘Viena, que possui dois servigos de maternidade. [No Primeiro Servigo da Maternicdade desse Hospital, em 1844, das 3.157 mulheres internadas para os procedimentos do parto, 260 (ou seja, 8% delas) morriam de febre puerperal (doenga infecciosa que pode atacar as mulheres apés 0 parto). Em 1845, esse percentual foi de 6% em 1846, ele chegou a 11,4%, Esse nivel de mortalidade tornava-se mais alarmante com a constatagao de que os indices de mortalidade, ‘pela mesma doenga, no Segundo Servigo de Maternidade do Hospital, ceram bem menores. No caso, 23% para 1844; 2,9% para 1845 e 2,7% para 1846, Aiestava 0 desafio para Semelweiss. Ai estava a realidade, 0 aspec- to culto da realidade que ele desconhecia: 0 que causa nivel tio ato de rmortalidade nas parturientes do Primeiro Servigo, que nao atinge as sgestantes do Segundo Servigo? Atormentado pelo terrivel problema, Semelweiss esforgou-se para resolvé-lo seguindo um caminho que ele mesmo veio a descrever mais tarde em livroque escreveu sobre a causa ea prevengio da febre puerperal. S.C. Hempel, Car . Fils ica natu. Rio e Janet: Zahar, 1974p. 13-6. 4.CE Mary, Kas. O senitobrumirio de Lis Bonpartee Cartas «Kugeiman. Rio de Jair: Page Tere, 174 LUCKES- Passos ‘Comecou considerando vétias explicagdes entio em voga; algumas rejeitou logo por serem incompativeis com fatos bem estabelecidos, ‘outras, passou a submeter a verifcagées especifcas. ‘Uma ideia amplamente aceta na época atribuia as devastacées da {ebre puerperal a “influéncias epidémicas”, vagamente descritas como sidancas “césmico-atmosféricas”espalhando-se sobre bairros inteiros ce causando febre nas mulheres inteadas. Mas, raciocina Semelweiss, como poderiam tas influéncias afetar 0 Primeiro Servigo durante anos «epoupar o Segundo? E como poderia conciliar-se essa ideia com 0 fato de estara febre grassando no Hospital sem que praticamente ocorres- ‘se outro caso na cidade de Viena ou em seus arredores? Uma epidemia {genuina, como é a célera, nao poderia ser tao seletiva. Finalmente, Semelwveiss nota que algumas das mulheres admitidas no Primeiro Servig, residindo longe do hospital, vencidas pelo trabalho de parto ainda em caminho, tinham dado a luz em plena rua; pois, a despeito dessas condigies desfavordveis,a taxa de morte por febre puerperal entre esses casos de “parto de rua” era menor que a média no Primeiro Servigo. Segundo outra opinio,a causa da mortalidade no Primeiro Servigo era o excesso de gente. Mas Semelweiss observa que esse excesso era ainda maior no Segundo Servico, o que em parte se explicava como re- sultado dos esforgos desesperados das pacientes para evitar o Primeiro Servigo,jé mal-afamado, Ele rejeita também duas conjeturas semelhan- tes, entao correntes, observando que nao havia diferenga entre os dois Servigos quanto & dieta e ao cuidado geral com as pacientes. Em 1846, uma comissio nomeada para investigar 0 assunto atribuia a predominancia da doenca no Primeiro Servigo a danos causados pelo exame grosseiro feito pelos estudantes de Medicina, que recebiam seu treino em obstetricia apenas no Primeiro Servico. Semelweiss observa, refutando esta opinido, que: a) os danos resultantes naturalmente do processo de parto so muito mais extensos que 0s que poderiam ser causados por um problema grosseio; b) as parteiras que recebiam seu tweino no Segundo Servigo examinavam suas pacientes quase do mesmo ‘mod, mas sem os mesmos efeitos nocivos;c) quando, em consequéncia do relatsrio da comissio, o nlimero dos estudantes de Medicina ficou diminuidoa metade eos seus exames nas mulheres foram reduzidos a0 minimo, a mortalidade, depois de breve declinio, elevou-se a niveis, ainda mais altos do que antes. ITRODUCADARLOSORIA 7 Varias explicagées psicolégicas tinham sido tentadas. Uma delas Jembrava que o Primeiro Servigo estava disposto de tal modo que um padre, levando o iltimo sacramentoa uma moribunda,tinha que passar por cinco enfermarias antes de alcancar o quarto da doente: 0 aparec mento do padre, precedido por um auxiliar soando uma campainha, produziria um efeito aterradore debilitante nas pacientes dessas enfer- ‘arias e as transformava em vitimas provaveis da febre. No Segundo Servigo, no havia esse fator prejudicial porque o padre tinha acesso direto ao quarto da doente. Para verifcar esta conjetura, Semelweiss convenceu o padre a tomar um outro caminho e nao soar a campainha, chegando ao quarto da doentesilenciosamente e sem ser observado. Mas ‘a mortalidade no Primeiro Servigo nao diminui Observaram, ainda, a Semelweiss, que no Primeiro Servigo as mu- Iheres, no parto,ficavam deitadas de costas e, no Segundo Servigo, de lado. Mesmo achando a ideia inverossimil, decidiu, “como um néufrago se agarra a uma palha”, verificar se a diferenga de posigio poderia ser significante. Introduzindlo 0 uso da posigao lateral no Primeiro Servigo, a mortalidade nao se alterou. Finalmente, no comego de 1847, um aci- dente deu a Semelweiss a chave decisiva para a solugio do problema, ‘Um colega, Kolletschka,feriu-se no dedo com o bisturi de um estudan- te que realizava uma autépsia e morreu depois de uma agonia em que se revelaram os sintomas observados nas vitimas da febre puerperal. ‘Apesar de nessa época nao estar ainda reconhecido o papel desem- penhado nas infecgdes pelos micro-organisms, Semelwveiss compreen- ddeu que “a matéria cadavériea”,introduzida na corrente sanguinea de Kolletschka pelo bisturi é que causara a doena fatal do seu colega. As semelhangas entre o curso da doenca de Kolletschka e o das mulheres ‘em sua clinica levaram Semelweiss & conclusio de que suas pacientes rmorreram da mesma espécie de envenenamento do sangue: ele, seus ccolegas e os estudantes tinham sido 0 veiculo do material infeccioso, pois vinham as enfermarias logo apés realizarem dissecagoes na sala de alutépsia e examinavam as mulheres em trabalho de parto depois de lavarem as maos apenas superfcialmente, muitas vezes retendo 0 chei- ro nauseante Novamente, Semelweiss submeteu sua ideia a um teste. Raciocinou que, se estivesse certo, entdo a febre puerperal poderia ser prevenida pela destruigéo quimica do material infeccioso aderido as mos. Ordenou, % LUCKES- Asso | entao, que todos os estudantes lavassem suas maos numa solucio de cal clorada antes de procederem a qualquer exame. A mottalidade pela febre logo comecou a decrescer, caindo, em 1848, a 1,27% no Primeiro Servigo, enquanto no Segundo era de 133%. Justifcando ainda mais suas ideias ou sua hipstese, como também diremos, Semelweiss observou que ela explicava o fato de ser a morta- lidade do Segundo Servigo mais baixa: 1, as pacientes eram soco por parteirascujotreino nao incluiainstrugdo anatémica por dissecacio dos cadaveres. E ahipétese também explicava a menor mortalidade entre 0s casos de “parto de rua", pois as mulheres que jé chegavam trazendo seus bbebés ao colo raramente eram examinadas aps a admissao e tinham, assim, melhor sorte de escapar a infeccio. Finalmente, a hipétese explicava ofato de serem vitimas de febre os recém-nascidos cujas maes tinham contraido a doenca durante o traba- Iho de parto, pois entdo a infecgdo podia ser transmitida a crianga antes do nascimento, através da corrente sanguinea comum & mae e ao filho, 1 que era impossivel quando a mae permanecera sadia, A citagao foi longa, porém cremos que suficientemente clara para demonstrar 0 processo do conhecimento, o proceso pelo qual o su- jeito vai construindo a explicagdo para a realidade desafiadora que tem diante de si. Semelweiss, sujeito do conhecimento, tinha diante de si uma situagdo problemética, ainda sem inteligibilidade, opaca. que ele fez? Trabalhou disciplinada e metodologicamente para construir sua compreensio e sua explicagao. Observou a realidade, juntou fragmentos e sobre eles tentou articular relagoes teéricas (hi- péteses); observou os fatos novamente; muitas vezes frustrou-se em suas possiveis explicagdes, até que atingiu o nivel verdadeiro de com- preensio da realidade. Conseguiu, pois, “iluminé-la”, torné-la trans- patente. A realidade nao é transparente por si, mas pode tornar-se por ‘meio da investigacdo que constr6i o conhecimento. Esse é um exemplo experimental, ou quase experimental, de investigacao. Um segundo exemplo que vamos lembrar ¢ a construgéo do conceito de “governo bonapartista” ou o “bonapartismo”, realizado INTRODUGADARLOSOAA » pot Marx em sua obra O dezoito brumério, Marx conceitua o bonapar- tismo como a forma de governo que se dé no mundo burgués-capi- talista, onde 0 Executivo tem predominancia sobre o Legislativo, apoiado no exército como forga de repressio, no clero, como forga ideol6gica e no campesinato como forca popular. Esse governo pa- rece estar desvinculado da sociedade, auténomo sobre ela; no entan- to, isso € 56 uma aparéncia, desde que esté a servigo do segmento dominante. De onde Marx retirou esse conceito de “governo bonapartista”, que pode ser aplicadoa muitos governos de hoje, inclusive na Amé- rica Latina? Ele o inventou de sua imaginacao? Nao. Certamente que nao. Essa “iluminacao” da realidade politica da sociedade burgue- sa-capitalista, ele a construiu a partir do estudo sistematico e disci- plinado dos acontecimentos politicos que envolveram a Franca entre os anos de 1848 e 1852. Em 1848, a Revolugio de Fevereiro colocou o proletariado no poder ao lado de outros segmentos da sociedade. Em 1851, Luis Napoledo deu o golpe de Estado. Marx acompanha e estuda os acontecimentos politicos entre uma e outra data, desvendando a trama da luta de classe que subjazia ao processo politico da soci dade francesa de entao. Ele descreve e demonstra que, primeiro, 0 proletariado ¢ eliminado da cena politica. A seguir, o proprio parla- mento da Reptiblica Francesa é apagado por sucessivas eliminagies, dos representantes politicos dos diversos segmentos da sociedade: de inicio, os republicanos; depois, os sociais-democratas; e, por til- timo, os préprios representantes da grande burguesia (o partido da ‘ordem). Quem ficou no poder? Bonaparte, apoiado nos camponeses, na forca do exército e na ideologia dos padres. que foi que Marx fez? “Leu”, por sob os fragmentos da realidade, um fio condutor dos acontecimentos que permitiu construir a explicagio de uma forma de governo, que foi o bonapartismo. Forma de governo localizada na Franga de meados do século pasado, porém, conceito general zvel para a compreensio de muitos outros governos modernos & contemporaneos. Bismark, na Alemanha, foi um bonapartista; os AUCKES- Passos » anos sio bonapartistas; muitas das govermos dt entais contemporaneas Posse TAGOS bonapartistas. 3 acidentais con atts Jonos mostram queeconhecizento (0 concei- exempl de um esforgo metodolégico de in. 10s ditatoriais latino-ameri Umeoute aeons me vealidade) St zl eee como uma forma decompreensio univer} vestigacio 5 imentos, Os dois exemplos citados sio ‘nalitico, pars, a partir da, descobrirasua Logica e a sta inteligibili- ‘fade, Sob a mortalidade das mulheres, Semelweiss desvenda a “febre puerperal” ¢, 0b ogolpe de Estado de Luis Napoledo, Marx desven- Gao “bonapartismo”. A tarefa de todos nds esté posta: sob a aparéncia dos fatos e dos fendmenos, descobrir a sua esséncia, o seu verdadeiro significado. Isto 6, proceder a criacio do conhecimento como elucida- ‘lo da realidade. Nenhuum dos dois investigadores retirou suas expli- ‘cages do bolso das calgas. Ambos detinham uma consulta prévia e ambos se debrucaram metodologicamente sobre os seus respectivos objetos de estudo. Esse exercicio metodolégico, criativo, inventivo, interessante, no 6 espontineo, simples e facil. Ele exige disciplina e esforgo. Liicio Lombardo Radice em seu livro Educazione della Mente, nos diz 0 se- guinte: O desenvolvimento intelectual, a aqui tural sérioe significativo requerem um esforco sistematico: constituem 20 de um patriménio cul- um tral. Qualquer trabalho éri, mesmo 0 que amamos, que eso- Jhemos lvremente e que por nada do mundo deixariamos, possui di versasfasese exigéncias complexas. O trabalho ni & uma sucessio ininterrupta de alerias,conquistas, ries. Aalegra, a conguista ea «tiagio So o resultado de um esforcocoidiano, humilde, obscuro, alr reid, Em qualquer trabalho..aténo do poeta eno do ci caistem problemas técnicos, a necessidade de dedicar muito tempo & aquisgto de nogies cle conhecimentos sistematicos, do domi 6 instrumentos. Quer dizer: is «tiador.0 domingo deve suceder vem depois de um longo ano de intista criador. jo sobre remissas do trabalho propriamente 08 demais dias da semana, as fries rotina. O belo poema nasce apés pro" INTRODUGADAFLOSORA » longados e pacientes estudos lingusticos,literdrios,hist6ricos. Os des- cobrimentos cientifcos resultam de uma investigagio infatigével etenaz, do aprendizado daquilo que outros fatigosamente construiram. O génio ue surge magicamente & um mito romantico deseducativo: 0s poetas ‘ou cientistas geniais sio, acima de tudo, infatigiveis trabalhadores.* Portanto, a produgio do conhecimento exige trabalho. Trabalho sgratificante, mas trabalho! Hé que se dedicar com esforgo, atengio disciplina metodol6gica para se chegar a resultados significativos. Os resultados do desenvolvimento dos segredos do mundo trazem a0 investigador satisfacdo e prazer. Porém, como vimos nos exemplos, cexige dedicagio disciplinada por meio de uma proposta metodol6gica. 3. questio da apropriagio do conhecimento Diariamente, de algum modo, nos apropriamos de novos conhe- cimentos, seja no nivel do senso comum, seja no nivel da isso, vale a pena abordar essa questio. cia. Por Entendemos, aqui, por apropriagio do conhecimento, 0 modo pelo qual possivel ao sujeito humano tomar posse de um entendi-| mento da realidade. Apropriagio nao significa uma retengdo de infor- magdes, mas sim a compreensio do mundo exterior, utilizando-se das) informagoes. Assim sendo,entendemos que osujeito se apropria do conhecimen- to de duas maneiras: a direta e a indireta. Essas duas modalidades de ) apropriagao na pratica sdo insepardveis, porém didaticamente distintas.* Diretamente,o sujeito se apropria cognitivamente da realidade que se da a partir de eufrentamento direto entre sujeito do conhecimento 5. Radice, Lio LE woo. Rode Janeiro: Paz Tera, 1964p 8 {6.Ck.Luckes, Cipriano C. al Oletor no ato de estudar a playa eer. In Fase ani tsa una proposta metsdoligic, opi, p-IH, Pare do texto agu apresentado, sobre ‘dois tips de eonhecimento, encontr-se em Luckes Cipriano C. Os melas de comunicagio tn escoa atlisagn peda e preparagio para cidadana. hn Klroling, Margarida. Cama cage etc: catsinbos cruzades Sie Paul: Loyola, 1886. 2-52 » LUCKES-PAssog e mundo exterior. O sujeito ¢ desafiado por alguma coisa nova que se Ihe apresenta e ele se esforga, metodicamente, para descobrir 0 sey sentido. Neste tipo de apropriagao cognitiva da realidade, nao hg alguém ou algum meio que ensine ao sujeito 0 que a coisa é. Ele a desvenda, A titulo de exemplos, poderiamos dizer que Thomas Edison se apropriou diretamente do modo de construgio de uma limpada elé- trica, visto que realizou intimeros experimentos até chegar a um bem-sucedido. Poderiamos dizer que a apropriagao da compreensio dda causa da febre puerperal, que matava as mulheres no Primeiro Ser- vigo de Matemnidade no Hospital Geral de Viena, por Ignaz Semelweiss, foi direta. Podemos lembrar, ainda, o fato da descoberta da penicilina ‘por Fleming. Ele se apropriou de um entendimento novo da realidade, conseguindo, inclusive, criar um modo técnico de agir em razio da sobrevivéncia de muitas pessoas. Poderiamos ainda, retomar a desco- berta do bonapartismo por Marx. E tantos outros. | Aapropriagao direta do entendimento da realidade seria, entao, a aquisigéo de uma compreensio da realidade que nasce do esforgo de centendé-la a partir de seus proprios elementos e relagbes, seja a partir cde uma intuigdo direta e imediata, seja a partir de longos esforgos de testagem, como foi o caso da construgao da lampada. ‘A apropriagto indreta da realidade ¢ a compreensao inteligivel da ‘mesma que fazemos por meio de um entendimento jé produzido por outro, £ a compreensao da realidade por meio do entendimento que outros tiveram e nos relataram através de algum veiculo de comuni- ‘agio, qualquer que seja ele: oral, escrito, pict6rico, visual, auditivo etc. Ou seja,pela via indireta, a apropriagao do conhecimento se da {por um mediador que nos diz. que a realidad ¢ assim, porque ele a interpretou assim e, para tanto, apresenta argumentos que devem nos iconvencer} E possivel, mediado por uma comunicagao, chegar a um entendimento da realidade, a um entendimento verdadeiro. Essa segunda forma de apropriagao do conhecimento é a mais utilizada na pratica escolar, especialmente quando se usa 0 livro como ‘mediador entre 0 sujeito cognoscente (educando) ¢ a realidade. In- INTRODUGAOARLOSOAA ” dicar que especialmente o livro 6 0 meio utilizado na escola, ndo tem por intengao privilegié-lo. Apenas constatamos um fato que ocorre todo dia. Através do texto, que no caso serve como “lente de interpretagio"? da realidade, 0 educando deveria apropriar-se de um entendimento dessa realidade, ainda que nem sempre o consiga, devido ater-se mais, ao texto que a realidade que ele espelha (O que importa, na apropriagao direta ou indireta do conhecimen- to, 6a compreensio da realidade, porque é ela que cada sujeito huma- no tem de enfrentar. Quanto mais competente for o entendimento do mundo, mais satisfatdria seré a aco do sujeito que o detém. Naeescola é que, pela hipertrofia do uso do modo indireto de apro- priagdo do conhecimento, muitas vezes, 0 intermedisrio do conheci- mento ¢ transformado, mistficado, reificado como se fosse a propria realidade a ser entenclida. Existem professores que selecionam textos extremamente dificeis de compreender. O texto passa a sera dificulda- de para o aluno, e nao o mundo que o texto pretende expressar. O que importa conhecer nao é 0 texto em si, mas a realidade que ele veicula, ‘a menos, evidentemente, que se esteja estudando o texto como objeto deabordagem, como nos casos de literatura, ingua nacional, estilistica etc. Nesse caso, a realidade a ser compreendida é 0 proprio texto; 0 intermedidrio para esta situagao seria o comentario analitico sobre 0 texto e suas qualidades ou fragilidades. Com essa hipertrofia do meio, a realidade a ser compreendida fica | totalmente obscurecida; 0 objeto do conhecimento fica supresso. O| pensamento do educando, como manifestacio do conhecimento apro- Priado, ndo ser um pensamento sobre o objeto do conhecimento, mas sobre o discurso feito sobre o objeto. Disso decorre a chamada “razao ornamental”, que nada mais é do que um possivel discurso brilhante sobre alguma coisa que se conhece, mas que nao traduz uma verda-, deira compreensio sobre ela. Araz3o ornamental assemelha-se ao “verbalismo”, que nada mais Edo que um belo discurso que efetivamente nada expressa da realida- WOKS Assos 2 siulagao de palavras lancadasa0 vento, sem, sa mo objeto a0 qual deveria estar articulada, i oe ‘uso dos conhecimentos jé acumulados ro que sim. Mais que isso: para a efetiva ‘como entendimento da realidade, hoje, manidade. A apropriagio do conhe- de entendimento da realidade, 6 do conhecimento novo. de. Overbalismoé qualquer amarraefetiv ‘Assim sendo, vale a pet pelo sujeito cognoscente? Cla ‘apropriacio do conhecimento ‘nao ha como fugirao legado da hut ‘cimento acumulado, como forma ‘elemento fundamental para 0 avanco ‘Em nossa cvilizagdo atual, ndo hé como produzir conhecimen. to novo, no sentido de fazer avancar 0 legado da humanidade, sem : Gomes, falando a respeito do que nos apropriemos dele. Roberto _legadofilos6fico, diz. que 4 to grave esquecer-se no passado quanto } esquecer-se dele”. Em termos de conhecimento, ocorre a mesma coisa. Nao se pode

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